TRANSCRIÇÃO1 DA AULA DE 28 DE OUTUBRO DE 2006 – PROFESSOR LUIZ GONZAGA DE CARVALHO NETO
A DIFERENÇA ENTRE ALMA E ESPÍRITO
INTRODUÇÃO: OS MODOS DE SER DA ALMA E DO ESPÍRITO
Aluno: Na última aula paramos na pergunta sobre a diferença entre Alma e Espírito. Professor: O que diferencia a alma humana das outras almas animais é justamente a possibilidade dela reproduzir de forma inesgotável o conteúdo do Espírito nela mesma. É uma potencialidade e não um ato que seja dado desde o começo. O Espírito por si mesmo é inesgotável. E alma humana é indefinidamente capaz de assimilar o Espírito. Não há um momento em que o indivíduo consiga esgotar as possibilidades de realização do Espírito. Aluno: O que significa absorver o Espírito? Professor: Significa que você pode reproduzí-lo ou representá-lo na forma de conteúdo mental: de imagens, sentimentos e pensamentos. Mas essa reprodução nunca esgota o Espírito. É como se você tivesse um objeto com infinitas facetas e você tentasse pintar cada uma das facetas. Cada uma delas revela um aspecto do objeto e algo novo sobre ele, mas você nunca terminará esse processo porque tem infinitas facetas. Isso não quer dizer que o Espírito não tenha certas operações regulares. Ele tem certos modos regulares de atuar na alma humana, mas esses modos são regulares para o Espírito e sempre novos para a alma porque a alma não consegue esgotar todos os modos do Espírito. 1
Transcrição, títulos, notas e trechos entre colchetes feitos por Carlos Eduardo de Carvalho Vargas em maio de 2006. Versão não revista pelo autor da aula [N.T.].
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A PERFEIÇÃO DO MODO DE SER CORPÓREO
O modo de Ser do Espírito e o modo de Ser da alma pertencem a ordens do ser diferentes. Os modos do ser ou órgãos da existência se diferenciam pelo modo pelo qual os seres que pertencem a cada uma das ordens alcançam a sua perfeição própria. Por exemplo: a perfeição corpórea. Como um corpo alcança a sua perfeição própria? O que é a perfeição de um corpo ou objeto corpóreo? A perfeição de um objeto corpóreo é simplesmente a sua presença diante de outros corpos. A perfeição do ouro é reagir como ouro diante de outros corpos minerais. A perfeição do ouro é uma fórmula de reações diante de outros corpos. Aluno: Qual é o sentido da perfeição neste caso? A essência de um corpo o faz se comportar como ele mesmo. Professor: Como ele mesmo: o ouro não reage diante dos outros corpos do ambiente como se ele fosse ferro. É nesse sentido que se pode dizer com os escolásticos que os corpos não possuem defeitos. Qual é o limite do corpo? A perfeição dele não se realiza por si mesmo. Um corpo somente existe como corpo porque ele está diante de outros corpos diante dos quais ele reage como aquela espécie de corpo. Em um certo sentido, um pedaço de ouro é ouro porque existem outros metais diante dos quais ele se apresenta como ouro, diante dos quais ele reage exatamente como ouro. Aluno: Mas não é por causa de alguma coisa na estrutura dele como ouro? Professor: Sim, mas essa estrutura é meramente potencial se não há outro corpo que não é ouro. Aluno: Então se não houvesse outro corpo, ele seria o quê?
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Professor: A atualização da realidade ouro somente existe quando há um outro corpo diante do outro. Para entendermos vamos relembrar a noção de corpo que foi apresentada em uma das aulas anteriores.
O CONCEITO DE CORPO
O que é um corpo? Quais são as notas que caracterizam um corpo? Todos os corpos são sensíveis? Tudo que é corpóreo pode ser captado pelos sentidos? Aluno: O que você está querendo dizer com “sensível”? Professor: Algo captável por um dos cinco sentidos. Aluno: Eles são físicos? Professor: Físico é uma coisa, sensível é outra. Mas quando introduzimos a nota “físico”, isso problematiza sobre o objeto, mas não explicita o que ele é. Porque a gente teria que se perguntar “o que é físico?”, mas a explicação precisa ser mais simples do que o objeto e não [deve ser] mais complexa. A primeira pergunta que a gente faz quando queremos definir um objeto está lá nas “Categorias” de Aristóteles: ou é uma espécie de objeto capaz de existir nele mesmo ou é um objeto que existe em outro. A cor vermelha é alguma coisa que existe em outra coisa que não é a cor vermelha. Para que exista a cor vermelha é preciso que exista alguma coisa que tenha cor vermelha. A mesma coisa com “30 gramas” ou “30 centímetros”: é preciso que exista alguma coisa que tenha “30 gramas” ou “30 centímetros”. Essa coisa mesmo não é grama, nem centímetro, nem cor. Porque a massa, o tamanho e a cor são acidentes que existem em uma outra coisa. São características ou atributos de uma outra coisa que, por sua vez, não seja atributo. Eu posso dizer: “homem é atributo de Guilherme” ou “Guilherme é homem”, mas Guilherme não é atributo de 3
nada. Ele é um sujeito último de atributos. Para que haja atributos é preciso existir um sujeito último. Então, a primeira pergunta sobre corpos é: “os corpos são sujeitos ou são atributos?” Pelo que tudo indica, os corpos são sujeitos. Eles entram, então, na categoria de substância. Um corpo é uma coisa que existe nele mesmo. Ele não existe em outro ou como atributo de outro. Assim nós já temos um gênero. Sabemos que tipo de coisa é um corpo. É claro que existem também substâncias ou sujeitos últimos que não são corpóreos, mas espirituais. Mas de qualquer jeito existem alguns sujeitos que são chamados de corpos. Eles possuem alguns atributos, mas o próprio sujeito é corpóreo. Para entendermos o que é corpo, basta entender o seguinte: “quais são os atributos que necessariamente precisam estar presentes em um sujeito para que ele seja corpóreo”? Um deles é tamanho. Um sujeito incorpóreo não possui tamanho. Qual é o tamanho de uma alma, de um anjo ou de Deus? O atributo tamanho é descabido em relação ao sujeito incorpóreo, mas é necessário ao sujeito corpóreo. Não tem um sujeito corpóreo que não tenha um tamanho definido. Mas se falarmos que “corpo é uma substância2 com tamanho”, isso é suficiente? Essa é a única característica que é permanente nos corpos e que se pode observar em todos os corpos3? Não é. Aluno: O que falta? Massa? Textura? Professor: Faltam várias outras condições. Como as captamos (massa, cor, peso, etc)? Tudo isso a gente capta por uma propriedade dos corpos: eles podem ser modificados por outros corpos. Todo corpo pode ser alterado por um outro corpo. Aluno: Você pode dar um exemplo? Professor: O ar que está nesta sala pode ser modificado pela configuração dos outros objetos que estão nela. Um corpo pode empurrar 2
Nesta aula substância está significando um sujeito último [N.T.]. Busca-se os atributos permanentes, universais e objetivos. Conferir aulas anteriores sobre “tópicos” e o procedimento dialético [N.T.]. 3
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outro corpo, deslocando-o. [Também pode] fundir, aquecer, esfriar, etc. Tudo isso são modificações de uns corpos sobre outros. E por mais que eu procure, não encontro um corpo que não possa ser modificado ou seja incapaz de sofrer uma modificação. Mesmo que eu encontre um corpo que não possa ser quebrado, ele também não pode ser aquecido ou deslocado? Então, uma característica também universal dos corpos é que todos eles estão sujeitos a mudanças. Então, já possuímos mais de uma nota sobre os corpos: são substâncias mutáveis. Todos eles podem mudar. [Aluno faz um comentário breve.] Professor: Atualmente se conhece mais dados sobre os corpos e mesmo assim ainda não se encontrou nenhum corpo que seja incapaz de mudança. Então, a possibilidade de ser mudado por um outro corpo faz parte da estrutura intrínseca de um corpo. Então, acrescentaremos uma terceira nota sobre os corpos: a) eles são substâncias ou sujeitos de atributos e não apenas atributos de outros seres; b) eles são mutáveis. c) eles possuem tamanho;
QUANTIDADE CONTÍNUA E QUANTIDADE DISCRETA
Vamos tentar entender esta última nota: tamanho. Tamanho é um tipo de quê? Aluno: De quantidade. Professor: Por exemplo: número é outro tipo de quantidade. [Os números] dois, três, e quatro significam um tipo de quantidade, mas não significam necessariamente um tamanho. Então, por exemplo, posso falar de duas ou três mil almas, mas isso não significa tamanho nenhum. Qual é a diferença entre esse tipo de quantidade e o tipo de quantidade que é o 5
tamanho? Por exemplo: esse maço de cigarro é um só, mas ele possui tamanho. Qual é a diferença entre a quantidade que é o tamanho desse maço de cigarro e o número de cigarros que ele possui? São dois tipos de quantidade bem diferentes. Vamos procurar as características em comum entre estas duas espécies de quantidade, pois, assim, pode ser que as características diferentes se destaquem na nossa mente. Uma característica comum das quantidades é a multitude. Toda quantidade envolve muitos. Envolve uma diversidade das partes. Para que isso tenha um número é preciso que tenha coisas diversas. Para que isso seja um tamanho, é preciso que isso tenha partes que são diversas. Por exemplo: essa parte aqui não é esta aqui. Esta outra não é essa aqui. Mas a alma também tem partes: imaginação, inteligência, vontade, etc. Qual é a diferença entre as partes da alma e as partes disto aqui? O ser de uma parte da alma está no ser da outra. No tamanho, o ser de uma parte não está no ser desta. Se eu eliminar esta parte, a outra continua existindo do mesmo jeito. Mas na alma, se eu eliminar a sua imaginação, a sua alma inteira mudou. Se eu eliminar a sua imaginação, eu simultaneamente tirei algo da sua inteligência, dos seus sentimentos, da vontade e de tudo mais. Isso significa que o ser da imaginação estava também na inteligência, no sentimento, na vontade, etc. Não há como eliminar uma das partes e as outras continuarem as mesmas. Mas no tamanho não é assim. Posso tirar uma parte do tamanho e a outra continua sendo o que era antes. Aluno: É o “reino da quantidade”4. Não altera a qualidade. Professor: A característica da quantidade é justamente esta: o ser das partes não está nas outras partes. Do mesmo jeito que aqui tenho três maços de cigarro e, ao tirar um deles, os outros continuarão sendo a mesma coisa. O ser de cada parte não interferiu no ser de outra parte. A 4
No sentido de René Guénon: conferir “O reino da quantidade e os sinais dos tempos” [N.T.].
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característica da quantidade é que possui “parte fora de partes” ou o ser de uma parte não está no ser de outra parte. É como se as partes estivessem fora das outras. Então, talvez a diferença entre essas duas espécies de quantidade, o número e o tamanho, esteja na relação entre as partes. È muito simples: aqui tenho três maços de cigarro, que estão juntos. Se eu separá-los, continua sendo três. O limite de uma parte é independente da outra. Eles são três juntos ou separados. Agora vamos observar o tamanho. Divida imaginariamente este maço de cigarro no meio. Você teria um plano dividindo o comprimento do maço em duas partes. Mas este plano pertence à metade de lá ou de cá? Ele pertence a esta parte ou àquela? Pertence a duas ao mesmo tempo. No número não é assim, pois o início das partes é independente da outra. Então, podemos dizer que tamanho é a quantidade cujas partes possuem seus limites em comum. E número é a quantidade cujas partes possuem limites separados ou independentes ou próprios.
AS MUTAÇÕES DOS CORPOS
O que isso quer dizer para o nosso conceito original de corpo? É simples: a gente vai desdobrar um pouquinho mais a noção de corpo. Porque na idéia tamanho já capto duas notas distintas: a nota extensão e o quê mais? Um corpo é simplesmente uma substância mutável e extensa? Não, porque corpo é uma substância mutável de extensão limitada. A noção de tamanho implica simultaneamente na noção de extensão e na noção de limite desta extensão. Então, eu posso dizer com bastante precisão que corpo é “a substância mutável de extensão limitada”. Por mais que você procure, você nunca encontrará um corpo que não seja isso. Ele pode ser muitas coisas ainda, mas ele precisa ser isso também. E, por outro lado, você nunca 7
encontrará uma coisa que não seja corpo e seja uma substância mutável de extensão limitada. É fácil provar que os corpos têm extensão limitada porque existe mais de um corpo5. Se existisse um corpo de extensão ilimitada não existiria mais nenhum corpo porque não haveria lugar para a extensão de um segundo corpo. Agora que nós já sabemos o que todos os corpos são. Imagine um corpo que seja apenas isso e não tenha mais nenhuma característica. E que esse corpo se reduza a uma substância mutável de extensão limitada. Se ele é mutável, o que se pode mudar em um corpo assim? Vamos pensar: somente é possível mudar coisas que estejam sujeitas a contrários. Por exemplo: se eu tenho um corpo vivo, esta noção de vivo possui um contrário, que é morto. Um corpo vivo talvez possa ser mudado no seu contrário que é um corpo morto. Para que haja mudança, é preciso que haja um par de contrários e um sujeito que é capaz de um contrário ou do outro. Posso mudar um corpo de verde para vermelho. Posso mudá-lo de cor. Por quê? Porque a noção de “não-verde” corresponde a alguma realidade positiva, que não é verde: seja azul, amarelo ou qualquer outra cor. E nesse sentido, verde possui um contrário real. Possui muitos contrários: pois existem muitas cores reais que são “não-verde”. Mas os contrários não podem existir na mesma coisa, ao mesmo tempo e sob os mesmos aspectos6. Um corpo não pode ser verde e nãoverde ao mesmo tempo [e nas mesmas condições]. Para que haja mudança, é preciso existir um par de contrários, mas simultaneamente deve existir a impossibilidade daqueles contrários estarem ao mesmo tempo no mesmo sujeito. 5 6
Por um argumento que é uma espécie de “reductio ad absurdum” (“redução ao absurdo”) [N.T.]. Princípio da não-contradição.
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Então, se eu quero descobrir como uma substância mutável de extensão limitada pode ser mudada, tenho que descobrir nestas notas: “substância”, “mutável”, “extensão” e “limitada”, quais são as notas que estão sujeitas a contrários ou podem existir de maneira contrária. Por exemplo: peguemos nossa substância: será que podemos mudar um corpo de substância para não substância? Um corpo pode deixar de ser substância e tornar-se atributo de uma outra coisa? Aluno: Não. Professor: Não pode, porque a única espécie de ser positivo ou real que não é substância é o atributo, mas este não é o contrário da substância, pois somente existem na substância. Então, já descobrimos algo sobre os corpos: a substância corpórea é indestrutível. Aluno: Não há contrário para a substância corpórea? Professor: Não há, porque não existe o contrário da substância. Esta não tem contrários. Então, não é nessa nota que o corpo é mutável. Aluno: Seria impossível transformar algo corpóreo em incorpóreo? Professor: É impossível transformar algo corpóreo em incorpóreo, exatamente. O único modo de fazer essa mudança seria mudar a ordem a que esta substância pertence, o que não é possível. Nunca se poderá transformar um corpo em uma alma e vice-versa. Posso mudar um corpo na sua mutabilidade? Aluno: Ele ficaria imutável. E existiria um corpo incapaz de mudança, o que já descobrimos que não há. Logo, um corpo não pode mudar na sua mutabilidade. Professor: Exatamente, é contrário à própria noção de corpo. Então, tentar encontrar as mudanças a que os corpos estão sujeitos na substância ou na mutabilidade é simplesmente procurar algo que não existe. Sobrou apenas uma terceira nota: extensão limitada. Posso mudar os corpos em extensão. 9
Aluno: Posso diminuí-los ou esticá-los. Professor: Exatamente! Posso fundi-lo com outro semelhante para que ele se torne maior, fundindo, por exemplo, um pedaço de ferro com outro. Mas não posso fazer muito mais do que isso.
AS QUALIDADES PASSIVAS DOS CORPOS: UMIDADE E SECURA
E o “limite” da extensão? Existe mutabilidade no limite da extensão. O limite da extensão é “total”: abarca o todo do corpo completamente. Então, o próprio limite não pode se tornar maior ou menor, uma vez que sempre acompanha o todo. Mas existem diversas espécies de limite nos corpos. Por exemplo: o ar possui uma espécie de limite. Esta mesa possui outra [espécie de limite]. O limite da mesa pode mudar a forma do limite do ar, mas o limite do ar não pode mudar a forma do limite da mesa. Ora, se existem dois tipos de limite e eles são contrário, é possível que um mesmo corpo sujeito a dois contrários, mude de espécie de limite. O mesmo corpo que, em determinadas circunstâncias, [possuía um limite sólido ou] era sólido pode, em determinadas circunstâncias, não ser sólido. Há uma espécie de limite que possui figura própria e há outra espécie de corpos que não tem [limite com] figura própria, mas possui a forma daquilo que está perto de si. Por essa característica, posso mudar os corpos, aumentando sua extensão ao juntá-lo com um semelhante ou diminuindo sua extensão ao provocar sua divisão. E, de fato, os corpos estão constantemente sofrendo e provocando essas mudanças uns nos outros. Isso é algo que se testemunha constantemente na natureza. E eles também podem mudar a forma como outro corpo possui esta figura. Um corpo, em determinada circunstância, possui uma determinada figura que lhe é própria, determinada por si mesmo. E em outra circunstância, quando é, por 10
exemplo, super-aquecido, ele pode passar a não ter figura própria, mas ter uma figura que é determinada pelo seu meio. Aluno: Como o gelo [que se derrete]. Professor: Por exemplo! A água é um dos corpos que pode mais facilmente ser observado em suas mudanças nesse sentido: pode mudar de gelo para água e desta para vapor [e vice-versa]. Então é simples: se os corpos são mutáveis e podem ser modificados por outros corpos, ele precisa ter uma natureza que determina a amplitude e a circunstância dessas mutações em si. Por exemplo: se quero que o gelo fique líquido, preciso de uma determinada circunstância ambiental. É exatamente a mesma circunstância ambiental de que se precisa para que o ouro fique líquido? É diferente. Mas ambos podem mudar de sólido para líquido e viceversa. Aluno: Por que não é a mesma? Professor:
Porque as condições de temperatura e pressão são
diferentes [para que a água e o ouro passem do estado sólido para o líquido]. Aluno: Porque eles possuem “naturezas7” diferentes? Professor: Exatamente. Aluno: Mas é o mesmo caminho [para que ambos mudem de estado]? Professor: É o mesmo caminho. Exatamente: tinha figura própria e não tem mais ou não possuía [figura limitada por si mesmo] e agora tem. [Aluno indica mais um exemplo.] Professor:
Isso significa que todos os corpos possuem uma
disposição passiva para ficar sólido, líquido ou gasoso. Essa disposição é ativada pelo ambiente. Por um conjunto de fatores que está fora de si. Mas 7
No sentido de “princípio intrínseco de repouso e movimento” como o professor Luiz explicou em outras aulas [N.T.].
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a disposição está nele. [Em caso contrário,] se estivesse fora dele, todos os corpos se tornariam sólidos, líquidos e gasosos diante da mesma circunstância exata. Aluno: Em parte o princípio é intrínseco e, em parte, é extrínseco8. Professor: Exatamente. Ele possui um princípio passivo que “diz”: “se a circunstância for assim serei líquido, mas em outra circunstância ‘tal’, serei sólido”. Mas eles mesmo não podem e determinar independentemente das circunstâncias. A segunda coisa é a fusão e a fissão. Eu posso dividir em várias partes ou unir diversas partes para que formem uma única. Isso muda o tamanho dele. Muda a extensão completamente. O tamanho é variável [seja do todo ou das partes]: cem grama de ferro é ferro e um quilo continua sendo ferro. A natureza do objeto não mudou, mas apenas seu tamanho. Essa disposição passiva para se tornar sólido, líquido ou gasoso é uma disposição que torna o corpo sujeito a duas qualidades contrárias: ou ele possui, em determinada circunstância, a qualidade de determinar a sua própria figura ou ele não possui essa capacidade e, pelo contrário, possui a capacidade de se adaptar às figuras dos outros corpos. São duas qualidades diferentes e contrárias. Aluno: Como no exemplo da mesa e do ar. Professor: A essa primeira qualidade, de determinar a própria figura, Aristóteles chamava de secura. E à qualidade contrária, ele chamava de umidade. Sei que a gente usa essas palavras em um sentido um pouco diferente. Aluno: Mas faz sentido! Aluno: Poderia-se usar solidez e liquidez.
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Ou, em parte, há fatores emergentes, e, em parte, fatores predisponentes, seguindo o vocabulário de Mário Ferreira dos Santos em “Filosofia e Cosmovisão” [N.T.].
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Aluno: A secura é a qualidade própria do objeto que pode determinar a sua própria figura? Professor: Exatamente. Aluno: Se alguém joga água no vaso, este determinará a figura da água [pois esta é úmida, enquanto o vaso é seco, no sentido aristotélico]. Professor: A água não determinará a figura do vaso. [Aluno compara a umidade aristotélica com a liquidez da economia.] Professor:
E
mais
ainda,
todos
os
corpos
possuem
esta
propriedades, mas todos possuem a capacidade de mudar de uma para outra. Nenhum corpo é sólido em todas as circunstâncias possíveis em que ele pode se encontrar.Existe alguma circunstância em que ele perderá essa propriedade e assumirá a contrária. Aluno: Por mais difícil que seja! Professor: Exatamente. [Aluno comenta sobre a passividade dessas propriedades.] Professor: A secura e a umidade são justamente as propriedades passivas dos corpos. Um corpo simples, por si mesmo, não muda de uma coisa para outra, mas é mudado por um outro. É mudado pelo conjunto dos outros corpos como um todo [ou pelo seu “meio”]. Vocês estão entendendo o que significa dizer que “um corpo somente existe tal como ele é [se estiver] diante de um outro corpo”. Então, por exemplo, vamos imaginar um imenso universo vazio no qual há apenas uma pedra. Ela é sólida, não é? Mas a pedra, enquanto pedra, enquanto aquele mineral [específico], poderia não ser sólido. Não há nada na natureza dela que a proíba de deixar de ser sólida. Mas ela nunca poderia realizar essa possibilidade sozinha. Algum outro corpo teria que intervir para que ela realizasse essa possibilidade.
AS QUALIDADES ATIVAS DOS CORPOS: CALOR E FRIEZA
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Mas existe um outro par de contrários a que todos os corpos estão sujeitos. E este é um par de qualidades ativas ou de forças ou virtudes. Esse par de qualidades é facilmente conhecido quando se quer transformar gelo em água. O que alguém faz quando quer transformar gelo em água? Esquenta a água! O que acontece quando você esquenta o objeto? Aluno: Recebe o calor. Professor: O que acontece quando um corpo recebe o calor? Aluno: A forma dele muda. Professor: Por que a forma muda? Aluno: As partes separam-se. Professor: Exatamente. Quando você esquenta um corpo as partes dele tendem a se separar. Há uma tensão no sentido da separação. Mas um corpo se separa com o mínimo calor que o aquece? Aluno: Separa-se muito pouco [se o calor for mínimo]. Professor: Isto quer dizer que todo corpo possui em si também uma força pela qual ele mantém as partes unidas. E essa também é uma força ativa. Esta é uma tensão de coesão no corpo. E essa tensão de coesão é contrária à tensão de separação. As duas não podem coexistir no mesmo corpo. Se você aumentar a tensão de separação, a tensão de coesão será superada ou perdida. Então essa tensão de coe~são era chamada de frieza por Aristóteles ou a tensão que um corpo possui para manter as suas partes unidas. E a tensão para a separação das partes ele chamava de calor. Aluno: Tudo isso é para chegar na diferença entre Espírito e alma?
QUATRO CATEGORIAS DE CORPOS
Professor: O que isso quer dizer? Como os corpos têm as possibilidades de pares de contrários, eu posso classificá-los em quatro categorias. Um corpo não pode ser simultaneamente frio e úmido. Então já 14
há duas espécies de corpos: os secos e os úmidos. Mas os corpos também não pode ser simultaneamente quente ou frio: pode haver nele o predomínio da tensão de coesão ou de separação. Aluno: Mas não há problema em um mesmo corpo ser simultaneamente e nos mesmos aspectos ser quente e seco? Professor: Não. E também não há problema em ser quente e úmido, nem frio e seco, nem frio e úmido. Aluno: São os quatro elementos ou quatro categorias. Professor: São quatro categorias.Cada uma delas combina as qualidades que em si mesma não são contrárias. Como essas categorias ou qualidades dependem da interação entre os corpos, todo e qualquer corpo pode estar em qualquer uma dessas categorias em circunstâncias diferentes. Todas essas quatro categorias afirmam qualidades que são relações entre os corpos. Então, por exemplo, se coloco dois corpos quaisquer juntos, pode ser que um esteja exercendo sobre o outro uma tensão de aquecimento e este pode estar exercendo no primeiro uma tensão de esfriamento. Enquanto um tenta separar as partes do outro, o outro se esforça para manter unidas as partes daquele. Isso pode acontecer independente do estado deles, sejam sólidos, líquidos ou gasosos. Então, posso aproximar dois pedaços de ferro, um quente e um frio. Os dois são sólidos e secos, mas um é quente e frio. Um causa tensão de separação e o outro causa tensão de coesão. Também poderia juntar duas massas de ar: uma quente e uma fria. A primeira estaria esquentando a outra e essa estaria esfriando a quente. Então é simples: como aprender a distinguir uma espécie de corpo da outra espécie? Cada espécie de corpo possui uma fórmula própria de combinação dessas quatro características. Se, por exemplo, tivéssemos aqui um laboratório que fosse um sistema fechado e se mantivermos nas mesmas condições regulares de temperatura e 15
pressão. Se colocarmos um pedaço de ouro, este ficará em um equilíbrio tensional de coesão e separação diferente, por exemplo, de um pedaço de gelo. Suponha que esse recipiente, [no laboratório], seja mantido a 10oC de temperatura. O ouro se adapta a essa temperatura, mas na sua fórmula de coesão e separação ainda predominará a força de coesão. Se eu colocasse um pedaço de gelo, a essa mesma temperatura [de 10oC] irá predominar a tensão de separação. Isso quer dizer que cada espécie de corpo possui a sua fórmula própria de equilíbrio dessas quatro propriedades. E a perfeição daquela espécie corpórea é justamente a existenciação dessa fórmula. Existir para um corpo é existenciar essa fórmula. É mudar sempre de acordo com essa fórmula e não com outra. Um corpo somente pode se realizar como corpo sendo alterado por outros corpos. A perfeição [ou completude] ou existência completa de um corpo em todas as condições de secura, umidade, calor e frieza somente pode acontecer se houver outros corpos interagindo com ele. O ciclo completo de existência do ouro somente existe se houver outros corpos interagindo com ele. Um pedaço de qualquer corpo estaria aprisionado a uma modalidade de seu ser
e nunca poderia realizar as
outras modalidades se não existissem outros corpos.
A PERFEIÇÃO PRÓPRIA DOS MODOS DE SER SUJEITOS A PARES DE QUALIDADES OPOSTAS
Isso já nos oferece uma base para clarear a idéia de perfeição. A perfeição de um ser ocorre com a plena perfeição dos seus modos de ser. Então, por exemplo, nós temos vários modos de ser. Um dos nossos modos é ter vários sentimentos em relação às coisas que nós observamos. Podemos sentir agrado, desagrado, tristeza, alegria, apego, desapego, aversão, etc. Enquanto não vivemos plenamente a capacidade de sentir ou 16
ter sentimentos, não realizamos a perfeição da nossa vida afetiva. Como a vida afetiva, assim como a atividade corpórea, está sujeita a atividades contrárias, pois não se pode estar feliz e infeliz ao mesmo tempo, alegre e triste com a mesma coisa ao mesmo tempo, o ser humano que nunca foi triste é incompleto. Ele não realizou plenamente o seu ser. Existe algo do ser dele que ele desconhece. Mas também nós temos alguns modos de ser que não são sujeitos a contrários reais. Então, por exemplo, a inteligência. Qual é o contrário do compreender ou do entender? Aluno: Não entender. Professor: Mas o não entender não é um modo de ser positivo, sendo apenas a privação do entender [que por sua vez é um modo de ser positivo]. Mas ser úmido não é apenas não ser seco, é [realmente] uma outra qualidade. Entretanto, não entender é apenas não entender. Percebam que nisso o modo de ser que da inteligência é completamente diferente da afetividade, porque sentir tristeza é tão sentir como sentir alegria. É um sentimento tão real quanto o sentimento contrário. Tanto é assim que existem seres e circunstâncias que merecem a nossa tristeza. A tristeza também é um modo de perfeição. Se alguém vê [Nosso Senhor Jesus] Cristo sendo crucificado é para sentir-se bem e achar aquilo uma maravilha? Qual é o sentimento perfeito em relação a esse acontecimento? É a tristeza porque essa manifesta a sua compaixão. A tristeza é a sua participação naquele sofrimento. Existem coisas diante das quais apenas os maus ou imperfeitos alegram-se9. Aluno: E em relação à vontade10? Professor: A ausência de vontade [também] é apenas uma privação, mas a vontade também é sujeita a atos contrários porque a vontade também pode amar ou odiar. Existem coisas que são odiosas, diante das 9
Como ficou patente no filme “A Paixão de Cristo” de Mel Gibson [N.T.]. Esta potência da alma já foi explicada pelo professor Luiz em uma das aulas anteriores [N.T.].
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quais a vontade própria é o ódio11. Depois chegaremos na vontade, mas, por enquanto, o importante é a percepção de que existem modo de ser que estão sujeitos a qualidades contrárias e que a plenitude desse modo de ser é alternar de uma para outra e não permanecer apenas em uma delas.
A PERFEIÇÃO DOS VEGETAIS E DOS ANIMAIS
Professor: Agora vamos tratar da perfeição do vegetal. Um vegetal também é um corpo, mas ele não realiza a sua perfeição comportando-se apenas como um corpo qualquer. A simples mudança daquelas quatro qualidades que estudamos não realiza a perfeição de um vegetal. Por exemplo: a perfeição de uma macieira não é realizada apenas porque ela alterna entre calor e frieza ou secura e umidade. A perfeição da macieira é de uma ordem diferente: encontra-se na ordem reprodutiva. Se uma macieira não se reproduzir, ela não alcançou a sua perfeição12. Todas as outras modificações do ponto de vista da macieira estão subordinadas à sua função reprodutiva. A macieira assimila elementos do ambiente corpóreo para transformar em outra macieira. A macieira se alimenta. Ele se nutre dos minerais para crescer. E cresce para atingir a sua maturidade reprodutiva, seja sexuada ou assexuada, e produzir outras macieiras. A diferença de perfeição entre duas macieiras está nas suas capacidades reprodutivas. E a perfeição de um animal? Esta é o exercício da capacidade de procurar um ambiente confortável. Os animais têm como característica procurar um ambiente que lhes seja agradável. Como, em certo sentido, os animais também são vegetais, pois também se reproduzem, eles também 11
Como se poderia dizer inspirado em Santo Agostinho: todos amam e odeiam, mas nem todos amam e odeiam as coisas que respectivamente merecem ser amadas e odiadas. Algumas vezes amamos o que deveríamos odiar e odiamos aquilo que deveríamos amar [N.T.]. 12 Como a figueira estéril condenada por Nosso Senhor Jesus Cristo no Evangelho [N.T.].
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possuem as potências vegetativas, eles também procuram realizá-la, mas isso não lhe basta. Inclusive isso no animal está subordinado ao prazer. Então, existe uma diferença crucial entre a perfeição dos animais e vegetais e a perfeição dos corpos em geral. A perfeição daqueles lhes é mais íntima. O princípio ativo dessa perfeição está mais ligado a ele mesmo do que ao ambiente. Este apenas oferece a oportunidade, mas são os próprios animais e vegetais que realizam a perfeição que lhes é própria13. No ser humano também é assim14. Aluno: Mas os seres humanos não fazem isso com impulsos diferentes dos animais? Professor: Com impulsos diferentes porque a perfeição do animal é uma e a do ser humano é outra. E o impulso do vegetal é outro. Entretanto, a característica que distingue vegetais, animais e seres humanos do corpos em geral é que neles mesmos está o princípio ativo da própria perfeição. Enquanto os corpos possuem apenas um princípio ativo, dependendo dos outros para realizar, uma vez que esses efetivarão no corpo [a perfeição deste]. Com isto quero dizer que vegetais, animais e seres humanos pertencem a uma ordem do ser diferente dos corpos em geral. Os corpos pertencem à ordem do ser que são passivos em relação à sua perfeição. Um corpo somente pode ganhar a perfeição que ele irá perceber. Na outra ordem do ser, os vegetais animais e seres humanos recebem uma perfeição do ambiente, mas somente isso não é suficiente para eles, pois não realiza o que ele quer. Ele mesmo precisa intervir e realizar a sua própria perfeição. Qual é a outra característica comum aos animais, vegetais e humanos? Simples: eles podem existir e não alcançar a própria perfeição. Aluno: Podem frustrar. 13 14
Voltando ao tema dos fatores emergentes e predisponentes [N.T.]. Até mesmo porque o ser humano também é um animal [N.T.].
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Professor: Isso quer dizer que, embora eles sejam o princípio ativo da própria perfeição, o ato da perfeição é distinto do ato de existir. Aluno: Não basta existir para chegar à própria perfeição. A perfeição requer algo dele mesmo [além de simplesmente existir].
A NOÇÃO DE ALMA
Professor: Exatamente. Por isso que Aristóteles dizia que os vegetais, animais e seres humanos temos alma. Alma é o princípio ativo de perfeição do próprio ser. Não são os componentes químicos do vegetal que causam sua reprodução, mas é a sua alma vegetativa. Do mesmo modo, não são os elementos químicos dos animais que causam a sua perfeição, mas é a alma sensitiva. O mesmo vale para o ser humano: não são seus componentes químicos que causam a sua perfeição. Aluno: Por isso que o ser humano não possui a mesma [espécie de] alma dos animais [em geral]. Professor: A própria palavra alma já significa a raíz ou sede dos impulsos. Ela significa o princípio ativo ou princípio de atividade. Entretanto, todos eles possuem em comum o fato de possuírem o princípio ativo [da própria perfeição] ou alma. Perceba
que
quando
falamos
alma
não
nos
referimos
[necessariamente] a uma alma imortal. Alma e imortalidade são duas categorias diferentes. Então, por exemplo, um vegetal pode assimilar qualquer mineral em qualquer circunstância para se reproduzir? Não, alguns minerais, em algumas circunstâncias, poderão provocar a sua destruição. [Alguns minerais] serão venenosos para alguns vegetais. Por outro lado, qual é perfeição da alma vegetal? Criar um outro vegetal. Apesar de ser uma alma ou um princípio intrínseco de perfeição, a sua ação se efetiva sobre a corporalidade. Ocorre em uma to que envolve 20
ou implica necessariamente a corporalidade. Se existisse uma alma vegetal sem corpo, esta não poderia realizar sua perfeição ou reproduzir-se. Embora seja um princípio intrínseco ativo, somente pode operar diante de um corpo. Um “espírito de macieira” não pode, por si mesmo, produzir outro “espírito de macieira”. O mesmo vale para a alma sensitiva dos animais. Embora seja a afetividade própria do animal que lhe diga o que é agradável e desagradável, estas qualidades se apresentam a ele por meio de outros corpos que se mostram agradáveis ou não. Se não existissem esses outros corpos, o animal não poderia perceber o que é agradável ou não, nem procurar a sua ambiência [que permitisse realizar a perfeição de sua alma sensitiva]. Então são almas, mas são almas muito ligadas ao mundo corpóreo, pois a operação delas somente pode ser realizada no mundo corpóreo. A mesma coisa vale para nós, seres humanos, em relação à nossas potências vegetativa e sensitiva.
A ORDEM DOS SERES ESPIRITUAIS
Resumindo: existe uma ordem de seres que não podem realizar a própria perfeição, são os corpos [minerais]. E existe uma outra ordem de seres que podem realizar a própria perfeição, mas esta é distinta do ato de existir. E existe uma outra ordem de ser que possui o princípio intrínseco de se sua própria perfeição e esse princípio é a sua própria existência. Pelo simples ato de existir, esses seres são perfeitos. Isso é o espírito. Estes são seres espirituais. A perfeição deles está no próprio ato de existência. A essa ordem de ser, pertence a inteligência. Esta é um modo de ser espiritual. Aluno: Não tem nada a ver com a alma? 21
Professor: Não é bem assim. Pode haver alguma relação entre a alma e a inteligência porque pode haver um modo de ser que combine essas duas formas de existência. [Aluno pergunta sobre a relação entre essa ordem de ser espiritual e o Espírito Santo15.] Professor: Agora estou apenas diferenciando a natureza corpórea da natureza anímica da natureza espiritual. A primeira delas não possui força ativa para alcançar a própria perfeição. Uma natureza anímica, por sua vez, tem força ativa para alcançar a própria perfeição, mas a alcança por um ato distinto e posterior à sua própria existência. Uma alma precisa existir primeiro e alcançar a sua própria perfeição depois. E a natureza espiritual é uma coisa que é a força ativa para alcançar a própria perfeição. Logo, para ela, existir é ser perfeita. E estamos complementando afirmando que a inteligência é um ser desta ordem. Aluno: É perfeita pelo fato de existir. Professor: Como não há meio termo entre ser e nada, não há meio termo entre conhecer e não conhecer. Todo ato de conhecer, enquanto tal, é ato de conhecer perfeitamente. A inteligência é perfeita no seu primeiro ato de conhecer. Ela já é perfeitamente inteligência. [Aluno comenta sobre a relação entre Inteligência e Espírito Santo.] Professor: Exatamente, isso quer dizer que a Inteligência é o próprio Espírito Santo em você, em mim, nele, etc. Ela não é outra, senão o Espírito Santo. Aluno: E a personalidade, em relação à inteligência16? Professor: É simples: a sua alma, além da presença da inteligência, possui várias outras coisas. Você possui várias outras coisas que lhe
15
O Espírito Santo é o próprio Deus, na Santíssima Trindade com o Pai e o Espírito Santo [N.T.]. O aluno parece estar se referindo à seguinte questão: Como aquela é separada em cada um se essa é a mesma para todos? [N.T.]. 16
22
diferenciam das outras pessoas: seu temperamento, seu sentimento, sua imaginação, etc.
A IMORTALIDADE DA ALMA: CÉU E INFERNO
Professor: Alguém poderia se perguntar: esse conjunto de modo de ser, que é a sua alma, é imortal? A sua pessoa como um todo, descartada a sua personalidade17, pode ser destruída? O seu corpo, enquanto corpo, possui uma tendência tanto para se organizar como um organismo humano como tende para outras formas [que também são possíveis ao corpo]. E a sua alma? Em que medida ela é imortal? Somente na medida em que ela é um conteúdo da sua inteligência18. [Aluno pede para o professor retomar a explicação acima.] Professor: Vamos listar todas as características que lhe distinguem para verificar em que medida a sua personalidade é imortal, uma vez que como “idéia em Deus” tudo é imortal. A resposta para isso19 é sim e não. Isso depende do seguinte: a sua alma é imortal na medida da perfeição dela. Na medida em que você é perfeito, ela é imortal. Na medida em que você é imperfeito, ela é mortal. Suponha que você tenha uma disposição habitual qualquer, como, por exemplo, você tenha uma disposição generosa ou mesquinha. Quando você morrer, a sua inteligência continuará lá, mas não poderá mais ver o mundo corpóreo porque você via com os olhos e os seus olhos foram destruídos com a morte. O que você irá ver? O que a sua consciência irá 17
Pois já se sabe, desde o começo, que o corpo é mortal. Somente na medida em que a alma humana une-se a algo imortal para realizar a sua própria perfeição. Somente na medida em que a realização da sua perfeição está vinculada a algo imortal. Somente na medida em que realmente efetiva a sua capacidade de fazer a sua existência relacionar-se [necessariamente] com algo imortal, o Espírito Santo ou a Inteligência, para que a sua perfeição seja realizada, como se criasse um vínculo de dependência da alma com o Espírito. Pois somente assim poderá continuar realizando a sua perfeição depois que as suas almas sensitiva e vegetativa estiverem desintegradas [N.T.]. 19 Para a pergunta seguinte: “a alma humana é imortal?” [N.T.]. 18
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testemunhar? O seu próprio psiquismo: as qualidades e as inclinações da sua própria alma. Provavelmente, uma das primeiras coisas que você perguntará depois de morrer é: “onde está tudo?”20. E você sentirá a falta de algumas coisas que você tinha antes. Essa falta pode ser testemunhada pela sua inteligência. Suponha que a forma ou as qualidades distintivas da sua psique eram proporcionadas aos corpos que você observava. Isto é, suponha que os princípios formais das suas qualidades psíquicas estavam nos corpos. Então, por exemplo, gosto muito de peixe. O princípio formal desse gostar muito de peixe está no próprio peixe. A causa da existência desse prazer e desse gosto é o peixe. Ora, quando morrer, não tenho mais peixe. O que acontece com um efeito quando a sua causa é eliminada? Ele cessa. Então, algum tempo depois de eu estar morto, o meu gosto por peixe desaparecerá.
Inclusive
a
minha
recordação
do
gosto
de
peixe
desaparecerá inevitavelmente. Esta era uma característica distintiva da minha personalidade e ela irá desaparecer. Se todas as características distintivas da minha personalidade derivavam de formas corpóreas, todas elas desaparecerão. Sendo assim, tudo aquilo que eu me identificava, isto é, tudo aquilo que eu chamava de “eu mesmo” e testemunhava em mim, desaparecerá. E, mais ainda: esse processo de desaparecimento será um processo de sofrimento porque será um processo de desintegração da minha personalidade21. Aluno: Será uma decadência. Esquecerei até das pessoas que amava.
20
Como corresponde, mudando a espécie de “discurso”, a vários esquemas poéticos cristãos, entre os quais o livro “Marcelino pão e vinho” (Ed. Record, 2002) do premiado José Maria Sanchez-Silva [N.T.]. 21 Isto é, será um “inferno” [N.T.].
24
Professor: Esquecerá de tudo [cujo princípio formal de integração na psique estava vinculado apenas às suas almas sensitiva e vegetativa]. Aluno: E no final, o que sobra? Professor: Por outro lado, suponha que exista uma outra coisa, além do próprio peixe que eu comia, que seja a raíz formal do peixe. Do mesmo jeito que a forma de peixe dava a forma que era testemunhada na minha afetividade, suponha que haja outra forma que origina o próprio peixe. Aluno: É o ser peixe. Professor: Suponha que essa outra coisa seja ela mesma imutável e, portanto, ela é um possível objeto de cognição. Logo, a minha inteligência pode captar essa coisa. É a essência. Se a minha inteligência captá-la, todas as formas derivadas estão incluídas na causa. Isso é o céu! O céu é a captação da raíz formal de todas as coisas22 por parte das inteligências. Aluno: A raíz formal não é Espírito? Professor: A raíz formal é o próprio Deus. Ora, se eu captava essa raíz formal, essa captação não diminui com a minha morte. Ela tende a aumentar com a minha morte. Aluno: Aumenta porque passa a captar todas as formas de ser. Professor: Exatamente. Se a raíz formal de peixe se tornou um objeto para a minha inteligência, depois que morrer, não estarei privado da forma do peixe e do efeito disso na minha psique. E ainda aumentarei isso infinitamente. Cada vez que a minha inteligência captar essa raíz formal, esta ampliará o prazer que a minha psique tinha no peixe. E assim minha psique será imortal porque o seu objeto estará sempre comigo. E a minha personalidade será imortal porque esse já era um traço do meu ser ou da minha personalidade, isto é, o “gostar de peixe”. 22
A qual está no próprio Deus. Conferir o “Sermão da Montanha” no Evangelho: “Buscai primeiro o Reino de Deus e tudo mais vos será acrescentado”.
25
Aluno: Esse é o estar em Deus. Professor: Exatamente. Então, a minha personalidade, exatamente como era nesse mundo, é simplesmente ampliada em proporções incalculáveis23. [Aluno pergunta sobre este princípio formal.] Professor: Não é o gênero [no sentido lógico]. Aluno: É o “realíssimo”! Professor: Exatamente, é aquilo que concede ao gênero a sua consistência ontológica. [Aluno pergunta sobre a relação entre o realíssimo e a essência.] Professor: A palavra essência, neste contexto, pode ser usada em dois sentidos. Por uma lado pode ser a “quididade” da coisa, isto é, a natureza à qual a coisa percebia, como a “natureza de peixe”, por exemplo. Obviamente estas quididades corpóreas não estarão mais presentes para mim depois da minha morte. Mas a quididade ou o ser de qualquer ente concreto não se reduz à sua quididade e à sua acidentalidade, mas a um ato que realiza essa quididade e essa acidentalidade concretamente. Este ato vem do próprio Deus. Nesse sentido, essência e realíssimo são as mesmas coisas, porque, nesse sentido, o ser de cada coisa é uma atividade divina. Existem duas maneiras de você fazer esse salto, em vida. Uma maneira é você se dedicar a uma vida de contemplação, dedicando seu ser e seus gostos todos para a contemplação, o que é extremamente difícil. Uma outra maneira é se o ser que já seja assim, que já pertença à ordem do realíssimo, se ele já encarar uma pessoa dessa maneira [como se esta já estivesse na ordem do realíssimo].
23
Como o aumento que ocorre na parábola do Evangelho em que os bens da pessoa fiel e justa eram aumentados: da administração de cem talentos para a posse de uma cidade inteira [N.T.].
26
Seria algo muito estranho! Dessa forma, você pode não ter conquistado a imortalidade; você pode mão ter encontrado a raíz do seu ser ou da sua personalidade no realíssimo, mas suponha que o Cristo faça isso para você. Ele pode sustentar a sua personalidade no realíssimo depois da morte até que você seja capaz de fazer isso. Ele pode escolher ver em si mesmo a raíz da personalidade de alguém e sustentá-la nEle mesmo. Aluno: Mas Ele já não faz isso com todos, enquanto alguns se fecham a isso? Professor: Não, Ele não faz isso com todos! Ele mesmo disse: “nem todo aquele que diz Senhor, Senhor, entrará no Reino dos Céus”. Aluno: Mas e aquele que diz isso [“Senhor, Senhor”] sinceramente? Professor: Ele mesmo disse: “mas todo aquele que cumpre meus mandamentos”, isto é, o sujeito que faz todo esforço para cumprir as condições que Ele estabeleceu para isso, as condições para que você seja um órgão do Ser dEle. [Neste caso], então, Ele faz isso para você. Aluno: É uma aceitação. Professor: É um pacto que você faz com Ele. Aluno: E uma dedicação! Professor: Exatamente. Aluno: Mas não é somente o livre-arbítrio24. Professor: Se alguém procurar a raíz disso na Bíblia, verá que se chega a uma situação imponderável, em que não é possível pesar uma coisa em comparação com a outra. Se alguém se perguntar de onde partiu todo esse processo de salvação, é evidente que veio do próprio Deus. Para começar, foi Ele que causou a nossa existência. Existe uma raíz em cada ser humano em que graça e livre arbítrio não se diferenciam. Dessa raíz adiante é que a gente escolhe um caminho um pouco diferente da graça.
24
O aluno refere-se à relação entre Graça divina e esforço pessoal [N.T.].
27
A RAÍZ HUMANA NO REALÍSSIMO DIVINO
Aluno: Qual é essa raíz? Professor:
Somente entenderá essa raíz quem tomar a vontade
humana como objeto e entendê-la no realíssimo. Se você contemplar a raíz formal da vontade humana no realíssimo. Isso não é explicável. Ou você faz isso e contempla ou não [conseguirá]. No momento exato em que Deus lhe criou ainda não havia diferença entre você e Deus. Houve um momento na sua existência, um momento inicial em que você e Deus eram uma mesma coisa. Era um momento em que você não existia e somente havia Deus. No momento inicial da sua existência, você e Deus eram o mesmo. Você foi simplesmente um modo de atualidade divina. A marca desse momento permanece durante a sua existência toda. Se você observa essa marca, não há como dizer se ela é você ou é Deus. As duas [afirmações] são descabidas. A raíz de todo e qualquer ser é simultaneamente criador e criatura, mas a contemplação dessa raíz é extremamente difícil. Aluno: Por que é difícil? [Alunos arriscam algumas hipóteses.] Professor: É simplesmente por um efeito colateral do próprio ato criativo. O ato criativo é [como] um ato de exteriorização. Quando você nasce está nesse impulso de exteriorização [em relação a Deus]. É por isso mesmo que Deus não espera que você nasça e fique sábio imediatamente. Ele sabe que não é no primeiro dia de vida que você buscará contemplar a raíz divina de todas as coisas. Você leva uma vida inteira para reverter esse impulso. Ou você precisará de uma série de atos para que Ele mesmo reverta esse impulso. Para que Ele lhe guarde e esse impulso seja revertido após a morte. É evidente que Ele não faz isso para todos, senão não
28
haveria o inferno, isto é, não haveria um estado depois da morte que é apenas um estado de desintegração da personalidade.
INTELIGÊNCIA E ESPÍRITO
[Aluno pergunta sobre a relação entre a Inteligência e o Espírito.] Professor: A Inteligência é o Espírito. Se a inteligência não fosse o próprio Espírito, o que aconteceria? Quando você morresse, supondo que você tenha sido um sujeito maximamente imperfeito e entrasse em um processo de desintegração da personalidade, em certo momento a sua personalidade iria apagar e você como personalidade iria deixar de existir completamente. Por que isso não acontece assim25? Porque há uma inteligência que testemunhará essa desintegração26. E ela é
a mesma
durante o tempo todo. Aluno: Você não está falando de inteligência como uma virtude? Professor: Isso á a Inteligência considerada em si mesma. Não é o seu sentimento em relação à sua Inteligência27. Esta é uma característica pessoal. Deus se realiza em uma alma humana de dois modos simultaneamente:
como
uma
inteligência
impessoal
e
como
uma
personalidade perfeita. Somente essas duas coisas podem ser imortais em você: a sua inteligência impessoal e a sua personalidade na medida em que é perfeita, isto é, na medida em que está enraizada na própria intenção divina. Como você não tem como anular a inteligência enquanto perfeição,
25
É por isso que se diz que nenhum ser volta para o nada, como alguém disse: uma folha que balançou não pode desbalançar, uma vez que, como será explicado abaixo, foi algo testemunhado pelo Ser Absoluto, que como diria Mário Ferreira, é símbolo da própria divindade [N.T.]. 26 Essa atenção desse testemunho divino da desintegração não deixa de ser uma Misericórdia, assim como a própria desintegração, visto os malefícios que essa personalidade corrompida faria para si mesma e para os outros. É como se nem a própria personalidade desintegrante agüentasse a si mesma [N.T.]. 27 Quer dizer que posso até me achar “burro”, mas a Inteligência continua sendo o Espírito [N.T.].
29
significa que o processo de decomposição da sua personalidade será indefinido depois da morte se você for para o inferno. Aluno: Qual é o conceito de inteligência impessoal? Professor: Inteligência impessoal é a Inteligência que testemunha a realidade tal e qual ela é. Aluno: A inteligência objetiva. Professor: Você não sente a realidade tal como ela é. Você sente a realidade tal e qual ela é em relação à sua estrutura [pessoal]: uma pessoa gosta de peixe e outra não gosta. Então, nesse gostar de peixe e não gostar, existe um elemento subjetivo e um elemento objetivo. Isso quer dizer que a sua personalidade pode ser perfeita ou imperfeita. A sua personalidade é um atributo da sua alma e esta não atinge a perfeição apenas por existir. Entretanto, a sua Inteligência já é perfeita apenas por existir28.
ESPÍRITO E IMORTALIDADE
Quando o sujeito não vai para o céu, é a sua própria Inteligência que dá testemunho contra ele mesmo. E é Deus, como essa Inteligência, que julga essa personalidade indigna ou incapaz de permanecer. [Aluno pergunta sobre esse juízo da Inteligência.] Professor: Quando você morrer, o mundo corpóreo não estará mais diante de você. A única coisa que estará diante de você é a sua personalidade. Para começar, de início [após a morte], são os seus gostos, os seus desgostos, as suas alegrias, tristezas, memórias, etc. Com o tempo, de tanto ficar observando isso, o que acontecerá? Será como
28
O leitor deve perceber que o professor Luiz não está usando inteligência no sentido “usual” de habilidade lingüística ou como capacidade em executar raciocínios lógico e matemáticos [N.T.].
30
explicamos antes: se você gostava de peixe, a causa formal29 que fazia você gostar de peixe era a forma de peixe. De duas, uma: ou você capta o fundamento realíssimo do peixe e, portanto, do gosto do peixe e isso perpetua o peixe, eternizando-o e tornando imortal essa componente da personalidade, ou esta irá desaparecer. Isso quer dizer que apenas os que vão para o Céu continuam sendo aqueles que eram. Aluno: E, nesse sentido, quem não vai simplesmente acaba. Professor: Como personalidade, ele acaba. Passa a ser apenas um processo vital, psíquico, que vai se desintegrando, mas sem personalidade. Aliás, personalidade significa justamente isso: o instrumento por meio do qual algo soa: “per sona” (soa por). Se o que soava pela sua alma era apenas a corporalidade, quando esta for tirada, o som será tirado, isto é, a sua personalidade se desintegrará. Se o que soava era Espírito, continuará soando eternamente.
A SALVAÇÃO PELA FÉ
Isso quer dizer que, tecnicamente, para que tudo o que eu sou permaneça após a minha morte, é preciso que eu compreenda tudo o que sou em Deus. Existe uma única alternativa: pode ser que eu não consiga compreender tudo o que eu sou em Deus, mas que eu compreenda suficientemente tudo o que Deus é para mim. Se eu compreender suficientemente quem é o Cristo, e o sinal de que alguém compreende é o modo pelo qual a própria vida é integrada na proposta de vida dEle, isto é um elo entre a minha personalidade total e o próprio Deus. E este elo permitirá, depois da minha morte, o resgate da minha personalidade. É como uma troca: o que Cristo propõe a cada ser humano é:
29
No sentido das quatro causas de Aristóteles. Conferir “Metafísica” de Aristóteles. [N.T.].
31
“seja como Eu agora, antes da sua morte, porque depois da sua morte serei como você e você reencontrará a sua personalidade olhando para mim”. O que ele propõe é isso: “vista-se de Cristo, que, depois da sua morte, Eu me vestirei de você e você se reencontrará em mim”. Aluno: O professor Olavo [de Carvalho] disse, certa vez, que a fé é como um bônus de conhecimento. Professor: Exatamente. Aluno: A fé é uma posse antecipada, é um pré-conhecimento30. Professor:
Exatamente.
É
como
se
fosse
um
cheque
de
conhecimento31. Porque nem sempre é possível, ou melhor, raramente é possível, para um indivíduo, compreender, como um todo, a sua personalidade em Deus. Mas, o indivíduo pode, como um todo, entender a personalidade de Deus para si mesmo. E, então, Cristo lhe faz uma promessa: “Se você fizer isso [entender-me em você, durante essa vida], depois da morte Eu farei o inverso para você [testemunhando a sua personalidade em Mim]” Ele pode fazer isso por quê? Porque Ele é o Verbo divino32, é o primogênito de todas as criaturas33. Ele, o Cristo34, o Verbo Divino, é a raíz formal do ser de todas as criaturas em Deus. Aluno: É isso que é a salvação. Professor: É isso. 30
Como afirmou São Paulo Apóstolo: “A fé é uma posse antecipada do que se espera, u meio de demonstrar as realidades que não se vêem” (Epístola aos Hebreu, capítulo 11, versículo 1) [N.T.]. 31 Aproveitando a analogia: a fé é como um cheque cujo valor será entregue pelo próprio Cristo [N.T.]. 32 Conferir o Evangelho de São João, capítulo 1, versículo 1 em, por exemplo, http://www.bibliacatolica.com.br/ [N.T.]. 33 Conferir a Carta de São Paulo aos Colossenses (capítulo 1, versículo 15): “Ele [o Cristo] é a imagem de Deus invisível, o Primogênito de toda a criação” [N.T.]. 34 Conferir no Evangelho de São Mateus (capítulo 16, versículo 16) [N.T.].
32
Aluno: Isso é ensinado nas catequeses e nos seminários? Professor: Os católicos, hoje em dia, têm, [em geral,] uma grande ignorância sobre a própria religião. E não é de hoje! No século XIII mandaram São Boaventura, [que foi superior franciscano], julgar a ortodoxia de um membro de sua congregação, o frei Gil35. E ele respondeu que era esse sujeito que deveria julgar a ortodoxia da nossa doutrina, porque não há alguém mais cristão do que ele no mundo inteiro. Quer dizer que aqueles que o mandaram julgar a Frei Gil já não conheciam mais a própria religião. Aluno: São Tomás também passou por um processo assim. 35
Trata-se do Beato frei Gil de Assis (também chamado de frei Egídio), cuja memória é liturgicamente celebrada no dia 23 de abril. “Discípulo de S. Francisco, clérigo da Primeira Ordem (+1262). Pio VI aprovou seu culto a 04 de julho de 1777. Entre os primeiros companheiros de S. Francisco está o Beato Gil de Assis, o qual respaldou sua petição para fazer-se Frade Menor cedendo imediatamente seu próprio manto quando, no convento dos irmãos, chegou um pobre pedindo alguma coisa. Simples, humilde, iletrado, sabia contudo impelir todos ao amor de Deus e proferir sentenças cheias de doutrinas. A maior parte de sua vida caracterizou-se por peregrinações: Santiago de Compostela, Monte Gargano (Santuário de S. Miguel Arcanjo), Terra Santa e mais tarde África. Ocupava o tempo de permanência e suas esperas forçosas ganhando a caridade das pessoas através de suas trabalhos manuais. Fazia de tudo: carregava água, recolhia nozes ou lenha. Nunca o encontravam ocioso, mas sempre em silêncio com Deus, com quem falava na contemplação, única fonte de sua sabedoria cristã. Assim, veio a se tornar exemplo de vida franciscana primitiva. Cujo claustro é o mundo. Sua ocupação era qualquer trabalho humilde e honesto e suas delícias estar com Deus nas noites silenciosas. No dia de S. Jorge, a 23 de abril de 1209, Gil tinha escutado a missa em Assis, indo depois à Porciúncula para avistar-se com São Francisco. Encontrou-o saindo de um bosquezinho e se lançou a seus pés. "Que queres?" perguntou-lhe Francisco. "Quero permanecer contigo", respondeu. Francisco o nomeou imediatamente "cavaleiro da távola redonda" e em sua companhia partiu para Marca de Ancona. Ao longo do caminho Frei Gil louvava a Deus e, cheio de gratidão, se prostrava por terra e beijava a erva, as flores e as pedras. Quando S. Francisco pregava, ele permanecia extático e dizia aos demais: "Escutai-o, porque, ele fala maravilhosamente". Fora do tempo reservado à oração e à leitura do breviário, Gil trabalhava continuamente, e como paga recebia somente estritamente necessário para a vida. São célebres seus ditos cheios de sabedoria religiosa e de espírito prático. Certa vez admoestou um pregador palrador, gritando-lhe por detrás: "Blá, blá, blá, falou muito, agiu pouco". Com freqüência sua sabedoria era bondosamente irônica, como quando um irmão disse que havia sonhado com o inferno e que ali não tinha visto nenhum frade menor. Ao que Frei Gil lhe respondeu: "Seguramente não baixaste até o fundo". Perante outro que falava muito sem refletir, disse: “Penso que seria bom ter o ombro tão largo como a grulha; assim a palavra passaria por muitos de nós antes de subir a boca!” Frei Gil era um contemplativo, um místico que entrava em êxtase somente em ouvir mencionar o Paraíso. S. Francisco e S. Boaventura tiveram por ele grande admiração. Mais tarde, morto S. Francisco, sua vida transcorreu nos eremitérios da Úmbria, sobretudo no de Monterípido, onde morreu avançado em idade a 23 de abril de 1262. Perto da morte, quando as autoridades de Perusa enviaram pessoas armadas para guardá-lo, enviou-lhes recado para assegurar-lhes que nunca os montes de Perusa teriam parte em sua canonização nem milagre algum lhe tocaria. Chamado Beato pela voz do povo, a Igreja confirmou seu culto por meio de Pio VI a 04 de julho de 1777”(In http://www.ffb.org.br/index.php?pg=santosfranciscanos-abril#23) [N.T.].
33
Professor: Sim. E São Boaventura também passou pelo mesmo processo36. A história dessa ignorância não é de hoje37.
ESPECULAÇÃO E CONTEMPLAÇÃO NA VIDA TEORÉTICA [A partir de um episódio da vida de Santo Agostinho38, aluno pergunta sobre a diferença entre a contemplação e a especulação.] Professor: Qual é o problema? A raíz última desse problema é uma ambigüidade semântica. A palavra "teoria" em grego tinha dois significados simultâneos. De tal maneira que os escolásticos ora traduziam a palavra teoria, do grego, por contemplação e, ora, por especulação. Então, eles dirão que contemplação é a atividade da inteligência cujo objeto é o realíssimo. Especulação é a atividade da mesma inteligência cujo objeto é apenas o real. Qual é a diferença entre uma coisa e outra? A diferença “prática” é que você pode transmitir diretamente o resultados da sua especulação. Você pode, por meio do discurso, ensinar aquilo que você compreendeu sobre o real39, mas você não pode, por meio do discurso, levar o outro à contemplação do realíssimo. Aluno: O discurso pode acompanhar o objeto até o “real”? Professor: Sim. Por exemplo: você pode ensinar a ciência da engenharia ao outro por meio do discurso. Assim, pode ensinar o que são os prédios, os materiais, o que é resistência, etc. Isso pode ser ensinado. Entretanto, suponha que você tenha contemplado o que é tudo isso no realíssimo. Isso não poderá ser ensinado [pelo discurso]. O máximo que
36
O professor Luiz desenvolveu mais esse tema na palestra “A Universidade de Paris no século XII” realizada na Aliança Francesa em outubro de 2006 [N.T.]. 37 Há livros sobre a história do conhecimento humano, como livros de história da ciência e da filosofia, mas talvez se poderia fazer também um livro sobre a história da ignorância humana [N.T.]. 38 Conferir “Confissões” de Santo Agostinho [N.T.]. 39 Como deveria fazer um filósofo ou um cientista [N.T.].
34
você pode fazer é dar algumas indicações práticas do caminho que o sujeito deverá percorrer até chegar a essa contemplação. [Aluno pede mais uma explicação.] Professor: Quando Platão e Aristóteles falavam da teoria, falavam das duas coisas ao mesmo tempo [especulação e contemplação], mas, na prática, podiam ensinar aos alunos [apenas] a especulação e dar algumas indicações quanto à contemplação. E o que aconteceu? No decorrer das gerações do ensino da Academia e do Liceu40, o número de pessoas que contemplavam foi diminuindo em relação ao número de pessoas que apenas contemplavam. [Aluno
pergunta
sobre
a
impossibilidade
de
ensinar
a
contemplação.] Professor: Trata-se de uma impossibilidade intrínseca. Não dá para transmitir o conteúdo da contemplação. O sujeito que contempla pode, no máximo, oferecer algumas indicações sobre como se deve eliminar na própria vida os obstáculos da própria contemplação, mas a especulação pode ser transmitida. Por quê? Simples, porque a inteligência humana é transcendente em relação aos objetos que ela contempla e que pertencem à ordem do real. A inteligência humana é mais do que qualquer ciência que ela possa obter sobre as coisas naturais. A esfera dos conhecimentos naturais está sob domínio da inteligência humana, mas o realíssimo não. Ela não é transcendente em relação ao realíssimo. Ela é que está sob domínio do realíssimo. Como se diz, não se pode “prender” o conteúdo do realíssimo e comunicá-lo a outro. Mas a inteligência humana pode fazer isso em relação à especulação, isto é, em relação ao conhecimento das coisas naturais. Por isso que, em qualquer cadeia de ensinamento humano, no decorrer das gerações do ensinamento, o elemento contemplativo diminuirá, 40
As escolas iniciadas por Platão e Aristóteles, respectivamente [N.T.].
35
mas o especulativo permanecerá o mesmo ou até se ampliar. Assim, no decorrer das gerações, tanto no Liceu de Aristóteles, como na Academia de Platão, que os sujeitos ali estão apenas voltados para a atividade especulativa, deixando de lado a vida contemplativa. Entretanto, as duas atividades possuíam o mesmo nome: “bios theorétikos”. E é esta vida “teorética”41 reduzida a uma especulação sem contemplação que Santo Agostinho recusava por não ser suficiente. Ele percebeu que entre os filósofos gregos não havia especulação, a qual ele conseguiu encontrar entre os cristãos. No cristianismo, Santo Agostinho encontrou pessoas que contemplavam, como Santo Ambrósio. Então, esta contemplação [cristã] reiluminou a especulação grega que havia sobrado historicamente para que seu conteúdo contemplativo fosse reencontrado42. Mas, mesmo no cristianismo, demorou-se séculos para definir esses dois campos de atividade da inteligência e usar termos adequados para distinguir um do outro. [Aluno volta a comentar sobre Santo Agostinho.] Professor: Santo Agostinho descobriu que a vida especulativa não era suficiente. Por exemplo: a vida especulativa permitiria compreender todas as estruturas formais do bolo, mas isso lhe daria o gosto do bolo na boca? Aluno: Não. Professor: Mas a contemplação do bolo no realíssimo lhe dá, mais do que o próprio bolo. Aluno: Ela [a contemplação no realíssimo] faz o bolo novamente? Professor: Ela vai além.
41
Chamada, às vezes, indistintamente de vida especulativa ou contemplativa [N.T.]. Nesse sentido, é preciso buscar ao ler as “especulações” de um filósofo, refazer as experiências cognitivas (ou “contemplativas”) que ele teve para redigir aquilo. Este procedimento lembra a noção de “origem” em Husserl, que elaborou um método filosófico para buscar as experiências originais dos conceitos filosóficos e científicos [N.T.]. 42
36
A TENSÃO ENTRE A VIDA CONTEMPLATIVA E A VIDA SENSISTIVA
Porfessor: Por que existe a tensão no ser humano entre a vida contemplativa e a vida sensitiva? Todo ser possui simultaneamente três aspectos. Todo ente é: a) por um lado, uma atividade divina, que é a sua raíz no realíssimo; cada ente é o realíssimo enquanto atividade. b) Ao mesmo tempo, ele é uma quididade, isto é, uma forma específica que você pode compreender. c) E, ao mesmo tempo, ele é um conjunto de acidentes particularizantes dessa quididade. A quididade e o conjunto de acidentes são como duas imagens diferenciadas na raíz do realíssimo. A quididade reflete um aspecto da raíz no realíssimo e os acidentes refletem outro, mas a quididade ou a acidentalidade, por si mesmas, não conseguem reproduzir esses dois aspectos. Como você é capaz de assimilação dos dois, a mera assimilação de um deles não fará efeito. Por isso que não adianta se dedicar apenas à aquisição de ciências, porque estas são ciências de quididades. Elas satisfazem apenas um aspecto do seu ser. Também não adianta se dedicar apenas à vida sensível. Entretanto, o uso de termos distintos para os dos sentidos de “teoria”, como contemplação que é a “teoria do realíssimo” e especulação que é a “teoria do real”, é muito posterior a Santo Agostinho. Começa-se a perceber a necessidade desta distinção pela própria experiência de Santo Agostinho. Por que Sócrates, Platão e Aristóteles falavam que a “vida 37
teorética43” era tudo e Santo Agostinho dizia que era nada? Simples, porque eles usavam a mesma palavra para realidades diferentes. Não estavam tratando da mesma “vida teorética”. Uma coisa é entender o que é mesa. Outra coisa ainda é apreciar as qualidades particulares de uma mesa. Outra coisa ainda é entender a raíz dessa unidade em Deus. Apreciar as qualidades particulares da mesa é vida sensitiva. Compreender o que é mesa é vida especulativa. Captar ou entender a raíz dessa mesa em Deus é vida contemplativa. É evidente que a vida especulativa nunca será suficiente para a perfeição humana. Por isso que Cristo não mandou que todos sentassem e ficassem estudando durante o tempo todo. Isso não adiantaria nada. Aluno: É isso que ser quer dizer com a frase “A fé sem obras é morta”? Professor: Refere-se à mesma dicotomia, mas não é exatamente a mesma coisa, porque a fé é como uma imagem da salvação. Do mesmo jeito que a quididade e a acidentalidade são imagens da raíz no realíssimo, a fé é uma imagem da Salvação que mostra apenas metade da salvação. E as obras formam outra imagem que mostram a outra metade. Com a fé e as obras é como se você realizasse uma imagem suficiente ou integral da salvação, isto é, do próprio Cristo. E a proposta do Cristo é justamente essa: “realize uma imagem suficiente do que EU SOU e Eu realizarei, após a morte, uma imagem suficiente do que você é. E Eu manterei essa imagem no real até que você a compreenda. E, assim, você se imortalizará.” [Aluno avisam sobre o final da aula.]
EPÍLOGO:À GUISA DE CONCLUSÃO 43
“Bios theorétikos”.
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Professor: O importante nesta aula é que alma e espírito diferenciam-se porque esse é perfeito pelo se próprio ato de existir, enquanto a alma depende dos seus atos para atingir a perfeição. Eu recomendo que você leiam e releiam a transcrição porque as noções levantadas aqui ainda podem ser mais desenvolvidas. [Aluno comenta sobre uma explicação dada por C.S. Lewis sobre um assunto relacionado com a aula.] Professor: Quem diz: “somente existe o real e não existe o realíssimo” está mentindo porque a sua inteligência é um sinal do realíssimo44. Se fossem assim, seria uma grande contradição, porque teríamos que 44
Alguns chegam a se revoltar até mesmo contra o real, como os desconstrucionistas: “A desconstrução parte da premissa lingüística de Ferdinand de Saussure de que a língua é um sistema no qual o sentido de cada palavra é a diferença entre ela e todas as outras. O sacerdote supremo do desconstrucionismo, Jacques Derrida, joga essa premissa contra as pretensões científicas da própria lingüística, ao concluir daí que, se a língua é um sistema de diferenças entre signos, ela não tem qualquer referência a um “significado” externo. Tudo o que o ser humano diz, escreve ou pensa é apenas a exploração das possibilidades internas do sistema. Não tem nada a ver com “realidade”, “fatos” etc. O universo inteiro ao alcance do pensamento humano é constituído de “textos” ou “discursos”, mas, como não há nenhuma realidade externa pela qual esses discursos possam ser aferidos, não tem sentido falar de discursos “verdadeiros” ou “falsos”. Não existe representação da realidade. Todo discurso é livre invenção de significados. Obtida essa conclusão, Derrida interpreta-a em sentido nietzscheano, afirmando que, se o dircurso não é representação da realidade, é expressão da “vontade de poder”. Mas isso não quer dizer que por trás do discurso exista um “eu” manifestando sua vontade de poder. A idéia de um eu estável e autoconsciente é ela própria uma representação da realidade. Como nenhuma representação da realidade pode funcionar, o eu também não existe: só o que existe é o ato de poder que cria uma ficção chamada “eu”. Se a língua estava totalmente separada da realidade por ser apenas um sistema de diferenças, o desconstrucionista vai agora separá-la do próprio sujeito pensante, acrescentando à mera “différence” a “différance”, com “a”, termo criado por Derrida para designar o intervalo de tempo entre o sujeito como autor do discurso e o mesmo sujeito considerado enquanto assunto do discurso. Em português ele não precisaria inventar esse trocadilho medonho, pois aí existe a palavra “diferição”, sinônima de “adiamento”, que, por aquela mistura de pedantismo e ignorância, típica do meio acadêmico nacional, os tradutores brasileiros se recusam a usar, preferindo o neologismo francês para dar a impressão de que se trata de uma nuance sutilíssima. Qualquer que seja o caso, Derrida está falando simplesmente de uma diferição, de um lapso de tempo: o eu do qual você fala não é nunca o eu que está falando. Mas, se é assim, o eu como assunto do discurso não está nunca presente a si mesmo. Separado do objeto pela circularidade do sistema, o discurso está também separado do sujeito pela diferição, ou, se preferem, “différance” (como diria Dirty Harry: Cazzo!). Diga você o que disser, ou pense o que pensar, será sempre uma ausência falando de outra ausência. Se o eu não existe e o objeto que ele pensa também não existe, só o que existe é o ato de poder
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assumir que somente existe o real, menos você que é realíssimo porque possui inteligência e transcende a realidade45. Aluno: “A tentação maior do homem é cair de uma verdade incerta para uma inverdade certa”46. Professor: É isso mesmo! Vamos guardar essa frase para comentála na próxima aula. Aluno: A verdade incerta é parte de um mistério. Professor: Porque a sua inteligência pode contemplar o realíssimo, mas não pode esgotá-lo. Aluno: Não pega tudo nunca. Professor: O elemento do mistério sempre estará lá. Aluno: Exceto aqueles que achavam que possuíam todo o conhecimento como Nietzsche, Marx, Hegel, Gramsci, etc. Professor: Acabou.
que cria uma ficção chamada “eu” e outra ficção chamada “objeto”. O motivo que produz a necessidade de criar essa ficção é o desejo de escapar da morte, da aniquilação. Mas a morte é inescapável, é a “realidade”. Portanto a função de todos os discursos é negar a realidade e a sua tradução cognitiva, a verdade. Nisso consiste o poder, a genuína liberdade. O Evangelho (João, VIII:32) dizia que a liberdade nasce do conhecimento da verdade. Para Derrida e os desconstrucionistas em geral, a liberdade consiste em negar a verdade, afirmando, com isso, o próprio poder.” (Olavo de Carvalho, O sucesso do fracasso, Diário do Comércio, 27 de novembro de 2006) [N.T.]. 45 A pessoa não se inclui no próprio juízo sobre o conjunto da realidade, isto é, enquanto fala e especula s exclui da própria realidade [N.T.]. 46 Essa frase parece se remeter a C.S. Lewis [N.T.].
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