Agrofloresta e Agricultura Familiar Para alimentar o debate sobre sistemas agroflorestais e agricultura familiar, publicamos aqui questões levantadas discutidas pelo agrônomo Jorge Luiz Vivan, durante entrevista para o sítio do CENTRO SABIÁ. Sabiá: Entendimento sobre os Sistemas Agroflorestais (SAF’s) Jorge Luiz: Eu entendo que os sistemas Agroflorestais, são uma conseqüência natural da observação e de uma necessidade e, que está mediada por um tipo determinado de organização social. Por exemplo, os sistemas agroflorestais mais complexos e mais duráveis, ao longo da história da humanidade, aconteceram em ilhas tropicais, porque tu tens uma restrição territorial, tu tens um clima favorável, um solo favorável à floresta e não a uma agricultura anual. Na verdade, às pessoas precisavam desenvolver uma tecnologia de conservação de nutrientes e de grande produção de alimentos em um espaço mais reduzido, onde não pode simplesmente avançar a fronteira agrícola. Tu tens que te manter em um espaço. É neste contexto, que gera o sistema agroflorestal. Eu entendo o sistema agroflorestal como uma forma de agricultura que faz frente a esse tipo de desafio e que teve o seu ápice tecnológico em sociedades que a gente chama de modo tributário. Em um sistema agroflorestal, o objetivo não é um produto de acumulação ou que vai ficar estocado. Tem o produto de estoque, mas tem o produto de alimento. Na verdade, ele é um supermercado sempre aberto. Isso, para determinadas sociedades. A gente vê que os sistemas agroflorestais, desenvolveram-se como sistemas de uso da terra, nesse tipo de contexto. E, é assim que a gente pensa eles, como uma estratégia para sociedades autogestionadas, e menos centralizadas. Sabiá: Resgatando a História Jorge Luiz: Quando teve a expansão do mercantilismo, os árabes já faziam essa visita toda pela região do Índico, onde tinham os sistemas agroflorestais, as ilhas, as especiarias. As especiarias eram produtos florestais não madeiráveis, que saiam de sistemas agroflorestais. São ambientes florestais modificados pelo homem, em sistema de sucessão. Essa sucessão, era direcionada para determinadas espécies. Espécies que tinham um mercado, desde o nível da economia de subsistência, ou seja, do consumo da família, do consumo regional, comunidades, outras comunidades, até o mercado. Na época, também um mercado globalizado. Os árabes e os chineses faziam essa circulação. Os romanos e os gregos, também, fizeram essa circulação por essas regiões. Quando vem o mercantilismo, os holandeses, os portugueses, os espanhóis, na verdade, reforçam esses sistemas agroflorestais. Quem vendia resina, cravo da índia, noz moscada, pimenta, por exemplo, tudo isso só se reforçou com o comércio. Na verdade, se reforçou tanto que os portugueses, espanhóis e holandeses, que colonizaram a Indonésia, até os anos 50, não mudaram a forma de produzir, lá. Eles não alteraram os sistemas agroflorestais. Mantiveram sobre o domínio deles. Na verdade, são sistemas que se adaptam a uma grande
escala de mercado. São sistemas que empregam bastante mão-de-obra e, uma mão-de-obra especializada, que desenvolveu um conhecimento ecológico do local e daquelas culturas. Conhece a diversidade dos ambientes, consegue ser eficiente em produzir numa condição que a própria, digamos, Companhia das Índias, por exemplo, não teria como. Eles não teriam como tirar os habitantes nativos e pagar para eles um salário e administrarem o sistema de produção, como um todo. Mesmo para aquela visão de acumulação, de exploração, que foi, era mais vantajoso manter as populações lá com seus quintais, com seus sistemas agroflorestais comunitários e comprar deles, a um preço baixo, e vender a um preço caro. Essa, a estratégia. Então, eu vejo que a agrofloresta não é um empecilho para a acumulação. É uma questão de leitura de mercados globais, de leitura de sociedade, de questão de gestão. Mesmo em uma situação como a daquela época, a gestão ainda era melhor do que a gente vê no mundo da monocultura da cana-de-açúcar, ou numa plantação de algodão, porque há centralização de decisão, há centralização daquele terreno, da possibilidade de plantio e de cultivos de subsistência e de frutíferas. Então, ainda é melhor, mesmo dentro de um sistema mercantil, de um capitalismo onde tu és um simples operário, dentro de uma quantidade de produção. Sabiá: Importância do Sistema Agroflorestal para Agricultura Familiar Jorge Luiz: A agricultura familiar tenta, historicamente, acompanhar o fluxo da agricultura de modelo colonial. No Sul, o agricultor familiar tenta criar gado, plantar soja, ou seja, acompanhar o fluxo principal da economia. No resto do País, ele também não mudou e faz dentro da mesma lógica. A gente vê que a agricultura familiar, por ter uma lógica de gestão, onde as lealdades não são para uma empresa, mas para a família e o núcleo de amizades e relações, a possibilidade de mudar o sistema de produção para um sistema diversificado, que aproveita a complexidade do terreno, é muito maior. Eu imagino que nessas regiões, onde, hoje, predomina latifúndio e monocultura - até por uma questão de sobrevivência desses latifúndios que estão se modernizando e se transformando em empresas, o agronegócio que está em moda – , a próxima onda de modernização do agronegócio seria uma diversificação, inclusive, incluindo sistemas agroflorestais. Só que, eles vão pegar alguns elementos e simplificá-los. Vamos dar um exemplo clássico: na Malásia, a Michelin passou a cultivar junto com as suas grandes plantações de seringueiras, o cacau. É um sistema agroflorestal simplificado, cacau e seringueira. Eles passaram a produzir uma quantidade fantástica de cacau e baixou o preço em nível mundial, afetando drasticamente os produtores do Sul da Bahia, que passaram a ter seus ganhos bastante afetados. Se a agricultura familiar, mesmo ao adotar o sistema agroflorestal, não buscar outros canais de mercado, outras formas de organização, ela não vai evoluir. Não é uma solução pra ela. Ela tem que ter um certo grau de controle sobre o mercado, porque o consumidor não é um fornecedor de dinheiro. Ele é um sócio do agricultor, no processo de reconstrução de uma via de desenvolvimento. Sabiá: Construção da Teia Social Jorge Luiz: Eu imagino que tenha toda uma teia social para ser construída. Quando a gente fala em indicadores, por exemplo, e quando a gente está imaginando os sistemas agroflorestais como políticas públicas de grande alcance, que pode alavancar emprego, renda, mudanças de relações econômicas e dinâmicas econômicas, em certas regiões, eu
fico imaginando que o primeiro passo é a gente olhar para alguns indicadores, até macro. Por exemplo, aquilo que se viu na TV, que o Brasil importa coco verde. Se o Brasil está importando coco verde é porque houve uma grande demanda, por vários fatores. É uma grande oportunidade para a agricultura familiar, porque o coco se presta muito bem dentro de uma lógica de sistema agroflorestal. Também se presta a uma monocultura, a uma produtividade mais baixa, com mais custo, com menos emprego, com menos renda. A gente tem uma opção, é um indicador. Os algodões coloridos, principalmente, se a gente conseguisse recuperar o algodão colorido perene e fazer um melhoramento em cima, tem um mercado para isso muito grande. Tu tens a questão energética e a questão de madeira, mesmo. Qualquer propriedade rural, de cinco hectares, pode produzir madeira de lei, e em um clima, por exemplo, como o da Zona da Mata pernambucana, que tem o crescimento das madeiras de lei muito rápido em relação ao Sul do Brasil e até mesmo em relação a algumas regiões da Amazônia, seria uma fonte de renda. Por exemplo, na Índia, na Costa Rica, que são países que são caracterizados pela reforma agrária, pequenas propriedades, a madeira de reflorestamento é um dos componentes fundamentais da agricultura familiar. Aqui isso não entrou, ainda. A gente importa madeira. O Brasil importa madeira para alguns usos e exporta madeira bruta, ou seja, tora de madeira de lei em um processo insustentável. Mesmo quando exige um plano de manejo, com vários questionamentos, que a gente não tem ainda uma noção plena de dizer “esse é o manejo que vai funcionar”. Está tudo sendo tentado. A gente vê a Mata Atlântica com 92% de substituição de sua área florestal por pastos degradados, lavouras de cultivos anuais. Madeira, nem pensar. É preciso uma certa cultura florestal e isso a gente vai ter que construir. Para construir isso, é preciso que todas as organizações que tenham já alguma atividade nesse sentido, ou que tenha uma grande capilaridade com a agricultura familiar, comecem a inserir essa cultura na prática. São coisas muito óbvias. Se uma empresa coloca cacau embaixo de uma seringueira, porque um agricultor não pode colocar uma árvore de madeira de lei dentro de cinco hectares? Sabiá: Os SAF’s para o Desenvolvimento da Agricultura no País Jorge Luiz: Algumas culturas que não são agroflorestais poderiam facilmente ser agroflorestais e se qualificar. Um caso é o café. O café em Minas Gerais é uma atividade da agricultura familiar e ele é, pela atividade colonial, um café pleno sol. Os mercados estão cada vez mais complicados para o café, o que está surgindo como esperança são os cafés especiais. As grandes empresas e os grandes produtores já começaram a abrir o olho para esse lado. As grandes marcas já têm café especial. Mas o agricultor familiar continua com o café dele a pleno sol, de baixa qualidade. Se tu somas todas as áreas de agricultura familiar, que têm café, e que poderiam ser agroflorestais, até um sistema agroflorestal bastante simples com só uma árvore fertilizadora mais o café, tu já terias uma grande escala. Terias um produto que aumentaria a entrada de divisas no País, porque tu ias vender um café de qualidade, superior. Hoje, tu vendes um café de baixa qualidade e o Brasil compensa isso com uma grande quantidade. Compensa pra quem? Não para o produtor, porque ele continua recebendo pouco. Compensa para quem manipula a matéria-prima depois que ela sai do produtor. O beneficiamento, a distribuição, a seleção, porque eles conseguem agregar
valor, mas o sujeito lá com o seu cafezalzinho de dez hectares, esse está ainda sem ganho nenhum. Sabiá: Controle de Pragas e Agricultura Familiar Jorge Luiz: A cigatoca negra - doença que devastou 70% do banana que a gente chama banana da terra, banana de fritar, na Colômbia -, veio pela Amazônia, chegou ao Mato Grosso, São Paulo e agora está no Rio Grande do Sul e Santa Catarina. Na Costa Rica, país que também sofreu com a cigatoca, eles encontram a solução para a praga com o sombreamento. O sombreamento, supõe-se sistema agroflorestal. Então, a bananicultura que é uma atividade da agricultura familiar, e que é responsável por uma produção bastante grande no mercado interno, já entraria em uma possibilidade de sistema agroflorestal. Alguns mercados são mais restritos, outros mais abertos. Essa parte da madeira, junto com criação animal. O Paraná, O Rio Grande do Sul e Santa Catarina têm um grande potencial para madeira em pasto. A Amazônia, então, tem um potencial fantástico de produção de madeira em área de pastagem, que poderia ser recuperada e agregar valor. Na verdade, tu tens um potencial de escala, que depende de uma política pública, de vontade política mesmo de criar as condições. Por exemplo, falta um serviço florestal. O Brasil não tem um serviço florestal. Tem o extensionismo. Os extensionistas geralmente são agrônomos sem preparo para trabalhar com a área florestal, tem o técnico agrícola, que também não é um técnico florestal. Está começando na Amazônia, mas parece que só se planta árvore na Amazônia. O resto do Brasil, que era quase tudo floresta, ninguém se lembra de introduzir nos currículos uma força maior nessa disciplina. Se isso acontecer, recursos têm. Tem terra, clima nem se fala. Todo mundo quer plantar árvore no Brasil. Todo mundo quer plantar eucalipto no Brasil, isso não é à toa. Se a gente acordar para isso e pensar em ensino, pesquisa e estímulo para a agricultura familiar, rapidinho, isso vai criar uma outra dinâmica de emprego, renda e conservação da biodiversidade, fixação de carbono, serviços ambientais, que esses sistemas têm. Sabiá: Gerando Emprego no Meio Rural Jorge Luiz: Há necessidade de emprego e, o fato de no Brasil existir o Movimento Sem Terra e diversos movimentos de trabalhadores desempregados, mostra isso. Não existe emprego e, o que a gente está buscando é emprego e renda. Se tu pensares, por exemplo, que para assentar uma população sem-teto em um espaço urbano o custo que tu tens para gerar um espaço habitável é fantástico. Se tu o fizeres em um meio urbano, dentro de um enfoque agroflorestal, o custo é mais baixo, a economia doméstica que gira ali reforça a auto-estima, a renda. Tudo é facilitado. Seria uma doideira, no atual estado que a gente se encontra, tu dizeres: - não, é melhor reduzir as atividades que precisam de mão-de-obra. O que a gente está precisando é criar emprego. A China, por exemplo, é o país que mais tem agrofloresta no mundo. E, é o país que foi mais devastado de todos. Um outro exemplo é o estado de Kerala, no Sul da Índia, uma região tropical, onde uma situação de miserabilidade completa foi revertida com microcréditos, principalmente para mulheres. O financiamento ia para pequenos processamentos, mas principalmente para a matriz produtiva desse processamento, ou seja,
de onde vinha a matéria-prima? Dos quintais agroflorestais. Então, um dos estados mais populosos da Índia, que é Kerala, conseguiu reverter uma situação de miséria com uma política muito simples, que foi essa dos quintais agroflorestais, da medicina fitoterápica, helvética, e dessas cooperativas para microcréditos. A gente pensar no Semi-árido brasileiro. O potencial do Semi-árido para a agrofloresta é fantástico e nós temos o Semiárido mais povoado do mundo. Então, nós estamos precisando mesmo é criar emprego e renda e existem possibilidades para isso.