Ai_dona_fea.docx

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Leia a composição. Se necessário, consulte as notas. Ai, dona fea, fostes-vos queixar que vos nunca louvo em meu cantar; mais ora quero fazer um cantar em que vos loarei toda via; 5 e vedes como vos quero loar: dona fea, velha e sandia! Dona fea, se Deus mi pardom, pois avedes atam gram coraçom que vos eu loe, em esta razom 10 vos quero já loar toda via; e vedes qual será a loaçom: dona fea, velha e sandia! Dona fea, nunca vos eu loei en meu trobar, pero muito trobei; 15 mais ora ja um bom cantar farei, em que vos loarei toda via; e direi-vos como vos loarei: dona fea, velha e sandia! Joam Garcia de Guilhade A lírica galego-portuguesa, edição de Elsa Gonçalves e Maria Ana Ramos, Lisboa, Editorial Comunicação, 1992. NOTAS fea (verso 1) — feia. ora (verso 3) — agora. fazer um cantar (verso 3) — dedicar uma cantiga. loarei (verso 4) — elogiarei. toda via (verso 4) — de qualquer modo. sandia (verso 6) — louca; tola. atam gram coraçom (verso 8) — tão grande desejo. em esta razom (verso 9) — sofrimento amoroso. meu trobar (verso 14) — minha cantiga. pero (verso 14) — ainda que.

1.

Demonstre de que forma a cantiga evidencia ironia e sarcasmo. Perante a crítica de uma mulher («dona») que se lamentara pelo facto de o trovador não a ter louvado à maneira provençal («fostes-vos queixar / que vos nunca louvo em meu cantar», vv. 1-2), este responde-lhe dizendo que lhe dedicará, então, uma cantiga («mais ora quero fazer um cantar / em que vos loarei toda via», vv. 3-4). No entanto, o anúncio de que a vai elogiar é claramente irónico: em vez de a louvar numa cantiga de amor, o sujeito poético, parodiando as convenções desse tipo de cantigas, zomba da «dona», que, por não apresentar características físicas e psicológicas que justifiquem o louvor, é descrita repetidamente, de forma violenta e sarcástica, como «fea, velha e sandia».

2.

Identifique os recursos expressivos presentes na composição, comentando o efeito produzido. Ao longo de toda a composição poética, em posição anafórica (no primeiro verso de cada estrofe), a apóstrofe «dona fea» / «Dona fea» confere destaque ao alvo e destinatário da sátira. Tem especial importância a ironia, presente nos terceiro, quarto e quinto versos de cada estrofe (quando o sujeito

poético anuncia que vai «louvar» a «dona»), valorizada pela utilização repetida de palavras da família de «louvor» — «loaçom» (v. 11) e várias formas do verbo «louvar» («louvo», v. 2; «loarei», vv. 4 e 16; «loar», vv. 5 e 10; «loe», v. 9; «loei», v. 13) —, as quais acentuam o contraste entre o louvor que o sujeito poético anuncia e a crítica agressiva e sarcástica que acaba por fazer no verso do refrão: «dona fea, velha e sandia!» Neste, é de assinalar: o facto de o início do verso retomar a expressão «dona fea», que abre cada estrofe, salientando o alvo da crítica e a sua fealdade; a tripla adjetivação, que realça os defeitos da «dona» criticada, tanto no plano físico («fea» e «velha») como no plano psicológico («sandia»); a exclamação, que acentua a agressividade e o sarcasmo da descrição da «dona».

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