ENSINAR EXIGE COMPROMETIMENTO Aparecido Gomes Leal
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Uma das preocupações ao compor este texto foi evitar a abordagem acadêmica, com sua linguagem específica que muitos, com certeza utilizarão, dessa forma, adotamos do começo ao fim uma postura até coloquial, com intenções de ser o mais acessível possível. As idéias que constituem esse nosso trabalho estão ligadas à nossa experiência e percepção de problemas em sala de aula, durante mais de vinte anos - o que esperamos poder justificar a nossa intenção de tratar do ensino de filosofia no ensino médio -, acreditando trazer alguma contribuição, mesmo que, de antemão, todos saibam da dificuldade
que
é
qualquer
abordagem
sobre
esse
assunto,
especialmente quando se trata daquilo que acontece entre professor e aluno em sala de aula. No ano de 2005 houve, no Estado de São Paulo, um curso de formação e preparação de professores de filosofia da rede pública de ensino, denominado “Filosofia e Vida”. Esse curso foi estruturado principalmente sobre programas e ou indicações sobre material a ser utilizado em sala de aula, tentando sanar as dificuldades que os professores alegam ter o tempo todo. Os organizadores foram: o Governo do Estado de São Paulo, a Secretaria de Educação e a Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas, com suporte da UNICAMP, que forneceu professores para palestras presenciais e online, além do suporte técnico para a manutenção de um portal, TELEDUC, para troca de experiência, postagem e discussão de trabalhos
individuais
ou
em
grupos.
Foi
distribuído
entre
os
participantes material didático, como livros e dicionários, bem como quatro volumes contendo material para apoio em sala de aula, organizados pelos professores José Alves de Freitas Neto e Leandro Karnal, da UNICAMP. Esse foi o primeiro e inovador curso para
professores de filosofia do Estado de São Paulo. O que chamou atenção foi o fato de que a maioria dos professores tinha muitas dúvidas sobre o que ensinar, como ensinar e que método seguir para obter sucesso. A reclamação corrente era quanto ao baixo nível de interesse em aprender dos alunos, a burocracia que os professores enfrentam cotidianamente e o baixo nível dos alunos quanto a formação básica, compreendendo a escrita, a leitura e a compreensão de textos. Desta forma, esse nosso trabalho se coloca como uma reflexão sobre o comprometimento do professor e alunos quanto à disciplina filosofia, espelhando, porém, aquilo que acontece em sala de aula. É sabido que toda proposta de ensino de filosofia esbarra, primeiramente, no perfil daquele que ensina. O papel do professor de filosofia é de suma importância para que haja, de fato, boa aceitação e desenvolvimento, junto aos alunos, do hábito de pensar e repensar os mais variados temas. Contudo, os desafios constantes que a sala de aula trazem para o profissional, não raro desestimulam e fazem com que poucos consigam tirar prazer do ato de ensinar. Muitos desejam um “método” específico que lhes propicie ministrar a disciplina com sucesso, porém, cada aluno é um, da mesma forma que cada turma traz consigo problemáticas diferenciadas. Encontrar um método próprio parece ser o melhor caminho para estabelecer um elo com os alunos e com o conteúdo programático. Isso, contudo, só vem com o tempo, com a experiência em sala de aula, tanto é que um método utilizado por alguém pode não servir para outro. Fazer os alunos se interessarem pelas aulas de filosofia e pela problemática que elas implicam e suscitam, contudo, não é tarefa fácil, parece mesmo um desafio que o professor encontra à sua frente e ao qual tem que propor uma solução rápida e constante, ainda que nem sempre em forma de “modelo”, uma vez que a cada série e ou grupo de alunos, deve ser pensada e utilizada uma forma de trabalho. A filosofia apresenta alto grau de profundidade no trato com
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os temas e assuntos que se dispõe trabalhar, posto isso, cabe ao professor, alta perspicácia e estudo constante para perceber quem são os seus alunos e qual o planejamento mais adequado que podemos traçar para eles, então, não há “um” caminho, são eles muitos e os mais variados que pudermos abraçar. Fazer os alunos se interessarem pelas aulas de filosofia e a problemática que elas implicam e suscitam, contudo, não é tarefa fácil, parece mesmo um desafio que o professor encontra à sua frente e ao qual tem que propor uma solução rápida, ainda que nem sempre em forma de paradigma, uma vez que a cada série e ou grupo de alunos, deve ser pensada, repensada e utilizada uma nova forma de trabalho. A filosofia apresenta alto grau de profundidade no trato com os temas e assuntos
que
se
dispõe
trabalhar,
posto
isso,
cabe
a
todos
professores de filosofia, alta perspicácia e estudo constante para perceber quem são nossos alunos e qual o planejamento mais adequado que poderemos traçar para eles, então, não há “um” caminho, são eles muitos e os mais variados que pudermos abraçar. Não ter preconceito com os variados meios de transmissão do conhecimento pode facilitar na obtenção do sucesso em sala de aula. Segundo
Julián
Marías
(1966,
p.
32),
a
filosofia
supõe,
primeiramente, uma situação como ponto de partida; mas sua ação própria é condicionada por essa situação, tendo começo quando esta força o indivíduo a fazer isso que será a filosofia. Portanto, ter um planejamento é algo fundamental. Encontrar a “justa medida”, encontrar um caminho”, para facilitar o ensino de filosofia torna-se o objeto de desejo de muitos profissionais, mas há que se ter bom senso, comprometimento com aquilo que se transmite, não perdendo de vista a quem se destina aquele específico conteúdo. A utilização dos manuais de filosofia há muito perderam espaço para os “temas” que muitas escolas preferem adotar,
porém,
não
se
faz
filosofia
distante
da
problemática
específica, pensada e repensada muito tempo antes de nós. O gosto
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pela leitura dos textos filosóficos traz grandes qualificações para os alunos, bem como sua discussão em sala de aula, fornecendo ao professor e aos alunos, um melhor entendimento da própria evolução humana. Isso faz com que seja possível “trazer” os autores para dentro dos debates, facilitando um diálogo entre os alunos com esses personagens que já se inquietavam com o mundo vivido, bem antes de nós. A reflexão filosófica é acessível a todos e em todas as etapas da vida, como Epicuro afirmou (1973, p. 21). Para ele, não se deve protelar a filosofia porque se é jovem ou velho, posto que ninguém é, jamais, pouco ou demasiado maduro para o filosofar, da mesma forma que se acreditar que a hora de filosofar ainda não chegou ou já passou, é acreditar que a hora de ser feliz já passou ou ainda vai chegar. Todos, então, têm o “direito” ao livre acesso à filosofia, melhor dizendo, ao pensar filosófico, quer seja em sala de aula ou fora dela. Talvez aquele aluno desmotivado e inquieto, que parece totalmente alheio, esteja a chamar atenção sobre si mesmo, afinal, os
problemas
não
escolhem
por
idade.
O
professor
deveria
preocupar-se mais com esse aluno, dedicando-lhe mais atenção, tentando entender os problemas que o afligem, no intento de aproximá-lo da temática filosófica e da discussão sobre esta, o que possibilitará que o aluno consiga tirar proveito próprio dessa atitude, aproveitando sua insatisfação, despertando para a filosofia, afinal, se os problemas não nos escapam, podemos muito bem tentar encarálos de outra maneira. O jovem aluno pode perceber que todos têm seus problemas próprios e que a filosofia pode ser uma importante ferramenta para se entender melhor com eles. Pois, como lembra Heidegger (1969, p. 11): “É pelo pensar e dizer que o homem habita a terra”, talvez prefaciando a frase famosa do poeta Hölderlin (1970, p. 80) Cheio de mérito, mas poeticamente o homem habita a terra. Heidegger (1969, p. 39) estabelece em rara poesia, os três perigos que ameaçam o pensar, vejamos: “O bom perigo e por isso benfazejo
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é a vizinhança do poeta que canta. O mau perigo e por isso mais agudo é o pensar mesmo. Deve pensar contra si mesmo, o que apenas raramente consegue. O pior perigo e por isso confuso é o filosofar.” Dessa forma, pensar, filosofar, além de difícil, pode ser perigoso, mormente para o jovem aluno, que pode ter contato com qualquer tema filosófico, contanto que o professor acompanhe, desde a leitura à interpretação e apropriação do tema, verificando como o aluno lida particularmente com os problemas ali expostos. A filosofia ou o ensino dela é difícil da mesma forma como é difícil aprender qualquer coisa. Todos nós passamos por experiências de todo tipo e temos que, constantemente, aprender coisas novas. Mas ninguém deve renunciar à filosofia – da mesma forma que não se deve renunciar à felicidade -, mesmo sabendo que tanto a filosofia, quanto a felicidade, são tarefas difíceis e que parecem, na maior
parte
das
vezes,
impossíveis.
Ambas
demandam
comprometimento e firme propósito de vencer as dificuldades. Ao renunciar à filosofia, se renuncia a uma forma bastante salutar e prazerosa de poder inserir-se no mundo, não mais passivamente, mas compreendendo melhor a si mesmo, bem como ao mundo em que vive e do qual participa. O poeta Emerson (1994, p. 216), já nos instigava, dizendo: “Vai, acelera as estrelas do Pensamento em direção a seus alvos brilhantes”. Os alunos devem ser impelidos (sempre) a atingir alvos que correspondam aos seus mais caros desejos, de preferência, alicerçados por um conhecimento mais sólido, que a filosofia pode lhes proporcionar. Quando os alunos “brincam” de estudar, quer dizer, quando eles descobrem o prazer que é estudar, já estão prontos para aprender. Quando isso acontece, professor e alunos descobrem e estreitam laços, estabelecem novos objetivos e, juntos, podem aprender muito mais do que inicialmente julgaram um dia ser possível acontecer. A filosofia é vista por muitos, logo no primeiro contato, como algo “belo” que, primeiramente, encanta os alunos, mas o famoso
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adágio antigo de que o belo é difícil, tão de agrado a Sócrates – encontrado tanto no Crátilo (384 a), Protágoras (339 b), República (435 c) e no Hipias Maior (297 c), demonstra que é difícil tornar fácil, aquilo que é difícil, e aprender é difícil, Sim, é difícil reconhecer que pouco se sabe e que há muito para aprender, mas também há uma beleza em aprender, e o adolescente pode se admirar da sua capacidade de aprender coisas novas a todo instante. É prazeroso vêlo
exultante
quando
“descobre”
como
funciona
uma
equação
matemática, quando entende mais claramente uma proposição, quando consegue elaborar seus pensamentos em um texto, quando reconhece no texto o tema filosófico que mais se aproxima daquilo que parece ser a sua posição frente ao mundo e quando por fim, recebe o “prêmio” de uma menção acima daquela costumeira, pelos seus trabalhos e esforços em sala de aula. Kant, na Introdução de sua Lógica, afiançava que o verdadeiro filósofo tem que pensar por si próprio, utilizando a razão de forma livre e pessoal e não de forma servil ou como imitador. Para
se
ensinar,
contudo,
é
necessário
aprender,
saber
aprender, ter humildade de reconhecer que se “aprende junto”, que alunos e professores estão envolvidos por um mesmo interesse, que é o de evoluir, aprendendo. Para aprender é necessário querer. A palavra querer vem do latim quaerere, que significa empenhar-se na busca e procura do que não se tem. Dessa maneira, professor e alunos
devem
empenhar-se,
selando
compromisso
em
querer
aprender, juntos. Aprender é um modo de tomar posse, de apossarse e de apropriar-se. Aprender então, é um tomar em que se apropria e se dispõe do uso de alguma coisa e essa apropriação se dá através do treino e exercício, como bem disse Emanuel Carneiro Leão (2002, p. 44-50), porém, por outro lado, ainda diz ele, treinar e exercitar-se é apenas uma espécie de aprender, assim, nem todo aprender é treinar. Aprender, contudo, inclui sempre um conhecer. Aprender é muito mais difícil e fundamental que ensinar e só quem realmente
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sabe aprender, e somente na medida em que o sabe, pode de fato ensinar. Então, para ensinar tem que aprender, assumindo a ignorância, aquele que não assume o saber de sua ignorância não poderá ensinar e para aprender devemos trazer alguma coisa conosco para esse encontro, logo, não se vai “vazio” ao aprendizado, sempre temos algo a oferecer, neste sentido, o professor deve tentar fazer vir à tona esse algo originário que o aluno já tem e pode oferecer para dinamizar o aprendizado. Os alunos muito jovens, costumeiramente, não vêem com bons olhos, em primeira instância, a problemática fecunda que a filosofia traz e provoca, mas eles podem se “apaixonar” pela filosofia, desde que percebam o exercício pleno de liberdade que ela necessita para existir. Historicamente os jovens têm laços inquebrantáveis com a problemática da liberdade; ela é o anseio de todos eles, por ela são capazes de tudo, mesmo tendo uma visão distorcida do que de fato ela seja. Desta forma, o reconhecimento e o gosto pela liberdade e sua prática facilita que os alunos se envolvam com a problemática filosófica,
que
é
calcada
na
liberdade
de
pensar,
facilitando,
sobremaneira, que se aproximem dos grandes temas, da mesma forma como podem dominar e ou entender melhor os seus próprios dramas do cotidiano. Não se engana, porém, quem acredita que a filosofia requer imersão nos textos, com comprometimento. Nietzsche (s/data, p. 43-45), coloca na boca de Zaratustra a figura de linguagem que bem descreve a trajetória daquele que quer conhecer, a trajetória das três metamorfoses: do camelo, a quem cabe carregar tudo que encontra pela frente, apropriando-se da maior quantidade possível das coisas, depois este se transforma no leão, querendo conquistar a sua liberdade e ser senhor em seu próprio deserto. Essa fase aguerrida o transforma naquele que quer criar novos valores, com liberdade, opondo-se ao dever, há ainda a terceira metamorfose que é a transformação do leão em criança que, com sua inocência, esquecimento, estabelece e aceita um novo jogo
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para a criação. Os alunos, além de gostar e talvez se identificar com esse tipo de discurso, poderão entender melhor aquilo que lhes cobramos, isto é, a aceitação e empenho quanto aos trabalhos feitos em sala de aula, sabendo que as fases do conhecimento não têm “pressa”, tudo vem a seu tempo. A rotina de trabalhos em sala de aula provoca e promove um livre exercício de pensar, de problematizar, de não concordar e de se posicionar sobre assuntos que até então os alunos não haviam percebido, a partir daí eles despertam para serem agentes de discussões, apresentando opiniões e elaborando outras idéias e posturas que vão refletir no comportamento diário em sala de aula e fora dela. A própria história de vida dos alunos já é rico manancial para que eles repensem suas posturas, buscando soluções para problemas que, muitas vezes, parecem insolúveis, lhes povoando demais a mente de tal maneira que muito pouco se interessam por algo que esteja além disto. Os jovens alunos têm como foco de interesse, que parece único, a própria vida vivida, suas nuances e projeções de futuro. Trazer esses problemas, que então se afiguram como únicos e particulares, para a sala de aula e para o debate puro e simples, é uma forma eficaz de trazer o próprio aluno para o engajamento com os temas filosóficos e suas complexidades. Muitas vezes o homem formula questões filosóficas, a partir de sua angústia, mesmo sem saber que são filosóficas, pois a filosofia enuncia as questões da humanização e da desumanização, embora, como diz Fougeyrollas (1967, 41), que, a despeito de a tecnicidade da linguagem
particular
não
permitir
que
ela,
a
filosofia,
seja
reconhecida em sua validade, isso se dá pela angústia individual que, mesmo gritando por ela não sabe quem ela é. Disso decorre o comprometimento que o professor de filosofia deve ter com o ensino de filosofia, pois ele não escapará à apreciação dos alunos e, conseqüentemente, à própria filosofia. Deve-se chamar à responsabilidade para o exercício de ensinar, todos aqueles que
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desejam e se dispõem a trabalhar com o ensino de filosofia, colocando-os à frente dos muitos problemas que estão postos e que ainda virão, mas se houver firme propósito teremos profissionais empenhados em transformar-se, ajudando na transformação de outros. Talvez possamos aqui nos lembrar da famosa alegoria da caverna, encontrada no livro VII, da República, de Platão (518 c), em que o filósofo compara o processo educativo à passagem dos prisioneiros das trevas para a luz e, mais concretamente, ao gradual acomodamento da visão, primeiro às sombras e reflexos dos objetos, para depois se acomodar aos objetos mesmos e, finalmente, à luz mesma e sua fonte solar, neste caso, a educação seria como um adestramento ou fortalecimento da visão daquele que se descobre enxergando além das sombras. Há, contudo, um comprometimento desse indivíduo que se desprende das sombras para com aqueles seus parceiros, que lá ficaram no mundo das sombras, no fundo da caverna, ele deve se esforçar para junto deles voltar e convencê-los da boa nova. Tal se afigura o papel do filósofo, como queria Sócrates. O papel do professor pode se assemelhar a esse, sem, contudo, deixar que haja qualquer nuance de prepotência e soberba por pensar além. Se não há um método geral para se aprender, no entanto há a humildade de se reconhecer, professor e aluno, que pouco se sabe e que
é
possível
sempre
avançar
e
decodificar
mais
signos,
atravessando com desenvoltura problemas, em busca de soluções. A história da humanidade também é a história do conhecimento e cabe a todos nós darmos a devida importância a isso. Assim como cabe ao professor ter consciência de seu papel perante seus alunos, até porque a presença do professor não passa despercebida dos alunos na classe e na escola, da mesma forma que os alunos não podem passar despercebidos também. A filosofia torna o aluno importante co-autor das idéias que lê e pesquisa, ele se percebe como agente, isto é, como alguém que
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pode, que consegue e ousa afrontar idéias já postuladas por outros e, então, ele avança mais rapidamente, se impondo os desafios da compreensão das idéias filosóficas, buscando nas outras disciplinas, como por exemplo, na história, na arte e na literatura, ferramentas para
localizar,
interpretar,
combater
ou
aceitar
essas
idéias,
expandindo o seu conhecimento, espalhando-o e colocando-o em debate, sem medo, junto aos outros colegas, trazendo à sala de aula um
clima
instigante
e
de
discussão,
o
que
ainda
facilita
a
compreensão das outras disciplinas, até então tidas como estanques. Esse fervilhar de idéias prontas para o debate e exposição faz da sala de aula um outro lugar, um espaço único em que os alunos e o professor
não
devem
temer
o
acirramento
das
opiniões,
a
convergência e a divergência de idéias, a disputa calcada pela ousadia de se perceberem dialogando com as idéias filosóficas. O papel do professor então se faz único, posto que ele pode dirigir os variados pontos de choque entre os alunos. O professor estabelece um tipo especial de relação com os alunos, o que faz com que ele se torne um “sujeito de opções”, quer dizer, ele traz aos alunos opções novas na forma de ver e aprender sobre as coisas, até aquelas que então eles percebiam. Os alunos devem perceber no professor alguém que pode lhes ajudar na difícil arte de aprender, da mesma forma que o professor deve perceber o quanto essa prática pedagógica também lhe acrescenta e lhe torna melhor profissional. Enfim, ambos aprendem a aprender. A postura do professor deve trazer confiança e firme propósito de que, alunos e professor, vençam os desafios do entendimento, partilhando juntos a experiência e a descoberta de novos saberes. Não é sem sentido então, que a postura ética profissional deve nortear, sem dúvida alguma, o exercício de ensinar, pois a capacidade de fazer justiça deve ser o testemunho do professor. Contudo, o ser humano aprende o tempo todo, pela vida toda e em qualquer lugar, através das mais variadas experiências que a
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própria vida proporciona e é o viver que suscita o pensar. Quem aprende deve ter a humildade de reconhecer que não sabe e que, portanto,
deve
aprender.
Quem
ensina
deve
ter
paciência
e
reconhecer no outro – aquele que aprende -, que ele mesmo (que ensina), também aprendeu e ainda aprende. O ensino é como uma “roda viva” que gira o tempo todo, então, se ensinamos é porque aprendemos um dia, e aprendemos porque a própria vida assim nos solicita. Viver é um eterno aprender, como já diziam os antigos e, neste caso, se aprendemos o tempo todo, se todos podem aprender, então, todos também podem ensinar. Porém, é sabido que aquele que
ensina,
no
caso,
o
professor,
deve
re-conhecer
a
responsabilidade que tem e administrar com sabedoria aquilo que tem à frente, isto é, os desafios que o próprio ato de ensinar determina a cada dia. Deve mostrar ainda, dedicação aos seus estudos, privilegiando e lapidando a sua própria formação particular, afinal, o conhecimento deve ser expandido e acrescido o tempo todo e, principalmente o professor não pode fugir disso. O professor deve se dedicar com afinco aos seus alunos, trazendo um comprometimento à “autoridade” que a sua posição em sala de aula indica. Com sua postura ele pode dinamizar também o comprometimento com os estudos que os alunos devem buscar. O desafio constante é fazê-los vencer o desinteresse e distanciamento. Se a própria vida nos traz milhões de problemas, é a própria vida que nos indica as soluções, assim sendo, o aluno desmotivado, muitas vezes carrega consigo “todos os problemas do mundo”, como se tudo que há no mundo lhe fosse adverso e distante. Fazer com que esse tipo de aluno se interesse e se dedique aos estudos parece tarefa das mais difíceis, pois a educação passa por momentos cruciais e isto é de domínio público. Os alunos gostam de lançar desafios: afinal, para quê servem os estudos? O que a filosofia vai mudar em minha vida? O que ganho com isso? Essas questões são muito mais corriqueiras
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do que desejaríamos. Saber lidar com elas e enfrentá-las sem susto parece ser o primeiro sinal de bom senso. A falta de estímulos aos estudos – o grande problema enfrentado pela maioria dos professores -, na maioria das vezes, já vem de casa, pois os alunos enfrentam um mundo de dificuldades com os estudos que os pais nem sonham existir. Em reuniões com os pais pode-se perceber que aquele filho ou filha estudante é pedra preciosa para a família que nele(a) deposita toda a sua esperança por grandes mudanças. É comum, entretanto, os filhos não verem nos estudos, na atividade escolar e no esforço dos pais a possibilidade de superar crises e se lançar com mais segurança no mercado de trabalho.
Muitos
têm
na
sobrevivência
da
família
a
única
preocupação. O árduo cotidiano os leva para outros caminhos que não os do estudo e da formação educacional. E o que a filosofia lhes acrescentaria? Novamente, parece que nos colocamos em uma encruzilhada que dificilmente conseguiremos transpor. Buscar o saber através dos estudos pode parecer ser a busca por um grande tesouro para muitos, mas para outros o desafio já começa bem antes, quando se decide o que se quer “fazer da vida”, a opção madrasta entre os estudos ou a sobrevivência leva embora muitos alunos; esvazia as escolas e nos faz pensar sobre os métodos e os conteúdos a serem ministrados para que os alunos, nessa situação, queiram, desejem mesmo, voltar no dia seguinte para assistir, tanto as aulas de filosofia, quanto das outras disciplinas, é esse desafio imediato que a maioria dos professores enfrenta, sendo que muitos preferem, então, fingir que nada acontece, porém, a cada dia o espaço da sala de aula fica mais vazio e os alunos se furtam (com desprezo) às tarefas e ao comprometimento com os estudos. O professor de filosofia deve aprender a diagnosticar essas situações limites em que muitos de seus alunos se encontram e buscar maneiras de contornar e enfrentar, no sentido de tentar solucionar os problemas, não temendo, sobremaneira, este confronto.
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A máxima socrática, extraída do templo de Delfos, conhece-te a ti mesmo, pode ser um ponto de viragem na forma de os alunos e professores tentarem conhecer melhor eles mesmos, para poder conhecer melhor os outros e tudo mais que os circunda, saindo, então, do particular para o coletivo, melhor dizendo, da vida individual para a vida social, percebendo a importância do convívio social e político. Os
planejamentos
para
aplicação
ao
ensino
de
filosofia
pressupõem também o estabelecimento de interdisciplinaridade, uma vez que é ela, a filosofia, a disciplina para onde converge grande parte
das
proposições
e
dos
questionamentos
originados
em
disciplinas outras, quaisquer sejam elas, ousamos dizer. Trazer, portanto, o aluno para a liberdade de discussão de temas variados à luz da filosofia, ainda é uma forma de evidenciar a importância e pertinência desta disciplina, extraindo da postura filosófica um posicionamento mais claro e firme frente aos problemas referentes à busca e aquisição de um conhecimento maior acerca do que compete ao ser humano pensar e discutir – problemas estes que estão sempre retornando ao nosso convívio -, para que possamos dar-lhes um novo encaminhamento. Cabe lembrar que a filosofia não precisa de defensores que levantem “a bandeira” de sua importância, pertinência, assim como o prazer desmesurado que quem a ela se dedica sente. A philo-sophia, como se define, busca a verdade das coisas que existem e, dessa forma, entra em rota de coalizão com a visão de mundo que muitos alunos (e colegas professores, superiores e políticos) têm, porém, o gosto pelo filosofar é fácil despertar em qualquer indivíduo, pois já temos em nós mecanismos próprios que facilitam pensar. Aliás, como diz o ditado popular “só não pensa quem não quer“. Posto isso, ainda cabe salientar que a filosofia se mantém como disciplina necessária (agora obrigatória), muito mais por força, insistência e resistência dos professores desta área, do que por conta do poder instituído,
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esse, por sua vez, enxerga a filosofia (e todas aos outras disciplinas), através de óculos indevidos e ou obtusos, como podemos ver e constatar no dia a dia e pelas múltiplas decisões equivocadas que se abatem sobre a classe dos professores e a área da Educação. Escolher o magistério como profissão passou a ser algo assombroso, sendo que a maioria dos que a ela se entregam, muitas vezes nem tem vocação para tal e assim acabam enfrentando problemas que se afiguram como insolúveis e cada vez mais graves, desde a alegação e constatação do péssimo comportamento dos alunos em sala de aula, à desqualificação no mercado de trabalho, incluindo ai a respeitabilidade que há muito essa profissão perdeu junto à sociedade, espelhada ainda pela sofrível política salarial que dificilmente conseguimos entender. Fazer pensar pode ser agradável, prazeroso mesmo, mas para alguns profissionais pode ser o contrário, algo difícil, até porque muitos mantêm uma distância assustadora entre eles e os seus alunos e os temas centrais da filosofia, por conseguinte, devemos insistir no papel da formação dos novos/jovens professores, pois se queremos os melhores alunos temos que contar com os melhores professores. Esse talvez fosse o papel em que o nosso Estado pudesse mostrar muito mais o seu poder, porém, da mesma forma que a formação e atualização dos professores carece de novas políticas, os investimentos para a Educação deveriam ser aquilo que todos ansiosamente esperamos e necessitamos, porém, enquanto em gabinetes distantes e alheios ao problema da formação do jovem cidadão não houver uma preocupação legítima e uma tomada de posição para fazer da Educação o diferencial entre as nações, parece sobrar apenas o discurso vazio, com os professores no centro, sendo maltratados – e apontados como culpados pela crise atual na Educação -, tanto pelos políticos, quanto pela grande massa, que não vê neles a possibilidade de mudanças radicais na sociedade.
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Bibliografia EMERSON, Ralph Waldo. Ensaios. Rio de Janeiro: Imago, 1994. EPICURO, Antologia de textos. In: Epicuro, Cícero, Sêneca, Marco Aurélio. Coleção Os Pensadores. S. Paulo: Abril Cultural, 1973. FOUGEYROLLAS, Pierre. A filosofia em questão. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1967. HEIDEGGER, Martim. Da experiência do pensar. Porto Alegre: Globo, 1969. HÖLDERLIN, Friedrich. In: Cavalo Azul, nº 06. São Paulo: Cupolo, 1970. LEÃO, Emmanuel Carneiro. Aprendendo a pensar. Petrópolis: Vozes, 2002. MARÍAS, Julián. Introdução à filosofia. São Paulo: Duas Cidades, 1966. NIETZSCHE, Friedrich W. Assim falou Zaratustra. SP: Círculo do Livro, s/d. PLATÃO. A República. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1990.
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