Almost Poem Almost Comedy

  • November 2019
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  • Words: 2,554
  • Pages: 25
calo-me sou ignorante calai-vos cúmplices da ignorância aprendamos o silêncio do olhar --passo as insónias a inscrever versos na memória não em páginas brancas isso queria eu ---escrita isto é apenas um convívio absurdo um estar comigo tendo os outros em mim sem os ver nem ouvir nem tocar isto é apenas solilóquio um desespero para adiar a morte 12-03-02 custou a entender mas cheguei lá bem comer bem beber bem foder bem mijar bem cagar e respeitar o amigo amigo eis a essência humores

auto-retrato sou este tal e qual assim só não sei como já é tanto não saber pior é ignorar ----------------------------------------as minhas mãos são conchas frescas nos teus seios finalmente os teus braços são a medida do meu dorso e a tua alma conhece o meu gosto

só a fala é pausa som canto música só a fala é universo sem fala a flor morre o fruto aborta falemos de qualquer maneira de qualquer maneira falemos o silêncio é inútil falemos uma fala visceral

uma fala contida uma fala cuidada tanto faz falemos de qualquer maneira falemos fisicamente olhos nos olhos tudo o mais é inútil ficção histéril esterco falemos fisicamente olhos nos olhos só assim aprendemos a flor e o fruto ---não flores não foram arrancadas ao ventre da terra morrerão breve longe das entranhas da mãe eis a fala amável dádiva então falemos ---evoco teu nome no delírio do mundo tenho a alma cortada e o corpo rasgado pela alegria inútil do mês de maio ----

oração pudesse eu dizer de manhã leite cevada pão pudesse eu dizer de tarde alface agrião sopa boroa cenoura morango sesta pudesse eu dizer ao crepúsculo laranja romã passeio pudesse eu dizer à noite mesa toalha linho palavras fala conversa pudesse eu dizer por fim leito escuro silêncio pudesse eu dizer eis a aurora pudesse eu dizer somos a palavra

-----

solilóquio tenho que andar sempre com papeis em branco pois a morte ataca a escrita é o meu escudo --vento desenho no ar as palavras que pena ---salto de lábio em lábio como a abelha inquieta escorrem por mim as noites e os dias não o mel e neles me perco sem tempo nem palavras é breve o dia é breve a noite é finito o horizonte que sei do mar dos dias e das noites que sei da abelha cujo destino é o mel dos outros que sei das ruas sem gente onde os encontros são cada vez mais fúteis onde a mulher ronceira mal feita e envernizada se expõe de olhar sabido na esplanada da pastelaria em pequeno-almoço com o gestor amanteco porco e banal todas as manhãs

chuva ou sol que sei do pai e da mãe do irmão e da irmã do avô e da avó do primo e da prima do sobrinho e da sobrinha do tio e da tia que sei da mesa grande e redonda círculo perfeito de conversas verdadeiras que sei da abelha que sei da cigarra e da formiga sempre estupidamente inimigas onde a mesa grande e redonda círculo perfeito de conversas feita andei por todos os lugares por todos os lábios e há sempre outro lugar outro lábio que fazer desta espiral quando a morte é vulgar sobremesa sem tragédia que fazer desta espiral quando o riso não é comédia nem festa que fazer sem a mesa grande e redonda círculo perfeito de palavras feita --------------dilema recupera-se o tempo ou perde-se o tempo apenas que fazer neste tempo sem tempo esperar ou agir

---I domingo bricolage no andar de cima eu deitado de bruços lá fora nada a registar ao menos tu fernando conseguiste ver quem passa olhando a tabacaria mas eu deixa lá como um cohocolate talvez assim o sono venha domingo bricolage no andar de cima benditos os dias em que se passeava de eléctrico apenas por andar de eléctrico hoje só se for pelos pasteis de belém ou pela pela bola hoje andar na rua cansa porque não há rua nem gente nela na verdade

nem sei o que por lá anda talvez o nada comigo lá dentro III hoje temos em casa uma coisa e toda a gente olha para ela e acredita em tudo o que ela diz ai as tardes de domingo com os cinemas cheios e gente pelas ruas IV poderias ter tudo preferiste errar pelas ruas ainda ruas estar na brasileira do chiado sentando um pouco o rabo à conversa ou simplesmente vendo como o bernardo te ensinou nos dias de melancolia eu tive o que quis ou o que penso ter querido sei lá olha roupa lavada

e comida na mesa não me falta talvez me vicie talvez me reste a esperança de sentar o rabo de onde tu levantaste o teu sei lá V para onde vou desconhecido de mim sem tardes de domingo com gente nas ruas ---a tua pele evoca segredos revelá-los não os segredos são secretos desejos 88 ---há quanto tempo tanto tempo não vejo ninguém de mãos dadas eis a minha mão é tua 88 respiração sentir o cheiro da terra

conhecer os desígnios do mar 88 poética da palavra as minhas palavras não seguem modas nem procuro processos de trabalhar as palavras a minha poesia é a minha voz não procuro a beleza nem esgrimo pensamentos metafisicos a minha poesia sou eu não me oculto se desejo algo é a apenas a tentativa de conseguir o prosaismo quotidiano o ser um entre muitos e a poesia não pode estar fossilizada numa página branca de papel a poesia é o olhar olhemo-nos em silêncio --estio passa por mim sorrindo mar corri parei deixá-la ir --estímulo sorri

sorri sempre mesmo que doa a alma para quê exibir a miséria esconde sempre a mesquinha depressão sorri sorri sempre não um sorriso qualquer sobretudo o cínico sorriso constrói o sorriso anula qualquer cinismo qualquer ódio anula tudo que perturbe o sorrir e sorri apenas sorri há demasiada dor para quê excessos mórbidos obsessão só uma sorrir ---ver só o olhar redime mas olhar vendo ---esta terra está aqui ainda diante de mim é negra húmida arável é terra bem haja esta pedra está aqui

ainda diante de mim é terna frágil brilha é pedra bem haja esta água está aqui ainda aqui diante de mim límpida transparente fresca é água bem haja esta árvore está aqui ainda diante de mim é alta robusta frondosa é árvore bem haja este gato está aqui ainda diante de mim é gato rebola-se corre salta é gato bem haja esta criança está aqui ainda diante de mim ri chora canta brinca é criança bem haja

esta coisa está aqui ainda diante de mim é isto e aquilo nem isto nem aquilo talvez assim ou talvez não tem cabeça tronco pernas braços pés sexo que lhe falta mal haja bem haja que dizer --nos seixos deste ribeiro recorta-se nítida a tua sombra nela repouso o olhar ---persiste em mim a raiz de um sorriso não a recordação nem a imagem mas a sua plena luz apenas --o olhar nunca esconde o que o coração oculta ---as palavras tornam-se perigosamente inúteis

apenas o silêncio redime se víssemos se fossemos ver ---de que serve esta belíssima árvore no seu esplendor este sossego estranho esta maresia se não vemos o olhar nem o brilho de um peito ---estrutura não existe de facto amor mais belo mais forte do que o do filho pelo pai e do pai pelo filho 89 --diante de mim a chávena vazia amada pela tua boca inalo o seu aroma 89 beleza belo é surpreender no silêncio do olhar o seu preciso

gesto 89 sem título só tu és a insuperável companheira o regaço insubstituível só tu és o encontro possível a minha única hipótese de regresso só tu és o meu lar habitado a noite e o dia a exuberância e o recolhimento só tu és a euforia? e a serenidade? só tu és o meu sono em ti me deito em ti penetro adormeço em vigília em ti a palavra 89 --é um secreto prazer só meu possuir o silêncio exacto de um gesto 89 ---

o silêncio turvo da noite oferece toda a luz ---89 cura hoje fomos poetas porque vimos ---a tua pele evoca segredos revelá-los não os segredos são secretos desejos --há quanto tempo tanto tempo não vejo ninguém de mãos dadas eis a minha mão é tua --respiração sentir o cheiro da terra conhecer os desígnios do mar --belo é surpreender no silêncio do olhar o seu gesto preciso ---

quase poema quase comédia sento-me para escrever não surge não tenho não sou não escrevo estou em branco só me sentei para descansar as pernas mas ficar sentado sem fazer nada é frete estar sentado sem fazer nada é morrer ocidente e o oriente são isto correr correr correr fazer nada é ser pária tentei articular o om universal saía distorcido ronco bronco feio sou ocidente abstraí-me dos dislates ouvidos ontem da boca besta de um tipo dos negócios das empresas sem sair gente sem despedir segundo ele isso não é preciso nas suas empresas não sai gente alicia-se a mudar mobilidade ir e vir daqui pr’ ali dali pr’ aqui onde der mais se for na lua também serve filhos família pais avós tios primos isso não impedimento acena-se

alicia-se com mais uns bons euros e o incauto à beira dos trinta de olhos parvos pensa é dinheiro é dinheiro e vai vai pr’aqui pr’ali para marte sei lá e a mulher em casa porque agora já dá p’ra ela ficar com os filhos levá-los à escola ao infantário à natação ao ténis ao inglês ao psicólogo ao pedopsiquiatra e à noite o pai q’é dele ‘tá a trabalhar a trabalhar muito a trabalhar à tarefa ‘tá p’r ali à tarefa pr’o menino ter uma consola nova um ténis novo um boné novo um tele novo vivó pai dizem os moços e vão dormir custa-lhes dão voltas p’rá esquerda p’rá direita p’ra cima p’ra baixo a mãe sozinha no quarto baixinho p’ra cima p’ra baixo p’ra cima pr’a baixo

ai ai ai é fraquito mas é algum a ratita solta um fiito a boca um gemidito e p’onto p’ró outro lado qu’amanhã é outro dia e o pai à tarefa à tarefa objectivos pr’aqui objectivos pr’acolá mexe-se agita-se esfrega a testa aperta os testículos a tarefa a tarefa tem que estar tudo pronto amanhã querida esta noite não vou a casa estou p’rá aqui à tarefa filha amanhã já me vês sim depois compro-te aquele vestido lindo de que gostaste amor dorme não dá por nada é cedo ainda p’ra quê atender assim ele não perde tempo e traz o dinheiro depressa belo atendedor nem preciso de mexer a mão nem ouvir a voz daquele parvo que não venha que fique lá nem caralho tem que preste nem me faz gritar nem me aperta fica rico fica fica p’r aí à tarefa disse entredentes com raiva contida de mal fodida o dia está bom dou a volta do costume com o gonçalo e a mili

enquanto estão na escola vou ter co’a berta vamos ao solário e depois lamber um gelado bem lambidito assim p’ra cima p’ra baixo pr’a cima pr’a baixo e o dia passa passou olá stora como está a mili portou-se bem é tão querida mãe o pai vem hoje espera um ‘cadinho filha a mamã ‘tá a falar c’a stora olhe gosto muito do seu trabalho tem uma paciência até amanhã mãe o pai vem hoje não qu’ida ‘tá à tarefa no norte amanhã vem sim amanhã e traz-te uma barbie nova novinha uma vampe iupi mãe que bom o pai é tão qu’ido não é mãe é filha é vem ‘mor ´té ‘manhã stora ‘brigado pela pachorra o gonca ouve tudo regista tremelica balbucia gageuja agita os lábios

ó qu’ido que tens ‘mor o gonca tremelica balbucia gagueja agita os lábios ó qu’ido que tens ‘mor a ritalina mãe a ritalina que estou aflito ó filho isso a estas horas amanhã de manhã fofo antes d’ires p’ra escola a rita mãe a rita mãe dá-me a rita ó filho deixa-te disso acalma filho relaxa amanhã hoje compro-te a consola sim acalma filho relaxa qu’ido mãe dá-me a ri-ta-li-na baixinho ‘mor partes os vidros do bm e depois ‘deus consola mãe a rita a rita ai filho pareces um tóxico qu’horror qu’ido relaxa mãe a ri-ta-li-na mãe a ri-ta-li-na mããããããeeee a ri-ta-liiiiiiiiiiina

qu’eu rebento controla-te filho relaxa a mimi de olhos doces e belos como a sua velha barbie tranquila lambe um gelado mãe mãe então rica agora tu relaxa q’a música é fixe rica mãe mãe cuidaaaaaaaado o gonca o quê filha porra o gonca vai o bm parou no vermelho mesmo a tempo o joaninha passou sereno lento e calmo a buzina tocou eternidade o belíssimo rosto da mãe jaz em cima do volante uma mama rija e suculente jaz espalmada no volante o gonca tranquilo sereno de olhar feliz e lábios calmos sopra o fumo brando do colt 35 e o pai à tarefa à tarefa à tarefa limpando a testa quase ‘acabar quase quase ‘acabar a tarefa quase rico com aquela tarefa quase

amanhã é outro dia olha ali uma barbie gonca ele o gonca abriu o porta-luvas tirou o frasco abriu a porta do carro empurrou-a saiu olhou para o céu azul-limpo olhou para a malinha da mãe abriu-a retirou um lenço de linho branco levou-o à testa limpou o suor frio olhou para o céu azul-limpo olhou para o frasco olhou para a colt 35 trepou ao tejadilho vermelho ergueu o braço direito e largou o lenço de linho branco fazia vento brando mas vento olhou para o céu azul-limpo seguiu o voo do lenço de linho branco e assim ficou olhando e o pai à tarefa atarefado limpando da testa o suor febril e frio atarefa-se na tarefa de acabar o trabalho à tarefa a mimi entrou na loja cumprimentou olhou a barbie esticou o braço pegou na boneca aconchegou-a no peito cumprimentou olhou apara a porta saiu devagar

serena e lúcida caminhou olhou para o gonca de pé no tejadilho vermelho olhando o céu azul-turvo tyrepou olhou o irmão largou a barbie agarrou a mão do gonca e assim ficaram olhando o céu azul-escuro o vento era frio e a noite caía matando o crepúsculo sem esperança de aurora e eu aqui sentado ensaiei outra vez o om universal saía distorcido ronco bronco feio afinal escrevi o quê para quê como disse a outra e eu subscrevo poeta não sou que outros o dizem melhor que eu isto disse eu e não sei se a outra subscreve que importa cada um é aquilo que a sua demência lhe dita escrevi afinal escrevi pelo menos

a mão mexeu-se já não me sinto tão inútil e dediquei uma boa acção a mim próprio exercitei alguns músculos porém estou em branco e sem tarefa à tarefa o que não quero e me enoja talvez este nojo seja vírus e contamine os atarefados à tarefa de todas as tarefas e o mundo acolha o lenço de linho branco Nota – Ritalina é o nome de um medicamento receitado a crianças, em idade escolar, com grandes dificuldades de concentração. 2005

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