A Progressividade De Regime Na Lei Dos Crimes Hediondos

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Hamilton William dos Santos

A progressividade de regime na lei dos crimes hediondos

Tese de Láurea Orientador: Professor Doutor David Teixeira de Azevedo

Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo São Paulo 2009

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Hamilton William dos Santos A progressividade de regime na lei dos crimes hediondos Tese de Láurea Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo Grau Pretendido: Bacharel em Direito Área de Concentração: Direito Penal e Criminologia Orientador: Professor Dr. David Teixeira de Azevedo

São Paulo 2009

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DEDICATÓRIA

Ao Professor David Teixeira, pela paciência e críticas a esta tese de láurea

A Nuno Cobra, pelas sábias e revigorantes palavras em seu ―A Semente da Vitória‖

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ÍNDICE INTRODUÇÃO ..................................................................................................................... 6 1. LEI 8.072/90 E PROIBIÇÃO À PROGRESSIVIDADE DE REGIME ................................ 6 1.1 Antecedentes ................................................................................................................. 8 1.1.1 Processo legislativo penal ............................................................................................... 9 1.1.2 Clamor público .............................................................................................................. 10 1.1.3 Empreendedores morais: rule enforcement e criadores de normas ........................... 11 1.1.4 Altos índices de violência ............................................................................................. 12 1.2 Edição da Lei dos Crimes Hediondos: controle penal dos pobres? ............................... 14 1.3 Conseqüências da redação original da § 1º do 2º da Lei 8.072/90 ................................ 20 1.3.1 Emergência das facções criminosas ............................................................................. 20 2. PROCESSO LEGISLATIVO BRASILEIRO .................................................................... 23 2.1 Política legislativa penal: conceito e racionalidade ...................................................... 24 2.2 Política legislativa penal brasileira .............................................................................. 25 2.4.1 Seleção ideológica do tipo penal hediondo .................................................................. 29 3. ANÁLISE DOS TIPOS PENAIS CONSIDERADOS HEDIONDOS ................................ 33 3.1 Homicídio em atividade típica de grupo de extermínio ................................................ 34 3.2 Homicídio Qualificado ................................................................................................ 36 3.3 Latrocínio ou roubo qualificado pela morte ................................................................. 37 3.4 Extorsão qualificada pela morte .................................................................................. 38 3.5 Extorsão mediante seqüestro e na forma qualificada .................................................... 38

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3.6 Estupro e atentado violento ao pudor ........................................................................... 39 4. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS INFRINGIDOS PELA LEI 8.072/90 ....................... 41 4.1 Princípio da individualização da pena .......................................................................... 41 4.2 Princípio da não-culpabilidade .................................................................................... 45 4.3 Princípio da proporcionalidade .................................................................................... 47 4.4 Princípio da humanidade da pena ................................................................................ 48 4.4.1 Lei 8.072/90 e a desumanização da pena ..................................................................... 49 5. POSICIONAMENTO DA JURISPRUDÊNCIA E ALTERAÇÃO LEGISLATIVA ......... 50 5.1 Jurisprudência conflitante nos Tribunais quanto à vedação de progressão de regime .... 50 5.1.1 Tribunal de Justiça de São Paulo .................................................................................. 50 5.1.2 Superior Tribunal de Justiça ......................................................................................... 54 5.1.3 Supremo Tribunal Federal ............................................................................................ 57 5.2. Alteração legislativa: Lei 11.464/2007 ....................................................................... 66 6. LEI PENAL NO TEMPO E SUA APLICAÇÃO RETROATIVA ..................................... 67 6.1 Retroatividade da lex mitior: Lei 11.464/2007 ............................................................. 68 6.2 Irretroatividade da lex gravior: Lei 11.464/2007 .......................................................... 69 6.3 Retroatividade da jurisprudência mais favorável .......................................................... 70 7. CONCLUSÕES ................................................................................................................ 72 8. BIBLIOGRAFIA .............................................................................................................. 75

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INTRODUÇÃO Esta Tese de Láurea objetiva demonstrar como a redação do § 1º do art. 2º da Lei 8.072/90, que proibiu a progressão de regime aos condenados por prática de crimes hediondos e seus assemelhados, exerceu e ainda exerce influência no sistema penal brasileiro. Na introdução serão mostrados os antecedentes da criação da lei, os trabalhos legislativos de sua feitura, e, a seguir, serão verificadas algumas das conseqüências advindas do trabalho legislativo. No capítulo dois, será analisado o processo legislativo brasileiro, refletindo sobre política legislativa penal, a seletividade ideológica na escolha dos tipos penais considerados hediondos, e o modo como a Lei dos Crimes Hediondos, ao aumentar o poder punitivo estatal e o controle social sobre os cidadãos, acabou por subverter os princípios da lesividade e da intervenção mínima. O Capítulo três será dedicado à análise dos tipos penais considerados hediondos pela Lei 8.072/90, nomeadamente, o homicídio, quando praticado em atividades típicas de grupo de extermínio; homicídio qualificado; o latrocínio ou roubo qualificado pela morte; a extorsão qualificada pela morte; a extorsão mediante seqüestro e na forma qualificada; o estupro; o atentado violento ao pudor e o estupro de vulnerável, este incluído pela Lei 12.015, de 10 de agosto de 2009. No capítulo quatro, serão cuidados os princípios constitucionais infringidos pela Lei 8.072/90, a saber, o da individualização da pena, o da não-culpabilidade, o da proporcionalidade e o da humanidade da pena. O capítulo cinco será dedicado à análise da evolução jurisprudencial, com atenção a alguns julgados do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça e do Tribunal de Justiça de São Paulo, à luz da discussão sobre a inconstitucionalidade da proibição de progressão de regime determinada pelo §1º do art. 2º da Lei 8.072/90. Ao final da análise dos julgados de cada tribunal, proceder-se-á a uma síntese panorâmica dos mesmos. Além disso, será analisada também a Lei 11.464/07, que, dentre outras alterações, revogou o § 1º do art. 2º da Lei 8.072/90, permitindo aos condenados por crimes hediondos e assemelhados a progressão de regime fechado para o semi-aberto, após cumpridos 2/5 da pena, se réu primário, e 3/5 da pena, se reincidente. No Capítulo seis será analisada a lei penal no tempo e sua aplicação retroativa, isto é, será

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procedida à análise da Lei 11.484/07 como Lex mitior, Lex gravior, bem como a retroatividade da jurisprudência mais favorável. Finalmente no Capítulo sete, será concluído o trabalho de Tese de Láurea em cinco itens referentes à temática desenvolvida em todo o trabalho.

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1. LEI 8.072/90 E PROIBIÇÃO À PROGRESSIVIDADE DE REGIME 1.1 Antecedentes A Lei dos Crimes Hediondos foi editada em 25 de julho de 1990, de modo a regulamentar o artigo 5º, inciso XLIII, da Constituição Federal. Um dos objetivos da Lei 8.072/90 era definir o que seria o crime hediondo, já que o referido inciso da Constituição não o fizera. Todavia, dada a pressão social e o contexto altamente emocional em que foi criada, esta lei acabou sendo produto não de uma racionalidade legislativa, mas de decisões emocionais do legislador infraconstitucional, influenciado pela pressão da sociedade civil organizada e da mídia. A bem ver, não se ponderou sobre a real necessidade, a precisa adequação e a correta aplicabilidade dos dispositivos criados com vistas à suposta redução dos índices de violência e criminalidade no Brasil. O que se viu foi o precipitar de uma legislação, feita de sufoco e emergência, após os seqüestros de Abílio Diniz e Roberto Medina, em 1990, tudo contido em uma manifesta ideologia da Lei e da Ordem. como bem precisou Alberto Silva Franco, ―O Movimento da Lei e da Ordem depositou seus ovos de serpente no texto constitucional e gestou a categoria do crime hediondo. Além de criá-la, o legislador constituinte equiparou-a a outras espécies criminosas (tortura, terrorismo, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins), eliminou garantia processual de alta valia (fiança), vedou causas extintivas de punibilidade expressivas (anistia e graça), e, afinal, atribuiu ao legislador ordinário a incumbência de formular tipos e cominar penas, de caráter hediondo, numa luta contra o crime, sem descanso, mas fadada ao insucesso, por seu irracionalismo e por sua passionalidade e unilateralidade‖ 1.

Influenciados pela criminalidade crescente e pelo ideário do Movimento de Lei e Ordem, os legisladores pátrios e os defensores da repressão penal, ao redigirem o §1º do art. 2º da Lei 8.072/90, partiram do pressuposto de que a sociedade se dividia em vilões e mocinhos, e que os instintos violentos daqueles deveriam ser combatidos por meio de leis mais pesadas e severas. Desse modo, far-se-ia justiça aos cidadãos de bem, aos senhores do asfalto, não praticantes de delitos de nenhuma natureza.2.

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FRANCO, Alberto Silva. Crimes hediondos. 6.ed. São Paulo : RT. 605p. p.89 FRANCO, Alberto Silva. Crimes Hediondos. 4.ed. São Paulo : RT. 2000.p.84.

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1.1.1 Processo legislativo penal A Constituição Federal de 1988 conferiu ao Congresso Nacional a exclusividade para legislar em matéria penal (Artigo 22, I, e artigo 48), de modo que a lei penal deve ser o ―resultado do debate democrático, cujos procedimentos legislativos têm idoneidade para ponderar e garantir os interesses da liberdade individual e da segurança pública‖. 3 Nesse sentido, o Poder Legislativo é, para Mariângela Gomes, o ―centro dialético da maioria e da minoria‖4, e deve salvaguardar as liberdades do indivíduo contra os arbítrios do Estado punitivo. Além disso, segundo ela, ―(...) constata-se (...) que as características substanciais, sociológicas e políticas dos órgãos do Poder Legislativo fazem com que ele se apresente muito mais sensível em relação à perene exigência de que, na utilização do instrumento penal, haja uma ponderação entre a necessidade do intervento punitivo e a dignidade da pessoa humana‖5

Neste aspecto, no que se refere ao Poder Legislativo Brasileiro, não raro, os legisladores pátrios exercem as funções legislativas não de modo ‗ponderado‘ entre a necessidade de punir e de respeitar a dignidade da pessoa humana. Ao contrário, muitas vezes agem sob forte emoção e dominados pela comoção pública, atendendo às pressões midiáticas do dia, às dos grupos sociais economicamente bem situados. Tais pressões sobre o Legislativo visam a que os legisladores aprovem projetos de lei penais mais fortes, severos e compressivos dos direitos e garantias fundamentais. Poder-se-ia dizer que ocorre freqüentemente no Processo Legislativo Penal brasileiro, como na Lei 8.072/90, um desvirtuamento da ―concepção da pena como ultima ratio‖6. Alberto Silva Franco defende a idéia de que ―a circunstância de ser a etiqueta de delinqüente pendurada, de preferência, em pessoas que pertencem(..)‖ às classes menos favorecidas, ―(...)expressa apenas o exercício da atividade de seleção das instituições oficiais de controle social‖. 7

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Nilo Batista apud GOMES, Mariângela Gama de Magalhães. O valor normativo da jurisprudência penal, Tese apresentada à Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, 2007.p.15 GOMES, Mariângela Gama de Magalhães. op.cit. p.15 Pallazo apud GOMES, Mariângela Gama de Magalhães. op.cit. p.15 GOMES, Mariângela Gama de Magalhães. op.cit. p.17 FRANCO, Alberto Silva. op.cit. p.85.

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Para Zaffaroni8, este ―ato e o efeito de sancionar a lei penal material que incrimina ou permite a punição de certas pessoas‖ se constituiria na ―criminalização primária‖, realizada pelas agências políticas, no caso, o Congresso Nacional. A criminalização secundária é realizada pelas ―agências secundárias de criminalização (policiais, promotores, advogados, juízes, agentes penitenciários)‖, momento em que a ação punitiva do Estado será exercida sobre pessoas selecionadas por este sistema punitivo. Como estas agências de criminalização secundária possuem limitações operacionais, elas promovem uma seleção de quem será criminalizado e de quem será vitimizado. Os criminalizados serão, via de regra, aqueles indivíduos que a) cometem transgressões grosseiras, de fácil detecção; e b) sem acesso ao poder político e econômico e aos meios de comunicação de massa, ou seja, as que causem menos problemas. No entanto, frisa o autor, ao lado da criminalização desses segmentos sociais, ―(...) que só faz reforçar ainda mais os preconceitos racistas e de classe (...)‖, ―(...) se espalha, impune, todo o imenso oceano de ilícitos dos outros segmentos, que os cometem com menor rudeza ou mesmo com refinamento‖9. O que se verifica é que, sob o impulso da opinião pública e emprestando um caráter promocional ao direito penal, utilizado no discurso consensual da luta contra o crime, o legislador fez a categorização de alguns delitos como crimes hediondos, e, com a relação a eles, estabeleceu injustificavelmente restrição quanto à progressão de regime, numa política criminal às avessas. Para Francisco de Assis Toledo, é ―lamentável que um legislador desatento e mal assessorado tenha retirado da Administração da Justiça esse precioso instrumento de manutenção da disciplina no interior dos estabelecimentos penais, (...) porque, sem o benefício do sistema progressivo, o condenado só terá um caminho para antecipar a liberdade: a rebelião ou a fuga‖. 1.1.2 Clamor público Em fins da década de oitenta e início da de noventa, o Brasil passou por momentos de comoção pública, nos quais se instaurou um sentimento de insegurança coletiva, por meio de imagens midiáticas de conteúdo impactante de seqüestros de homens preeminentes da sociedade brasileira. Imagens e comentários que adentravam as residências durante semanas, quando não meses de cativeiro, tornando a opinião pública mais suscetível a aceitar soluções de emergência 8

ZAFFARONI, Eugenio Raúl et al. Direito Penal Brasileiro. Primeiro Volume: Teoria Geral do Direito Penal. 3.ed. Rio de Janeiro : Revan, 2006.660p. p.43. 9 ZAFFARONI, Eugenio Raúl et al. Op.cit. p.48

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ao problema da criminalidade. Estes momentos são propícios a que os empreendedores morais 10 procedesse à criminalização primária, por meio de projetos de lei no Congresso Nacional, e, posteriormente, à criminalização secundária, por meio da atuação seletiva das polícias, do Judiciário, do Ministério Público, etc. Dessa forma, criou-se no inconsciente coletivo a necessidade de ‗medidas urgentes e severas‘ contra os altos índices de criminalidade. 1.1.3 Empreendedores morais: rule enforcement e criadores de normas O termo ‗Moral Entrepreneur‘ foi cunhado primeiramente por Howard Becker, no livro, ‗Outsiders: estudos de sociologia do desvio‘. Segundo ele, os empreendedores morais consistiriam num grupo de pessoas com um interesse específico em um tema, os quais procuram criar normas gerais, por meio de uma cruzada moral. Os empreendedores morais procuram fazer uso de retórica que ressoe como padrão moral hegemônico e dominante, a fim de atingir seus objetivos. Por outro lado, como frisa Howard Becker 11, as aspirações desses empreendedores podem ter também motivações humanitárias, como, por exemplo, os que lutaram pela edição da Lei Seca, Leis pelos Direitos Civis, pelo fim do Tráfico de Escravos, a favor dos Direitos da Mulheres, Leis a favor da União Civil entre Homossexuais, Leis a favor do Abolicionismo. E pode haver empreendedores morais cuja essência de sua causa seja reiteradamente derrotada ao tentar de se impor como lei geral, como é o caso dos que têm defendido a descriminalização 12 da maconha e do aborto no Brasil. No caso da Lei dos Crimes Hediondos, é notável a quantidade de empreendedores morais por trás da inclusão de certos tipos penais nesta lei. Já em sua origem, os sequestros de Abílio Diniz e Rubens Medina contribuíram para a própria aceleração da legislação ―hedionda‖ e a inclusão do seqüestro como modalidade de crime hediondo. A seguir, Glória Perez e seus asseclas fizeram uma cruzada moral na mídia e lobby intenso no Congresso Nacional pela inclusão do

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Cf. BECKER, Howard. Outsiders: estudos de sociologia do desvio. Trad. Maria Luiza X. de A. Borges. Rio de Janeiro : Zahar, s.d. p.153-168. 11 BECKER, Howard. op.cit. p.153-154. 12 AZEVEDO, David Teixeira de. Dosimetria da pena: causas de aumento e diminuição. São Paulo : Malheiros, 1998.173p. David Teixeira, citando René Ariel Dotti, faz uma distinção importante entre descriminalização e despenalização, notando que, ―enquanto a descriminalização caminha para a exclusão do ordenamento jurídicopenal de condutas típicas, desvestindo-as de ilicitude ou inserindo-as em outros domínios do universo jurídico proibido, a despenalização significa a excogitação de respostas jurídicas outras, dentro do direito punitivo, que não a pena privativa de liberdade.‖ p.153

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homicídio qualificado no rol dos hediondos, após o assassinato de Daniela Perez, sua filha. Não que o seqüestro e o homicídio qualificado não sejam crimes abomináveis contra os quais não se deva criar leis. Mas é necessário o mínimo de racionalização, pesquisa baseada na realidade social, em dados estatísticos confiáveis, e na natureza do injusto para se criarem leis sem que isso fira garantias e direitos fundamentais como a da individualização da pena, o princípio da proporcionalidade e o da humanidade da pena 13. Caso contrário, gera-se uma aberração, a infringir a Carta Política ao negar a progressão de regime aos condenados pela prática de hediondos e seus assemelhados. Mas este é tradicionalmente o papel de parte dos ‗moral entrepreneurs‘. De acordo com o Dicionário Online de Ciências Sociais, outros exemplos de empreendedores morais seriam: MADD (Mães contra dirigir embriagado), o movimento pró-vida, o lobby das armas, grupos contra a pornografia, o lobby antitabagista, Emily Murphy14. Zaffaroni vê o papel dos empreendedores morais da seguinte forma: ―A reivindicação contra a impunidade dos homicidas, dos estupradores, dos ladrões e dos meninos de rua, dos usuários de drogas etc., não se resolve nunca com a respectiva punição do fato, mas sim com urgentes medidas punitivas que atenuam as reclamações na comunicação ou permitem que o tempo lhes retire a centralidade comunicativa‖.15

1.1.4 Altos índices de violência A realidade fática pode não ser bem como desenham alguns empreendedores morais, e o observador um pouco mais atento e informado notará que os altos índices de violência presentes no Brasil não se encaixam numa visão simplista da realidade. Como nota Loïc Wacquant em ―Toward a dictatorship over the poor?, ―A sociedade brasileira permanece caracterizada por disparidades sociais vertiginosas e pobreza em massa, que juntas alimentam o inexorável crescimen-

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ZAFFARONI, Eugenio Raúl et al. Op.cit. p.51. Para Zaffaroni, este ponto de vista talvez fosse tido como utópico, uma vez que ―a seletividade é estrutural, e, por conseguinte, não há sistema penal no mundo cuja regra geral não seja a criminalização secundária em razão da vulnerabilidade do candidato (...)‖. ―Por isso, a criminalização corresponde apenas supletivamente à gravidade do delito (conteúdo injusto do fato); esta só é determinante quando, por configurar um fato grotesco, eleva a vulnerabilidade do candidato‖. Tradução livre de ―MADD (Mothers Against Drunk Driving), the pro-life movement, the gun lobby, antipornography groups, Emily Murphy, and the anti-tobacco lobby would all be examples of moral entrepreneurs.‖ (Online Dictionary of the Social Sciences) ZAFFARONI, Eugenio Raúl et al. Op.cit. p.45

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to da violência criminal que tem se tornado a principal fonte de críticas das grandes cidades 16‖. Adicione-se a isto, a propagação e disseminação de armas de fogo, a ascensão do crime organizado com vínculos com o tráfico internacional de drogas, ―a atuação subterrânea delituosa de [algumas] agências policiais‖ com criminosos de alta periculosidade, a situação de vulnerabilidade das comunidades em que estes criminosos atuam, resultando na disseminação da violência, de chacinas, do tráfico de drogas, e da corrupção de alguns agentes públicos com a formação de milícias e o conseqüente aumento do descrédito e da descrença da sociedade em algumas forças de segurança pública17. Nessa linha de idéias, a criminalidade da marginalidade é potenciada pela criminalidade do centro dos detentores do poder, e, assim, titularizadas por pessoas de grande ―status‖ sóciocultural e com ramificações político-institucionais. Como bem fixou a criminologia radical ou da reação social, a distribuição desigual de oportunidades, a marginalização da maior parcela dos membros da comunhão social apenas formalmente pertencentes à sociedade de consumo, mas a quem se nega o efetivo acesso a tais bens, cria uma legião de desviados, assim filtrados e etiquetados pelas instâncias sociais de controle. Com efeito, como assegura Zaffaroni, ―se considerarmos que os criminalizados, os vitimizados e os policizados (ou seja, todos aqueles que sofrem as conseqüências desta suposta guerra) são selecionados nos estratos sociais inferiores, cabe reconhecer que o exercício do poder estimula e reproduz antagonismos entre as pessoas desses estratos mais frágeis, induzidas, a rigor, a uma auto-destruição‖18. Os índices de impunidade no Brasil, as denominadas cifras negras e cifras douradas, são suficientemente altas para facilitar e mesmo incentivar a prática de todos os tipos de delitos, inclusive os tipificados como hediondos. Apenas um exemplo ilustra bem este fato: em 26 de julho

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Tradução livre de ―Brazilian society remains characterized by vertiginous social disparities and mass poverty, which together feed the inexorable growth of criminal violence that has become the main scourge of the big cities‖. In: WACQUANT, Loïc. Toward a dictatorship over the poor? Notes on the penalization of poverty in Brazil. Punishment and society, v.5, p.297-205, Apr. 2003.p.199 Esta descrença e percepção do envolvimento de alguns agentes públicos com ilicitudes, quando deveriam combatê-las em prol da sociedade, talvez seja uma das razões de haver uma clara sub-notificação de delitos sofridos pelas pessoas no Brasil. De um estupro, a um simples assalto a um arrastão a um prédio de alto luxo, as pessoas normalmente preferem não fazer um Boletim de Ocorrência, talvez com receio de que as informações transmitidas a agentes policiais poderiam ‗vazar‘, e, desse modo, estariam colocando em risco suas vidas e a de seus familiares. É como a testemunha de uma chacina que evita testemunhar e entrar no Programa de Proteção às Testemunhas, por saber da notória e histórica participação de agentes policiais neste tipo de organização. ZAFFARONI, Eugenio Raúl et al. Op.cit. p.58

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de 1990, um dia após a edição da Lei 8.072/90, onze pessoas sumiram na Favela do Acari, no Rio de Janeiro, e moradores informaram depois que homens que se identificavam como policiais eram os responsáveis pelo sumiço daquelas pessoas que nunca mais foram encontradas. Ninguém foi punido por isso, apesar do rigor da novel legislação. Se invertida a equação, isto é, se os desaparecidos desempenhassem o papel social dos estratos diferenciados social, cultural, econômica e politicamente, o rigor da legislação recém aprovada se abateria sobre os autores do fato delituoso de modo impiedoso. No que se refere à corrupção, é oportuno lembrar a atuação de cinco policiais da polícia civil do Estado de São Paulo no caso Abadia, o narcotraficante mais procurado do mundo. Presos em agosto de 2009, eles são acusados de seqüestrar pessoas ligadas a Juan Carlos Ramíres Abadia e extorquir vastas somas de dinheiro de comparsas do narcotraficante, como condição para não prendê-lo. 1.2 Edição da Lei dos Crimes Hediondos: controle penal dos pobres? Os níveis de acesso à justiça no Brasil são baixos quando comparados a população total do país e aqueles que efetivamente vão buscar guarida nas instâncias judiciais para pôr termo às suas demandas. Diversos fatores contribuem para que os cidadãos abram mão de um direito que lhes é constitucionalmente garantido: morosidade da justiça, falta de informação, baixos níveis de educação da população em geral; descrença na eficácia da justiça como meio para resolver a demanda do cidadão médio; receio de sofrer um revés; falta de condições financeiras para constituir um bom advogado; a percepção bastante disseminada na sociedade de que a Justiça tem um viés decisório elitista; o baixo índice de aprovação de bacharéis no exame da OAB, que se reflete numa descrença social nas habilidades do advogado de bem servir a sociedade, o medo de sofrer represálias daqueles contra quem se opõe uma demanda, etc. A Lei 8.072/90 não contribuiu para minorar a percepção de que, no Brasil, quem tem condições financeiras para constituir bom e caro advogado não raro consegue se safar das garras da Justiça, ou, ao menos, ver reduzida e abrandada sua pena pelo Poder Judiciário. Nesse sentido, a criminalização primária relativa à Lei dos Crimes Hediondos poderia ser vista como uma forma de se exercer um controle penal maior sobre os pobres, criminalizando as condutas de seguimentos selecionados pelas agências de criminalização secundária.

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Estas pessoas seriam mais suscetíveis à severidade imposta, por exemplo, pela proibição da progressão do regime, devido ao fato de que: ―a) suas características pessoais se enquadram nos estereótipos criminais; b) sua educação só lhes permite realizar ações ilícitas toscas e, por conseguinte, de fácil detecção e c) porque a etiquetagem suscita a assunção do papel correspondente ao estereótipo, com o qual seu comportamento acaba correspondendo ao mesmo (a profecia que se auto-realiza).‖19 Estes são os vulneráveis à criminalização secundária. Há inúmeros condenados no Brasil que já cumpriram suas penas privativas de liberdade há anos, mas que, no entanto, ainda estão presos. Há outros envolvidos com a Justiça Criminal que estão presos sem processo; sem acusação formal; ou à espera de um julgamento. Há ainda aqueles que têm direito à progressão de regime fechado para o semi-aberto, mas permanecem no regime fechado20. Em um ano, o Conselho Nacional de Justiça, por meio de seu Mutirão Carcerário, analisou 27.956 processos em todo o Brasil e libertou 4.860 presos, o que corresponde a 17,3% dos processos analisados pelo CNJ. Somente no Rio de Janeiro, onde a polícia anda armada com fuzis e o BOPE com seu Caveirão aterroriza as populações das favelas, tratando indiscriminadamente criminosos e não criminosos como bandidos, 605 presos foram liberados pelo Mutirão do CNJ, ou 12,4% de todos os liberados. Este índice foi o maior de todas as unidades da federação onde ocorreram os mutirões. No Espírito Santo, conhecido pela atuação de grupos de extermínio e por prisões em abjeto estado de conservação, o número dos condenados com direito à liberdade foi de 578 pessoas, ou 11,8% do total de liberados. Diante desse quadro, há que se convir com Zaffaroni que ―a comunicação social divulga uma imagem particular da conseqüência mais notória da criminalização secundária – a prisonização – ensejando a suposição coletiva de que as prisões seriam povoadas por autores de fatos graves (―delitos naturais‖) tais como homicídios, estupros etc., quando, na verdade, a grande maioria dos prisonizados o são por delitos grosseiros cometidos com fins lucrativos (delitos burdos contra a propriedade e o pequeno tráfico de tóxicos, ou seja, a obra tosca da criminalidade)‖.21

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ZAFFARONI, Eugenio Raúl et al. Op.cit. p.47 Cf. http://www.cnj.jus.br/images/stories/docs_cnj/sistema_carcerario/consolidada_mutires.060809.pdf http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20090815/not_imp419085,0.php ZAFFARONI, Eugenio Raúl et al. Op.cit.p.47.

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Segundo dados do Sistema Integrado de Informações Penitenciárias – InfoPen, do Ministério da Justiça, havia 359.981 internados no sistema penitenciário brasileiro em dezembro de 2007. Desse total, 154.430, ou 42,9%, estavam em regime fechado, 59.324, ou 16,4%, em regime semi-aberto, 19.847, ou 5,5%, em regime aberto, e 123.924, ou 34,4% composta por presos provisórios. Com relação ao grau de instrução dos internados, segundo o InfoPen, 29.724, ou 8,1%, era composto de analfabetos, 52.332, ou 14,3%, de presos alfabetizados, 163.233, ou 44,7%, tinham ensino fundamental incompleto, 43.846, ou 12%, possuíam ensino fundamental completo, 34.145, ou 9,3%, tinham ensino médio incompleto, 24.838, ou 6,8%, possuíam ensino médio completo, 3.434, ou 0,9%, possuíam ensino superior completo, 1.586, ou 0,43%, possuíam ensino superior completo e apenas 57 internados, ou 0,01% possuíam nível de pós-graduação. Procedendo-se a uma análise desses dados, percebe-se que a população prisional no Brasil é composta em sua vasta maioria de pessoas ou completamente analfabetas ou analfabetas funcionais. A quantidade de encarcerados no Brasil é inversamente proporcional ao nível de escolaridade, corroborando a percepção social de que as decisões judiciais no Brasil possuem um viés elitista, socioeconômico e étnico-racial, uma vez que, de acordo com o InfoPen, quando se consideram a raça e a etnia dos presos, tem-se os seguintes dados: 199.842 presos são negros (pardos e pretos), 137.436 da raça branca, 2.234 da raça amarela e 31 da raça indígena 22. De fato, quando se analisa os inúmeros casos de corrupção descobertos, seja em Brasília ou em outras partes do Brasil, nos crimes do colarinho branco, em que os acusados geralmente são pessoas com nível superior, que evadem somas estratosféricas do erário, a quantidade de pessoas que realmente acaba cumprindo pena de prisão é baixíssima. Um exemplo clássico são as operações da Polícia Federal deflagradas em anos recentes contra sofisticadas e complexas operações criminosas das quais, descobriu-se, pessoas da alta sociedade brasileira fazem parte, políticos, empresários, industriais, comerciantes, etc. Contudo, pouquíssimos acabam recebendo uma condenação e ficando presos, como ilustrado pelos dados do InfoPen. Como a maioria dessas operações acabam recebendo grande destaque na mídia televisiva, à qual a maioria dos brasileiros tem acesso diário, o fato desse tipo de criminoso, de um outro

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http://www.mj.gov.br/data/Pages/MJD574E9CEITEMIDC37B2AE94C6840068B1624D28407509CPTBRNN.htm Clicar em Brasil /dez/07/

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estrato social, sair impune, malgrado as vastas somas de dinheiro evadidos dos cofres públicos, a sociedade fica com a sensação incômoda de que justiça, no Brasil, ―é para pobre‖, termo muito usado no cotidiano das grandes, médias e pequenas cidades brasileiras. Esta mesma mídia televisiva instila nos telespectadores, ao mesmo tempo, a necessidade deles adquirirem cada vez mais bens de consumo, como pré-requisito para fazer parte da sociedade de consumo. Todavia, como o brasileiro médio é pobre, o fato de não conseguir obter os tais bens de consumo acaba gerando neles frustração, a qual, somada às imagens a que têm acesso das impunidades com relação aos acusados de crimes do colarinho branco, acaba se tornando terreno fértil à alienação, à gestação de organizações criminosas, ao florescimento do tráfico ilícito de entorpecentes, à violência nas grandes cidades, aos arrastões, à crueldade contra os João Hélios, às balas perdidas, às milícias, etc. Daí, concluir-se que uma manifestação na Orla de Ipanema ou Copacabana clamando por ―PAZ‖, após um crime bárbaro contra um membro da classe média carioca, deva ser considerada como inócua, uma vez que a gênese da violência bárbara existente no país está inscrita no próprio modo como a sociedade brasileira tem se estruturado durante séculos: hierárquica, desigual e autoritariamente. A menos que a sociedade repense seriamente sua estrutura e tome medidas para sua alteração gradativa, não há muita perspectiva para coibir a violência, restando apenas a certeza de que companhias de segurança privada continuarão sendo uma boa aposta de lucratividade no Brasil. A Lei 8.072/90 só veio a piorar este cenário, uma vez que proibia, até 2007, a progressão de regime àqueles que cometessem crimes hediondos e seus assemelhados. Como esta lei infringia, na redação de vários tipos penais, o princípio da taxatividade, ficou claro que os mais afetados pela referida lei seriam os menos instruídos e sem contar com advogado suficientemente hábil para decodificar as ambigüidades e nuances do referido diploma legal. Estava montado o ambiente para o controle social dos pobres, refletido na superpopulação carcerária, nos rebeliões e motins, nas mortes e nas condições inumanas nas prisões, distritos policiais e cadeias públicas nacionais.

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De acordo com Renato Sérgio de Lima 23, em pesquisa conduzida pela Fundação Seade, a pedido da Secretaria de Administração Penitenciária de São Paulo, ―nota-se que enquanto os negros representavam cerca de 26% da população paulista, em 1999, eles totalizavam cerca de 44% da população carcerária em São Paulo‖. ―há consenso [em vários estudos científicos] quanto aos efeitos discriminatórios provocados pelo funcionamento das agências encarregadas de conter a criminalidade: a intimidação policial, as sanções punitivas e a maior severidade no tratamento dispensado àqueles que se encontram sob tutela e guarda nas prisões recaem preferencialmente sobre ‗os mais jovens, os mais pobres e os mais negros‘. São estes os grupos justamente desprovidos das imunidades que costumam beneficiar com menor rigor punitivo cidadãos procedentes das classes médias e elevadas da sociedade envolvidos em crimes, até mesmo em complexas organizações criminais, como aponta a literatura especializada internacional‖ 24.

Exemplos de crimes bárbaros em larga escala ocorridos entre o início da década de 1990, a maioria deles contra negros25, pobres, favelados, avolumam. A questão racial26 nos crimes contra a vida e na interpretação judicial dos delitos invariavelmente é ignorada, sob o pretexto de ser esta questão menor ou inexistente no Brasil. Sobre este tema, Renato Sérgio de Lima 27 sintetiza que ―qualquer análise sobre questões raciais no Brasil deve começar por notar que o racismo no Brasil é um tabu‖. Nesse sentido, o Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, em estudo conduzido em 2003, fez a seguinte constatação com relação ao modo como o Judiciário lida com esta questão: ―numa sociedade em que, historicamente, o comportamento daqueles que vivem na pobreza é criminalizado — e os negros são, demograficamente, mais numerosos entre os pobres —, eles acabam por ser duplamente discriminados. Afinal, imagens sociais sobre crimes e criminosos associam atributos raciais e pobreza ao maior cometimento de crimes violentos, mesmo não existindo estudos que comprovem esta associação. Assim, os negros não são discriminados apenas pela cor, mas também pela origem social e, por conseguinte, a exclusão social é reforçada pelo preconceito e pela estigmatização. Nesse processo, sendo os negros vistos

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LIMA, Renato Sérgio de. Atributos raciais no funcionamento do Sistema de Justiça Criminal Paulista. São Paulo Perspec., São Paulo, v. 18, n. 1, Mar. 2004. 24 ADORNO, Sergio. Discriminação racial e justiça criminal em São Paulo. Novos Estudos. Cebrap. São Paulo, Cebrap,43: 45-63, novembro 1995. 25 Como salienta Sergio Adorno, ―As sanções alcançam preferencialmente grupos sociais singulares, como negros e migrantes, comparativamente às sanções aplicadas a cidadãos brancos, procedentes das classes média e alta da sociedade‖. In: ADORNO, Sérgio. Crise no sistema de justiça criminal. Cienc. Cult., São Paulo, v. 54, n. 1, June 2002. 26 Cf. SHECAIRA, Sérgio Salomão. Eugenia social. Boletim IBCCRIM. São Paulo, v.12, n.143, p. 4-5, out. 2004. 27 LIMA, Renato Sérgio de. Atributos raciais no funcionamento do Sistema de Justiça Criminal Paulista. São Paulo Perspec., São Paulo, v. 18, n. 1, Mar. 2004 .

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como indivíduos ‗perturbadores da ordem social‘, são eleitos alvos preferenciais das agências de controle social‖ 28.

Além disso, nota Lima que, ―Os resultados da pesquisa são incontestáveis em apontar a maior punibilidade para negros, tanto se considerarmos a sua progressiva captação e manutenção pelo sistema (mais condenados do que indiciados), como se levarmos em conta a categoria prisão no processo: além de serem mais presos em flagrante (do que indiciados por portaria, como a maioria branca), seus processos correm num prazo menor, o que é indicativo de maior incidência de prisão processual29‖.

Nessas circunstâncias, pode-se inferir que a criminalização secundária acaba afetando de modo indelével mais os negros e os pobres, de modo que estes grupos selecionados pelo sistema punitivo por sua vulnerabilidade acabaram por ser os mais atingidos pela severidade da proibição de progressão de regime da Lei dos Crimes Hediondos. Shecaira afirma 30 que, ―O primeiro passo para que se reconheça a questão racial como algo relevante em nível nacional é entendê-la como de responsabilidade de todos que lutam pela edificação de uma sociedade justa, igualitária e fraterna. Para isso é necessário o rompimento do histórico silêncio sobre a questão racial por parte dos estudiosos, partidos políticos, intelectuais, universitários e operadores do Direito. Mais do que isso: é preciso nos conscientizar [de] que estamos diante de um problema concreto que precisa ser conhecido e enfrentado. Por trás das crenças religiosas, em uma suposta e inexistente igualdade, há sempre um modo de pensar e de sentir, hábitos e práticas culturais, valores que se originam de uma série de instintos obscuros, os quais escondem a verdadeira eugenia social que ainda campeia no Brasil. Temos que derrubar esses fantasmas e isso é um dever moral‖.

De se notar, as chacinas de Acari (1990), Carandiru (1992), Candelária (1993), Vigário Geral (1993), Nova Iguaçu (2005), etc. Crimes Hediondos, muito dos quais resultaram da ―atuação subterrânea delituosa das agências policiais 31‖, com o encobrimento e a conivência de outras agências de criminalização secundária, resultando em impunidade 32. Nessas circunstâncias, para Dom Mauro Morelli, da Diocese de Duque de Caxias e São João do Meriti,

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LIMA, Renato Sergio de et alii. Raça e Gênero no Funcionamento da Justiça Criminal. Boletim do IBCCRIM, n.125, p.4, abr. 2003. 29 LIMA, Renato Sergio de et alii, Raça e Gênero no Funcionamento da Justiça Criminal. Boletim do IBCCRIM, n.125, abr. 2003, p. 4. 30 Cf. SHECAIRA, Sérgio Salomão. Eugenia social. Boletim IBCCRIM. São Paulo, v.12, n.143, p. 4-5, out. 2004. 31 ZAFFARONI, Eugenio Raúl et al. Op.cit. p.54. 32 Cf. Nesse sentido: http://www.terra.com.br/istoe/1852/brasil/1852_rotina_barbarie.htm

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“Há policiais que servem com justiça e respeito, tarefa quase impossível. A polícia existe para perseguir, punir e exterminar quem não é, não sabe e não tem, assim como o Código Penal, o Código Civil e tudo o mais garantem cidadania para quem é, sabe e tem.‖

1.3 Conseqüências da redação original da § 1º do 2º da Lei 8.072/90 De acordo com a redação original do §1º do art. 2º, da Lei 8.072/90, ―a pena prevista neste artigo será cumprida em regime integralmente fechado‖. A redação dada a este parágrafo teve conseqüências nefastas e indeléveis para o sistema prisional e carcerário brasileiro, com um aumento de rebeliões, motins, emergência das facções criminosas e superpopulação carcerária. Quando se alude ao fracasso e à fragilidade da política legislativa penal brasileira, fazemo-lo sob dois pontos de vista: um, próximo do que defende Alberto Silva Franco 33, segundo o qual houve falta de ―técnica legislativa‖ na confecção da Lei 8.072/90; e outro, do que pensa Zaffaroni34, cuja linha de pensamento poderia ser interpretada no sentido de que não seria bem falta de técnica legislativa o ocorrido na confecção da Lei dos Crimes Hediondos, sendo este o papel a ser exercido pelas agências políticas (parlamentos, executivos) no processo de criminalização primária, ou seja, sancionar leis que incriminem ou permitam a punição de certos indivíduos selecionados por meio de estereótipos, critério principal de seletividade secundária. 1.3.1 Emergência das facções criminosas A Lei dos Crimes Hediondos, ao proibir a progressão de regime aos condenados por crimes daquela natureza, acabou criando um problema sério nas prisões: o fortalecimento e a emergência de facções criminosas como o Comando Vermelho, o Primeiro Comando da Capital e o Terceiro Comando, cujas bases se situavam no eixo Rio-São Paulo, mas cuja influência pervasiva se expandia por todos os Estados da federação e por órgãos do Executivo, Judiciário e Legislat ivo, além de possuir vínculos com o narcotráfico internacional. Uma conseqüência natural dessa emergência, foram os motins e rebeliões, que atingiram seu ápice em 18 de fevereiro de 2001, quando o PCC coordenou em 29 penitenciárias do Estado de São Paulo uma megarrebelião, a maior do Brasil. O objetivo era protestar contra a transferência de alguns líderes da facção crimi-

33 34

FRANCO, Alberto Silva. op.cit. p.85. ZAFFARONI, Eugenio Raúl et al. Op.cit. p.43 e 46

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nosa para penitenciárias de segurança máxima no interior do estado. Este fato serviu para mostrar o poder que a facção adquirira no estado mais rico da federação. A rebelião foi controlada à época, mas nos anos seguintes rebeliões continuariam a ser a tônica nos presídios brasileiros, com todos os custos associados a elas. Neste momento, tivessem nossos legisladores sido sábios o suficiente para ler nas entrelinhas, teriam percebido que a Lei 8.072/90 não estava surtindo o efeito desejado. Mas o pior ainda estava por vir. Em 12 de maio de 2006, o mesmo PCC deu início a uma onda de violência em todo Estado de São Paulo, aterrorizando moradores, policiais civis e militares, acadêmicos, jornalistas, as demais forças de segurança, a sociedade civil, comerciantes, empresários, industriais, etc. Os ataques visavam policiais militares, civis e agentes penitenciários, e, entre os dias 12 e 14 de maio de 2006, ―52 pessoas foram mortas: 35 policiais civis e militares, integrantes de guarda metropolitanas e agentes de segurança de penitenciária, três civis, e 14 suspeitos de envolvimento nos crimes35‖. Fato é que São Paulo, que nunca para, ficou aterrorizada com o escopo, a rapidez e a força dos ataques aos meios de transporte público e às agências de criminalização secundária do Estado, e teve que parar ante o toque de recolher imposto pela facção na cidade. As empresas tiveram enormes prejuízos. As ruas historicamente congestionadas da metrópole ficaram vazias em plena luz do dia e as pessoas só queriam chegar às suas casas, porto seguro, ante a falência do Estado em prover a segurança necessária aos seus cidadãos. Os ataques tiveram repercussão internacional36. Este era um sinal claro de que, entre outras medidas equivocadas, a Lei 8.072/90, que proibia a progressão do regime, não estava sendo suficiente para coibir a ação delituosa de facções como o PCC. Estes fatos demonstram que a criação de leis mais severas não basta para resolver o problema da criminalidade. É necessário haver políticas públicas que envolvam a comunidade, o Estado, as agências de criminalização secundária, arte, cultura e esporte de alto nível ou não, e que se coíba a corrupção e a impunidade que grassam em várias esferas da sociedade brasileira. Nesse sentido, a edição da Lei 11.464/2007, com a autorização para a progressão de regime e alteração dos prazos para concessão das mesmas, já veio tarde. Dom Mauro, num desabafo após a Chacina

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Cf. http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u121459.shtml Cf. http://news.bbc.co.uk/2/hi/americas/4771455.stm

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de Nova Iguaçu, em 2006, na qual foram assassinadas trinta pessoas, disse: ―A corrupção, a impunidade e o cinismo da classe política, que visa seus próprios interesses, são o caldo de cultura da violência generalizada. Mata-se por qualquer preço e sem escrúpulo. Nossas elites são insensíveis, insaciáveis, insensatas e insanas‖. De se notar que, do ponto de vista da política criminal, o combate às criminalidades se dá não somente por meio das vias formais, tais como, polícias, Ministério Público, Poder Judiciário, Defensoria Pública, instituições e estabelecimentos prisionais, mas também por intermédio das instâncias materiais, isto é, a família, a comunidade, a escola, etc. 37. Daí a necessidade de a modelo de combate à criminalidade não ser imposto pelas instâncias da Lei e da Ordem à família, à comunidade e à escola, sob pena de a sociedade não se reconhecer naquelas ações, as quais acabam por entrar em descrédito social. Este parece ser o caso da política de tolerância zero da Polícia carioca, que há décadas tem tido o hábito de invadir morros, favelas e comunidades pobres da cidade perpetrando verdadeiros massacres contra as populações daquelas áreas de risco e em situação de guerra. É de conhecimento público que a corrupção e o autoritarismo inerentes a estas ações somente geram alienação, desestruturação social, estigmatização, preconceito social e racial contra aquelas populações, e mais violência do tráfico contra os homens do ‗asfalto‘ e as forças de segurança pública. É ilusório utilizar-se do Direito Penal da severidade, imaginado que seus artigos de lei restarão mais eficazes para resolver o problema da alienação sócio-econômica cotidiana, do que um equacionamento claro, objetivo e realista das reestruturações a serem feitas no âmbito da educação, do mercado de trabalho, da cultura, do esporte, da qualidade de vida, da infra-estrutura urbana e do maior acesso à justiça e à cidadania nas cidades brasileiras.

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Cf. DOTTI, René Ariel. Crimes hediondos e a progressão do regime de execução da pena privativa de liberdade. Revista dos Tribunais, v.851, p.403-517, set./2006.

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2. PROCESSO LEGISLATIVO BRASILEIRO O processo legislativo brasileiro tem suas origens no processo legislativo clássico, cujas premissas básicas foram delineadas por Montesquieu em seu ―O Espírito das Leis‖ e por Hamilton, Jay e Madison em ―Os Federalistas‖. Em sua obra, Montesquieu propôs a divisão tripartite dos poderes em Executivo, Judiciário e Legislativo, como forma de pôr freios e contrapesos ao absolutismo e salvaguardar as liberdades do indivíduo. Sendo assim, ao Poder Legislativo caberia fazer as leis e seu poder estaria a cargo do Parlamento, o qual seria composto de uma Câmara Alta e de uma Câmara Baixa. Esta com a finalidade de representar o povo; e aquela, a nobreza, contrabalançando, desse modo, o poder da Câmara Baixa 38. No caso brasileiro, o Parlamento seria o Congresso Nacional, onde estão os representantes do povo. De acordo com a idéia original de ―Os Federalistas‖, ―a necessidade de um Senado não é menos indicado pela propensão de toda assembléia singular e numerosa ceder ao impulso de paixões súbitas e violentas e deixar-se levar por líderes facciosos a resoluções imoderadas e perniciosas‖39. Em síntese, originalmente caberia ao Senado Federal o papel de contrapeso à ação dos membros da Câmara Baixa. Mas a experiência tem mostrado que no Brasil está idéia original de ―Os Federalistas‖ tem sofrido constantes alterações e adaptações. No que se refere à Lei dos Crimes Hediondos, coube ao Poder Legislativo, instância de criminalização primária, fazer uma lei carregada de emocionalismo, atendendo aos anseios das classes sociais mais privilegiadas por um endurecimento das penas aos condenados por extorsão mediante seqüestro, por exemplo, à propaganda e sensacionalismo midiáticos na exposição da violência, e, conseqüentemente, ao clamor público decorrente dessa ―pressão social‖ por alterações nas leis penais. Todavia, se para os Federalistas caberia ao Senado contrabalançar os impulsos de ―repentinas e violentas paixões das assembléias singulares e numerosas‖, no Brasil, a Câ-

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FERREIRA FILHO, Manuel Gonçalves. op.cit. p.59 Cf. HAMILTON, Alexander or MADISON, James. The Federalist Papers. Washington : Library of Congress, 1992. http://thomas.loc.gov/home/histdox/fed_62.html ―The necessity of a senate is not less indicated by the propensity of all single and numerous assemblies to yield to the impulse of sudden and violent passions, and to be seduced by factious leaders into intemperate and pernicious resolutions‖

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mara Alta não parece ter agido com a devida cautela e prudência no sentido de evitar o mal maior, qual seja, a edição de lei que viria a ser bastante nefasta à vida dos cidadãos 40. 2.1 Política legislativa penal: conceito e racionalidade A Política Legislativa Penal tem por objetivo, a partir de uma premissa constitucional historicamente determinada, criar, aplicar e fazer cumprir as leis, no âmbito do Estado. Segundo Erik Wolf41, lembrado por David Teixeira de Azevedo42,cumpre à política jurídica colocar em relevo os métodos e pautas, de acordo com os quais o ordenamento jurídico pode levar a cabo seus fins da melhor maneira possível. A política, como sabedoria de governo e administração do povo, implica a sensibilidade de captação dos valores sociais e interesses coletivos, sua hierarquização, afirmação, reavaliação e reescalonamento, visando à promoção do bem público. Para Díez Ripollés,43 ―(...) com a legislação penal nos movemos no campo do controle social jurídico sancionador‖, de modo que ela se constituiria na ―(...) capacidade para elaborar, no âmbito desse controle social, uma decisão legislativa que atenda a dados relevantes da realidade social e jurídica sobre os quais ela incide‖. O mesmo autor nos ensina ainda que ―(...)A racionalidade legislativa penal seria o ponto de chegada de uma teoria da argumentação jurídica, a ser desenvolvida no plano do procedimento legislativo

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Digno de nota é perceber quão desconectados alguns legisladores pátrios estão das reais percepções daqueles que lhes podem fornecer insights e feedbacks à tomada de decisão e correção de equívocos, como o da edição da Lei 8.072/90. De acordo com relatos de funcionários e agentes penitenciários do sistema prisional brasileiro ao ILANUD, eles foram unânimes em associar a ―formação da superpopulação carcerária‖ com a Lei dos crimes hediondos. Tivessem os legisladores procurado saber a opinião de quem estava lidando com fugas e rebeliões constantes nos presídios, nos anos seguintes à edição de lei tão polêmica, teriam corrigido mais rapidamente o erro de se proibir a progressão do regime aos condenados por crimes hediondos e equiparados – correção feita, a propósito, somente em 2007, com a lei 11.464. Uma população carcerária maior implica em maiores gastos e custos para o Estado, uma vez que a criticada privatização do sistema carcerário ainda não chegou aos níveis de mercado e profissionalismo do caso norte-americano. O problema da privatização é que a uma empresa de segurança e administradora de presídios listada na bolsa de valores, por exemplo, interessa o lucro. E este será resultante do maior número possível de encarcerados. Nesse sentido, para uma empresa com este perfil, quanto mais severas e restritivas as leis penais, maiores os retornos para os acionistas. Por outro lado, o Estado não tem condições de manter um contingente enorme de presos nas prisões em condições dignas, ou seja, conforme pede a Carta Magna, a legislação especial e as convenções internacionais sobre Direitos Humanos, de sorte que a ele não deveria interessar ter leis mais severas, que servem principalmente para transformar pessoas comuns em criminosas de alta periculosidade, sem quase nenhuma chance de inserção na sociedade. Neste sentido, confira: EDITORIAL: A quem interessa industrializar a prisão? Boletim IBCCRIM: São Paulo, n. 201, p. 1, ago. 2009. http://www.g4s.com/ , http://www.geogroup.com/ 41 WOLF, Eric. El caracter problematico y necesario de la ciencia del derecho, Abeledo-Perrot, sem data, p. 59. 42 AZEVEDO, David Teixeira de. Do arrependimento eficaz, dissertação de mestrado apresentada à Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, 1989, inédita, p. 9. 43 DÍEZ RIPOLLÉS, José Luis. Op.cit. p.91-92

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penal, que garantisse decisões legislativas suscetíveis de obter acordos sociais por sua adequação à realidade social na qual são formuladas‖44

As leis criadas devem, para tanto, atender a vários princípios de cunho e estatura constitucional a fim de garantir a liberdade dos cidadãos, como o da taxatividade e o da legalidade. As leis precisam ser claras, precisas e universais, a fim de que façam valer o princípio da legalidade, ―valor supremo e atributo inafastável do indivíduo‖. 45 2.2 Política legislativa penal brasileira Toda ordem jurídica é inspirada em valorações e as leis penais deveriam ser a expressão de um consenso social que autorizasse, para tutela de alguns bens fundamentais, a coerção estatal. Nestas circunstâncias, as decisões legislativas penais acabam sendo o reflexo desse suposto consenso, muitas vezes artificialmente criado pelos meios de comunicação social e pelo discurso aliciador da segurança e da ordem. O Direito Penal, por sua vez, através da interpretação das leis penais, fornece aos magistrados um sistema para a tomada de decisões. O Poder Legislativo sinaliza quais comportamentos sociais serão tidos como socialmente condenáveis, elenca os bens jurídicos relevantes a este propósito e as sanções que recairão sobre os que desobedecerem às leis penais. Para fugir a uma legislação autoritária e de emergência, como a Lei 8.072/90, alguns princípios, incorporados de maneira explícita na Constituição, ou de maneira menos manifesta, balizam a atuação do legislador e também do aplicador da norma jurídica. 2.3 Princípios da intervenção mínima, da lesividade e controle social De acordo com o princípio da intervenção mínima, o ius puniendi estatal deve dirigir-se somente à afronta a bens jurídicos relevantes, a fim de proteger a convivência, interesses fundamentais, bem como a liberdade. A expansão do controle social penal não deve inspirar a ação estatal. Antes de se optar pela intervenção penal estatal, deve-se verificar se outras formas mais eficazes e menos custosas de defesa de bens jurídicos fundamentais ainda não foram testadas com sucesso. Isto porque, a edição de uma lei, como a dos crimes hediondos, pode, num primeiro

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DÍEZ RIPOLLÉS, José Luis. A racionalidade das leis penais: teoria e prática. Trad. Luiz Regis Prado. São Paulo : RT, 2005. p.93 GOMES, Mariângela Gama de Magalhães. O valor normativo da jurisprudência penal, Tese apresentada à Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, 2007.p.8.

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momento, transmitir à sociedade uma falsa noção de ―segurança‖, mas, posteriormente, transformar-se em uma lei social, econômica e politicamente traumática e custosa à sociedade como um todo46. Prova disso é que, afligindo princípios fundamentais próprios de um Estado Democrático de Direito, a nova legislação não foi suficiente para promover a redução dos índices de criminalidade no país. Daí a importância do princípio da intervenção mínima. A tentação de utilização do magistério penal, porém é grande e alicidadora, como salienta Alberto Silva Franco, ―com uma maioria nas Casas do Congresso e um Diário Oficial é sempre possível, ao Poder Executivo tangenciar os princípios da legalidade e da exclusiva proteção de bens jurídicos e apelar ao Direito Penal para o equacionamento de todo e qualquer conflito social, transformando-o assim num expediente corriqueiro, de uso comum47‖.

Um tipo de conduta que o princípio da lesividade proíbe de ser incriminado é aquele representativo de simples desviação, ou seja, aquele reprovado moralmente pela sociedade, - como, por exemplo, o beijo lascivo, tipificado até o advento da Lei 12.015/2009 como crime hediondo e passível de uma punição de acordo com sua ―hediondez‖-, mas que não afetam bem jurídico algum. Afinal, como bem nota Regis Prado, o bem jurídico possui uma ―função individualizadora‖, utilizada ―como critério de medida da penal, no momento concreto de sua fixação, levando-se em conta a gravidade da lesão ao bem jurídico (desvalor do resultado)‖48. Daí decorre que o poder punitivo estatal somente deve se abater sobe a liberdade individual caso um bem jurídico valorado como relevante tenha sido atingido.

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Nessa linha de pensamento, é importante notar o aumento vertiginoso de rebeliões, fugas e do contingente de presos nos presídios, penitenciárias e cadeias públicas brasileiros. Segundo dados do ILANUD, em 2005, 75,8% dos presos cumpriam pena em regime fechado; somente em 2002 ocorreram mais de 4.400 fugas do sistema prisional; ocorreram mais de 230 rebeliões no sistema penitenciário; e entre 1995 e 2003 houve um aumento de 163,4% no número de vagas em unidades prisionais, que passou de 68.597 para 180.726. Em 1995, a taxa de encarceramento por 100 mil habitantes no país era de 95,5, segundo dados do DEPEN e do IBGE. Em 2003, quando foi instaurado o Regime Disciplinar Diferenciado, esta taxa era de 181,6 por 100 mil habitantes nos presídios, delegacias e cadeias públicas brasileiros. Como bem relata um condenado primário por crime hediondo, “(...) Pra quem vive nessa vida, pode ser hediondo aí 10 vezes mais perigoso, mais forte, mais cadeia, mais severo (...) pela convivência que eu tive com esse povo, com essas pessoas, elas não param. Qualquer lei que colocar, o crime não pára (...)”. Cf. ILANUD. A lei dos crimes hediondos como instrumento de política criminal. São Paulo : ILANUD, 2005. 106p. p.62-64, p.96. Cabe aqui, ainda, fazer uma distinção importante: população carcerária é composta por indivíduos encarcerados em cadeias públicas, presídios e distritos policiais, ao passo que a população prisional não leva em conta os indivíduos sob custódia nos distritos policiais. 47 FRANCO, Alberto Silva. Crimes hediondos. 4.ed. São Paulo : RT, 2000. 518p. p.65. 48 PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileito. 2.ed. São Paulo : RT, 2001. p.83.

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Ao definir os tipos penais hediondos da Lei 8.072/90, os legisladores não levaram em consideração nem o princípio da intervenção mínima nem o da lesividade. Na verdade, como bem observa Franco 49, o que houve foi uma ―etiquetagem‖ dos tipos já previstos no Código Penal ou em leis penais especiais para a Lei 8.072/90. No caso específico do beijo lascivo e do toque corporal, atentado violento ao pudor, e, portanto, crimes hediondos, até o advento da Lei 12.015/0950, constituíam-se em verdadeiro disparate jurídico, ofendo o princípio da razoabilidade e proporcionalidade. Como observou Díez Ripollés, citado por Alberto Silva Franco. ―Como se consegue distinguir uma carinhosa demonstração de afeto em relação a uma menor, que inclua prolixos contatos corporais, de uma ação sexual com a mesma aparência externa; ou como distinguir-se uma exploração ginecológica na qual o médico entra em contato com as partes íntimas da mulher, de uma ação sexual em que o autor intenta manusear os órgãos genitais da vítima? Nestas e em outras hipóteses, a averiguação de que foi realizada uma conduta sexual, ou não, carece de referências seguras.‖51

Ademais, à época da equiparação, o então deputado Roberto Jefferson, jogando para a platéia, afirmava haver equiparação entre o crime de estupro e o atentado violento ao pudor. Este seria, nas palavras do então eminente deputado, ―uma forma de estupro‖. Segundo Jefferson, a alcunha de crime hediondo não deveria se restringir à ―extorsão mediante seqüestro (...) que agrava as famílias mais abastadas‖. Para ele, a lei deveria considerar como hediondos crimes que afetassem não somente os abastados, para não transmitir à sociedade como um todo a ideia de que se estaria tentando proteger ―a camada mais rica da população‖. Daí terem ―as lideranças de

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FRANCO, Alberto Silva. Op.cit. p.93. Importante notar que em 10 de agosto de 2009, foi promulgada a Lei 12.015, segundo a qual não mais existe o tipo penal atentado violento ao pudor, mas tão somente Estupro de Vulnerável. Além disso, o Título VI, outrora chamado ―Dos Crimes Contra os Costumes‖, agora se chama ―Dos Crimes Contra a Dignidade Sexual‖. E nele se encontra o crime de estupro, que anteriormente só podia ser alcunhado a vítimas do sexo feminino. Com a redação dada pela Lei 12.015/09, dá-se a entender que ambos os sexos podem ser vítimas de estupro. Antes, o tipo penal estava descrito no art.213 do CP como ―constranger mulher à conjunção carnal...‖. Com a nova redação, ficou assim: ―constranger alguém à conjunção carnal...‖. 51 Díez Rippolés apud FRANCO, Alberto Silva. op.cit. p.232 50

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todos os partidos‖ decidido fazer ―uma legislação mais ampla‖ e democrática, que resultou na Lei 8.072/9052. 2.4 Opção político-criminal na escolha dos delitos hediondos: seletividade ideológica Para René Ariel Dotti, ―a política criminal é o conjunto sistemático de princípios e regras através dos quais o Estado procura prevenir e reprimir as infrações penais, além de propor condições para a harmônica integração social do condenado‖53. José Carlos de Oliveira Robaldo afirma 54 ser a ―Política Criminal (...) o elo de ligação axiológica entre a Criminologia e a Dogmática Penal‖, ou seja, a Criminologia, por meio de coleta de dados estatísticos criminais e da análise da realidade penal, promove um juízo de valor prévio sobre esta realidade. À Política Criminal, caberia dar, a partir da Constituição Federal, ―(...) por meio das ‗proposições político-criminais‘, o tom valorativo final à Dogmática Penal, (...), ‗o tempero axiológico‘ na busca de soluções justas, necessárias, adequadas e úteis para o caso concreto com dignidade penal e o menor custo social possível‖ 55. É a Política Criminal quem confere um sentido de legitimação ao controle social pela via penal. Criminologia, Política Criminal e Direito Penal possuem, dessa forma, uma relação de interdependência que deve ser vista em seus mínimos detalhes, sob pena de se editarem leis como a 8.072/90, sem uma análise de sua efetiva repercussão social. A preocupação antecedente mesmo aos trabalhos legislativos, e, com mais ênfase, durante o desenvolvimento do processo legislativo, deve ser, a partir de um enfoque e constatação criminológica, pensar a oportunidade políticocriminal da legislação, sua pertinência para tutela de bens jurídicos fundamentais, seu respeito à ordem axiológica constitucional, a necessidade de utilização do instrumental penal e a antecipação, o quanto possível, das consequências da legislação. Nada disso ocorreu com a edição da de-

52

FRANCO, Alberto Silva. Op.cit. p.91 Na verdade, a tese de que se procurou fazer uma lei menos elitista com a edição da Lei 8.072/90 não se sustenta, se emprestarmos o argumento de Zaffaroni de que às instâncias de criminalização primária (Congresso Nacional) cabe exatamente o papel de ceder às investidas e pressões dos empreendedores morais, a fim de editar leis que serão, posteriormente, utilizadas seletivamente pelas agências de criminalização secundária contra certos indivíduos selecionados. 53 Cf. DOTTI, René Ariel. Crimes hediondos e a progressão do regime de execução da pena privativa de liberdade. Revista dos Tribunais, v.851, p.403-517, set./2006.p.405 54 Cf. ROBALDO, José Carlos de Oliveira. Controle difuso de constitucionalidade da norma penal: reflexões valorativas. São Paulo : Premier Máxima, 2008. (Coleção de direito e ciências afins) p.43-86. 55 Cf. ROBALDO, José Carlos de Oliveira. Op.cit. p.52.

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nominada lei dos crimes hediondos e a inclusão ou exclusão dos crimes em seu rol. Afinal, ao Direito Penal Moderno cabe ―a) a proteção subsidiária de bens jurídicos essenciais; b) as finalidades preventivas das penas; c) o respeito aos direitos e garantias individuais. 56‖ Um dos motivos pelos quais houve bastante demora em se declarar a inconstitucionalidade do §1º do art. 2º, da Lei 8.072/90 se deve à ausência de estatísticas criminais na maioria dos estados brasileiros. Para aferir o quão eficaz tal proibição teria tido sobre a redução dos índices de criminalidade e sobre a reincidência, teria sido imprescindível haver estatísticas criminais consistentes sobre os índices de criminalidade em cada estado brasileiro durante o período posterior à edição da lei. Isto ocorreu em poucos Estados, entre os quais São Paulo, o que acabou se tornando não somente um problema de análise criminológica, como também de Política Criminal, e serviu para que, após a promulgação da Lei 8.072/90, se continuasse a editar leis penais ferindo direitos fundamentais. 2.4.1 Seleção ideológica do tipo penal hediondo Está bem documentado na doutrina as tendências ao autoritarismo 57 que podem ser percebidas na confecção de certas leis penais no Brasil, como a dos crimes hediondos, o que, para Loïc Wacquant, significa um gerenciamento autoritário da ordem social 58. Num Estado fundado sob bases patrimonialistas, como é o caso brasileiro, em que o homem cordial, avesso por natureza e inclinação ao conflito, tem uma grande ascendência na sociedade, selecionar ideologicamente qual delito irá compor o rol dos crimes hediondos e assemelhados acaba se tornando mera conseqüência histórica do modo como se estruturam as relações sociais no Brasil. Cabe ao legislador, força é reconhecer, uma tarefa de grande envergadura e dificuldade. Não é missão fácil, como observa Alberto Silva Franco, a do legislador: ―Dimensionar corretamente o bem jurídico a ser tutelado, verificar se esse bem tem dignidade penal e se a conduta, que o agride, é merecedora de pena, proporcionar adequadamente a sanção penal em função do conglomerado de tipos

56 57 58

Cf. ROBALDO, José Carlos de Oliveira. Op.;cit.p.51 Nesse sentido, confira, FRANCO, Alberto Silva. Op.cit. 2007, p.100-102. Veja também, ADORNO, Sérgio. Cf. WACQUANT, Loïc. Toward a dictatorship over the poor? Notes on the penalization of poverty in Brazil. Punishment and society, v.5, p.297-205, Apr. 2003.p. 200. ―The authoritarian management of the social order‖.

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penais já estruturados, tudo isso constitui tarefa inafastável de um legislador no Estado Constitucional de Direito‖59.

A bem ver, se há uma ideologia a orientar a escolha dos modelos incriminadores e a joeirar entre aquelas condutas desviantes as que devem ser incluídas no conceito de ilícito penal, e, dentro deste, na definição de crimes hediondos, parece evidente que a inclusão no referido rol decorre, muitas vezes, senão exclusivamente, de infrações criminais do ― jornal do dia‖, isto é, que têm uma visibilidade midiática forte, como, por exemplo, o seqüestro de um Medina, um Diniz, um Salles, um Martinez; ou ainda a ocorrência da última chacina, que pode ser a da Candelária, do Carandiru ou de Vigário Geral; ou também para tentar – sem sucesso - aplacar de vez os instintos criminosos e violentos de um assassino como o de Daniela Perez. Nunca é demais lembrar Alberto Silva Franco, para dizer ter-se constituído em dado momento histórico brasileiro a extorsão mediante sequestro o delito da moda, e, assim, do apelo a uma política criminal repressora: ―A extorsão mediante seqüestro é, inquestionavelmente, o fato criminoso que, na atualidade, mais se presta à manipulação ideológica. Nenhum delito tem ocupado tanto os meios de comunicação de massa. Jornais, revistas, emissoras de radiodifusão e de televisão atribuem um particular destaque ao crime e ajudam, desse modo, a formar uma opinião pública que é, emotivamente, mobilizada para efeito de exigir sanções de extrema gravidade para seus autores‖ 60.

Com efeito, o crime de extorsão mediante seqüestro seguido de morte foi incluído na Lei 8.072/90 devido aos sucessivos casos de seqüestro ocorridos no final da década de 80 e início da de 90 no Brasil. Em 7 de novembro de 1986 Antonio Beltran Martinez, então vice-presidente do Bradesco, foi seqüestrado, sendo libertado depois de 41 dias no cativeiro. O resgate pago totalizou US$4 milhões. A polícia nada descobriu a respeito. Todavia, Jocecyr Cuoco, um dos policiais que participavam das investigações, foi preso por extorquir os suspeitos 61. Outro seqüestro bastante divulgado foi o do publicitário Luís Salles, que ficou 65 dias no cativeiro. Após sua família ter pago US$2,5 milhões aos seqüestradores, Salles foi libertado. Por fim, houve o seqüestro de Abílio Diniz, que terminou com a rendição dos dez criminosos que o mantiveram como refém, tendo sido todos condenados a penas que variavam de oito a quinze

59 60 61

FRANCO, Alberto Silva. Op.cit. p.106. Cf. FRANCO, Alberto Silva. Op.cit. p.332. Cf. Revista Veja, 27 de junho de 1990.

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anos.62. Estes fatos contribuíram de forma notável para que se aumentasse a pressão no Congresso Nacional a fim de que o mesmo aprovasse a Lei 8.072/90. Nessas circunstâncias de tomada de decisão eivada de emoção, a Lei de Execução Penal, que, dentre outros, afirma que a pena será cumprida em regime progressivo (art.112 63), acabou não servindo de balizadora ao legislador da Lei dos Crimes Hediondos. Todavia, a proibição da progressão do regime não seria o fator a acabar com ou reduzir os índices de marginalidade e criminalidade no país, já que estas têm raízes mais profundas. De acordo com Wacquant, existe no Brasil, um vínculo próximo entre hierarquia de classe e estratificação étnico-racial e a discriminação de cor endêmica na polícia brasileira e nas burocracias judiciais.64Talvez todos estes fatores alimentem os constantes ciclos de violência há muito característicos do Brasil. Ainda assim, duas décadas de ditadura militar continuam a pesar severamente no funcionamento das forças públicas, e na mentalidade coletiva. Disso resulta que vastos contingentes das variadas classes sociais tendam a identificar a defesa dos direitos humanos com tolerância à bandidagem.65 Essa conformação mental em que o rigor da lei e da pena implicam no estabelecimento da ordem e na única possibilidade de uma convivência social pacífica, resulta, inevitavelmente, numa política penal de tolerância zero com relação à criminalidade, com a consequente violação do princípio constitucional da individualização da pena, e, pior, com a mais viva convicção de não se estar, com isso, a ferir

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direito

fundamental do

indivíduo salvaguardado

Cf. Revista Veja, 27 de junho de 1990. LEP, ―Art. 112. A pena privativa de liberdade será executada em forma progressiva com a transferência para regime menos rigoroso, a ser determinada pelo juiz, quando o preso tiver cumprido ao menos um sexto da pena no regime anterior e ostentar bom comportamento carcerário, comprovado pelo diretor do estabelecimento, respeitadas as normas que vedam a progressão‖.(Redação dada pela Lei nº 10.792, de 1º.12.2003) ―Art. 33 § 2º, CP - As penas privativas de liberdade deverão ser executadas em forma progressiva, segundo o mérito do condenado, observados os seguintes critérios e ressalvadas as hipóteses de transferência a regime mais rigoroso‖: (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984) 64 Cf. WACQUANT, Loïc. Toward a dictatorship over the poor? Notes on the penalization of poverty in Brazil. Punishment and society, v.5, p.297-205, Apr. 2003.p. 199. Tradução livre para: ―the close alignment between class hierarchy and ethnoracial stratification and the color discrimination endemic to the Brazilian police and judicial bureaucracies‖. 65 Cf. WACQUANT, Loïc. Toward a dictatorship over the poor? Notes on the penalization of poverty in Brazil. Punishment and society, v.5, p.297-205, Apr. 2003.p. 200. Tradução livre para: ―Two decades of military dictatorship continue to weigh heavily on the functioning of public force, as well as on collective mentalities, with the result that a broad spectrum of social classes tends to identify the defence of human rights with tolerance of bandidagem”. 63

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constitucionalmente, nem tampouco os direitos humanos. Este seria o preço, supostamente justo, pago para impedir o florescimento e a expansão da ‗bandidagem‘ no país e manter uma sociedade ordeira e feliz. Uma miragem e utopia. O sempre lembrado Alberto Silva Franco bem surpreendeu essa tarefa do legislador – muitas vezes consentida pelos membros da comunhão social, devidamente manipulados pelos meios de comunicação – de construir a legislação de afogadilho, sem rigor, num suposto eficientismo penal. ―A improvisação, o caos, a carência de rigor científico, o conúbio com os meios de comunicação social, a preocupação em dar uma tutela penal fortemente antecipada geraram o uso simbólico do Direito Penal e proclamaram a atuação do controle penal em nome do eficientismo que só tem cabimento ao preço da violação de garantias, formais ou substanciais.‖ 66

Assim, quando bem examinados os tipos penais incluídos no rol dos crimes hediondos, a conclusão a que se chega é a de que se constituem em infrações criminais escolhidas sem critério, sem observância da verdadeira relevância do bem jurídico objeto de proteção, mais voltado a um direito penal do autor do que do que a um direito penal do fato, sem olhos de ver uma correta hierarquização de bens jurídicos, em franca desobediência ao princípio constitucional não escrito da razoabilidade ou da proporcionalidade.

66

FRANCO, Alberto Silva. Op.cit. p.106

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3. ANÁLISE DOS TIPOS PENAIS CONSIDERADOS HEDIONDOS David Teixeira de Azevedo sintetizou o clima de desalento com relação à redação original da Lei dos crimes hediondos, criticando a prevalência da defesa do patrimônio, na legislação hedionda, em relação à vida e à dignidade da pessoa humana. "O caráter emocional da legislação e sua absoluta carência de coerência lógica e proporcionalidade punitiva podem ser constatados nos denominados delitos hediondos. Por distorção dessa legislação, (...) o delito de extorsão mediante seqüestro em sua forma qualificada por decurso do tempo (art.159, §1º) viu uma conseqüência jurídica em certa medida mais rigorosa (12 a 20 anos de reclusão) que o homicídio doloso (art.121, §2º, CP). Com essas normas valorou-se a vida em igual ou menor escala que a liberdade e o patrimônio, como se o fim supremo da existência e o objetivo fundamental da sociedade não fossem a manutenção da vida e da dignidade da pessoa humana, e sim o patrimônio enquanto expressão da liberdade do cidadão‖.67

Na mesma esteira caminhou Alberto Silva Franco, enfatizando a imprudência, a imoderação e insensatez na formulação da legislação hedionda. "Cominar, no mínimo legal, a pena de extorsão mediante seqüestro de que resultou morte no dobro da pena mínima prevista para o homicídio qualificado; equiparar, do ponto de vista punitivo, o estupro ao atentado violento ao pudor; prescrever, na pauta penal mínima, para o estupro e para o atentado violento ao pudor sanção punitiva superior à do homicídio simples; permitir que a quantidade menor de pena, no tipo básico de extorsão mediante seqüestro (oito anos), seja quatro vezes superior à quantidade fixada para a lesão corporal gravíssima que resultou, para a vítima, perda ou inutilização de membro, sentido ou função, são exemplos aberrantes da total ausência de sensatez, prudência, de moderação, de estabilidade mental e emocional na formulação de um diploma legal‖. 68

Depreende-se ainda dessas críticas de Franco à má redação da Lei 8.072/90, que a mesma afronta o princípio da taxatividade, uma vez que os respectivos tipos penais não fornecem ―uma descrição do fato punível apta a tornar facilmente reconhecida a correspondência, ao tipo incriminador, de uma conduta capaz de ser realizada concretamente.‖ 69 Assim, a falta de clareza e precisão na redação dos artigos da Lei 8.072/90, tornaria o apenado pela prática de crimes hediondos, ou assemelhados, mais vulnerável a eventuais arbítrios do julgador. No fundo, talvez um dos motivos da divergência

jurisprudencial sobre a

constitucionalidade do §1º do art. 2º, da Lei 8.072/90, tanto no STF, STJ e TJs, tenha sido devido

67 68 69

AZEVEDO, David Teixeira de. Op.cit. p.93. FRANCO, Alberto Silva. Op.cit. p.361. Padovani apud GOMES, Mariângela Gama de Magalhães. Op.cit. p.17

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à lesão ao princípio da taxatividade 70. A falta de clareza e precisão da lei não balizou a atividade interpretativa judicial, como se espera de toda lei, pelo que os magistrados tinham liberdade para interpretá-la ora no sentido de conferir a progressão de regime aos condenados por crimes hediondos e seus assemelhados, ora para optar pela concessão da progressão de regime; ou para decidir que os tipos básicos de estupro e atentado violento ao pudor deveriam ser julgados como hediondos; ou em sentido contrário. Segundo Madrid Conesa, citada por Mariângela Gomes, ―O risco de desigualdade na aplicação do direito resta diminuído quando as normas são redigidas com clareza e precisão, propiciando uma interpretação mais simples e unívoca – de onde se pode apreender que a possibilidade de exclusão de arbitrariedade por parte dos juízes penais resulta diretamente proporcional ao cumprimento do requisito da taxatividade quando da formulação das leis‖.71

3.1 Homicídio em atividade típica de grupo de extermínio A Lei n. 8.930, de 6 de setembro de 1994, incluiu na Lei 8.072/90 o art. 1º, homicídio (art. 121, CP), definindo como modalidade de delito hediondo, quando praticado em atividade típica de grupo de extermínio, ainda que cometido por um só agente, e homicídio qualificado. (art. 121, § 2o, I, II, III, IV e V, CP). Como se sabe, no homicídio, tanto em sua forma simples quanto na qualificada, o bem jurídico protegido é a vida humana, direito assegurado no art. 5o, caput, da Constituição Federal. O homicídio praticado em ações típicas de grupo de extermínio, que o qualifica como hediondo, denota maior reprovabilidade da conduta típica e maior intensidade de injusto. Em ações de grupo de extermínio, vários fatores inerentes à consecução desse crime contribuem para esta maior reprovabilidade: a premeditação, a frieza da ação, o conluio, a escolha do local e da hora – geralmente locais ermos e à noite -, os requintes de crueldade (não raro, ocorrem

70

71

Alberto Silva Franco, afirma, nesse sentido, que ―discute-se se o caráter de hediondez deve ser atribuído tanto ao tipo básico, quanto ao tipo qualificado de estupro. A Lei 8.072/90, ao etiquetar os crimes que considerou hediondos, acostou ao art. 213 a expressão caput, o que dava a impressão de ter o legislador penal admitido que o referido tipo contivesse algum parágrafo. Com a Lei 8.930/94, a questão, em princípio, ficou superada, em face da exclusão dessa palavra. Tal exclusão adensou a corrente jurisprudencial que considerava não estar o estupro, no seu tipo básico, incluído entre os crimes hediondos.‖ In Franco, Alberto Silva. Crimes hediondos. 6.ed. São Paulo : RT, 2007.p.323. Madrid Conesa apud GOMES, Mariângela Gama de Magalhães. Op.cit. p.18.

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decaptações a fim de dificultar a identificação das vítimas), os métodos usados para intimidar vítimas e seus familiares, as dificuldades para se investigar e punir este tipo de delito, a abrangência e as ramificações desse tipo de organização criminosa. 72 O homicídio praticado em ações típicas de grupo de extermínio foi incluído no rol dos crimes hediondos após as chacinas da Candelária e de Vigário Geral, no início da década de 1990. Foi a forma encontrada pelos legisladores de responder à sociedade, chocada com a atrocidade daqueles crimes73. O problema é que tal resposta não veio acompanhada por um agravamento nos mínimos e máximos de pena aos condenados por delitos dessa natureza. Nesse sentido, as palavras de Alberto Silva Franco, ―Não será obviamente porque se incluiu uma nova modalidade típica no rol dos crimes hediondos que os esquadrões da morte ou os grupos de extermínio deixarão de existir. Não será, por certo, com a inserção da nova modalidade de homicídio simples entre os delitos daquela categoria, que se irão impedir novos massacres, principalmente, em áreas excluídas da lei penal, por interesses recíprocos da Polícia e de associações criminosas. No máximo, o processo tipificador poderá exercer uma função puramente simbólica tão do agrado de estruturas políticas autoritárias e inconseqüentes‖74.

Outra crítica feita por Franco refere-se à falta de clareza e precisão na redação do inc. I do art. 1º da Lei 8.072/90, ferindo desse modo o princípio da taxatividade 75, segundo o qual as leis penais devem ser escritas de forma clara, precisa e objetiva, a fim de que tanto o julgador quanto os cidadãos possam compreendê-las. Dessa forma, preserva-se a liberdade do indivíduo, uma vez que uma lei precisa deixa pouca margem à interpretação do julgador, trazendo desse modo maior segurança jurídica aos julgamentos.

72

Segundo Ivan Jerônimo da Silva, Policial, Investigador Chefe da Seccional de Taboão da Serra em São Paulo, a Scuderie Le Coq, mais conhecida como ―Esquadrão da Morte‖, ―atuava como polícia paralela. Tinha pelo menos oitocentos associados, entre os quais foram identificados trinta e cinco advogados, vinte e um delegados de polícia, noventa policiais civis, noventa e um policiais militares, um juiz, um promotor, policiais rodoviários federais, um coronel da reserva do Exército, fiscais da Receita Estadual, um conselheiro do Tribunal de Contas do Estado, dois deputados estaduais e seis vereadores‖. http://media.folha.uol.com.br/cotidiano/2009/03/08/grupo_de_exterminio.pdf Para Alberto Silva Franco, há três aspectos que singularizam os esquadrões da morte ou os grupos de extermínio: eles se constituem em uma reunião de pessoas que possuem ―um vínculo associativo permanente para fins criminosos, uma predisposição comum entre os associados para a prática de uma série indeterminada de delitos e uma contínua vinculação entre os associados para a concretização de um programa delinquencial‖. (FRANCO, 2000:262). 73 Cf. FRANCO, Alberto Silva. Crimes hediondos. 4.ed. São Paulo : RT, 2000. 518p. p.262 74 Cf. FRANCO, Alberto Silva. op.cit. p.263 75 Cf. GOMES, Mariângela Gama de Magalhães. Op.cit. p.18.

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Para Franco, neste inciso, a expressão ―atividade típica de grupo de extermínio‖ é vaga, já que não existe no Código Penal nem na legislação especial tipo penal com tal descrição. Ademais, afirma o doutrinador, não se sabe, lendo a redação dada ao referido inciso, o que o legislador quis dizer com ‗grupo‘ e ‗extermínio‘. Qual o número mínimo para se formar um ‗grupo‘? Três? Do mesmo modo como é composta a quadrilha ou bando? Ou quatro? São perguntas que, de acordo com Franco, não são respondidas, ficando ao arbítrio do julgador determinar o que é e de quantas pessoas é composto um grupo de extermínio. Isto tem reflexos na hora da condenação, já que se o julgador de um Tribunal X determina para um caso concreto ser suficiente a presença de três elementos para compor um ―grupo de extermínio‖, estes três indivíduos serão singularizados e apenados com a severidade da Lei dos Crimes Hediondos. Por outro lado, se outro julgador, de um Tribunal Y, considera ser de quatro o número mínimo de pessoas necessárias para compor um ‗grupo de extermínio‘, aquele grupo de três que fora considerado ‗grupo de extermínio‘ no Tribunal X não teria sido apenado nos termos da severidade da lei dos crimes, tivesse sido julgado por um julgador do Tribunal Y76. 3.2 Homicídio Qualificado O homicídio doloso qualificado, tentado ou consumado, é considerado hediondo, de acordo com a Lei 8.072/90, em seu artigo 1º, inciso I. Foi incluído pela Lei 8.930, de 6 de setembro de 1994 no rol dos crimes hediondos, por conta do assassinato da atriz Daniela Perez, cuja mãe, a autora de novelas Glória Perez, levou a cabo intensa campanha nos meios de comunicação, junto à sociedade civil, além de fazer lobby intenso no Congresso Nacional, a fim de que esta modalidade de homicídio fosse incluída no rol dos hediondos. Para Alberto Silva Franco, ―A inclusão do homicídio na lista dos crimes hediondos não serviu para nada: nem para alterar o desequilíbrio punitivo provocado pela Lei dos Crimes Hediondos, já que não houve, em sua redação, nenhuma mudança da cominação penal, nem para reduzir as ações criminosas contra as quais o diploma legal foi preparado‖77.

76 77

Leal apud GOMES, Mariângela Gama de Magalhães. op.cit. p.124 FRANCO, Alberto Silva. Op.cit. p.103.

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O grande problema em se colocar o homicídio qualificado como hediondo, segundo Franco, se deve à desproporcionalidade entre as penas impostas a quem, de um lado, comete este crime, e, de outro, o de latrocínio e o de extorsão mediante seqüestro. Enquanto o mínimo de pena para a extorsão mediante seqüestro qualificada pela morte é de vinte e quatro anos, e do latrocínio vinte anos, o do homicídio qualificado permaneceu em doze anos, uma vez que foi mantido na Lei 8.072/90 com as mesmas balizas penais do art. 121 do CP78 3.3 Latrocínio ou roubo qualificado pela morte A inclusão do crime de latrocínio no inciso II, do art. 1º da Lei n. 8.072/90, foi feito pela mencionada Lei 8.930/94. O bem jurídico tutelado no latrocínio ou roubo qualificado pela morte é o patrimônio e a vida, a liberdade individual e a integridade corporal. Segundo, Luiz Regis Prado, a ―grave ameaça é a violência moral, promessa de fazer mal à vítima, intimidando-a, atemorizando-a, viciando sua vontade, devendo ser grave, de modo a evitar a reação contra o criminoso‖. Com relação à violência física, esta ―consiste no emprego de força contra o corpo da vítima, antes ou durante o roubo, cerceando sua liberdade de ação e não só de vontade(...)‖ 79. É pacífico na doutrina ser o latrocínio crime preterdoloso 80, com dolo no antecedente e culpa no conseqüente. O indivíduo faz uso da violência física para subtrair a coisa alheia móvel da vítima não intentando a morte da mesma, mas esta sobrevém no curso de sua ação. Neste caso, o qualificador deve ser dado a título de culpa 81. A pena de reclusão para estes crimes é de 20 a 30 anos. Anteriormente à edição da Lei 12.015/09, que revogou o art. 224 do CP, criticava-se muito o dispositivo da Lei 8.072/90, por afrontar o princípio da individualização da pena. Segundo o art.9º da lei dos crimes hediondos, a pena para o delito de latrocínio, na forma consumada e tentada, deveria ser acrescida de metade, respeitando-se o limite superior de 30 anos, em caso de ví78 79 80 81

FRANCO, Alberto Silva, op.cit. p.356. PRADO, Luiz Regis. Op.cit. p.418. v.2. PRADO, Luiz Regis. Op.cit. p.426. v.2; FRANCO, Alberto Silva. Op.cit. p.360. FRANCO, Alberto Silva. Crimes hediondos. 4.ed. São Paulo : RT, 2000. 518p. p.270. Franco defende, inclusive, este ponto de vista, sinalizando que o tipo adequado para o latrocínio não seria o esculpido no § 3º do artigo 157, do CP, mas sim o do art.121, § 2°, I e V, pois, segundo ele, o homicídio neste caso foi por ―motivo torpe‖ e para ―assegurar a execução, ocultação, a impunidade ou a vantagem de outro crime‖, no caso o roubo simples. ―A lei 8.072/90 não altera, conceitualmente, o § 3º do artigo 157 do Código Penal. Dá-lhe, apenas, um tratamento penal mais rigoroso, sintonizando-o com o da extorsão qualificada‖.

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tima ser alienada ou débil mental, e o agente ter consciência desse fato; não ser maior de quatorze anos; ou se a vítima não pudesse, por qualquer outra causa, oferecer resistência. A crítica se devia ao fato de que, ao aumentar a pena estipulada, chegar-se-ia a uma equivalência entre o máximo e o mínimo da pena cominada em abstrato, ferindo, portanto, o art. 5º, XLVI, da CF82. 3.4 Extorsão qualificada pela morte A extorsão qualificada pela morte, como capitulada no art. art. 158, § 2º; foi incluída igualmente pela Lei 8.930/94.Trata-se de delito complexo que atinge a vida e o patrimônio. O agravamento da pena neste tipo de delito se dá pela maior gravidade do injusto, manifestado pelo desvalor da ação e do resultado, pois do fato resultou lesão corporal de natureza grave, com resultado morte. A pena para este tipo de crime é de reclusão, de vinte e quatro a trinta anos. 3.5 Extorsão mediante seqüestro e na forma qualificada A extorsão mediante sequestro, na modalidade qualificada, como capitulada no art. art. 159, Caput, e §§ 1º, 2º, 3º, do CP, também foi incluída no rol dos hediondos pela Lei 8.930/94. Também é um crime o complexo que atinge a liberdade individual da pessoa e seu patrimônio. O bem jurídico tutelado é, portanto, o patrimônio e a vida. Após a promulgação da Lei 8.072/90 o número de seqüestros diminuiu drasticamente no Rio de Janeiro, de acordo o ILANUD 83. Por outro lado, seu número ficou relativamente estável em São Paulo, com tendências de crescimento. Se comparado a outros tipos de delito, como por exemplo, o roubo a mão armada, o seqüestro ocorre em pequena quantidade no Brasil e não se justifica sua inclusão no rol dos crimes hediondos. Para Franco, ―o seqüestro extorsivo é literalmente mostrado como um problema social mais ingente que, por exemplo, a mortalidade infantil ou mortalidade acidentária, no trabalho ou no tráfego viário‖. 84 Os sujeitos passivos desse tipo de delito são pessoas de classes sociais A e B, de quem, acreditam os criminosos, podem ser extraídos altos valores de resgate. Exemplos no cotidiano

82 83

84

Cf. PRADO, Luiz Regis. Op.cit. p.427. v.2; FRANCO, Alberto Silva. Op.cit. p.379-381. Cf. ILANUD. A lei dos crimes hediondos como instrumento de política criminal. São Paulo : ILANUD, 2005. 106p. p.41 Cf. FRANCO, Alberto Silva. op.cit. p.332

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nacional desse tipo de delito não faltam, mas se torna mais ilustrativo falar de um seqüestrado que não morreu devido a este tipo grave de delito, pois foi por intermédio do irmão desse seqüestrado que a Lei dos Crimes Hediondos foi editada. Roberto Medina, publicitário, foi seqüestrado em 1990 e sua família pagou US$ 4 milhões aos seqüestradores. Desse valor, US$1,5 milhão ficou nas mãos de policiais do Rio de Janeiro, segundo fontes ligadas ao caso, pondo a nu os subeterrâneos da criminalidade, em que, não raro, criminosos, forças de segurança pública e agentes públicos se interrelacionam 85. Assim, enquanto a Lei 8.072/90 vem ao mundo, apregoando punições mais severas 86, o criminalidade continua se movimentando, ramificando e arquitetando novos delitos hediondos. O fato de a visada legislativa ainda ser em prol da severidade das penas, talvez seja um indicador do porquê extorsões mediante seqüestro continuem a ocorrer no Brasil, com sua costumeira subnotificação. 3.6 Estupro e Atentado violento ao pudor A Lei 8.072/90 foi alterada em 10 de agosto de 2009, com a promulgação da Lei 12.015/09, na qual foi revogado87 o tipo penal atentado violento ao pudor. Na verdade, o AVP foi

85

Cf. Revista Veja, 27 de junho de 1990. De acordo com Zaffaroni, ―O operador da agência policial deve apresentar um discurso duplo, que é conservador e moralista para o público e justificador (racionalizador) internamente‖. In: ZAFFARONI, Eugenio Raúl et al. Op.cit. p.56 87 V - estupro (art. 213, caput e §§ 1o e 2o); (Redação dada pela Lei nº 12.015, de 2009) Art. 213. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso: Pena - reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos. § 1o Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave ou se a vítima é menor de 18 (dezoito) ou maior de 14 (catorze) anos: Pena - reclusão, de 8 (oito) a 12 (doze) anos. § 2o Se da conduta resulta morte: Pena - reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos.‖ (NR) Com relação ao crime de estupro, a única alteração em relação ao Código Penal vigente antes da Lei 12.015/09 se refere ao máximo de 30 anos de pena de reclusão em caso de estupro do qual resulte morte. Anteriormente o mínimo era 12 anos e o máximo 25 anos; Com a nova lei, o mínimo continua em 12 anos e o máximo subiu para 30 anos. Estupro de vulnerável Art. 217-A. Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos: Pena - reclusão, de 8 (oito) a 15 (quinze) anos. § 1o Incorre na mesma pena quem pratica as ações descritas no caput com alguém que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência. § 3o Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave: Pena - reclusão, de 10 (dez) a 20 (vinte) anos. 86

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encapsulado no tipo penal estupro, tornando-se um modelo típico único. Além disso, o crime de estupro sofreu alterações e foi criado o art. 217-A, estupro de vulnerável, que tipifica a conduta de ―ter conjunção carnal ou praticar qualquer outro ato libidinoso com menor de 14 anos‖. Este tipo penal estipula aos seus infratores penas de reclusão de 8 a 15 anos. Se da conduta resultar lesão corporal de natureza grave, pena mínima de reclusão de 10 anos e máxima de 20. Se resultar morte, pena de reclusão de 12 anos e máxima de 30 anos. Este tipo penal foi incluído no inciso IV, do art. 1º da Lei 8.072/90, no lugar do atentado violento ao pudor. Em síntese, antes da Lei 12.015/09, somente mulheres poderiam ser sujeitos passivos do crime de estupro, ao passo que com a nova lei, qualquer pessoa poderá sê-lo. Enquanto antes o tipo penal estava descrito como ―constranger mulher, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal...‖ agora ele está descrito como ―constranger alguém...‖. A pena para quem cometer este delito é de reclusão de seis a dez anos. Se esta conduta tiver como resultado lesão corporal grave ou se a vítima for menor de 18 anos ou maior de 14 anos, a pena de reclusão é de oito a doze anos; e se resultar morte, pena de reclusão de doze a trinta anos.

§ 4o Se da conduta resulta morte: Pena - reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos.‖

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4. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS INFRINGIDOS PELA LEI 8.072/90 Segundo Regis Prado, ―os princípios penais constituem o núcleo essencial da matéria penal, limitando o poder punitivo do Estado, salvaguardando as liberdades e os direitos fundamentais do indivíduo, orientando a política legislativa criminal, oferecendo pautas de interpretação e de aplicação da lei penal conforme a Constituição e as exigências próprias de um Estado democrático e social de Direito.‖88 Desse forma, Regis Prado sintetiza, de modo preciso, o papel desempenhado pelos princípios no Direito Penal. No que se refere à Lei dos Crimes Hediondos, há quatro princípios centrais infringidos pela Lei n. 8.072/90: o da individualização da pena, o da não-culpabilidade, o da proporcionalidade e o da humanidade da pena 89. Procederemos abaixo a uma análise mais detida dos quatro princípios supracitados: 4.1 Princípio da Individualização da pena De acordo com Regis Prado, ―a proibição de progressão de regime prisional aos condenados por crime hediondo afronta o princípio individualização da pena, previsto no art. 5º, XLVI, da CF, cabendo ao juiz da execução penal decidir caso a caso os pedidos dessa natureza‖ 90 Esculpido no art. 5, XLVI, da Constituição Federal, o princípio da individualização da pena preconiza que a pena deve ser compatível e ajustada finamente à culpabildiade do agente e também deve ser proporcional à lesão ao bem jurídico tutelado, como, de resto, a medida de segurança deve sê-lo em relação ―à periculosidade criminal do agente91‖. Este princípio está incluído entre os direitos e garantias fundamentais do indivíduo. A individualização da pena expressa-se em três fases92: legal, judicial e executória.

88

Cf. PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro. 6.ed. São Paulo : RT, 2006. 782p. V.1. p.128. Cf. DOTTI, René Ariel; PEREIRA, Paulo Maurício; MOREIRA, Rômulo de Andrade; CARVALHO, Alexandre Victor e MARCHI Jr., Antônio Padova; LOPES, Jair Leonardo 90 TJSP - 6º Gr. – Rev. 004500983.3/4 – rel. Vico Mañas – j.20.09.2006 – RT 856/567. In: Cf. FRANCO, Alberto Silva. Crimes hediondos. 6.ed. São Paulo : RT, 2007.605p. p.272. 91 Cf. PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro. 6.ed. São Paulo : RT, 2006. 782p. V.1. p.139. 92 Cf. NUCCI, Guilherme de Souza. Individualização da pena. 2.ed. São Paulo : RT, 2007. p.32 89

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Ao legislador ordinário, foi concedido o poder de regular tal individualização principalmente na fase legislativa, em que fixa, valorando principalmente o bem objeto de proteção e sua relevância social, os extremos penológicos. Em grandes traços o legislador pode trabalhar na individualização e dispor a respeito, por exemplo, das circunstâncias do crime e das hipóteses de aumento e diminuição da reprimenda. ―A individualização no plano legislativo assim, em grandes traços será feita na elaboração da norma penal, dentro dos critérios de proporcionalidade fixados de antemão pelo constituinte93‖. Na individualização judicial ou judiciária, o juiz, ao prolatar a sentença, determina a quantidade de pena que conferirá a este ou aquele réu, levando em consideração as circunstâncias judiciais descritas no art. 59 do Código Penal, de plúrimo conteúdo e expressão. Na individualização executória, o juiz de execuções individualizará a aplicação da penabase para cada condenado, observando o exposto no art. 5 º da LEP94, de modo a estar equipado para decidir pela concessão ou não de livramento condicional ou de indulto coletivo ou individual, com o decorrer do cumprimento da pena. É terminantemente vedado ao legislador, todavia, suprimir a individualização em suas fases, ao não se permitir o ajuste da reprimenda ao agente concreto, na circunstancialidade concreta do fato delituoso, equalizando todos autores e partícipes da infração criminal, como se todos os agentes não construíssem sua própria e diferenciada personalidade, e como se o ―tratamento penológico‖ não repercutisse de diversas maneiras no homem condenado. É o que ocorreu quando da redação do §1º do art. 2º, da Lei 8.072/90, em que se proibiu a progressão de regime aos condenados por crime hediondo ou seus assemelhados. Como garantia constitucional fundamental, a individualização da pena não pode ser descaracterizada pela ação do legislador infraconstitucional, esvaziando seu conteúdo 95. Marcão96 afirma que ―só o fato de a lei estabelecer o regime integralmente fechado para as hipóteses que elenca não exclui nem aniquila o processo de individualização judicial‖, o que parece não ser exato. Para Nucci, o princípio da individualização da pena se interrelaciona com 93 94

95 96

Cf. NUCCI, Guilherme de Souza, op.cit. p.38 LRP, ―Art. 5º Os condenados serão classificados, segundo os seus antecedentes e personalidade, para orientar a individualização da execução penal‖. Cf. FRANCO, Alberto Silva. Crimes hediondos. 6.ed. São Paulo : RT, 2007.605p. p.228. Cf. MARCÃO, Renato Flávio. Progressão de regime e crimes hediondos ou assemelhados. Revista IOB Direito Penal e Processo Penal, Porto Alegre , v.8, n.44, p.192-211, jun/jul.2007. p.211.

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outros princípios do Direito Penal, tais como o da legalidade, isonomia, proporcionalidade, responsabilidade pessoal e da culpabilidade e da humanidade. No que se refere ao da legalidade, esculpido no art. 5º, XXXIX, da Constituição Federal, segundo o qual, ―ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei‖, reside a idéia de que não há crime sem pena ou lei prévias. Mas, segundo Nucci, do princípio central da legalidade acabam derivando outros, o da taxatividade, anterioridade e irretroatividade da lei penal, que também se interconectam com o da individualização da pena. Assim, para que haja a individualização da pena, é necessário que o tipo penal incriminador seja taxativo, ou seja, preciso; respeite o princípio da anterioridade (―não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal‖), de modo que individualização da pena legítima é aquela em que a lei cominadora da pena tenha sido fixada de antemão; e, por fim, que seja respeitado o subprincípio da irretroatividade da lei penal in pejus. (art. 5, XL, CF). Com relação ao princípio da isonomia, art.5, Caput, o direito deve tratar todos os cidadãos de forma igualitária, e, quando necessário, os desiguais desigualmente, o que, para Nucci, é uma ―fórmula mais próxima do ideal de isonomia material e não meramente formal‖97. Dessa forma, a relação entre o princípio da isonomia e o da individualização da pena seria o de que, em ambos, deve-se tratar os desiguais desigualmente e tratá-los de modo igual perante a lei. No que tange ao princípio da proporcionalidade, tanto normas infraconstitucionais quanto princípios constitucionais devem ser aplicados de modo equilibrado. Cada sanção penal deve tutelar um bem jurídico de modo proporcional à ofensa consumada. Assim, a um crime de latrocínio não deve aplicada uma pena de multa. Nesse sentido, a Carta Magna afirma que ―a lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras, as seguintes: a) privação ou restrição da liberdade; b) perda de bens; c) multa; d) prestação social alternativa; e) suspensão ou interdição de direitos‖. Esta gradação é a sinalização de que as penas devem respeitar o princípio da proporcionalidade, hierarquizando-se a severidade da resposta punitiva segundo a intensidade do injusto e de acordo com a culpa individual.

97

Cf. NUCCI, Guilherme de Souza. op.cit. p.32

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Quanto ao princípio da responsabilidade pessoal e da culpabilidade, dispõe a Constituição Federal, em seu art. 5º, XLV, que ―nenhuma pena passará da pessoa do condenado‖, de sorte que individualiza-se a pena quando se afirma que somente o indivíduo condenado é quem será apenado pela ofensa feita a certo bem jurídico tutelado. Por fim, no que se refere ao princípio da humanidade, estabelece a Constituição Federal que ―não haverá penas cruéis, de caráter perpétuo, de trabalhos forçados e de banimento‖, bem como o fato de que os presos devem ter ―assegurado o respeito à sua integridade física‖ (art. 5, XLVII, XLIX). A relação entre o princípio da individualização da reprimenda e o da humanidade está em que cada apenado deve ser considerado individualmente na aplicação de penas, as quais deverão ser, sobretudo, humanas, independentemente do potencial ofensivo do crime cometido. Feitas estas considerações, o que se percebe é que o § 1º do art. 2º, da Lei 8.072/90, ao proibir a progressão de regime, violou, no fundo, não somente o princípio da individualização, mas todos os outros a ele relacionados (humanidade, responsabilidade pessoal, proporcionalidade, isonomia, legalidade).Nesse sentido já se manifestaram os tribunais, em especial o Superior Tribunal de Justiça, na pena do Ministro Paulo Medina: “Penal e processo penal. Homicídio qualificado. Crime hediondo Progressão de regime prisional. Direito do condenado. A vedação à execução progressiva da pena, nos moldes em que dispõe a Lei 8.072/1990, é discriminatória, por isso, violadora dos princípios constitucionais da legalidade, da individualização, da isonomia e da humanidade da pena. A equiparação, aparentemente justificável por força da carga retórica do vocábulo ‗hediondo‘, é manifestamente incompatível com o princípio da isonomia, porque representa a inversão de sentido do tratamento jurídico igualitário, e, na prática, revela-se como critério absolutamente imprestável à efetivação da justiça em cada caso concreto. O cumprimento da pena é essencial à realização de sua finalidade, não podendo o legislador retirar do juiz essa tarefa, deixando um certo grupo de condenados à margem da progressão, sem ferir de morte, dentre outros, o princípio constitucional da isonomia. A leitura da Lei dos Crimes Hediondos revela que todos os condenados têm direito à individualização da pena, com base nos critérios contidos no Código Penal Brasileiro. Recurso a que se nega provimento98.‖

98

Cf. STJ – HC 564.707/RS - 6º T. – Rel. Min Paulo Medina – DJU 1 06.03.2006

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4.2 Princípio da não-culpabilidade De acordo com o art. XI, da Declaração Universal dos Direitos do Homem, ―toda pessoa acusada de um ato delituoso tem o direito de ser presumida inocente até que a sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento público no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias à sua defesa‖. O princípio da não-culpabilidade esculpido no art. 5º, LVII, da Carta Magna afirma que ―ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória‖. Nesse sentido, a redação do art. 2º, II, da Lei 8.072/90, válida até o advento da Lei 11.464/07, em que se negava a liberdade provisória aos condenados por crimes hediondos, era claramente atentatória ao princípio da não-culpabilidade. Afinal, como bem relata o Juiz Tourinho Neto, ―negando a provisória, na verdade, está-se decretando a preventiva, pois, para a mesma ser concedida ou negada, tem-se, por determinação do parágrafo único do art. 310 do CPP, que examinar os requisitos do art.312 do mesmo código‖. 99 Segundo o art. 5, XLIII, fica proibida somente a concessão de graça ou anistia aos condenados por crimes hediondos e equiparados, de modo que o originalmente disposto na Lei 8.072/90, proibindo a concessão de liberdade provisória aos condenados por este tipo de delito se afigurava claramente inconstitucional. Na verdade, como bem frisa Moreira100, ―no Processo Penal a regra é a liberdade, admitindo-se excepcionalmente a prisão provisória em casos de extrema e comprovada urgência e necessidade (daí também a mácula ao princípio da proporcionalidade, implícito na Constituição)‖. Tanto assim, que o art.312 do CPP afirma taxativamente que decretase a prisão preventiva como forma de se ―garantir a ordem pública, a ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria‖. Fora desses casos, não há falar em impedir a liberdade provisória, ainda que o condenado o tivesse sido pela prática de crime hediondo.

99

100

Cf. MOREIRA, Rômulo de Andrade. As alterações na lei dos crimes hediondos. Revista IOB Direito Penal e Processo Penal, Porto Alegre , v.8, n.44, p.192-211, jun/jul.2007. p.196. Cf. MOREIRA, Rômulo de Andrade. As alterações na lei dos crimes hediondos. Revista IOB Direito Penal e Processo Penal, Porto Alegre , v.8, n.44, p.192-211, jun/jul.2007. p.192-93.

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Pode falar com Amico que ―admitir a liberdade provisória descrita no art. 310 do CPC em nada altera o quadro de violência desmedida que a sociedade enfrenta, mas possibilita ao magistrado aferir, no caso concreto e diante do princípio da presunção da inocência (CF, art. 5º, LVII), quando, efetivamente, estão presentes os pressupostos e requisitos da prisão cautelar (art. 312, CPC), para que ela, só assim, subsista‖ 101 E essa falta de aviso do legislador infraconstitucional não ficou reservada à legislação que definiu os crimes hediondos. Rômulo de Andrade Moreira 102 nota, de modo preciso, que na Lei 9.613 de 1998103, que dispõe sobre os crimes de ‗lavagem‘ ou ocultação de bens, direitos e valores; a prevenção da utilização do sistema financeiro para determinados ilícitos, o legislador infraconstitucional também infringiu preceitos constitucionais, ao proibir, para os crimes disciplinados naquela lei, a concessão de liberdade provisória. Ademais, tanto a Lei de Tóxicos (Lei 11.343/2006) quanto o Estatuto do Desarmamento (Lei 10.826/2003), vedavam expressamente a concessão de liberdade provisória. Com o advento da Lei 11.464/2007 estas vedações foram derrogadas, deixando espaço ao juiz para exercer livremente sua convicção, caso a caso. 104. Segundo Marcão105, ―é indiscutível o cabimento, em tese, de liberdade provisória, sem fiança, em se tratando de crime de tráfico de drogas e delitos equiparados, previstos na Nova Lei de Tóxicos. A opção legislativa neste sentido restou clara‖. Tudo está a demonstrar que o desacertado processo legislativo que culminou com a Lei dos Crimes Hediondos, a qual proibiu, em seu art. 2º, II, a liberdade provisória aos condenados pela prática de crimes hediondos, não serviu de lição. O mesmo erro, a mesma lesão a princípios constitucionais foi cometida na Lei 9.613/98. Moreira enfatiza ainda ser mais grave e ―atentatório à Constituição Federal‖ a proibição da liberdade provisória no caso desta Lei ―pois tais crimes

101

Cf. AMICO, Carla Campos. Inovações decorrentes da Lei 11.464/07. Boletim IBCCRIM, São Paulo, n. 176, p. 2-3, jul. 2007. 102 Cf. MOREIRA, Rômulo de Andrade. As alterações na lei dos crimes hediondos. Revista IOB Direito Penal e Processual Penal, Porto Alegre , v.8, n.44, p.192-211, jun/jul.2007.p.198. 103 ―Art. 3º Os crimes disciplinados nesta Lei são insuscetíveis de fiança e liberdade provisória e, em caso de sentença condenatória, o juiz decidirá fundamentadamente se o réu poderá apelar em liberdade.‖ (Lei 9.613/98) 104 Cf. AMICO, Carla Campos. Inovações decorrentes da Lei 11.464/07. Boletim IBCCRIM, São Paulo, n. 176, p. 2-3, jul. 2007. 105 Cf. MARCÃO, Renato Flávio. Lei No.11.464, de 28 de março de 2007: novas regras para a liberdade provisória, regime de cumprimento de pena e progressão de regime em crimes hediondos e assemelhados. ICP, p.5-7, maio 2007.

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sequer estão elencados no dispositivo constitucional e também não estão equiparados aos crimes hediondos pela Lei 8.072/1990‖106. O mau exemplo contaminou, como se viu, a edição posterior de leis penais, a proibição da concessão de liberdade provisória inscrita no art. 2 º da Lei 8.072/90 levou a que equívocos semelhantes na Lei 9.034/95; na Lei 9.455/97; na Lei 9.613/98; na Lei 10.826/03; e na Lei 11.343/06. Contudo, com o advento da Lei 11.464/07, seus reflexos, no que se refere à autorização de concessão da provisória, acabaram se irradiando para aquelas leis. 4.3 Princípio da proporcionalidade Uma importante decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul lançou luz sobre a ofensa ao princípio da proporcionalidade. Julgando recurso em um crime de atentado violento ao pudor, a corte gaúcha afirmou ferir ―o princípio da proporcionalidade o mesmo apenamento ao estupro, ao atentado violento ao pudor sem qualquer espécie de cópula e a prática de atos libidinosos menos intensos. Os delitos de estupro e atentado violento ao pudor possuem igual apenamento: 6 a 10 anos de reclusão. O legislador de 1990 não considerou no processo de tipificação criminal o princípio da proporcionalidade. Assim, por exemplo, manter conjunção carnal ou outro tipo de relação sexual, bem como qualquer ato libidinoso diverso da conjunção carnal, por mais simples que seja, [tinha] a mesma reprovabilidade jurídica‖ 107.. À vista desses argumentos, realizou o tribunal a adequação típica em sede recursal, dando assim provimento parcial ao recurso da defesa. Este julgado ilustra bem o papel reformador exercido pela jurisprudência sobre legislação, uma vez que, como se afirmou, a Lei 12.015/2009 revogou o tipo penal atentado violento ao pudor, encapsulado no de estupro. De acordo com o princípio da proporcionalidade, deve sempre haver equilíbrio entre o grau de injusto próprio do delito e as penas cominadas para eles. Este equilíbrio deve vir tanto do legislador, quando cria a lei, quanto do juiz, quando a aplica ao caso concreto. Nesta justa medida, deve-se observar a gravidade do ilícito praticado, o desvalor da ação e do resultado, bem co-

106 107

Cf. MOREIRA, Rômulo de Andrade. Op.cit. 198. Cf. TJRS – ACR 70010325355 - 7º C. Crim. – Rel. Nereu José Giacomolli – j. 03.03.2005 In: PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro. 6.ed. São Paulo : RT, 2006. 782p. V.1. p.139

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mo a pena imposta ao condenado. O princípio da proporcionalidade procura desse modo contribuir para que a justiça seja materialmente feita 108. Afinal, poena debet commensurari delicto. 4.4 Princípio da humanidade da pena O princípio da humanidade da pena tem seu fundamento material na dignidade da pessoa humana, esculpido no art.1º, III, da Constituição Federal. A idéia subjacente é a de que a atividade punitiva do Estado não deve criar, aplicar ou executar penas que violem a dignidade da pessoa humana. Já é clássica a frase presente no art. III, da Declaração dos Direitos do Homem, de 1948, segundo a qual ―todo indivíduo tem direito à vida, à liberdade, à segurança pessoal‖. Esta Declaração tem tido uma influência perene na Constituição de 1988, quando esta afirma, por exemplo, em seu art. 5º, III, que não se deve submeter ninguém ―a tortura nem a tratamento desumano ou degradante‖. A Constituição Federal acolheu ainda preceitos a favor da dignidade da pessoa humana, impedindo, em seu art. 5 º, XLI, ―penas de morte, de caráter perpétuo, de trabalhos forçados, de banimento e cruéis‖. Este diploma legal estipulou, ainda, no art. 5º, XLVIII, que as penas deverão ser ―cumpridas em estabelecimentos distintos‖, conforme a ―natureza do delito, a idade e o sexo do apenado‖, bem como, no inciso XLIX, que os presos devem ter assegurada ―sua integridade física e moral‖. De outro lado, como bem nota Franco 109, a outra face do princípio da humanização da pena se encontra no da individualização da pena, em sua fase executória, a fim de que cada caso seja considerado individualmente no momento em que o condenado for levado ao presídio para expiar sua pena. De acordo com a Lei de Execução Penal, ao Estado caberia conferir ―assistência ao preso e não internado (...), objetivando prevenir o crime e orientar o retorno à convivência em sociedade‖. A assistência que o Estado deveria fornecer, inclusive ao egresso dos presídios, deveria ser, em tese, ―material, à saúde, jurídica, social, educacional e religiosa‖. Se cumprida, esta assistência atenderia ao princípio da humanização da pena.

108 109

Cf. PRADO, 2006, passim. Cf. FRANCO, Alberto Silva. Crimes hediondos. 6.ed. São Paulo : RT, 2007.605p. p.59

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4.4.1 Lei 8.072/90 e a desumanização da pena Para Scarance a pena privativa de liberdade é um mal necessário, enfatizando, todavia, que a pena deve ter um sentido preventivo positivo, no sentido de induzir os cidadãos a agirem conforme a lei. Como visto até agora, a Carta Política de 1988 previu a categoria dos crimes hediondos, os quais precisavam ser tipificados com vistas a impor, a quem os cometesse, penas mais rigorosas. A Lei 8.072/90 veio para cumprir esta missão, e o fez de modo, por assim dizer, desastrado, uma vez que em certo sentido foi de encontro com o princípio constitucional da humanidade da pena, bem como contra o disposto na Lei de Execução Penal, contribuindo para superpopulação carcerária formada nos presídios brasileiros pós Lei dos Crimes Hediondos. Em termos de custos e benefícios, superpopulação carcerária significa: 1. Maior visibilidade negativa na mídia sobre as deficiências do sistema penitenciário brasileiro devido às rebeliões, fugas, motins, assassinatos e condições desumanas e degradantes vigentes nas prisões; 2. Maior número de rebeliões; 3. Maior número de fugas; 4. Emergência de poderosas facções criminosas como PCC, CV e Terceiro Comando, com ramificações em todas as esferas do governo; 5. Receber pesadas críticas de juristas, juízes, promotores, advogados, pareceristas, desembargadores, e da comunidade jurídica em geral; 6. Maiores custos financeiros, estruturais e com pessoal, uma vez que seria necessário construir mais presídios para atender a uma demanda sempre crescente. 7. Permanência ou aumento dos índices de criminalidade no país, inclusive dos crimes chamados hediondos, com variações para cima e para baixo, variando de região para região. 8. Pesadas críticas de organismos internacionais de defesa dos direitos humanos como a Human Rights Now, a Anistia Internacional, etc., alarmados com a carga aflitiva imposta aos encarcerados nos presídios, cadeias públicas e distritos policiais brasileiros. 9. Uma maior dificuldade de ressocializar os apenados encarcerados, uma vez libertos da cadeia, com a óbvia constatação de que este indivíduo estigmatizado tem grandes possibilidades de reincidir e retornar ao sistema carcerário. Em suma, proibir a progressão de regime contribuiu de modo indelével para o aumento exponencial da população carcerária no Brasil, bem como para chamar a atenção de observadores nacionais e internacionais para uma questão, que, de problemática, passara a crônica.

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5. POSICIONAMENTO DA JURISPRUDÊNCIA E ALTERAÇÃO LEGISLATIVA 5.1 Jurisprudência conflitante nos Tribunais quanto à vedação de progressão de regime De um lado, os Tribunais brasileiros sempre tiveram um posicionamento contraditório, no que se refere não somente à vedação da progressão de regime estipulada pelo §1º do art. 2º da Lei 8.072/90, como também na proibição à concessão de liberdade provisória aos condenados por crimes hediondos. Nota Marcão110 que os Tribunais sempre tiveram posições contraditórias e opostas quanto a se deveriam ou não concedê-la ao réu preso em flagrante e denunciado pela prática de crimes hediondos. Isto até o advento da Lei 11.464/2007. Tanto STF, quanto STJ e TJSP mantinham decisões conflitantes a este respeito, ora não admitindo a concessão de liberdade provisória, ora a admitindo. Para o escopo de nosso trabalho, contudo, importa analisar a trajetória histórica das contraditórias decisões dos Tribunais brasileiros com relação à proibição de progressão de regime determinado pelo §1º do art. 2º da Lei 8.072/90, sem se esquecer da advertência de Gomes, segundo a qual ―A existência de um grande número de decisões contraditórias entre si torna explícita a insuficiência das garantias oferecidas ao cidadão por meio do princípio da legalidade entendido em seu modo formal clássico, e conduz à conclusão de que não é apenas o legislador que, através da utilização de técnica legislativa defeituosa aumenta a insegurança dos cidadãos, mas são também os tribunais os responsáveis por esse efeito quando interpretam as normas penais. 111‖

5.1.1 Tribunal de Justiça de São Paulo As decisões do Tribunal de Justiça de São Paulo abaixo reproduzidas ilustram bem a discussão jurisprudencial sobre o tema. A terceira delas, dissentindo da orientação do Supremo Tribunal Federal, enfocou com muita precisão a matéria sob a ótica constitucional.

110

Cf. MARCÃO, Renato Flávio. Lei No.11.464, de 28 de março de 2007: novas regras para a liberdade provisória, regime de cumprimento de pena e progressão de regime em crimes hediondos e assemelhados. ICP, p.5-7, maio 2007. 111 Cf. GOMES, Mariângela Gama de Magalhães. Op.cit. p.114.

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―É cabível impetração de mandado de segurança pelo Ministério Público contra ato de juiz que concedeu progressão para o regime semi-aberto a condenado por crime hediondo, tendo em vista que a decisão do STF, proferida em sede de controle difuso de constitucionalidade do art. 2º, § 1º, da Lei 8.072/90, não tem eficácia erga omnes, permanecendo válida e aplicável a norma que veda a progressão de regime prisional a tal espécie delitiva112‖. ―A proibição de progressão de regime prisional aos condenados por crime hediondo afronta o princípio da individualização da pena, previsto no art. 5º, XLVI, da CF, cabendo ao juiz da execução penal decidir caso a caso os pedidos dessa natureza.113‖ ―É inconstitucional o § 1º do art. 2º da Lei 8.072/90 ao determinar o cumprimento da pena em regime integralmente fechado aos condenados por crimes hediondos. A Constituição Federal (art. 5º, XLVI) estabelece a individualização da pena, cujo conceito é o de ajustar a reprovação, atentos aos requisitos da suficiência e necessidade, em termos de quantidade e qualidade, à pessoa do condenado, de acordo com sua culpa. A inflexibilidade do regime penitenciário impede a individualização da sanção, circunstância que afronta o preceito constitucional. Ademais, a possibilidade de progressão de regime prisional tem por objetivo atingir a finalidade de retribuição e prevenção especial da pena, razão pela qual a imposição de sistema integralmente fechado para o cumprimento da expiação representa excesso desproporcional de prisão em relação ao fato praticado, além de não se prestar ao cumprimento do objetivo de capacitar o apenado ao retorno do convívio social.114‖ Progressão do regime: inconstitucionalidade do art. 2º, § 1º, da Lei 8.072/90 (antes do julgamento do HC 82.959-7) ―a r.sentença determinou que a pena fosse integralmente em regime fechado, em razão do comando da Lei 8.072/90. Tem decidido o Supremo Tribunal Federal que esse preceito legal não ofende a Constituição Federal: ‗O art. 2º, § 1º, da Lei 8.072/90, que prevê o cumprimento da pena em regime integralmente fechado para os crimes hediondos e a eles equiparados, não é inconstitucional, pois a própria Constituição Federal deferiu ao legislador ordinário regulamentar a matéria‘ (HC 76.617-9-SP, rel. Min Carlos Velloso). Ressalvando, porém, respeitosamente, minha opinião pessoal sobre a total incompatibilidade do dispositivo da Lei 8.072/90 com o princípio da individualização da pena previsto no inciso XLVI da Constituição Federal, e com o sistema progressivo estabelecido pelo art. 33 do Código Penal, penso que o regime integral fechado não pode prevalecer. A Constituição Federal assegura, no seu art. 5º, inciso XLVI, que a lei regulará a individualização da pena. Individualizar a reprovação penal é ajustá-la, considerando o conceito de suficiência e necessidade, em termos de quantidade e qualidade, à pessoa do condenado, de acordo com a sua culpa. Se o regime penitenciário é único e inflexível, não há individualização e o conseqüente cumprimento do preceito constitucional. O Código Penal estabeleceu no seu art. 33, § 2º, uma programação para a execução das penas privativas de liberdade, regulando a transfe-

112 113 114

Cf. TJSP – 11º Câm. Crim. – MS 945072-30 – rel. Silveira Lima 0 j.24.05.2006 – RT 853/574 Cf. TJSP - 6º Gr. – Ver. 004500983.3/4 – rel. Vico Mañas – j. 20.09.2006 – RT 856/567 Cf. TJSP – 1º Câm. Crim. – Ac 446.779-3/8 – rel. Márcio Bártoli – j.15.08.2005 – RT 843/567

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rência do condenado de regime a cada tempo, objetivando, assim, atingir a finalidade de retribuição e prevenção especial da sanção. O sistema integralmente fechado representa um excesso desproporcional de prisão, em relação ao fato praticado, e não serve para cumprir esse objetivo, conforme escreveu Manoel Pedro Pimentel, ao tempo da reforma da Parte Geral de 1984: ‗Demorou algum tempo para se perceber que a prisão não pode cumprir satisfatoriamente todas estas tarefas, não, pelo menos, simultaneamente. O sistema instituído para fazer funcionar a prisão fechada é o próprio instrumento da negação dessa possibilidade de transformá-la em estabelecimento penal adequado para atingir-se todas as finalidades para o cumprimento da pena‘(O drama da pena de prisão, Reforma penal, Saraiva, p.54). Em recente publicação, Miguel Reale Jr. Afirma que a prisão revelou-se totalmente imprópria para preparar o apenado para retornar ao mundo livre: ‗É que o cárcere não reproduz em tamanho pequeno a vida em sociedade, mas configura um mundo próprio, levando, inexoravelmente, ao esgarçamento da personalidade. Ao ser submetido o encarcerado ao processo de prisonização, há um código de conduta ditado não pela Administração Penitenciária, mas sim pelo poder real da cadeia, exercido pelos líderes deste universo isolado, composto por pessoas estigmatizadas em face dos ‗homens bons‘ que vivem em liberdade, dificilmente sua personalidade se manterá íntegra, dificilmente sua individualidade, condição de saúde mental, será resguardada. O mundo real da cadeia deixará, inevitavelmente, suas danosas marcas. A prisão vem a constituir uma estrutura social diversa da existente na sociedade livre. Tem, portanto, regras próprias, códigos de honra específicos do meio carcerário, formas de assunção de poder real caracteristicamente suas, construindo-se uma subcultura carcerária, como anotam Muñoz Conde e Garcia Áran, que facilita o surgimento de ‗máfias carcerárias‘, em tudo se contrapondo a qualquer processo de acomodação às normas prevalentes na vida social. Ademais, sofre com o choque de prisonização, destacado por Augusto Thompson, que se dá na sua entrada naquele mundo‘(Instituições de Direito Penal, Parte Geral, II, 2003, p.6/7). Sobre a necessidade de observação da progressão do regime prisional, deve ser transcrita a declaração de voto vencido do Min. Marco Aurélio no julgamento do habeas corpus acima citado, destacando que observar a evolução do regime prisional representa atender aos princípios da humanização da pena e da recuperação do condenado, e não à idéia errônea de atenuação ou concessão de benefício indevido: ‗A progressividade do regime está umbilicalmente ligada à própria pena, no que, acenando ao condenado com dias melhores, incentiva-o à correção de rumo, e, portanto, a empreender um comportamento penitenciário voltado à ordem, ao mérito e a uma futura inserção no meio social. O que se pode esperar de alguém que, antecipadamente, sabe da irrelevância dos próprios atos e reações durante o período no qual ficará longe do meio social e familiar e da vida normal a que tem direito um ser humano; que ingressa em uma penitenciária com a tarja da despersonalização? Sob este enfoque, digo que a principal razão de ser da progressividade no cumprimento da pena não é só a minimização desta, ou o benefício indevido, porque contrário ao que inicialmente sentenciado, daquele que acabou perdendo o bem maior que é a liberdade. Está, isto sim, no interesse da preservação do ambiente social, da sociedade, que, dia menos dia, receberá de volta aquele que inobservou a norma penal, e, com isto, deu margem à movimentação do aparelho punitivo do Estado. A ela não interessa receber de volta um cidadão que enclausurou, embrutecido, muito embora o que

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tenha mandado para detrás das grades com o fito, dentre outros, de recuperá-lo, objetivando uma vida comum em seu próprio meio, o que o tempo vem demonstrando, a não mais poder, ser uma utopia‘ (Revista dos Tribunais,v.759/539).115 Progressão do regime: constitucionalidade do art. 2º, § 1º, da Lei 8.072/90 ―Não é inconstitucional a vedação legal da progressão em casos de crimes hediondos ou equiparados. Sobre ser evidente que o princípio da individualização da pena (que se refere à natureza e quantidade e não à forma de execução dela) não obsta maior ou menor rigor legislativo para tal ou qual infração, segundo o superior entendimento do legislador ordinário, cumpre ressaltar que o art. 5º, XLIII, da CF, às expressas, relegou à lei ordinária a tarefa de dispensar maior severidade no tratamento aos autores de crimes hediondos, ou a estes equiparados. Embora seja norma de caráter geral aquela que prevê a viabilidade da progressão no regime prisional, a norma especial, tendo em conta a natureza mais grave de alguns delitos, assim como a maior perniciosidade de seus agentes, pode, certamente, destinar a estes um tratamento mais severo, negando-lhes alguns benefícios ou benesses, em princípio destinados aos autores de crimes menos graves ou que não reclamam mais onerosa contraprestação. Como sempre pode, aliás, e sem causar qualquer escândalo, cominar penas maiores ou menores para crimes mais ou menos graves. Essa, aliás, é a razão do entendimento firmado pelo STF, entendimento que, hoje, já se acreditava insusceptível de afrontas ou contra-argumentações, tal a freqüência de reiteração com que acabou proclamado nos tribunais‖. 116 ―A vedação legal de progressão de regime prisional aos crimes considerados hediondos ou a eles equiparados não ofende o princípio constitucional da individualização da pena, uma vez que o art. 5º, XLIII, da CF relegou, expressamente, ao legislador ordinário a tarefa de dispensar maior severidade no tratamento aos autores de delitos com a pecha da hediondez. 117‖

Esta oscilação da jurisprudência paulista, com franca maioria concluindo pela constitucionalidade da proibição de progressão de regime, refletiu-se no próprio sistema penitenciário, como não poderia deixar de ser. De acordo com dados da Secretaria de Administração Penitenciária de São Paulo, analisados pelo ILANUD 118, desde 1984 o Estado de São Paulo tem visto uma tendência de evolução em suas taxas de encarcerados por 100 mil habitantes. São Paulo possuía em 2003, 59% da população prisional do país, segundo dados do DEPEN. O Judiciário paulista é descrito na pesquisa do ILANUD como tendo historicamente aplicado penas mais severas não somente aos condenados por crimes hediondos, como também aos por roubo. Aos condenados

115

Cf. TJSP – 1º Câm. Crim. – AP 437.309-3/3 – rel. Márcio Bártoli – j. 09.05.2005. Cf. TJSP – RA 207.965-3/3 – rel. Canguçu de Almeida – j.12.12.1996. In: FRANCO, Alberto Silva. Crimes hediondos. 6.ed. São Paulo : RT, 2007. pp.605. p.216. 117 Cf. TJSP – AP –rel. Oliveira Passos – j. 21.02.2001 – RT 790/589 118 Cf. ILANUD, 2005, passim. 116

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por este crime, tem sido imposto o regime fechado ao invés do semi-aberto em São Paulo, de acordo com a pesquisa. Este cenário é decorrente da ideologia punitiva do Judiciário paulista, cujas reiteradas decisões prestigiam o inconstitucional § 1º do art. 2º da Lei 8.072/90. Trata-se, evidentemente, de uma excrescência jurídica o argumento repetidas vezes lançado de que ―o art. 5º, XLIII, da CF relegou, expressamente, ao legislador ordinário a tarefa de dispensar maior severidade no tratamento aos autores de delitos com a pecha da hediondez‖. Na verdade, como depois o próprio Egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo veio a perceber, aquele dispositivo da Lei 8.072/90 feria sobremaneira o princípio da individualização da pena e teve sua inconstitucionalidade declarada pelo STF no HC 82959-7. De se destacar ainda que a análise dos acórdãos do Egrégio Tribunal paulista revela que, mesmo após a declaração de inconstitucionalidade feita pelo STF àquele dispositivo da Lei 8.072/90, o TJSP ainda manteve certo posicionamento contrário à concessão de progressão de regime aos condenados por hediondos e assemelhados, sob o argumento de que a decisão do Pretório Excelso tivera efeito inter partes apenas. Talvez este seja um dos motivos pelos quais a população prisional do Estado de São Paulo represente mais da metade da população prisional brasileira. 5.1.2 Superior Tribunal de Justiça A oscilação jurisprudencial também pôde ser surpreendida junto ao Superior Tribunal de Justiça, corte em que também ganhou posicionamento majoritário a plena constitucionalidade do dispositivo da lei hedionda que vedava a progressão de regime. Os acórdãos citados abaixo ilustram o posicionamento do Tribunal superior, começando pela reformulação do entendimento da Corte, após o julgamento do HC 82.959 pelo Supremo Tribunal Federal: ―No julgamento do HC 82.959, o Excelso Pretório declarou a inconstitucionalidade do art. 2º, § 1º, da Lei 8.072/90; tal orientação, em que pese tomada em caso concreto e desprovida de efeito erga omnes, passou a ser adotada por ambas a Turmas do STF, bem como pelas duas Turmas Criminais deste STJ, sempre à unanimidade‖119

119

Cf. STJ – 6º T. – HC 51.249 – rel. Helio Quaglia Barbosa – J. 25.04.2006

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Progressão do regime: constitucionalidade do art. 2º, §1º, da Lei 8.072/90 Crime hediondo. Regime fechado. Impossibilidade “Penal. Recurso especial. Art.12 da Lei 6.368/1976. Crime equiparado a hediondo. Regime integralmente fechado. Lei n. 8.072/90 I – A Lei n. 8.072/1990, em seu art. 2º, § 1º, não é inconstitucional. (Plenário do Pretório Excelso). II – Os crimes hediondos e os a eles assemelhados, excetuando-se os de tortura, estão sujeitos, em sede de execução da pena privativa de liberdade, ao disposto no art. 2º, § 1º, da Lei 8.072/1990, sendo, portanto, vedada a progressão do regime prisional de cumprimento de pena. (Precedentes). III – A Lei n.9.455/1997, que admitiu a progressão do regime prisional para os crimes de tortura, não afetou o art. 2º, § 1º, da Lei 8.072/1990, que continua a regular o regime prisional dos demais crime hediondos. (Precedentes do STJ e Sú120 mula 698/STF). Recurso provido. ‖ ―A questão posta em destaque envolve tema relevante, seja o regime prisional de cumprimento de pena nas condenações pela prática de crimes hediondos, na forma inscrita no art. 2º, § 1º, da Lei 8.072/90. Em sucessivos julgamentos proferidos no âmbito desta Turma, sempre afastei a tese de inconstitucionalidade do mencionado dispositivo da Lei 8.072/90, acentuando que, embora tal preceito tenha se afastado da orientação estabelecida pelo Código Penal, bem como da sistemática da Lei de Execuções, que prevê a execução da pena privativa de liberdade em forma progressiva, com a transferência de um regime rigoroso para outro mais brando, não se lhe podia proclamar como afrontosa à Constituição. É que a Carta Magna conferiu ao legislador ordinário competência para dispor sobre a individualização da pena, sem indicar nortes, nem estabelecer princípios ou restrições. Por mais que se critique o citado dispositivo legal, não se lhe pode apontar qualquer vício de inconstitucionalidade, já que se trata de norma da mesma hierarquia do Código Penal e da Lei das Execuções Penais. De modo contrário, situa-se o questionado preceito na linha filosófica da própria Carta Magna, que, em seu art. 5º, XLIII, vedou a concessão de fiança, graça e anistia aos agentes de crimes hediondos, como tráfico de entorpecentes e drogas afins. Todavia, não se pode negar o absurdo do conteúdo da mencionada regra, que conflita com a regra básica do sistema, seja, o art. 59, do Código Penal. Segundo o mencionado cânon, o juiz, no exercício de individualização da pena, após aferir um leque de circunstâncias de natureza subjetiva – culpabilidade, antecedentes, conduta social e personalidade do agente – e de natureza objetiva – motivos, circunstâncias e conseqüências do crime -, fixará aquela aplicável dentre as cominadas, em quantidade que for necessária e suficiente para reprovação e prevenção do crime. E, após essa operação, definirá o regime inicial de cumprimento da pena. Este o ciclo completo de individualização da pena, o qual não deve ser excessiva, nem demasiadamente branda, mas justa, adequada e idônea, em qualidade e quantidade suficientes para reprimir a prática do delito e promover a tutela da sociedade. E a relevância da definição do regime prisional decorre do sentido e da função da pena, que não deve ser concebida como instrumento de castigo, conforme as velhas teorias

120

Cf. STJ – Resp 770.931/MG - 5º T. – rel. Min. Felix Fischer – DJU 1 19.12.2005.In: MARCÃO, Renato. Livramento condicional em crimes hediondos e assemelhados após a declaração de inconstitucionalidade do regime integral fechado. Revista IOB Direito Penal e Processual Penal, Porto Alegre, n.37, p.20-31, abr./mai. 2006. p.30.

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do malum propter malum, mas como visualizada nos tempos modernos, quando se prima pelo realce da sua função de recuperação moral e social do réu. Já preconizava Roberto Lira na alvorada do Código Penal, em 1942, que ‗individualizar uma pena e adaptá-la à espiritualidade do réu e a educação deste deveria ser, não já mera questão de administração penitenciária, mas a intervenção na vida do réu, desde o momento do delito até a extinção da pena, com unicidade de critério educativo consciente da espiritualidade‘ (Comentários ao Código Penal, vol.2, p.34, Forense, Rio, 1942). E, em outra passagem, arremata o nobre penalista pátrio: ‗Só depois de reabilitado o réu e reincorporado à vida do trabalho, a obra do juiz se consumaria‘(op.cit., p.35). Com vistas a essa reabilitação, o Código Penal prevê, no art. 33, as espécies de regime prisional – fechado, semi-aberto e aberto -, e do cumprimento da pena, a exame criminológico para a individualização da execução, bem como a forma de ocupação laboral nos diversos regimes. Todo esse precioso sistema foi renegado pelo questionado preceito, inserido numa lei desprovida de qualidade técnico-científica, produto de um momento de exploração emocional conseqüente de atos isolados de interesse da mídia, sem o crivo daqueles que laboram na área do Direito. 121‖ ―Os condenados pela prática de crime hediondo devem cumprir a pena integralmente em regime fechado, ante a expressa norma do art. 2º, § 1º, da Lei 8.072/90, considerada constitucional pelo Supremo Tribunal Federal122‖ Crime hediondo. Regime fechado. Progressão. Impossibilidade ―Penal. Habeas corpus. Art. 157, § 3º, in fine, c/c art.14, II, do Código Penal. Crime hediondo. Progressão de regime. I – Latrocínio, em qualquer de suas formas, consumado ou tentado, é crime hediondo, devendo, na execução da pena privativa de liberdade, incidir a regra do art. 2º, § 1º, da Lei 8.072/90. II – A Lei 8.072/1990, em seu art. 2º, § 1º, não é inconstitucional. (Plenário do Pretório Excelso). III- Os crimes hediondos e os a eles assemelhados, excetuando-se os de tortura, estão sujeitos, em sede de execução da pena privativa de liberdade, ao disposto no art. 2º, § 1º, da Lei 8.072/90, sendo, portanto, vedada a progressão do regime prisional de cumprimento de pena (Precedentes). IV – A Lei nº 9.455/1997, que admitiu a progressão de regime prisional para os crimes de tortura, não afetou o art. 2º, § 1º, da Lei 8.072/90, que continua a regular o regime prisional dos demais crimes hediondos. (Precedentes STJ e Súmula 698/STF). Ordem denegada.‖ 123

O que se pôde verificar, ao proceder-se a uma análise dos acórdãos do STJ foi que a 5º T. e a 6º T. deste Tribunal mantinham firme posicionamento a favor da constitucionalidade da proibição de progressão de regime. Não raro, um dos argumentos utilizados para justificar a ‗consti-

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Cf. STJ - 6º T. – HC 11.931 – voto: Vicente Leal – j. 29.03.2000. In: FRANCO, Alberto Silva. Op.cit. p.217. Cf. STJ - 6º T. – Respe.363.811 – re. Hélio Quaglia Barbosa – j. 25.08.2004 – DJU 13.09.2004, p.298 123 Cf. STJ – HC 44.253/SP – 5º T. – rel. Min. Felix Fischer – DJU 1 13.03.2006. In: Marcão, Renato. Livramento condicional em crimes hediondos e assemelhados após a declaração de inconstitucionalidade do regime integral fechado. Revista IOB Direito Penal e Processual Penal, Porto Alegre, n.37, p.20-31, abr./mai. 2006. P28-29. 122

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tucionalidade‘ do § 1º do art. 2º da Lei 8.072/90, era a existência de precedentes no Pretório Excelso. Nada ou pouco se falava sobre o modo como este dispositivo feria o princípio da individualização da pena. Outro argumento comum utilizado nos acórdãos do STJ era o de que a Lei 9.455/97 não derrogara este dispositivo da Lei 8.072/90 quanto à proibição de progressão de regime, muito embora o crime de tortura seja o mais grave dentre todos os hediondos e assemelhados. Por conseqüência lógica, o disposto pela Lei 9.455/97, qual seja, a concessão da possibilidade de progressão de regime aos que praticassem crime de tortura, deveria ser válido também para os demais crimes hediondos e assemelhados124. Mas não foi este o entendimento do STJ, uma vez que já havia jurisprudência sumulada – Súmula 698 STF, revogada com a edição da Lei 11.464/07- no STF, afirmando não se estender ―aos demais crimes hediondos a admissibilidade de progressão de regime na execução da pena aplicada ao crime de tortura‖. Por fim, após o julgamento do HC 82 959-7 ter declarado a inconstitucionalidade da proibição de progressão de regime na Lei 8.072/90, as aludidas Turmas do STJ começaram a considerar o § 1º do art. 2º da Lei 8.072/90 inconstitucional também, no mesmo mimetismo irrefletido. 5.1.3 Supremo Tribunal Federal A (in)evolução jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal até a edição da Súmula 698 foi marcadamente pela supressão dos direitos fundamentais do cidadão, contaminada a Suprema Corte pela idéia expansionista e punitiva do direito penal. A análise dos diversos julgados da Corte indica que, muito embora esta Súmula tenha sido prejudicada pela Lei 11.464/07, sua edição em 24.09.2003 foi um sinalizador da tendência das decisões jurisprudenciais no Supremo Tribunal Federal de considerar constitucional a proibição de progressão de regime nos crimes hediondos e assemelhado. Nesse sentido, resta claro o magistério de Chiarloni, citado por Mariângela Gomes, segundo o qual ―a cristalização dos entendimentos judiciais através de uma automática imitação dos precedentes que vêm do passado, e a recusa em acolher o novo que se afirma na so-

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Cf. TELES, Ney Moura. A lei No.9.455/97 revogou o art. 2 da Lei dos crimes hediondos. Revista Brasileira de Ciências Criminais, n.20, p.119-127, out./dez.1997. Neste artigo, Teles faz uma análise precisa sobre a incoerência de não se considerar que a Lei 9.455/97, que lida com o mais grave dos crimes tipificados no art. 5, XLIII, da CF, qual seja, o de Tortura, não tenha derrogado a Lei dos Crimes Hediondos.

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ciedade, podem ser fonte não mais de aumento, mas de diminuição de credibilidade e autoridade‖125. Dessa forma, pode-se dividir as decisões do Supremo quanto à progressão de regime na Lei 8.072/90 em duas fases: a primeira, de 1990 até o julgamento do HC 82.959-7 em 23.02.2006, favorável à constitucionalidade do referido dispositivo. E a segunda, após o julgamento do HC 82.959-7, favorável à inconstitucionalidade do referido dispositivo. Sabe-se que a edição de súmulas busca uniformizar a jurisprudência e tornar as decisões judiciais mais previsíveis, garantindo a segurança jurídica dos cidadãos. Dessa forma, evitar-se-ia ―casuísmos e disparidade de tratamento desprovidos de fundamento jurídico, de acordo com o mais genuíno sentido do princípio da legalidade‖ 126. Contudo, a presente súmula, ao pacificar na mais alta corte do país a proibição de progressão de regime aos condenados por crimes hediondos, não contribuiu para que valesse o princípio da individualização da pena disposto na Constituição Federal. Este fato acabou criando um paradoxo, qual seja, o STF, responsável por ser o guardião da Constituição, estava a editar súmula contrária ao disposto na mesma. A Súmula 698, como acima se aludiu, foi revogada pela Lei 11.464/07, que permitiu a progressão de regime na Lei dos Crimes Hediondos. Progressão do regime: inconstitucionalidade do art. 2º, § 1º, da Lei 8.072/90 – HC 82959-7 ―Na 2º Turma, tive oportunidade de relatar caso igual e, na ocasião, examinei e decidi alegação de inconstitucionalidade do § 1º do art. 2 º, da Lei 8.072, de 1990, que teria, segundo se dizia, violado o preceito constitucional que determina que o juiz que faça a individualização da pena (HC 69.377 – MG). Minha resposta foi negativa. Entendi que o dispositivo não estaria a infringir a Constituição, sob tal aspecto. Tenho meditado a respeito do tema. Creio, tal como afirmou o Sr. Ministro Francisco Rezek, que a denominada lei dos crimes hediondos, no ponto, prestou desserviço ao Direito Penitenciário, porque ela retira a esperança dos presos, dos sentenciados, e um preso sem esperança acaba se revoltando, já que não terá sentido, para ele, o bom comportamento.Não sei se essas últimas rebeliões, ocorridas nos presídios, têm sido influenciadas por esse dispositivo que estamos a examinar. Entretanto, repito, não vejo inconstitucionalidade no dispositivo legal objeto de argüição. Reporto-me, repito, ao voto que proferi, na Turma, no HC 69.377 – MG, em que examinei a questão. Destaco do aludido voto: ‗(...) Susten-

125 126

Chiarloni apud GOMES, Mariângela Gama de Magalhães. op.cit. p.126. GOMES, Mariângela Gama de Magalhães. op.cit. p.124

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ta, ainda, o impetrante, a inconstitucionalidade do art. 2º, § 1º, da Lei 8.072/90 (Lei dos Crimes Hediondos), que determina o cumprimento de pena em regime fechado. Também, nesta parte, não tem razão o impetrante, pois o dispositivo impugnado é compatível com os incisos XLVIII e XLVI do art. 5º da Constituição Federal. Dispõem as normas constitucionais: ‗XLIII – a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática de tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, pro eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo,evitá-los, se omitirem; XLVI – a lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras, as seguintes: a) privação ou restrição da liberdade; b) perda de bens; c) multa; d) prestação social alternativa; e) suspensão ou interdição de direitos‘. A Lei 8.072/90, ao estabelecer a obrigatoriedade do regime fechado, em nada prejudica a individualização da pena, procedida de acordo com as regras do art.59 do Código Penal. Se o juiz fixou a pena atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e conseqüências do crime, bem como ao comportamento da vítima, não se pode negar que individualizou a pena. O fato de não ter podido, livremente, fixar o regime inicial, por força de lei, não caracteriza inconstitucionalidade. A Lei 8.072/90 estabeleceu, apenas, exceção à regra do § 2º do art. 33 do Código Penal127‘‖ Progressão do regime: inconstitucionalidade do art. 2º, § 1º, da Lei 8.072/90 (antes do julgamento do HC 82.959-7) Entendo que a Lei 8.072/90 com contraria o princípio constitucional da individualização da pena, no que se refere a progressão de regime de cumprimento. E, no caso, com a vinda à baila da lei que definiu os crimes de tortura, houve a derrogação dessa lei, no particular, já que se tem um grande sistema. Eis as razões que tenho sustentado: ‗Pena. Regime. Descumprimento. Da inconstitucionalidade do § 1º do art. 2º, da Lei 8.072/90, de 25 de julho de 1990. Esta matéria conduziu-me a afetar, na forma prevista no art. 22 do Regimento Interno, o presente caso a este Plenário. É que tenho como relevante a argüição de conflito do § 1º do art. 2º, da Lei 8.072/90 com a Constituição Federal, considerando quer o princípio isonômico em sua latitude maior, quer o da individualização da pena, previsto no inciso XLVI do art. 5º da Carta, quer, até mesmo, o princípio implícito segundo o qual o legislador ordinário deve atuar tendo como escopo maior o bem comum, sendo indissociável da noção deste último a observância da dignidade da pessoa humana, que é solapada pelo afastamento, por completo, de contexto revelador de esperança, ainda que mínima, de passar-se ao cumprimento da pena em regime menos rigoroso. Preceitua o parágrafo em exame que nos crimes hediondos definidos no art. 1º da citada Lei, ou seja, nos de latrocínio, extorsão qualificada pela morte, extorsão mediante seqüestro e na forma qualificada, estupro, atentado violento ao pudor, epidemias com resultado morte, envenenamento de água potável ou de substância alimentícia ou medicinal, qualificado pela morte, genocídio, tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e, ainda, terrorismo, a pena será cumprida integralmente em regime fechado. No particular, contrariando-se consagrada sistemática alusiva à execução da pena, assentou-se a impertinência das regras gerais do Código Penal e da Lei de Execuções Penais, distinguindo-se en-

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STF – HC 82959-7 – voto: Carlos Veloso – j.23.02.2006 – DJU 01.09.2006

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tre cidadãos não a partir das condições sócio-psicológicas que lhes são próprias, mas de episódio criminoso no qual, por isto ou por aquilo, acabaram por se envolver. Em atividade legislativa cuja formalização não exigiu mais do que uma linha, teve-se o condenado a um dos citados crimes como senhor de periculosidade ímpar, a merecer ele, o afastamento da humanização da pena que o regime de progressão viabiliza, e a sociedade, o retorno abrupto daquele que segregara, já então com as cicatrizes inerentes ao abandono de suas características pessoais e à vida continuada em ambiente criado para atender a situação das mais anormais e que, por isso mesmo, não oferece quadro harmônico com a almejada ressocialização. Tenho o regime de cumprimento da pena como algo que, no campo da execução, racionaliza-a, evitando a famigerada idéia do ‗mal pelo mal causado‘ e que sabidamente é contrária aos objetivos do próprio contrato social. A progressividade do regime está umbilicalmente ligada à própria pena, no que acenando ao condenado com dias melhores, incentiva-o à correção de rumo, e, portanto, a empreender um comportamento penitenciário voltado à ordem, ao mérito e a uma futura inserção no meio social. O que se pode esperar de alguém que, antecipadamente, sabe da irrelevância dos próprios atos e reações durante o período n o qual ficará longe do meio social e familiar e da vida normal a que tem direito um ser humano; que ingressa em uma penitenciária com a tarja da despersonalização? Sob este enfoque, digo que a principal razão de ser da progressividade no cumprimento da pena não é si a minimização desta, ou o benefício indevido, porque contrário ao que inicialmente sentenciado, daquele que acabou perdendo o bem maior que é a liberdade. Está, isto sim, no interesse da preservação do ambiente social, da sociedade, que, dia menos dia, receberá de volta aquele que inobservou a norma penal e, com isto, deu margem à movimentação do aparelho punitivo do Estado. A ela não interessa receber de volta um cidadão que enclausurou, embrutecido, muito embora o que tenha mandado para detrás das grades com o fito, dentre outros, de recuperá-lo, objetivando uma vida comum em seu próprio meio, o que o tempo vem demonstrando, a não mais poder, ser uma utopia. Por sinal, a Lei 8.072/90 ganha, no particular, contornos contraditórios. A um só tempo dispões sobre o cumprimento da pena no regime fechado, afastando a progressividade, e viabiliza o livramento condicional, ou seja, o retorno do condenado à vida gregária antes mesmo do integral cumprimento da pena e sem que tenha progredido no regime. É que, pelo art. 5º da Lei 8.072/90, foi introduzido no art. 83 do Código Penal preceito assegurando aos condenados por crimes hediondos, pela prática de tortura ou terrorismo e pelo tráfico ilícito de entorpecentes, a possibilidade de alcançarem a liberdade condicional, desde que não sejam reincidentes específicos em crimes de tal natureza – inciso V. Pois bem, a Lei em comento impede a evolução no cumprimento da pena e prevê, em flagrante descompasso, benefício maior, que é o livramento condicional. Descabe a passagem do regime fechado para o semiaberto, continuando o incurso nas sanções legais a cumprir a pena no primeiro. No entanto, assiste-lhe o direito de ver examinada a possibilidade de voltar à sociedade, tão logo transcorrido quantitativo superior a dois terços da pena. Conforme salientado pela melhor doutrina, a Lei 8.072/90 contém preceitos que fazem pressupor a observância de uma coerente política criminal, mas a edição sob o clima de emoção, como se no aumento da pena e no rigor do regime estivessem os únicos meios de afastar-se o elevado índice de criminalidade. Por ela, os enquadráveis nos tipos aludidos são merecedores de tratamento diferenciado daquele disciplinado no Código Penal e na Lei de Execuções Penais, ficando sujeitos não às regras relativas aos cidadãos em geral, mas a especiais, despontando a que, fulminando o regime de progressão da pena, amesquinha a garantia constitucional

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da individualização. Diz-se que a pena é individualizada porque o Estado-Juiz, ao fixá-la, será compelido, por norma cogente, a observar circunstâncias judiciais, ou seja, os fatos objetivos e subjetivos que se fizeram presentes à época do procedimento criminalmente condenável. Ela o é não em relação ao crime considerado abstratamente, ou seja, ao tipo definido e lei, mas por força das circunstâncias reinantes à época da prática. Daí cogitar o art. 59 do Código Penal que o juiz, atentando à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime, não só as penas aplicadas dentre as cominadas (inciso I), como também o quantitativo (inciso II), o regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade – inicial, e, portanto, provisório, já que passível de modificação até mesmo para dotar-se o regime mais rigoroso (inciso III) – e a substituição da pena privativa de liberdade aplicada, por outra espécie de pena, se cabível. Dizerse que o regime de cumprimento da pena não está compreendido no grande todo que é a individualização preconizada e garantida constitucionalmente é olvidar o instituto, relegando a plano secundário a justificativa socialmente aceitável que o recomendou ao legislador de 1984. É fechar os olhos ao preceito que o junge a condições pessoais do próprio réu, dentre as quais exsurgem o grau da culpabilidade, os antecedentes, a conduta social, a personalidade, alfim, os próprios fatores subjetivos que desaguaram na prática delituosa. Em duas passagens, o Código Penal vincula a fixação do regime às circunstâncias judiciais previstas no art. 59. Todavia, ao que tudo indica, teve-se presente, quando da edição da Lei 8.072/90, que faltaria aos integrantes do aparelho judiciário, aos juízes, aos tribunais, o zelo indispensável à definição do regime e sua progressividade, e aí alijou-se do crivo mais abalizado que pode haver a definição respectiva. Assentar-se, a esta altura, que a definição do regime e modificações posteriores não estão compreendidas na individualização da pena é passo demasiadamente largo, implicando restringir garantia constitucional em detrimento de todo um sistema, e, o que é pior, a transgressão a princípios tão caros em um Estado Democrático como são os da igualdade de todos perante a lei, o da dignidade da pessoa humana e o da atuação do Estado sempre voltada ao bem comum. A permanência do condenado em regime fechado em todo o cumprimento da pena não interessa a quem quer que seja, muito menos à sociedade, que um dia, mediante o livramento condicional, ou, o mais provável, o esgotamento dos anos de clausura, terá necessariamente que recebê-lo de volta, não para que este torne a delinqüir, mas para atuar como um partícipe do contrato social, observados os valores mais elevados que o respaldam. Por último, há que se considerar que a própria Constituição Federal contempla as restrições a serem impostas àqueles que se mostrem incursos em dispositivos da Lei 8.072/90, e dentre eles não é dado encontrar a relativa à progressividade do regime de cumprimento de pena. O inciso XLIII do rol das garantias constitucionais – art. 5º afasta, tão somente, a fiança, a graça e a anistia, para, em inciso posterior (XLVI), assegurar, de forma abrangente, sem excepcionar esta ou aquela prática delituosa, a individualização da pena. Como, então, entender que o legislador ordinário o possa fazer? Seria a mesma coisa que estender aos chamados crimes hediondos, e assim enquadrados pela citada lei, e imprescritibilidade que o legislador constitucional somente colocou às ações relativas a atos de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático (inciso XLIV). Indaga-se: é dado ao legislador comum fazê-lo? A resposta somente pode ser negativa, a menos que se coloque em plano secundário a circunstância de a previsão constitucional estar contida no elenco das garantias constitucionais, conduzindo,

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por isso mesmo, à ilação no sentido de que, a contrario sensu, as demais ações ficam sujeitas à regra geral da prescrição. Destarte, tenho como inconstitucional o preceito do § 1º do art. 2º, da Lei 8.072/90, no que dispõe que a pena imposta pela prática de qualquer dos crimes nela mencionados será cumprida, integralmente, em regime fechado128‖. Progressão do regime: constitucionalidade do art. 2º, § 1º, da Lei 8.072/90 (HC 82.959-7) ―No que se refere à possibilidade de progressão, rememoro que o instituto da individualização da pena foi constitucionalizado com a Constituição de 1946 no ser art. 141, §29. A redação foi a seguinte: A lei regulará a individualização da pena. Essa mesma redação foi repetida nas Cartas subseqüentes (Constituição Federal de 1969, art.153, §23; Constituição Federal de 1988, art. 5º, XLVI). O constituinte deixou ao legislador ordinário a regulação e a disciplina do instituto. Surgiram, então, as Leis 7.209/84 e 7.210/84. A primeira alterou a Parte Geral do Código Penal e cuidou da individualização da pena; a segunda tratou da individualização da execução penal. É importante ressaltar, porém, que, antes dessa normatização, a individualização da pena sempre foi observada. Isso porque o Código Penal sempre dispôs de normas que equacionavam a operação de correspondência entre a responsabilidade do agente e a punição. O legislador ordinário discriminou as sanções cabíveis, fixou as espécies delituosas, formulou o preceito sancionador das normas incriminadoras, ligando a cada um dos fatos típicos uma pena que varia de um mínimo a um máximo claramente determinados. Estabeleceu circunstâncias qualificadoras, atenuantes e agravantes e instituiu os preceitos que regulam o aumento e a diminuição das penas. Ao juiz, portanto, dentro de tais limitadores, cabe a tarefa meticulosa de graduar a pena em face do contato com o criminoso e do imediato conhecimento de sua personalidade, incluindo a perquirição de sua maior ou menor periculosidade. O arcabouço da individualização da pena é constituído por um complexo de normas e conta com as atuações legislativa e judicial, culminando com a sentença condenatória, resultado da ponderação que o juiz faz dos elementos subjetivos e objetivos do crime em relação a cada réu. O juiz transforma em coação concreta o preceito sancionador abstrato da norma penal. Surge, então, o título executivo penal, que, como se viu, levou em consideração as circunstâncias personalíssimas do acusado. A individualização, porém, não se esgota no título executivo penal. Ela prossegue na fase executória, visto que a pena será cumprida em estabelecimentos penais distintos de acordo coma natureza do delito, a idade e o sexo do apenado. É o que dispõe a Constituição, no seu art.5, inciso XLVIII. Ao longo da execução, serão também observados procedimentos disciplinares previstos em legislação específica. E, aqui, novamente, a individualização do apenado determinará o curso da execução. É difícil, portanto, admitir, dentro desse grande complexo de normas que constituem o arcabouço do instituto da individualização da pena e de sua execução, que a restrição na aplicação de uma única dessas normas, por opção de política criminal, possa afetar todo o instituto. E mais, que possa essa restrição representar afronta à norma constitucional que instituiu a individualização da pena, ou seja, imaginar que o todo ficaria contaminado porque uma determinada parcela foi objeto de restrição. Por isso,

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Cf. STF - 2º T. – HC 80.947-7 – voto vencido: Marco Aurélio – j. 21.11.2000 In: FRANCO, Alberto Silva. Op.cit. p.223.

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com a devida vênia, não considero eivada de inconstitucionalidade a norma que restringiu a aplicação da regra da progressividade no regime prisional. O legislador ordinário que instituiu essa progressividade, em 1984, com o advento da Lei de Execução Penal (art. 112), poderia até mesmo desconstituí-la. E, se pode o legislador desconstituí-la, pode, também, restringi-la, negando a sua aplicação aos crimes hediondos. Nada mais faz o legislador do que seguir a trilha do constituinte, que discriminou determinados delitos, privando seus autores de alguns delitos penais. É o caso, no art. 5º, da Constituição Federal, dos incisos XLII, XLIII e XLIV, que tratam dos delitos de racismo, tortura, tráfico, terrorismo e grupos armados. O instituto da individualização da pena não fica comprometido apenas porque o legislador não permitiu ao juiz uma dada opção. A escolha do juiz em matéria de pena está submetida ao princípio da legalidade. Há crimes punidos apenas com privação de liberdade. Não pode o juiz substituir essa pena de privação de liberdade por restritiva de direitos ou prestação pecuniária. Essa limitação, no entanto, não compromete a individualização da pena. Bem a propósito, diz o tópico da ementa do HC 69.603, lavrada pelo Ministro Paulo Brossard: à lei ordinária, disse Sua Excelência, ‗compete fixar os parâmetros dentro dos quais o julgador poderá efetivar ou a concreção ou a individualização da pena. Se o legislador ordinário dispôs, no uso da prerrogativa que lhe foi deferida pela norma constitucional, que, nos crimes hediondos, o cumprimento da pena será em regime fechado, significa que ele não quis deixar, em relação aos crimes dessa natureza, qualquer discricionaridade ao juiz na fixação do regime prisional‘. Muitas crítica foram feitas à Lei 8.072/90. Até mesmo com relação ao nome da lei. Mas como lembrou o Ministro Francisco Rezek n HC 69.657, também sobre o mesmo tema: ‗Não somos uma Casa Legislativa. Não temos a autoridade que tem o legislador para estabelecer a melhor disciplina. Nosso foro é corretivo e só podemos extirpar do trabalho do legislador ordinário – bem ou mal avisado, primoroso ou desastrado – aquilo que não pode coexistir com a Constituição. Permaneço fiel à tese do Ministro Luís Gallotti: ‗A inconstitucionalidade não se presume, a inconstitucionalidade há de representar uma afronta manifesta do texto ordinário ao texto maior‘ Deixo de acolher as ponderações do Ministro Gilmar Mendes, que, com seu brilo invulgar de scholar, ainda assim não me consegue fazer aderir à sua proposição de uma declaração de inconstitucionalidade modulada, de sorte a apenas abranger as hipóteses futuras (purê prospectivity), ou seja, as sentenças ainda não proferidas, com ressalva dos casos já decididos. Se adotarmos tal solução, não poderemos aplicá-la ao paciente deste habeas corpus. Mas essa proposição nos cria um problema insolúvel. Tudo porque, em controle difuso, como é o caso presente, ou a declaração de inconstitucionalidade serve à solução da controvérsia ou ela nem se pode colocar. No controle difuso, não se produz interpretação constitucional, a menos que ela seja útil ao caso. Não se define o status de constitucionalidade de uma regra jurídica, senão quando ela esteja sendo aplicada ao caso concreto E, se não for para se aplicada no caso presente, a declaração de inconstitucionalidade não tem substrato válido, já que esta não é hipótese de controle abstrato. A alternativa, portanto, seria fazer valer para a hipótese presente, a nova interpretação limited prospectivity. Essa proposta, porém, não supera outro obstáculo lógico. Se as sentenças já publicadas ficam resguardadas da nova interpretação, pelo bom motivo de que os juízes que as proferiram não poderiam prever que a jurisprudência assente na Casa – e tantos anos após a promulgação da nova Constituição – se fosse reverter dessa sorte, como executar dessa salvaguarda a sentença condenatória do caso presente? O juiz que a prolatou, tanto quanto o TJSP, encontravam-se na mesma situação fática de insciência ou imprevisibilidade de to-

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dos os seus demais colegas. As propostas de solução inspiradas no direito americano não encontram aplicação. Nem é preciso lembrar que lá o controle de constitucionalidade só se faz por via difusa, enquanto entre nós vigora sistema muito mais complexo, que concilia as formas difusa e concentrada de controle. Para que a inconstitucionalidade da norma pudesse ser reconhecida com efeitos limitados, seria necessário que a Corte a analisasse em ação direta. Por isso, entendo que declarar a inconstitucionalidade, com temperamento, desse artigo para aplicar a interpretação inovadora a este caso concreto seria exercício de voluntarismo que nada nos autoriza fazer. Sirvo-me de citação que fez o Ministro Gilmar Mendes do prof. Rui Medeiros, parq quem ‗a delimitação da eficácia da decisão de inconstitucionalidade não é fruto de mero ‗decisionismo‘ do órgão de controle‘ (A decisão de inconstitucionalidade, p.746-747). A Corte estaria se avocando um arbítrio excessivo ao ‗selecionar‘ quais réus serão beneficiados retroativamente por seu novo entendimento. Por isso, com vênias ao Ministro Gilmar Mendes, não me parece aplicável aqui a doutrina da limitação de efeitos da declaração de inconstitucionalidade. Mantenho, por isso, quanto ao tema da progressão do regime, o entendimento tradicional desta Corte e rejeito a alegação de inconstitucionalidade do § 1º do art. 2º da Lei 8.072/90.129‖ Progressão do regime: constitucionalidade do art. 2º, § 1º, da Lei 8.072/90 ―A norma legal em questão (art. 2º, § 1º, da Lei 8.072/90) ajusta-se a quanto prescreve o ordenamento constitucional, que porque os únicos limites materiais que restringem essa atuação do legislador ordinário não foram respeitados (CF, art. 5º, XLVII) – não se trata de pena de morte, de pena perpétua, de pena de trabalhos forçados, de pena de banimento ou de pena cruel -, quer porque o conteúdo da regra mencionada revela-se adequada à filosofia de maior severidade consagrada, em temas de delitos hediondos, pelo constituinte brasileiro (CF, art. 5º, XLIII). A progressividade do processo de execução das penas privativas de liberdade, de outro lado, não se erige à condição de postulado constitucional, pelo legislador ordinário, não ofende o princípio da individualização penal. A opção feita pelo legislador ordinário, consubstanciada no art. 2º, § 1º, da Lei 8.072/90, fundamenta-se em critérios cuja razoabilidade e legitimidade são inquestionáveis. A ratio subjacente à definição legislativa ora questionada encontra apoio em fatores que não se revelam conflitantes com o nosso sistema de direito constitucional positivo.‖130. ―O princípio constitucional da individualização das penas, que é de aplicabilidade restrita, concerne, exclusivamente, à ação legislativa do Congresso Nacional, em conseqüência, constitui o seu único destinatário. O princípio em causa não se dirige a outros órgãos do Estado, pois, no caso, o legislador – a quem se dirige a normatividade emergente do comando constitucional em questão -, atuando no plano normativo, e no regular exercício de sua competência legislativa, fixou em abstrato, a partir de um juízo discricionário que lhe pertence com exclusividade, e em função da maior gravidade objetiva dos ilícitos referidos, a sanção penal que lhes é imponível. A par dessa individualização in abstracto, o legislador – ainda

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STF – HC 82959-7 – voto: Ellen Gracie – j. 23.02.2006 – DJU 01.09.2006 Cf. STF-HC70.939-rel. Celso de Mello – j.04.02.1994 – RTJ 177/1.242. In: FRANCO, Alberto Silva. Op.cit. p.216

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com apoio em sua competência constitucional – definiu, sem qualquer ofensa a princípios ou valores consagrados pela Carta Política, o regime de execução pertinente às sanções impostas pela prática dos delitos referidos. A fixação do quantum penal e a estipulação dos limites, essencialmente variáveis, que oscilam entre um mínimo e um máximo, decorrem de uma opção legitimamente exercida pelo Congresso Nacional. A norma legal em questão, no ponto em que foi impugnada, ajusta-se a quanto prescreve o ordenamento constitucional, porque os únicos limites materiais que restringem essa atuação do legislador ordinário não foram desrespeitados (CF, art. 5º, XLIII). A progressividade no processo de execução das penas privativas de liberdade, de outro lado, não se erige à condição de postulado constitucional. A sua eventual inobservância, pelo legislador ordinário, consubstanciada no art. 2º, § 1º, da Lei 8.072/90, fundamenta-se em critérios cuja razoabilidade e legitimidade são inquestionáveis. A ratio subjacente à definição legislativa ora questionada encontra apoio em fatores que não se revelam conflitantes com o nosso sistema de direito constitucional positivo. Não conheço individualização in abstracto. A mim me parece que a individualização in abstracto é contradictio in terminis. Individualização da pena, enquanto as palavras puderem exprimir idéias, é a operação que tem em vista o agente e as circunstâncias do fato concreto e não a natureza do delito em tese. Estou convencido também que esvazia e torna ilusório o imperativo constitucional da individualização da pena a interpretação que lhe reduza o alcance ao momento da aplicação judicial da pena, e o pretende, de todo, impertinente ao da execução dela. De nada vale individualizar a pena no momento da aplicação, se a execução, em razão da natureza do crime, fará que penas idênticas, segundo os critérios da individualização, signifiquem coisas absolutamente diversas quanto à sua efetiva execução. E não ilide essa minha convicção o inc. XLVIII, do art. 5º, que diz respeito ao estabelecimento penitenciário em que se cumprirá a privação da liberdade, e não às formas alternativas do aprisionamento propiciadas pelo regime legal de progressão das penas.131‖ ―Ainda conforme o entendimento do Pleno, inalterado até a presente data, o regime integralmente fechado, previsto no art. 2º, § 1º, da Lei 8.072/90 é constitucional.132‖. ―Nos crime hediondos a pena deve ser cumprida em regime integralmente fechado. O Plenário deste Tribunal decidiu que não há inconstitucionalidade no § 1º do art. 2º da Lei 8.072/90. Precedentes do STF.133‖

Depreende-se da análise dos acórdãos supracitados que um dos argumentos utilizado pelos Ministros do Pleno, no que se refere à constitucionalidade do §1º do art. 2º da Lei 8.072/90, o da inquestionável ―razoabilidade e legitimidade‖ da vedação da progressão de regime aos condenados por crimes hediondos. Isto, antes do julgamento do HC 82 959-7. Como se viu, outro ar-

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Cf. STF – HC –rel. Paulo Brossard – RJDTACrim 21/428. In: FRANCO, Alberto Silva. Op.cit. p.215. Cf. STF - 1º T. – HC 84.600-0 – rel. Joaquim Barbosa – j.20.10.1998 – DJU 20.08.2004, p.50. In: FRANCO, Alberto Silva. Op.cit. p.218 Cf. STF - 2ºT. – HC 77.747-3 – rel. Nelson Jobim – j. 20.10.1998 – DJU 17.11.2000, p.10. In: FRANCO, Alberto Silva. Op.cit. p.218

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gumento era o de que o §1º do art. 2º da Lei 8.072/90 não estava a infringir o princípio da individualização da pena, argumento repetido em vários julgados, firmando, desse modo, jurisprudência na Suprema Corte, o que acabou por influenciar de modo indelével outros tribunais em todo o país. Dada esta influência, ainda que alguns tribunais brasileiros considerassem que §1º do art. 2º da Lei 8.072/90 infringia claramente o princípio da individualização da pena, e que o Direito Penal do Terror não iria contribuir para reduzir os índices de violência e criminalidade no país, não raro acabavam se ―despersonalizando‖, tornando-se voto vencido, a fim de se ajustar à jurisprudência dominante e seguir o direcionamento que a mais alta corte do país estava dando para questão tão sensível e complexa. 5.2. Alteração legislativa: Lei n. 11.464/2007 A Lei 11.464, de 28 de março de 2007, alterou os §§ 1º e 2º do art. 2º da Lei 8.072/90, ao pôr fim não somente ao regime integralmente fechado de cumprimento de pena, como também ao alterar os prazos para progressão de regime aos condenados por crimes hediondos e assemelhados, que necessitam, com esta alteração legislativa, cumprir 2/5 da pena, em caso de o apenado ser primário, e de 3/5, em caso de reincidente, para progredir do regime fechado para o semiaberto. A decisão do Supremo Tribunal Federal, no HC 82 959-7 de 23.02.2006, em sede de controle de constitucionalidade difuso, teve efeito inter partes. Desse modo, surgiu a controvérsia em alguns tribunais inferiores quanto a se deveriam ou não acatar a decisão de inconstitucionalidade de progressão de regime, uma vez que aquela decisão do Pretório Excelso não tivera efeito erga omnes. Alguns tribunais seguiram o direcionamento do STF; outros não; estes, utilizando a seu favor não somente o argumento do efeito inter partes da decisão do STF, como também o de que o Senado Federal não suspendera a execução do §1º do art. 2º, da Lei 8.072/90, declarado inconstitucional em decisão definitiva do STF, conforme dispõe o art.52 da Constituição. A preocupação desses tribunais era de evitar que criminosos comuns e os de crimes hediondos e assemelhados passassem a receber igual tratamento, por força do art.112 da Lei de Execução Penal, ou seja, que a eles fosse permitido, indistintamente, progredir do regime mais severo para o mais brando após cumprir 1/6 (um sexto) da pena. No entanto, o Superior Tribunal de Justiça, no voto condutor da Ministra Laurita Vaz, julgou que

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―Com a publicação da Lei 11.464/07, restou, de vez, afastado do ordenamento jurídico, pelo legislador ordinário, o regime integralmente fechado antes imposto aos condenados pro crimes hediondos, assegurando-lhes a progressividade do regime prisional de cumprimento de pena‖.134

Desse modo, a Lei 11.464/07, decorrente do julgamento do HC 82.959-7, significou a um só tempo a revogação dos referidos dispositivos da lei dos crimes hediondos e da Súmula 698 do STF, com profundas implicações para a preservação do princípio da individualização da pena, da legalidade, da proporcionalidade da humanidade e da exclusiva proteção dos bens jurídicos dispostos constitucionalmente, bem como para se definir o alcance da novel legislação. Mariângela Gomes, citando Perez Luño, ensina que ―a liberdade de ação do ser humano e a conseqüente possibilidade de calcular os efeitos de seus atos são incompatíveis com as normas que estendam sua validade a condutas anteriores à sua promulgação.(...) A garantia de imparcialidade da lei, por meio de previsões desvinculadas de casos concretos (abstração) e dirigidas a todas as pessoas que vierem a praticar as condutas objeto da regulação (generalidade), somente pode ser cumprida se as normas atuarem para o futuro, pois se se voltarem para o passado invadem situações e comportamentos suscetíveis de identificação, fazendo com que a lei deixe de ser abstrata e geral‖ 135.

Este viria a ser o debate a ser travado, após a edição da Lei 11.464/07, a fim de definir se o referido diploma legal se constituía em Lex mitior, retroagindo em benefício do réu condenado pela prática de crimes hediondos, ou se Lex gravior, não podendo, portanto, retroagir a fim de beneficiá-lo, assunto a ser discutido no próximo capítulo.

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STJ – Pet.4.422 – rel. Laurita Vaz – j.10.05.2007

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Perez Luño apud GOMES, Mariângela Gama de Magalhães. op.cit. p.125.

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6. LEI PENAL NO TEMPO E SUA APLICAÇÃO RETROATIVA 6.1 Retroatividade da lex mitior: Lei 11.464/2007 Segundo Alberto Silva Franco, surgiram duas correntes a respeito da retroatividade da Lei 11.464/07. A primeira afirmava ser o novo diploma legal mais favorável ao acusado, já que antes da decisão com efeito inter partes de inconstitucionalidade da progressão de regime pelo STF, vigia a proibição de progressão de regime. Como o efeito de tal decisão não era erga omnes, argumentava esta corrente que a Lei 11.464/07 seria mais favorável ao condenado, já que permitia a progressão de regime, e, portanto, deveria retroagir a fim de favorecê-lo. ―Não obstante a declaração ter sido incidenter tantum, a decisão influenciou as demais Cortes do país, inclusive este Egrégio Tribunal. A forma como foi recebida a aplicada a decisão do Supremo Tribunal Federal acabou por não diferir, em termos de resultado orientador da jurisprudência, daquele dito controle concentrado de constitucionalidade das leis. Esse entendimento acabou referendado pela recente Lei 11.464/2007, publicada em 29 de março do corrente ano, a qual estabelece o regime inicialmente fechado para crimes hediondos, prazo diferenciado para a progressão do regime (2/5 para condenados primários e 3/5 para condenados reincidentes) e possibilidade de liberdade provisória. Insta salientar que interpretar é revelar o verdadeiro sentido do texto, buscar a exata vontade da lei, que não é necessariamente a do legislador, ou seja, é atividade que consiste em extrair da norma seu exato alcance e real significado. Portanto, com o advento da Lei 11.464/20087, as dúvidas quanto ao cumprimento quedam-se sanadas, eis que a dicção legal é explícita ao determinar que a pena por crime hediondo será cumprida inicialmente em regime fechado, com a supressão do termo ‗integralmente‘. Ademais, frise-se que o §2º do art. 2º, do Código Penal, corroborado pelo art. 5º, XL, da CF, dispõe que a lei nova mais benéfica – novatio legis in mellius - deve ser aplicada para fatos anteriores, ainda que decididos por sentença condenatória transitada em julgado. Assim, o princípio da retroatividade da Lex mitior constitui exceção ao princípio da irretroatividade da lei penal, aplicável ainda em caso de coisa julgada. Nesse sentido, impende colacionar o presente aresto decisório, de lavra do STF: ‗A lei nova benéfica pode ser aplicada tanto imediatamente, por ser desdobramento dos direitos e garantias fundamentais (CF, art. 5º, §1º), como retroativamente, a ponto de alcançar fatos anteriores, desde que se mostre favorável ao agente (CF, art. 5º, LV)‘ (JSTF 227/381)‖136.

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TJPR - 5º Câm. Crim. – RA 372.312 – rel. Eduardo Fagundes – j. 31.05.2007. In:FRANCO, Alberto Silva. Op.cit. p.281.

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Segundo Franco, portanto, a lei melhor retroagirá para beneficiar o agente, devendo-se preferir a orientação jurisprudencial que sufraga a tese que melhor se ajusta ao favor rei137 e não acolher a retroatividade in pejus, vedada pelo sistema penal e constitucional brasileiro. 6.2 Irretroatividade da lex gravior: Lei 11.464/2007 De acordo com a segunda corrente, até 28 de março de 2007, o tempo necessário para um condenado por crime hediondo ou assemelhado obter a progressão de regime era de 1/6 de cumprimento da pena, uma vez que a decisão do STF teria tido, para esta corrente, efeito erga omnes, com base no art.27 da Lei 9.868/99138. Desse modo, como a Lei 11.464/07 dispunha que para progredir de regime seria necessário o cumprimento de 2/5 da pena, em caso de primário, e 3/5, em caso de reincidente, este novo dispositivo era mais gravoso ao réu, e, portanto, não deveria retroagir. Alberto Silva Franco, Amilton Bueno de Carvalho, Rafael Rodrigues da Silva Pinheiro Neto, Paullo Henrique Aranda Fuller, Luiz Flávio Gomes, João José Leal e Rodrigo José Leal, Marcius Alexandros Antunes de Almeida, Amury Silva e Nereu José Giacomolli seriam, de acordo com Franco 139, adeptos desse posicionamento. ―No caso em comento, a decisão agravada é anterior a esses novos regramentos, vez que a progressão de regime foi autorizada com base no parâmetro de cumprimento de 1/6 da pena. Assim, segundo a regra da irretroatividade da lei mais severa, a determinação aplicada ao tempo do decisum deve permanecer hígida. Sobre o tema, já decidiu o STF: ‗Se a lei nova entra em vigor no decorrer do processo, agravando a pena de quem praticara conduta delituosa descrita no anterior diploma legal, inexiste abolitio criminis, mas novatio legis in pejus, conflito de leis penais no tempo, que se resolve pela aplicação da lei mais benéfica, vigente ao tempo dos fatos, em obediência ao princípio tempus regit actum’. (EJSTJ 30/272). No mesmo sentido o escólio de Damásio de Jesus: ‗Entre estes dois limites – entrada em vigor e cessação de sua vigência situa-se a sua eficácia. Não alcança, assim, os fatos ocorridos antes ou depois dos dois limites extremos: não retroage nem tem ultra-atividade. É o princípio tempus regit actum’ (Direito Penal, 16. Ed., São Paulo, Saraiva, 1992, v.1, p.60) Portanto, não é mais possível vedar a

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SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivo. 29.ed. São Paulo : Malheiros, 2007. 926p.Segundo José Afonso da Silva, ―o favor rei (...) prescreve a não ultratividade da lei penal, isto é, a aplicação da lei posterior àquela vigente no momento da comissão do crime quando essa tolha o caráter delituoso do fato, ou contenha dispositivos mais favoráveis ao réu(...)‖. Ainda segundo o renomado doutrinador, o favor rei seria o princípio que completaria o da legalidade, segundo o qual nullum crimen nulla poena sine lege. p.429. 138 Art. 27. Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado. 139 FRANCO, Alberto Silva. Op.cit. p.279.

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possibilidade de progressão de regime prisional ao ora agravado, sem olvidar que preenchidos, no caso, os requisitos objetivo e subjetivo, vez que o réu já cumpriu mais de um sexto da pena em regime fechado e possui bom comportamento, satisfazendo as condições legais para a progressão de regime. 140‖ ―A novel Lei 11.464/07, ao aumentar o lapso temporal exigido para a progressão de regime, é em relação aos fatos referentes a crimes hediondos e assemelhados cometidos antes dela, gravosa (Lex gravior).141‖ ―Embora já esteja em vigor o dispositivo legal que determina o regime inicialmente fechado para o cumprimento da pena dos condenados por crimes hediondos e equiparados (art. 2º, § 1º, da Lei 8.072/90, com a redação dada pela Lei 11.464/07), ele não se aplica à hipótese dos autos, uma vez que se trata de lex gravior, incidindo, portanto, somente aos casos ocorridos após sua vigência. 142‖

Com efeito, a lei melhor retroagirá no que beneficiar o acusado e não poderá ser aplicada naquilo em que agravar a situação. O argumento fundamental, a nosso aviso, é que a aplicação da lei posterior mais gravosa ofende de maneira manifesta o direito penal do fato e da culpa. Do fato porque não estava vigente ainda ao tempo da ação ou omissão delituosa e da culpabilidade porque o agente não poderia ter sido adequadamente motivado pela norma, inexistente ao tempo da infração criminal. 6.3 Retroatividade da jurisprudência mais favorável No caso da Lei dos Crimes Hediondos, o julgamento do HC 82.959-7 significou uma mudança de posicionamento jurisprudencial por parte do STF, uma vez que a Suprema Corte havia considerado até então o dispositivo que proibia a progressão de regime constitucional, e após o julgamento do HC 82.959-7, passou a considerá-lo inconstitucional. Segundo os ensinamentos de David Teixeira de Azevedo, a lei inconstitucional que afirme os direitos de cidadania e restrinja o direito de intervenção estatal tem plenos efeitos. Já não assim a lei inconstitucional in genere, ―Se a lei inconstitucional é dotada de vigência, e, portanto, de executoriedade, no campo penal ela gera pleno e definitivos efeitos in bonam partem. É lei no sentido formal e material, apenas que, por defeito intrínseco, não se ajusta à ordem normativa do Estado, por seus dispositivos estão a violar e conflitar com outros hie-

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TJPR - 5º Câm. Crim. – RA 372.312 – rel. Eduardo Fagundes – j. 31.05.2007. In: FRANCO, Alberto Silva. Op.cit.p.281 TJMG - 5º Câm. Crim. – RA 1.0000.07.453126-0/001 – REL. Hélcio Valentim – j. 05.06.2007 – DO 16.06.2007. In: FRANCO, Alberto Silva. Op.cit.p.282 STJ - 5º T. – HC 73.066 – rel, Felix Fischer – j.10.04.2007. In: FRANCO, Alberto Silva. Op.cit.p.282

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rarquicamente superiores, ou a se pôr em colisão com princípios constitucionais‖143.

O caso do §1º do art. 2º da Lei 8.072/90, é de manifesto conflito, desde sua gênese, com preceitos constitucionais. A jurisprudência formada e sumulada no STF até o julgamento do HC 82.959-7 era de afirmação da validade plena de norma manifestamente inconstitucional, mais restritiva à liberdade dos apenados por hediondos e assemelhados, os quais viam frustradas suas expectativas de, em tendo bom comportamento, poder progredir de um regime mais severo para um mais brando. A questão central, no caso, foi a omissão da corte constitucional brasileira de velar pela unidade do sistema jurídico à luz dos valores e preceitos constitucionais. Cabia ao Supremo, tarefa cumprida tardiamente, reconhecer a inconstitucionalidade do dispositivo por intermédio de decisão de caráter geral, com caráter retroativo in mellius. Como assinala Mariângela Gomes, citando Sanguiné, ―cabe à jurisprudência um importante papel na definição do conteúdo do direito, (...) [e] é inegável que, quando os entendimentos são pacíficos, estes se aproximam muito a um mandado de caráter geral‖ 144. Nesse sentido, aquela jurisprudência, que culminou com a edição da revogada Súmula 698, conferiu um ―mandado de caráter geral‖ a decisões consistente e persistentemente equivocadas com relação à proibição da progressão de regime aos condenados por crimes hediondos e assemelhados, uma vez que feriam o princípio da legalidade, de humanidade e da individualização da pena. Mariângela Gomes, remetendo-se a Sanguiné, defende a tese de que ―(...) a desconsideração acerca da exigência de irretroatividade das variações jurisprudenciais desfavoráveis ao réu merece ser revisada nos dias de hoje(...)‖145. Para ela, ―uma vez que a lei e sua interpretação possuem um vínculo necessário de complementação, a realidade jurídica do princípio da legalidade somente será entendida quando, para um determinado tipo penal, vigore a mesma interpretação que lhe era dada à época do cometimento do fato‖146. O que se pretende, dessa forma, é impor limitações às ―esferas de poder e de atuação do Estado‖, fazendo com que a carga aflitiva do di-

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AZEVEDO, David Teixeira de. Direito penal no tempo. São Paulo, s.d Sanguiné apud GOMES, Mariângela Gama de Magalhães. op.cit. p.168. GOMES, Mariângela Gama de Magalhães. op.cit. p.175 Sanguiné apud GOMES, Mariângela Gama de Magalhães. op.cit. p.176

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reito penal não seja expandida, mas reduzida. Gomes considera que para se chegar a um meio termo entre atualização jurisprudencial e o estabelecimento da confiança do cidadão no ordenamento jurídico existe “o prospective overrruling,[que se] constitui [em] uma técnica utilizada nos ordenamentos da Common Law que permite ao juiz aplicar o precedente em um caso, mas já alertando que os casos futuros serão decididos de outra maneira. Esse expediente algumas vezes usado pelos tribunais é caracterizado por, ao mesmo tempo, assegurar a aplicação do direito do mesmo modo como o era no momento da prática delituosa, sem com isso deixar de permitir que a jurisprudência evolua de acordo com as novas valorações. Assim, no momento em que o caso está sendo julgado, na hipótese de os magistrados entenderem que o precedente precisa ser modificado, a modificação será feita; de acordo com as garantias dos princípio da legalidade, no entanto, o novo entendimento, desfavorável ao réu se comparado àquele existente no momento da infração, não será aplicado a ele, mas somente aos acusados que praticarem a infração a partir da nova orientação jurisprudencial. Com isso, a corte avisa sobre a iminente mudança de critério jurídico, evitando o trauma da quebra da segurança jurídica no caso em julgamento. 147‖

Esta seria uma forma de se conferir à jurisprudência desfavorável ao réu tratamento semelhante ao conferido pelo princípio constitucional da irretroatividade da lei penal mais severa. Após o julgamento deste HC, no entanto, sedimentou-se a visão no Pretório Excelso de que o dispositivo supracitado da Lei 8.072/90 era inconstitucional. Em decorrência desse leading case foi editada em 2007 a Lei 11.464, a partir da qual tornou-se lei permitir a progressão de regime, bem como sedimentou-se jurisprudência no sentido de salvaguardar os princípios da legalidade, da humanidade e da individualização da pena aos condenados por crimes hediondos e assemelhados. Esta mudança jurisprudencial mais favorável aos apenados poderia retroagir a fim de beneficiar o réu, havendo mesmo, sob a ótica de um Estado Democrático de Direito a necessidade de mudança legislativa. Todavia, a existência da lei traz plena segurança jurídica.. Por fim, Gomes pondera se, ―contudo, (...) também de forma análoga às alterações legislativas, a mudança na jurisprudência poderia ensejar revisão em decisões transitadas em julgado‖148. Questão que fica em aberto para futura discussão.

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Schmidt apud GOMES, Mariângela Gama de Magalhães. op.cit. p.180 GOMES, Mariângela Gama de Magalhães. op.cit. p.185

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7. CONCLUSÕES 7.1 A legislação é editada segundo as exigências de instante de segmentos majoritários e socialmente bem posicionados da sociedade, os empreendedores morais, ou moral entrepreneurs. Os empreendedores morais são os responsáveis por pressionar as agências de criminalização primária (Congresso Nacional, Executivo) no sentido de sancionar leis mais severas que recairão sobre indivíduos selecionados pelas instâncias de criminalização secundária (Polícias, Judiciário, Ministério Público, etc.). A Lei 8.072/90, em geral, e o §1º do art. 2º da Lei 8.072/90, em especial, que proibiu a progressão de regime aos condenados pela prática de crimes hediondos e seus assemelhados, são exemplos de como os empresários morais influenciam as agências de criminalização primária no sentido de editar leis severas que atendam aos seus interesses de exercer maior controle sobre os sujeitos da criminalização secundária. 7.2 A aplicabilidade de norma inconstitucional recebe tratamento equívoco e ambíguo dos tribunais, não obstante sua clara e luminosa inconstitucionalidade. Isto pode ser percebido, após ter sido feita uma análise da jurisprudência do STF, STJ e TJSP, acerca da proibição de progressão de regime aos condenados por crimes hediondos e assemelhados. Notou-se que, antes do julgamento do HC 82.959-7, que decretou a inconstitucionalidade do §1º do art. 2º da Lei 8.072/90, os tribunais ora pendiam pela concessão de progressão de regime, ora para a negativa em concedê-la, questão resolvida somente com o advento da Lei 11.484/2007. Esta lei revogou o §1º do art. 2º da Lei 8.072/90, e criou os §§1º e 2º do art. 2º do mesmo diploma legal, acenando com a possibilidade de progressão de regime aos condenados por delitos hediondos, bem como estipulando prazo de 2/5 para obtê-lo, em caso de réu primário, e 3/5, em caso de reincidente. 7.3 A declaração da inconstitucionalidade pode ser feita tanto no plano jurisdicional pelos instrumentos de controle de inconstitucionalidade (controle difuso ou concentrado), com aplicabilidade imediata, quanto na esfera legislativa, por meio de uma alteração legislativa, como a Lei 11.464/2007. No julgamento do HC 82.959-7, a correção da inconstitucionalidade do §1º do art. 2º da Lei 8.072/90 se deu com o controle concentrado, cujos efeitos são tradicionalmente inter partes. Este foi, inclusive, um dos motivos alegados por alguns tribunais para não acatar esta decisão do Pretório Excelso na hora de conceder a progressão de regime. A Lei 11.464/2007 resolveu este problema, uma vez que revogou o §1º do art. 2º e criou os §§1º e 2º do art. 2º na Lei dos

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Crimes Hediondos, conferindo, de um lado, a possibilidade de progressão de regime, e, de outro, novos prazos para que esta concessão se concretizasse. 7.4 O trabalho jurisprudencial leva a uma reforma legislativa, pelo que a jurisprudência vem a constituir-se em meio de reforma da legislação penal. O fato de até o julgamento do HC 82.959-7 e o advento da Lei 11.464/2007, a jurisprudência ter oscilado bastante no que se refere à inconstitucionalidade do §1º do art. 2º da Lei 8.072/90, não esconde o fato de que esta oposição jurisprudencial contribuiu para se consolidar a idéia nos tribunais de que o direito à progressão de regime é garantia fundamental do indivíduo. 7.5 Tanto a lei mais favorável quanto a jurisprudência mais favorável têm aplicação retroativa in melius, já que a lei somente retroagirá para favorecer o réu. Tanto a lei quanto o entendimento jurisprudencial podem mudar com o decorrer do tempo. Se ocorre uma reforma jurisprudencial, como ocorreu com o HC 82.959-7, a jurisprudência mais favorável ao réu deverá retroagir a fim de beneficiá-lo. Do mesmo modo, se ocorre uma alteração legislativa, como na Lei 11.464/2007, a lei mais benéfica ao condenado deverá retroagir a fim de beneficiá-lo.

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