A Em Busca De Uma Aprendizagem Significativa (1)

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EM BUSCA DE UMA APRENDIZAGEM SIGNIFICATIVA CONTRIBUIÇÕES DA MEDIAÇÃO Ana Maria Martins de Souza1 Léa Depresbiteris2 “A Escola tem como principal objetivo que os alunos aprendam a aprender, que se dêem conta do que sabem e do que não sabem; que descubram como e onde obter a informação necessária. Deve haver uma clara intervenção dirigida a ensinar aos alunos estratégias de controle de seus processos cognitivos.” (Reuven Feuerstein) “A cabeça da gente é uma só e as coisas que há e que estão para haver são demais de muitas, muito maiores diferentes, e a gente tem de necessitar de aumentar a cabeça para o total.” (João Guimarães Rosa) I-

No cotidiano - encontros e desencontros de mediação Uma mãe passeia no Zoológico com seu filho, de idade aproximada de seis anos. Em um dado momento, o menino olha uma macaca amamentando seu filhote. - Mãe - observa ele - eu também mamei quando era criancinha, né? A mãe responde que sim e puxa a mão do filho para continuarem o passeio. A professora escreve na lousa a seguinte definição "animais mamíferos são aqueles que mamam quando filhotes", seguida de um rol de exemplos desses animais. Depois, pede que os alunos copiem esses exemplos com letra bem legível, para que possam memorizá-los para a prova. A professora de um curso de Mestrado em Educação devolve a uma orientanda sua dissertação e diz que o trabalho precisa ser melhorado. Indica alguns livros e artigos para leitura e marca um outro dia para supervisão. ______________________________

1- Formada em Letras (Português e Francês) pedagoga, pós-graduada em Administração de Recursos Humanos. Formadora de mediadores (Trainer II) no Programa de Enriquecimento Instrumental, níveis I e II – pelo ICELP- International Center for Enhancement of Learning Potential, em Israel. Consultora educacional 2. Pedagoga, mestre em Tecnologia Educacional pelo Instituto de Pesquisas Espaciais de São José dos Campos e doutora em Ciências da Educação, na área de Psicologia Escolar, pela USP. Formadora de mediadores no Programa de Enriquecimento Instrumental, níveis I e II – pelo ICELP- International Center for Enhancement of Learning Potential, em Israel. Consultora educacional

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Estas são cenas de um cotidiano que nos mostram ausência de mediação. Por quê? Vejamos algumas concepções de mediação e depois retornaremos às cenas. No dicionário Aurélio, (2000) alguns dos significados da palavra mediar são: " (1) intervir como árbitro ou mediador. Exemplo: Uma das funções importantes da ONU é mediar a paz. (2) "ficar no meio de dois pontos; distar". Exemplo: Os meios de transporte têm diminuído muito a distância que medeia entre os povos. Em educação, poderíamos dizer, de modo geral, que mediar a aprendizagem é uma forma de intervir nas relações entre uma pessoa que aprende e o mundo. Na verdade, o mediador reduz a distância que existe entre o aprender com ajuda de alguém e o aprender de forma autônoma. Mediar possibilita e potencializa a construção do conhecimento pela interação entre mediador e mediado. Isto significa ter-se a consciência de que não se transmite conhecimento. É agir intencionalmente entre o objeto de conhecimento e o aprendente, de forma a modificar, alterar, organizar, enfatizar, transformar os estímulos provenientes desse objeto, a fim de que o mediado construa sua própria aprendizagem, que aprenda por si só. Na cena do Zoológico, vemos que a mãe poderia ter mediado o filho, estimulandoo, por meio de questões desafiadoras, a perceber as diferenças entre os diversos animais. Alguns mamam, outros comem ervas, outros se alimentam de outros animais, etc. Ela poderia ter explorado esse espaço como um ambiente de aprendizagem, levando o filho a comparar os animais e a classificá-los por grupos: os que mamam quando filhotes, os que se alimentam de ervas, outros de carne, etc. Indo mais além, caso essa mãe tivesse os conceitos de mamífero, herbívoro e carnívoro, a mediação poderia proporcionar a construção desses conceitos pela criança. É fundamental que se reconheça que as crianças se deparam, a todo instante, com acontecimentos confusos e enigmáticos. No caminho para a escola, por exemplo, elas talvez vejam muitas coisas cujos significados lhes são obscuros: a bandeira no quartel do 2

corpo de bombeiros está a meio pau, uma rua está inundada e o tráfego está parado, algumas crianças (idade aproximada à dela) vendendo doces no cruzamento de ruas, etc. O adulto poderá mediar a criança para que ela possa ir construindo, aos poucos, a compreensão de como funciona o mundo (Lipman, 1994). Na cena da professora que está ensinando o conceito de mamíferos, também observamos que ela poderia aproveitar a oportunidade de mediar os alunos para construir esse conceito. As crianças poderiam ter sido estimuladas, pela professora, a perceberem que o atributo - mamar quando filhote- caracteriza um grupo de animais chamado mamíferos. Desta forma, as crianças compreenderiam que, mesmo sendo diferentes, o homem, morcego, cachorro, gato, rato, a baleia são animais mamíferos, porque mamam quando filhotes. Essa prática de dar o conceito pronto e não construí-lo com os educandos é uma atitude ainda muito comum no ensino e nos faz lembrar uma interessante analogia de Carraher (1998, p.12). Por essa analogia, são semelhantes o processo de ensinar e o ato de tomar um cafezinho. O "café" representa as informações e os conteúdos. É preparado pelo professor e ingerido de modo direto pelo aluno. O papel desse professor é arrumar a mesa, despejar o café na xícara, colocar açúcar e levar o aluno a tomá-lo. Da mesma maneira, na escola, as informações são passadas aos educandos sem lhes propiciar muitas reflexões. O conhecimento vem pronto, organizado: basta engoli-lo. Na última cena de nosso cenário cotidiano, a professora de mestrado indicou livros, artigos, mas será que estimulou, na orientanda, o desejo de analisar os aspectos que precisaria melhorar? O que será que a orientanda decodificou como "melhorar a dissertação": verificar a coerência lógica entre as ideias, a coesão do texto, as relações entre o que foi proposto e o que foi realizado? As cenas nos mostram possibilidades de mediação em diversos ambientes, por qualquer pessoa que esteja interessada em uma aprendizagem mais significativa por parte do mediado. 3

Essa tarefa não é fácil, porque envolve conhecimentos, estratégias e um desejo de envolvimento, interação e respeito ao outro.

II- Aprofundando o conceito de mediação A ideia de mediação pode ser encontrada sob diferentes formas no trabalho de filósofos, psicólogos, educadores, antropólogos, linguistas, ao longo da história. Por exemplo, nas ciências jurídicas, a palavra mediação consiste em um diálogo entre duas ou mais partes em conflito. O papel do mediador é conciliar as partes envolvidas no conflito, para que cheguem a um acordo satisfatório. Nesta mediação, prevalece sempre a vontade das partes. O mediador não impõe soluções, apenas aproxima as pessoas para que negociem diretamente e reconheçam o conflito, de modo a buscar algum tipo de solução que contemple e satisfaça razoavelmente os interesses de todas elas. Vemos também, com frequência, o termo mediação ser usado em debates políticos: “Fulano fará a mediação do debate entre o candidato X e o candidato Y.” Temos aqui outra função da palavra. A mediação é feita por um mediador que controla o tempo, controla a postura dos debatedores, argumenta em alguns momentos. A função precípua é sua neutralidade para com este ou aquele debatedor. Neste artigo, trataremos do conceito de mediação em processos educacionais (escolas, família, clínicas, empresas, etc), tomando como ponto de partida as teorias de Lev Semenovich Vygotsky e Reuven Feuerstein.

III- A mediação na perspectiva de Vygotsky O conceito de mediação é central na teoria de Vygotsky. Em Oliveira (1992), uma das estudiosas deste teórico, encontramos uma síntese que esclarece o conceito de mediação em Vygotsky: "Enquanto sujeito de conhecimento, o homem não tem acesso direto aos objetos, mas um acesso mediado, isto é, feito através dos recortes do real operados pelos sistemas 4

simbólicos de que dispõe. O conceito de mediação inclui dois aspectos complementares. Por um lado, refere-se ao processo de representação mental: a própria ideia de que o homem é capaz de operar mentalmente sobre o mundo supõe, necessariamente, a existência de algum tipo de conteúdo mental de natureza simbólica, isto é, que representa os objetos, situações e eventos do mundo real no universo psicológico do indivíduo".

A aprendizagem acontece com a mediação de pais, irmãos, educadores, tutores ou quaisquer pessoas que proporcionem cuidados a outra pessoa. Na perspectiva de Vygotsky, a relação do homem com o mundo não se dá de uma forma direta, mas através de uma relação mediada, onde se empregam instrumentos ou símbolos que funcionam como ferramentas auxiliares para a mediação. Para Vygotsky, a linguagem é o instrumento do pensamento. A fala introduz mudanças qualitativas na forma de cognição da criança, reestruturando diversas funções psicológicas como a memória, a atenção voluntária, a formação de conceitos, etc. A linguagem é uma ferramenta de extrema importância, porque age na estrutura do pensamento, é básica para a construção do conhecimento. Pela linguagem, a criança pode lidar com sistemas simbólicos e chegar a abstrações e generalizações. Ela atua na criança no que Vygotsky denomina de zona de desenvolvimento proximal, que é a distância entre seu desenvolvimento real, determinado por meio da solução independente de problemas e o nível de seu desenvolvimento potencial, determinado pela solução de problemas sob a orientação de um adulto ou em colaboração com companheiros mais capazes. O nível de desenvolvimento mental de um aluno não é determinado pelo que ele pode fazer de forma independente; é necessário que ele saiba o que faz, mesmo que ainda necessite pedir ajuda a outra pessoa. Quando o aluno começa a construir essa autonomia de ação, é sinal que está desenvolvendo a linguagem e buscando comunicação.

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Por meio da linguagem é possível designar os objetos do mundo exterior, ações, qualidades desses objetos e expressar as relações que se estabelecem entre objetos e pessoas. A linguagem é um sistema simbólico fundamental no ser humano, organiza-se em signos de complexas estruturas, desenvolve-se ao longo da história social do homem e desempenha papel fundamental na formação de suas características psicológicas. Com a linguagem, o homem passa por três momentos muito distintos que lhe propiciam mudanças psíquicas importantes: (1) a linguagem permite lidar com os objetos do mundo exterior, mesmo quando eles estão ausentes (“A pedra foi jogada no lago.”); (2) a linguagem possibilita um processo de abstração e generalização (“rio” – a palavra designa qualquer rio, não importando o volume de suas águas, extensão, etc.) e (3) a linguagem tem a função de comunicação entre os homens, o que garante a preservação, a transmissão e a assimilação de informações e experiências que o homem acumulou ao longo de sua história. Na mediação, tem-se a possibilidade de se experimentar esses três momentos, uma vez que o mediador e o mediado exercitam a linguagem e seu caráter dialógico. Esta afirmativa reforça o que apontava Vygotsky (apud, Ben Hur, s/d): todo nível de desenvolvimento humano é um produto da aprendizagem que começa com um processo interpsicológico (entre pessoas) e continua com processo intrapsicológico (dentro da pessoa).

IV- A perspectiva mediadora de Reuven Feuerstein Para Feuerstein (1980), a mediação é um processo de interação entre o organismo humano em desenvolvimento e o adulto com experiência e intenção, que seleciona, enfoca, retroalimenta as experiências ambientais e os hábitos de aprendizagem. As ideias de mediação foram detalhadas na teoria da modificabilidade cognitiva estrutural de Reuven Feuerstein. Modificabilidade é mudança estrutural; só ocorre quando a pessoa aprende a usar a linguagem, modificando sua forma de pensar e de se 6

expressar. A modificabilidade estrutural refere-se às mudanças feitas por uma intervenção deliberada, tornando o organismo receptivo e sensível a novas fontes de informação internas e externas. Feuerstein criou o Programa de Enriquecimento Instrumental - PEI, composto de quatorze instrumentos1 no formato de exercícios de estruturação lógica, com potencial para ativar funções cognitivas e desenvolver as operações mentais necessárias para o desenvolvimento do mediado de forma autônoma e significativa. Revendo a história, Feuerstein diz que a mediação é um fenômeno que surgiu com o começo da humanidade, no momento em que o homem tomou consciência da morte e, com ela, do desejo de prolongar sua existência, por meio das futuras gerações. Neste sentido, o fundamento da mediação é transmitir a outros um mundo de significados, ou seja, a cultura, entendida, aqui, não como classificação de raças, etnias, mas como um conjunto de características que um povo tem em comum. Na época em que Feuerstein desenvolveu suas ideias de mediação, a abordagem vigente era a behaviorista, que não considerava conceitos como reflexão, raciocínio, processos internos da mente. Para os behavioristas, se os estímulos externos estivessem bem selecionados e organizados, a aprendizagem deveria ocorrer. Muitos estudiosos não concordaram com essa abordagem, um deles foi Piaget. A perspectiva estruturalista piagetiana marcou a psicologia e a educação contemporâneas, equacionou a aquisição do conhecimento em processos psicológicos integrados e hierarquizados e demonstrou que o essencial da inteligência não é a medida do seu produto, mas sim a estruturação ativa e dinâmica da cognição (Fonseca, 1996:37). Todas essas ideias influenciaram Feuerstein que, partindo da análise do esquema proposto por Piaget, para explicar o ato de aprender, foi além. Criou outro esquema, por 1

Os 14 instrumentos são: Organização de Pontos, Orientação Espacial I, Orientação Espacial II,

Comparações, Classificações, Ilustração, Percepção Analítica, Instruções, Progressões Numéricas, Relações Familiares, Relações Temporais, Relações Transitivas, Silogismo e Desenho de Padrões.

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considerar que o esquema piagetiano era insuficiente para expressar as ideias da aprendizagem mediada. Para Piaget, o ato de aprender é expresso no esquema S – O – R, em que (S) são os estímulos, (O) o organismo-aprendiz e (R) a resposta. Pelo modelo piagetiano, o desenvolvimento da inteligência parte de uma inteligência pelo corpo (prática ou sensório-motora) para uma inteligência cognitiva, através do pensamento (abstrato ou operatório concreto, depois formal), que compreende e resolve os problemas ou raciocínios lógicos (Souza et ali, 2004). Feuerstein denominou o esquema de Piaget de aprendizagem direta. O organismo (O), ou aprendiz, interage diretamente com o estímulo (S) e dá uma resposta (R). Neste tipo de interação, a aprendizagem é incidental. Por exemplo, uma criança pode explorar seus brinquedos, sentir-lhes a textura, observá-los durante longo tempo, movimentá-los. Evidentemente, trata-se de uma aprendizagem; mas segundo Feuerstein, é uma aprendizagem incidental, não sendo suficiente para assegurar uma aprendizagem mais efetiva. Foi nesta perspectiva que ele introduziu, no esquema de Piaget, o elemento humano (H).

Fonte: Feuerstein,1980. Para Feuerstein, a mediação é um ato de interação entre um mediador e um mediado. No esquema proposto por ele, o mediador (H) aparece em dois momentos: primeiramente entre o estímulo (S) e o organismo (O) e depois entre o organismo (O) e a resposta (R). O H representa, não só o mediador, mas o processo de transmissão que ele realiza. Por esse esquema, o desenvolvimento cognitivo do mediado não é somente o resultado do processo de maturação do organismo, nem de um processo de interação 8

independente e autônomo com o mundo dos objetos: é o resultado combinado da exposição direta ao mundo e da experiência de aprendizagem mediada. Feuerstein explica a diferença entre a aprendizagem pela exposição direta do organismo aos estímulos e a aprendizagem mediada. Na aprendizagem pela exposição direta, a criança aprende sozinha, relacionandose com pessoas, objetos e acontecimentos de seu meio ambiente. Assim, por exemplo, se uma criança se choca contra uma mesa, é provável que da próxima vez faça um esforço consciente para desviar-se dela, mesmo sem ter sido advertida por outra pessoa. Seu comportamento modifica-se por meio da retroalimentação que recebe de seu contato com o mundo. Essa aprendizagem é, em grande parte, incidental, não planejada e dependente das circunstâncias. Na aprendizagem por mediação, a criança não aprende apenas pela exposição direta ao estímulo, mas por intermédio de alguém que serve de mediador entre ela e o meio ambiente. A situação mediada consiste numa interação interpessoal que possui características estruturais especiais. Em vez de relações causais com diversos componentes fragmentados do meio ambiente, na experiência de aprendizagem mediada existe um mediador, desempenhando o papel educacional de atuar sobre o estímulo. O mediador seleciona, assinala, organiza e planeja o aparecimento do estímulo, tudo de acordo com a situação estabelecida por ele e a meta de interação mediada. Pela mediação, o mediado adquire os pré-requisitos cognitivos necessários para aprender, para beneficiar-se da experiência e conseguir modificar-se. Desta maneira, a aprendizagem mediada caracteriza-se como um processo intencional e planejado. Embora considere que ambas as abordagens sejam necessárias para o pleno desenvolvimento do ser humano, Feuerstein acredita que a aprendizagem por exposição direta aos estímulos pode ser enriquecida pela mediação, que parte da interação do indivíduo com o mundo, tornando-o mais receptivo para o que ocorre ao seu redor.

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Quando uma criança não interage efetivamente com o ambiente ou experimenta dificuldades na aprendizagem, desenvolve-se o que Feuerstein denominou de "dedo em riste". O dedo indicador é apontado na direção da criança para imputar-lhe a culpa da não aprendizagem. Na mediação, como a aprendizagem é uma interação entre o mediado e o mediador, o dedo apontará para ambas as direções. A aprendizagem mediada é pré-requisito do desenvolvimento cognitivo. É um produto intencional e recíproco - o aprendiz e o mediador, juntos, vão colaborar para aprender. O que quer que se queira medir, transcende o aqui e o agora, mas o significado da mediação precisa estar explícito. O mediador educa o mediado de acordo com sua intenção, mas deve haver reciprocidade entre ele e a criança para que esta, realmente, se engaje no processo. O objetivo do mediador é a transcendência: o aspecto a ser mudado é o comportamento cognitivo. Outra ideia importante na mediação é que todo fato, ação ou processo que intervenha na configuração da existência humana, quer individual ou grupal, num determinado contexto histórico-social deve constituir-se como prática educativa intencional. Mediação é a forma educativa específica de um indivíduo interagir com o outro. O professor como mediador promoverá a apropriação do conhecimento pelo aluno de maneira consciente e intencional, para garantir uma aprendizagem significativa. Para que o professor possa atuar como mediador, Feuerstein indica três critérios básicos: intencionalidade e reciprocidade (reunidos em um só critério), significado e transcendência. A intencionalidade expressa a determinação do mediador em ajudar o mediado a entender o conteúdo ou mensagem por ele enviada. A intenção maior do mediador deveria ser a de transformar o ambiente de aprendizagem em um ambiente de exploração de significados, de diálogo, de respeito às ideias de outras pessoas, de levantamento e comprovação de hipóteses. Isso implica que o mediador suscite o pensar do mediado por meio de questões estimuladoras do raciocínio. 10

Considerando que a mediação é uma relação dinâmica, na qual o mediador e mediado são sujeitos de um mesmo processo, deve-se investir, igualmente, no critério de reciprocidade, na busca de um processo interativo. Como o próprio nome indica, reciprocidade implica troca, permuta. O mediador deve estar aberto às respostas do mediado, preparar os melhores materiais, provocar o interesse e a motivação sobre conteúdos diversos, investir tempo na verificação do aprendizado, mostrar satisfação frente às transformações do mediado. Este, por sua vez, mostra reciprocidade quando fornece indicações de que está cooperando, de que está envolvido no processo de aprendizagem e de que está buscando modificar-se. O objetivo da transcendência é promover a aquisição de princípios, conceitos ou estratégias que possam ser generalizados para outras situações. Este critério estimula a curiosidade que leva a inquirir e descobrir relações e ao desejo de saber mais. A mediação da transcendência ocorre quando o mediador relaciona uma atividade específica com outras, estimulando o mediado para além do que está sendo desenvolvido em uma determinada situação. Cria-se uma ponte entre as realizações da pessoa, fazendo com que haja condições de uma ampla compreensão do mundo, de como as coisas estão interligadas, despertando a curiosidade para inquirir e descobrir novas relações. O significado é um critério imprescindível para penetrar no sistema de necessidades do mediado. Diz respeito ao valor, à energia atribuída à atividade, aos objetos e aos eventos, tornando-os relevantes para a aprendizagem. Objetos e acontecimentos isolados não apresentam significado, necessitam de contextualização. Isso implica em uma mediação de aspectos cognitivos, de questões sociais e, principalmente, éticas. Trata-se de um processo de longa prática social. Sem o poder persuasivo de legitimamente provocar significados, o processo de humanização não seria possível. Sem significações, a transmissão cultural de uma geração para outra não seria viável (Fonseca, 1998:71). 11

V- A mediação na escola Vygotsky e Feuerstein acreditam que a aprendizagem mediada favorece a construção de conceitos e habilidades, o que não ocorre pela exposição direta das pessoas aos estímulos do mundo. As experiências de aprendizagem mediada são sistemáticas e intencionais. O mediador estimula a reconstrução do sistema cognitivo, pelo desenvolvimento de ideias, significados e elevados níveis de compreensão; ajuda o educando a ir além do conceito. Os conceitos de mediação têm implicações para a educação, porque a interação entre professor e aluno é fundamental para a aprendizagem. O professor, assumindo o papel de mediador, deverá estimular o pensamento e o diálogo. Mas, como aplicar princípios de mediação na escola? Como ensinar o conceito de mediação? Como transformar os professores em mediadores dos processos de aprendizagem? Estas são perguntas que não permitem respostas únicas, simplistas. Há necessidade de que a escola promova uma reflexão sobre essas perguntas junto aos atores educacionais e membros da comunidade, para que suas ações possam garantir uma aprendizagem mais significativa aos educandos. Uma aprendizagem significativa deve assinalar ao educando o que ele aprendeu e o que é importante para ele; deve possibilitar-lhe oportunidades de criação dentro de seu universo de atuação; deve dizer a ele que só até aqui não basta, há muito mais por descobrir. Outro aspecto da mediação é seu caráter democrático. Neste sentido, o educando participa ativamente como sujeito de seu trabalho, como construtor de seu conhecimento, de forma crítica, reflexiva e autônoma. A mediação pode auxiliar, igualmente, na aprendizagem do saber-conviver de modo solidário: ajuda os alunos a compartilharem seus sentimentos e conhecimentos, a conhecerem suas próprias qualidades e dificuldades e a compreenderem uns aos outros.

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Finalizando, a mediação poderá estimular um ambiente que amplia o horizonte educacional, pela integração entre as dimensões cognitiva e afetiva. Na dimensão cognitiva, a mediação possibilita melhor organização do pensamento, concentração na tarefa, uso de habilidades de raciocínio mais complexas, capacidades de análise e síntese. Na dimensão afetiva, a mediação pode propiciar o desenvolvimento de habilidades sociais importantes, como saber-ouvir, contribuir com ideias, negociar, conviver. À luz de tudo o que foi dito aqui, talvez uma síntese possa ser encontrada na frase de José Américo Pessanha (Rios, 2001): "Se alguém disser o nome definitivo das coisas acaba a conversa. Quem deu o nome último, final, unívoco das coisas, esse mata a discursividade, a linguagem; mata a alma, a cultura, a literatura, a poesia, a filosofia, a sociologia, a política e toda a conversa dos mortais".

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Bibliografia de referência BELTRÁN, J. M. M. s/d) La mediaçión en el proceso de aprendizaje. Madrid, Collección Nueva Escuela, Editorial Bruño. CARRAHER, D & T. N. org (1998) Aprender pensando: contribuições da psicologia cognitiva para a educação. Petrópolis: Vozes, 8ª ed. FEUERSTEIN, R. (1980) Instrumental Enrichment – An Intervention Program for Cognitive Modificability, Glenview, Illinois, Scott, Foresman and Company, FEUERSTEIN, Reuven. (2014) Novas descobertas da neurociência sobre a capacidade de mudança do cérebro / mente: um epílogo, in Além da Inteligência, Editora Vozes, Petrópolis, cap. 14. FONSECA, V. (1998). Aprender a Aprender – A Educabilidade Cognitiva, Lisboa, Editorial Notícias. HOLANDA, A. B. (1999) Novo Aurélio- O dicionário da Língua Portuguesa Rio de Janeiro: Nova Fronteira. OLIVEIRA, M.K (1996) Pensar a educação-contribuições de Vygotsky IN: CASTORINA, J.A et alli. Piaget e Vygotsky: novas contribuições para o debate. São Paulo: Ática. ______________(1992) Vygotsky e o processo de formação de conceitos In LA TAILLE, YVES (org) Piaget, Vygostky, Wallon: teorias psicogenéticas em discussãoaprendizado e desenvolvimento: um processo sócio-histórico. São Paulo: Summus. RIOS, T. A. (2001) Compreender e ensinar: por uma docência da melhor qualidade. São Paulo: Cortez SOUZA, Ana M. M; DEPRESBITERIS, L; MACHADO, O. T. M. (2004) A mediação como princípio educacional. As bases teóricas das abordagens de Reuven Feuerstein. São Paulo: Editora SENAC. VYGOTSKY L. S. (1991) - Pensamento e Linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 3a. ed.

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