A (re) descoberta da solidariedade humana Por Cida Medeiros Uma das grandes novidades desta nova era, tem sido empreendida há pelo menos três séculos rumo ao aqui e agora e, talvez, para todo o restante da eternidade. Ela está pouco a pouco se tornando visível à medida que aumentam preocupações reais com o aquecimento global, com questões básicas como futuro do emprego e previdência dos trabalhadores na terceira idade, impactos sociais de ligações internacionais de marcas que cruzam o globo, decisões políticas que transcendem questões de Estado e tocam na problemática das nações, povos, etnias. Enfim o respeito à diversidade cultural decorrente da crescente troca de informações entre as pessoas pelo globo. Como um dos resultados, por cultura, as sociedades já vislumbram novas definições, que ampliam aquelas relacionadas ao entretenimento, proporcionando novos saberes e vivenciando de fato o exercício da interatividade gerando poderosas conexões antes impensadas entre cidadãos de longínquas localidades do planeta Terra. O modelo mental que tem norteado a humanidade, principalmente desde a Revolução Industrial, de que as técnicas, tecnologias, processos e procedimentos prescindem as atividades humanas, pouco a pouco tem mudado na medida em que mais e mais pessoas trocam saberes e se descobrem – humanas. Como exemplo, agora mesmo pode estar ocorrendo um diálogo entre um garoto muçulmano de Delhi, na Índia, descobrindo que tem aspirações básicas muitíssimo parecidas com a de outro que viva no interior do Paraná, no Brasil, mas com nuances de interessantes formas de viver e agir no mundo, de acordo com suas convicções e modos de ver e interpretar as coisas. Hipoteticamente, estes dois garotos podem conversar sobre muitas coisas. E em uma destas conversas pode surgir uma descoberta relacionada a uma marca, à postura determinada de cidadãos de uma empresa ou à influência da decisão de um governante que possa impactar simultaneamente aos dois jovens. O mundo está conversando – e cada vez mais intensamente. Estão são camadas possíveis de leitura de uma realidade orgânica, plural, complexa, saborosamente desafiadora e que depende da nossa flexibilidade, abertura e capacidade de aderência a novas experiências e conhecimentos. O desafio, portanto, é da capacidade de diálogo e estabelecimento de trocas saudáveis, pacíficas e justas entre as partes. Colocada em prática, abre espaço para valores como respeito e integridade como uma das ferramentas para a manutenção da dignidade humana, da reputação – entendida aqui como resultado de consideração e respeito humano. Vamos imaginar um habitante de outro planeta visitando nossa Terra e tentando decodificar como vivemos e como estamos organizados em sociedade, quais seriam os meios de produção desenvolvidos e os conseqüentes efeitos das causas desfechadas pela comunicação estabelecida entre nós humanos. Como um cientista analisando um fenômeno através de um microscópio, a vida em nosso planeta azul poderia ser apreciada por meio de inúmeras técnicas – e uma delas poderia ser o zoom in (visão local) e o zoom out (visão global) de um fenômeno. O conjunto mostraria conjuntos de sistemas convivendo, auto-ajustáveis, caóticos em alguns aspectos, organizados em outros. Em alguns momentos é importante a linearidade, unidimensionalidade, em outros não.
A habilidade de enxergar mais abrangentemente estas diversas dimensões, componentes pelo entorno dos fatos, está diretamente relacionada ao que o professor Humberto Mariotti (www.geocities.com/pluriversu) denomina como os cinco saberes do pensamento complexo: saber ver, saber esperar, saber conversar, saber amar e saber abraçar. No seu texto Os cinco saberes do pensamento complexo, o professor Mariotti apresenta uma reflexão que dá uma pista de como poderia se dar esta ampla visão, ferramenta básica para viver e decidir viver em nosso mundo contemporâneo: a sabedoria da combinação dos dois zoom’s. “A obra de Edgar Morin está entre os pontos altos desse empreendimento. Em especial, destaca-se a sua mais importante concepção epistemológica, o pensamento complexo. Nele não predomina o raciocínio fragmentador (o modelo mental binário do ”ou/ou”: ou amigo ou inimigo; ou bem ou mal; ou certo ou errado; ou ocidente ou oriente; etc.). Tampouco prevalece o utopismo da primazia do todo — o sistemismo reducionista.” “Uma visão de mundo abrangente deve nascer da complementaridade, do entrelaçamento — do abraço, enfim — entre esses dois modelos mentais. Assim Morin denomina o pensamento complexo: o pensamento do abraço. (...) Todos estão interrelacionados, abraçados, e por isso dependem uns dos outros para serem vividos em sua plenitude”. Quanto mais transversal for a leitura que uma pessoa fizer da realidade que a cerca, mais próxima estará de uma compreensão mais ampla desta realidade complexa e mais eficiente serão suas decisões, porque terá contado com análise baseada na teia das forças dinâmicas da vida para analisá-la, em múltiplas direções a redor da sua própria existência. Neste contexto, tem sido esperado cada vez mais das pessoas que detêm algum poder de influência sobre grupamentos humanos (sejam eles dirigentes de empresa, jornalistas, médicos, professores, cineastas etc.), a responsabilidade do exercício do respeito à inteligência coletiva, saindo da posição de se posicionar no “pelotão da frente” – indicando o caminho a seguir, detendo um poder fictício, ilusório, sobre o grupo – mas, como nas tradições indígenas de vários povos, exercer uma liderança inspiradora, com base na solidariedade humana, entendendo todos do grupo como iguais, inteligentes e capazes. No prefácio do livro A Árvore do Conhecimento, de Humberto Maturana e Francisco Varela (ed. Palas Athena, 2001), o professor Humberto Mariotti apresenta em “Outro olhar, outra visão” que o ponto de partida da obra de Maturana é a vida como um processo de conhecimento. Assim, se o objetivo é compreendê-la, é necessário entender como os seres vivos conhecem o mundo. Ao que os autores chamam de ‘biologia da cognição’. “O modo como se dá o conhecimento é um dos assuntos que há séculos instiga a curiosidade humana. Desde o Renascimento, o conhecimento em suas diversas formas tem sido visto como a representação fiel de uma realidade independente do conhecedor”. Desta forma, o professor pontua que o “representacionismo pretende que continuemos convencidos de que somos separados do mundo e que ele existe independentemente de nossa experiência”.
É esta visão que separa o sujeito do seu meio ambiente que muitos autores têm enfática e incansavelmente revelado como fator crítico para a melhoria da qualidade de vida nas empresas, na sociedade, instituições, países. Resultando em inúmeros problemas que somente terão solução sustentável se os interlocutores puserem em prática um olhar de compaixão e de mais generosidade e humildade sobre os fenômenos à sua volta. Um destes autores é Daisaku Ikeda, presidente da SGI (www.sgi.org), organização leiga budista presente em 190 países e ONG atuante em conjunto com as Nações Unidas em várias frentes de atuação. Poeta, ativista da cultura de paz e fundador de inúmeras instituições educacionais, culturais e de pesquisa, Ikeda mencionou recentemente, na proposta de paz dirigida às Nações Unidas, em 26 de janeiro de 2006 – “Realizando a missão: colaborando para que a ONU atenda as expectativas do mundo” –, que está impelido e motivado a tomar um primeiro grande passo corajoso rumo a este objetivo. “Se realmente ouvirmos os avisos do século passado, tão aplacado de tragédias, podemos ver que ação e solidariedade são elementos chave para o século XXI”. Ikeda destaca três tópicos: um sentimento compartilhado de objetivo, um sentimento compartilhado de responsabilidade e campos compartilhados de ação, como sendo primordiais para que iniciemos uma nova estrada de desenvolvimento humano. Em seu discurso na Columbia University, em junho de 1996, Thoughts on Education for Global Citizenship, (www.sgi.org/english/President/speeches/thoughts.htm), Ikeda já relacionava elementos essenciais para a construção desta cidadania global: • • •
A sabedoria para perceber a interconexão entre todos os seres vivos; A coragem para não temer ou evitar a diferença, mas respeitar e buscar entender pessoas de diferentes culturas, crescendo dos encontros com estas pessoas. A compaixão de manter uma empatia imaginativa que vá além do ambiente imediato ao nosso redor e se estenda àqueles que estão sofrendo em localidades distantes.
Ao refletirmos sobre estas questões nos inspiramos a estabelecer diálogos mais profícuos e conexões mais saudáveis, beneficiando nossa vida, nossos negócios, nossas relações e, enfim, a vida ao nosso redor. Não é uma tarefa fácil, pois depende de esforço interno e contínuo, antes de tudo. Ouvir para compreender. Depende da disposição de assumir que uma mudança começa sempre internamente, refletindo-se no ambiente ao redor. Tudo enfim é fruto da qualidade dos relacionamentos estabelecidos. É urgente que um novo modelo mental, portanto, seja inaugurado caso queiramos atingir os objetivos traçados – seja em empresas, seja em nossa vida comum. É de Gandhi a célebre frase “seja a mudança que você quer ver no mundo”. Eu assino embaixo. E você? Cida Medeiros é coordenadora de Comunicação Institucional da Avon Brasil e integrou a primeira turma do Curso Internacional de Comunicação Empresarial Aberje e Syracuse University. Artigo publicado originalmente no caderno da Aberje: Reputação: a Imagem para Além da Imagem.