[7691 - 23548]negocios_juridicos_livro_completo.pdf

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Universidade do Sul de Santa Catarina

Negócios jurídicos

UnisulVirtual Palhoça, 2014

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Créditos Universidade do Sul de Santa Catarina – Unisul Reitor

Sebastião Salésio Herdt Vice-Reitor

Mauri Luiz Heerdt Pró-Reitor de Ensino, de Pesquisa e de Extensão

Mauri Luiz Heerdt

Pró-Reitor de Desenvolvimento Institucional

Luciano Rodrigues Marcelino

Pró-Reitor de Operações e Serviços Acadêmicos

Valter Alves Schmitz Neto

Diretor do Campus Universitário de Tubarão

Heitor Wensing Júnior

Diretor do Campus Universitário da Grande Florianópolis

Hércules Nunes de Araújo

Diretor do Campus Universitário UnisulVirtual

Fabiano Ceretta

Campus Universitário UnisulVirtual Diretor

Fabiano Ceretta Unidade de Articulação Acadêmica (UnA) - Educação, Humanidades e Artes

Marciel Evangelista Cataneo (articulador)

Unidade de Articulação Acadêmica (UnA) – Ciências Sociais, Direito, Negócios e Serviços

Roberto Iunskovski (articulador)

Unidade de Articulação Acadêmica (UnA) – Produção, Construção e Agroindústria

Diva Marília Flemming (articuladora)

Unidade de Articulação Acadêmica (UnA) – Saúde e Bem-estar Social

Aureo dos Santos (articulador)

Gerente de Operações e Serviços Acadêmicos

Moacir Heerdt

Gerente de Ensino, Pesquisa e Extensão

Roberto Iunskovski

Gerente de Desenho, Desenvolvimento e Produção de Recursos Didáticos

Márcia Loch

Gerente de Prospecção Mercadológica

Eliza Bianchini Dallanhol

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Gisele Rodrigues

Negócios jurídicos

Livro didático

Designer instrucional Luiz Henrique Queriquelli

UnisulVirtual Palhoça, 2014

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Copyright © UnisulVirtual 2014

Nenhuma parte desta publicação pode ser reproduzida por qualquer meio sem a prévia autorização desta instituição.

Livro Didático

Professor conteudista Gisele Rodrigues

Projeto gráfico e capa Equipe UnisulVirtual

Designer instrucional Luiz Henrique Queriquelli

Diagramador(a) Marina Broering Righetto Revisor(a) Amaline Boulos Issa Mussi

3421 C54

Goedert, Gisele Rodrigues Martins Negócios jurídicos : livro didático / Gisele Rodrigues Martins Goedert ; design instrucional Luiz Henrique Queriquelli. – Palhoça : UnisulVirtual, 2014 94 p. : il. ; 28 cm.

Inclui bibliografia.

1. Direito civil. 2 Direito e fato. I. Queriquelli, Luiz Henrique. II. Título.

Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca Universitária da Unisul

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Sumário Introdução  |  7

Capítulo 1

Fatos jurídicos  |  9

Capítulo 2

Negócio jurídico  |  21

Capítulo 3

Defeitos e invalidade dos negócios jurídicos  |  39

Capítulo 4

Atos ilícitos e prova nos negócios jurídicos  |  57

Capítulo 5

Prescrição e decadência  |  75 Considerações Finais  |  89 Referências  |  91 Sobre o Professor Conteudista  |  93

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Introdução Este livro didático se propõe a oferecer uma introdução ao segundo momento da parte geral do Código Civil, também chamado de Livro III, em que se supera a conceituação da pessoa enquanto sujeito de direitos e obrigações e se assume o indivíduo como sujeito principal dos acontecimentos que produzem efeitos no mundo jurídico. De maneira geral, o Direito Civil está presente em todos os momentos. Quaisquer acontecimentos sociais, ações ou omissões provocadas pelo comportamento humano em geral podem ter influência no mundo jurídico. De que forma se pode minimizar esses efeitos, para que os sujeitos envolvidos tenham condições de manter uma convivência harmoniosa e pacífica em sociedade? A resposta a esta pergunta você encontra ao longo das páginas que seguem. Portanto, convido-o/a a esta leitura, a fim de obter o aprofundamento necessário para entender melhor tais questões. Como você poderá observar, o primeiro capítulo pretende apresentar o conceito de fato jurídico em sentido estrito, bem como identificar a classificação de fato jurídico em sentido amplo. Por meio desses conceitos, será possível contextualizar a finalidade negocial e os modos de aquisição, conservação, modificação e extinção de direitos, que são a chave para o início do estudo propriamente dito, referente ao negócio jurídico. É justamente a partir da formação do negócio jurídico que se pode verificar a formação das relações jurídicas e a formalização das obrigações. Dentre as inúmeras classificações que serão estudadas nessa etapa, partiremos para o estudo dos elementos constitutivos do negócio jurídico, identificados pelos planos de existência, validade e eficácia dos negócios jurídicos. Os negócios jurídicos nem sempre serão perfeitos e, por vezes, apresentarão vícios ou defeitos que acabarão culminando com a sua invalidade. Nesse contexto, será possível identificar os defeitos que podem ocorrer nos negócios jurídicos em geral, tais como o erro substancial, o dolo, a coação, o estado de perigo, a lesão e a fraude contra credores. Em razão disso é que se menciona a invalidade do negócio jurídico. Esta invalidade ocasionada pelos defeitos apresentados poderá culminar com a inexistência do negócio jurídico, com a nulidade absoluta (negócio nulo) ou, ainda, com a nulidade relativa ou anulabilidade (negócio anulável).

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Você verá, ainda, que há situações nas quais a parte ou as partes podem atuar contrariamente ao que o direito determina, e acabar, por vezes, causando algum prejuízo tanto para elas mesmas quanto para terceiros. Essa atuação contrária pode se identificar como um ato ilícito, o que invariavelmente provocará a configuração da responsabilidade civil, ou seja, originará o dever de indenizar. Na continuidade do estudo, abordaremos um assunto de fundamental importância para o negócio jurídico que é a prova. Sabe-se que, de maneira geral, em nome da segurança jurídica, a prova é elemento essencial para a configuração da responsabilidade civil originada por um negócio jurídico. Poderá esta ser identificada através da confissão, da documentação apresentada, das testemunhas, pela presunção e, ainda, pela designação de perícia. Finalizando nosso estudo, conheceremos as regras que podem limitar ou autorizar o exercício do direito, identificadas em nosso livro como a prescrição e a decadência. Afinal, o direito não socorre a quem não o exerce em tempo hábil. Desejo que este momento sirva de estímulo ao estudo do Direito Civil e tenha o poder de transformar positivamente seu modo de ver e estudar o Direito! Sucesso, sempre!

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Capítulo 1 Fatos jurídicos

Habilidades

Este capítulo desenvolverá em você a habilidade de conceituar os fatos jurídicos em sentido estrito e em sentido amplo. Além disso, ao final do seu estudo, você estará apto/a a distinguir as modalidades de finalidade negocial, entre elas, a aquisição, a conservação, a modificação e a extinção de direitos.

Seções de estudo

Seção 1:  Fato jurídico Seção 2:  Atos lícitos Seção 3:  Finalidade negocial

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Capítulo 1

Seção 1 Fato jurídico A partir de agora, adentraremos no segundo momento da parte geral do Código Civil, não mais conceituando a pessoa enquanto sujeito de direitos e obrigações, mas a pessoa como parte essencial e sujeito principal dos acontecimentos que produzem efeitos no mundo jurídico. Para tanto, segundo Pablo Stolze Gagliano (GAGLIANO, 2006 p. 331), “todo acontecimento, natural ou humano, que determine a ocorrência de efeitos constitutivos, modificativos ou extintivos de direitos e obrigações, na órbita do direito, denomina-se fato jurídico.” Interessante a argumentação de Carlos Roberto Gonçalves (2008, p. 314), quando aponta que o direito também tem seu ciclo vital: nasce, desenvolve-se e extingue-se. Essas fases ou momentos decorrem de fatos denominados fatos jurídicos, exatamente por produzirem efeitos jurídicos. Nem todo acontecimento constitui fato jurídico. Alguns são simplesmente fatos, irrelevantes para o direito. Somente o acontecimento da vida relevante para o direito, mesmo que seja fato ilícito, pode ser considerado como fato jurídico. Fato jurídico não é um conceito de direito civil, mas de todo o direito. Assim, seu estudo é mais apropriado na teoria geral do direito, pois não apenas se aplica às situações juscivilistas mas também às de todos os demais ramos de direito privado ou público. (LOBO, 1986, p. 221). Nem todos os fatos jurídicos são objeto do Código Civil, no entanto está regulada no Livro III da Parte Geral, a matéria que se denomina “fatos jurídicos”. Para Paulo Lobo, fatos jurídicos são todos os fatos naturais ou de conduta aos quais o direito atribui consequências jurídicas. (LOBO, 1986, p. 221). Verifica-se, assim, que todo fato, para ser considerado jurídico, deve passar por um juízo de valoração. O ordenamento jurídico, que regula a atividade humana, é composto de normas jurídicas, as quais preveem hipóteses de fatos e consequentes modelos de comportamento considerados relevantes, e que, por isso, foram normatizados. Estes, depois de concretizados, servem de suporte fático para a incidência da norma e o surgimento do fato jurídico. (CARLOS ROBERTO GONÇALVES, 2008, p. 314).

1.1 Fatos jurídicos em sentido amplo O fato jurídico pode ser fato jurídico em sentido amplo (lato sensu) e fato jurídico em sentido estrito (stricto sensu). Este último refere-se tão somente aos acontecimentos naturais que possam produzir efeitos na órbita jurídica. Fato jurídico lato sensu é todo acontecimento que se encontra regulado pelo direito.

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Negócios Jurídicos Desdobra-se em fato jurídico stricto sensu, ato-fato jurídico, ato jurídico stricto sensu e negócio jurídico. (ROBERTO SENISE LISBOA, 2004, p. 368). Para Carlos Roberto Gonçalves (2008, p. 315-316), os fatos naturais, também denominados fatos jurídicos em sentido estrito, por sua vez, dividem-se em: 1. ordinários: como o nascimento e a morte, que constituem, respectivamente, o termo inicial e final da personalidade, bem como a maioridade, o decurso do tempo, todos de grande importância, e outros. Logo, pode ser entendido como um evento natural bastante comum e previsível; 2. extraordinários, que se enquadram, em geral, na categoria do fortuito e da força maior: terremoto, raio, tempestade etc. Ou seja, é o evento decorrente da natureza. Confira, agora, a conceituação de fato jurídico em sentido amplo.

1.2 Fatos jurídicos em sentido estrito Os fatos jurídicos em sentido amplo podem ser classificados em: 1. fatos naturais ou fatos jurídicos stricto sensu; e 2. fatos humanos ou atos jurídicos lato sensu. Os primeiros decorrem de simples manifestação da natureza e os segundos da atividade humana. Os fatos humanos ou atos jurídicos em sentido amplo são ações humanas que criam, modificam, transferem ou extinguem direitos. Estes, por sua vez, dividemse em lícitos e ilícitos.

Seção 2 Atos lícitos Para efeito de conceituação, consideram-se lícitos os atos humanos a que a lei defere os efeitos almejados pelo agente. Praticados em conformidade com o ordenamento jurídico, produzem efeitos jurídicos voluntários, queridos pelo agente. Os ilícitos, por serem praticados em desacordo com o prescrito no ordenamento jurídico, embora repercutam na esfera do direito, produzem efeitos jurídicos involuntários mas impostos por esse ordenamento. Em vez de direito, criam deveres, obrigações. Hoje se admite que os atos ilícitos integram a

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Capítulo 1 categoria dos atos jurídicos pelos efeitos que produzem. Estes estão regulados nos artigos 186 e 927 do Código Civil, em que se ressalta a obrigação de indenizar. (GONÇALVES, 2008, p. 316). Os atos ilícitos serão objeto de estudo em momento oportuno, cabendo, primeiramente, nos dedicarmos ao estudo dos atos denominados lícitos. Em se tratando de matéria com diversidade de classificações idealizadas pelos autores da área, e, ainda, com o intuito de tornar o estudo mais fácil e didático, utilizar-se-á a classificação proposta por Carlos Roberto Gonçalves (2008, p. 251): Os atos lícitos dividem-se em: a. ato jurídico em sentido estrito ou meramente licito; b. negocio jurídico; e c. ato fato jurídico.

2.1 Ato jurídico em sentido estrito (stricto sensu) Nessa espécie, há uma manifestação de vontade do agente, mas suas consequências são as previstas em lei e não na vontade das partes. O ato jurídico em sentido estrito promana de manifestação ou declaração unilateral de vontade, projetando-se na orbita jurídica de terceiros. Não depende de assentimento ou concordância do destinatário ou beneficiário para que seja considerado válido e eficaz. Lobo (1986, p. 237) ainda menciona que outra nota determinante e peculiar do ato jurídico em sentido estrito é que seu autor não pode definir seus efeitos, seus limites e seu alcance. A vontade é sua, podendo ou não exteriorizá-la, mas, desde o momento que o faz, perde o controle de sua destinação. A lei é que define para que serve essa vontade exteriorizada, qual ou quais pessoas podem ser afetadas por ela, positiva ou negativamente, e seus preciosos fins. Para Tartuce (2011, p. 312), um bom exemplo de ato jurídico stricto sensu é o reconhecimento de um filho. Digamos que uma pessoa teve um filho fora do casamento e, como pai, quereria reconhecê-lo. Com o reconhecimento, surgem efeitos legais, como direito do filho de usar o nome do pai, o dever do último de prestar alimentos, direitos sucessórios, dever de apoio moral, entre outros. Sendo reconhecido um filho, os efeitos decorrentes do ato não dependem da vontade da pessoa que fez o reconhecimento, mas da lei, da norma jurídica. Como é notório, não pode o pai limitar esses direitos decorrentes de lei.

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Negócios Jurídicos Ou seja, o efeito da manifestação da vontade está predeterminado na lei, e a ação humana se baseia não em uma vontade qualificada mas em uma simples intenção. (GONÇALVES, 2008, p. 251).

2.2 Negócio jurídico Para efeitos da classificação estudada, “Negócio jurídico é todo evento decorrente da vontade humana, que se consubstancia em um conjunto de atos jurídicos dependentes entre si, dispostos pelos negociantes em uma ordem temporal lógica, para obtenção do resultado ou interesse pretendido pelas partes.”(LISBOA, 2004, p. 371). Essa modalidade ainda será estudada pormenorizadamente.

2.3 Ato-fato jurídico Além dos conceitos acima, alguns autores defendem a existência de um instituto denominado ato-fato jurídico. Impende salientar que o Código Civil não recepcionou essa modalidade, no entanto a doutrina se manifesta, em grande parte, pela sua existência, ainda que controversa. Para Tartuce (2011, p. 310), o ato-fato jurídico pode ser conceituado como “um fato jurídico qualificado por uma atuação humana, por uma vontade não relevante juridicamente.” Os atos-fatos jurídicos são atos ou comportamentos humanos em que não houve vontade, ou, se houve, o direito não as considerou. Nos atos-fatos jurídicos, a vontade não integra seu suporte fático. É a lei que os faz jurídicos e atribui consequências ou efeitos a eles, independentemente de estes terem sido queridos, ou não. Das espécies de fatos jurídicos, a menos conhecida, ou menos precisa, é o ato-fato jurídico, por se encontrar a meio caminho entre o fato jurídico em sentido estrito e o ato jurídico em sentido amplo. (LOBO, 1986, p. 232). A título de esclarecimento, Pablo Stolze Gagliano (2006, p. 339) traz o exemplo da compra e venda feita por crianças. Ninguém discute que a criança, ao comprar o doce no boteco da esquina, não tem a vontade direcionada à celebração do contrato de consumo. Com efeito, o que se ressalta, na verdade, é a consequência do ato, ou seja, o fato resultante, sem se dar maior significância se houve vontade, ou não, de realizá-lo. Percebe-se que, em alguns momentos, torna-se bastante difícil diferenciar o ato-fato jurídico do ato jurídico em sentido estrito.

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Capítulo 1 Para facilitar a compreensão da classificação estudada, vejamos o seguinte esquema: Figura 1.1 – Classificação dos fatos jurídicos

Ordinários Fatos naturais

Extraordinários

Fatos jurídicos (em sentido amplo) Fatos humanos (atos jurídicos em sentido amplo)

Lícitos Ilícitos

Ato jurídico em sentido estrito ou meramente lícito Negócio jurídico Ato-fato jurídico

Fonte: Gonçalves (2008, p. 250).

Cumprido o estudo da classificação, o próximo tópico dedica-se ao estudo da Finalidade Negocial, que abrange os efeitos constitutivos, modificativos ou extintivos de direitos e obrigações. Estes efeitos são considerados fatores determinantes na configuração do fato jurídico (ato jurídico em sentido amplo), especialmente do negócio jurídico e do ato ilícito, que será objeto de estudo em momento posterior.

Seção 3 Finalidade negocial No negócio jurídico, a manifestação da vontade tem finalidade negocial, que abrange a aquisição, conservação, modificação ou extinção de direitos.

3.1 Aquisição de direitos Ocorre aquisição de um direito com a sua incorporação ao patrimônio e à personalidade do titular. O Código Civil atual não menciona expressamente a aquisição dos direitos, diferente do que ocorria no Código Civil de 1916, mais precisamente no artigo 74, que dispõe: Art. 74. Na aquisição dos direitos se observarão estas regras: I - adquirem-se os direitos mediante ato do adquirente ou por intermédio de outrem; II - pode uma pessoa adquiri-los para si, ou para terceiros;

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Negócios Jurídicos III - dizem-se atuais os direitos completamente adquiridos, e futuros os cuja aquisição não se acabou de operar. Parágrafo único. Chama-se deferido o direito futuro, quando sua aquisição pende somente do arbítrio do sujeito; não deferido, quando se subordina a fatos ou condições falíveis.

No entanto, mesmo não fazendo mais parte do nosso Código Civil atual, como se trata de conceito consagrado pela doutrina, ainda é bastante utilizado. (GAGLIANO, 2006, p. 335). Antes de se estudar a aquisição de direitos propriamente dita, faz-se necessário o esclarecimento de alguns conceitos fundamentais, expressos no já mencionado art. 74, III, do Código Civil anterior, tais como a terminologia direito atual, direito futuro, dentre outros, que, no entanto, como já foi dito, continuam com sua essência preservada. 3.1.1 Conceituações necessárias Antes de você estudar as formas de aquisição, é necessário entender os conceitos de: •• direito atual; •• direito futuro; •• direitos eventuais; •• expectativa de direito; •• direitos condicionais. Direito atual é o que, tendo sido adquirido, está em condições de ser exercido, por estar incorporado ao patrimônio do adquirente. Direito futuro é aquele cuja aquisição ainda não se operou, que não pode ser exercido. Sua realização depende de uma condição ou prazo. Há fatos que devem acontecer, para que esse direito se aperfeiçoe. Por exemplo: no compromisso de compra e venda de imóveis a prazo, o direito real só surgirá com o pagamento final do preço e o registro no competente Cartório do Registro de Imóveis. A expressão direito futuro abrange gênero que compreende todas as relações potenciais ainda não exercíveis ou exercitáveis, por faltar-lhes um ou outro elemento. O direito não se corporificou. Com essa terminologia, compreendemos não só os direitos a termo e os condicionais, propriamente ditos, como também os chamados direitos eventuais, matéria da qual nos ocuparemos a seguir. Nesse sentido, Silvio de Salvo Venosa (2007) ainda elucida que o direito futuro

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Capítulo 1 pode ser deferido. É, conforme a lei, aquele que, para o complemento de sua aquisição há dependência exclusiva de um ato do próprio sujeito, de sua própria aceitação. São exemplos dessa categoria a situação do herdeiro ou do legatário na transmissão da herança. Em que pese a herança se transmitir automaticamente, o ato jurídico só se completa pela aceitação dos titulares, pois os herdeiros podem renunciar à herança. O direito futuro será não deferido quando, para seu aperfeiçoamento, houver dependência de condições falíveis, que escapam ao mero arbítrio do interessado. É o caso da promessa de recompensa, pois dependerá de credor, inicialmente incerto, que aceite e realize as condições da promessa, para que possa exigir recompensa. O direito eventual é direito incompleto, que pode ter vários aspectos. O direito eventual é direito futuro, pois depende de um acontecimento para completar-se, mas já apresenta características embrionárias, isto é, já apresenta características em alguns de seus elementos constitutivos. Trata-se de relação jurídica ainda incompleta. Podem ser exemplificados pela venda de coisa alheia: quem vende algo que ainda não possui, fica na dependência de adquirir a coisa para poder transmiti-la. Nesses casos, os direitos já se apresentam moldados, faltando apenas um ou alguns elementos para completá-los. Pode ser direito quase completo, apresentando-se como direito futuro, mas, com certa relação com o presente, já desfruta de alguma proteção jurídica. Algumas vezes o direito se forma gradativamente. Na fase preliminar, quando há apenas esperança ou possibilidade de que ele seja adquirido, a situação é de expectativa de direito. Consiste esta, pois, na mera possibilidade de se adquirir um direito, tal qual ocorre no direito sucessório. (GONÇALVES, 2008, p. 321). A lei só concede proteção jurídica quando a expectativa de direito se transforma em direito eventual, isto é, quando a expectativa se converte em direito. Enquanto não houver proteção jurídica, estaremos diante de mera expectativa, e não de um direito. (VENOSA, 2007, p. 391). Os direitos condicionais partem da noção de condição dada pelo art. 121 do Código Civil: condição é a cláusula que subordina o ato jurídico a evento futuro e incerto. Direitos condicionais, portanto, são os subordinados a evento futuro e incerto. Para tanto, o Código Civil define: “Considera-se condição a cláusula que, derivando exclusivamente da vontade das partes, subordina o efeito do negócio jurídico a evento futuro e incerto.” (art. 121). Tanto nos direitos eventuais como nos condicionais existe subordinação a evento futuro e incerto. Há numerosas coincidências nessas duas categorias.

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Negócios Jurídicos Os direitos eventuais, contudo, trazem elemento futuro e incerto inerente e essencial ao próprio negócio jurídico, enquanto, nos direitos condicionais, o fato dito condicional é externo ao ato. Nem todo elemento futuro e incerto deve ser considerado condição. O negócio jurídico eventual é negócio jurídico ainda incompleto o qual necessita que algo ocorra para completar-se. É de índole interna. Quem vende, por exemplo, coisa que ainda não tem, depende de obtê-la para poder transmiti-la. Nos direitos condicionais, o direito já se perfez. Apenas se agregou um elemento externo, uma condição, para ser exercido, uma vez que sua existência jurídica depende desse elemento condicional. A condição aposta a um direito é acessória. No direito eventual, o evento futuro e incerto é essencial à integração do direito. Temos de concluir que, para fins práticos, tanto o direito eventual como o direito condicional devem ser tratados de maneira idêntica. (VENOSA, 2007, p. 389-392). Feitas as considerações necessárias no tocante à contextualização do modo de aquisição dos direitos, buscaremos, a partir de agora, compreender sua classificação. Inicialmente, a aquisição dos direitos poderá ser originária ou derivada. (GONÇALVES, 2008, p. 320). 3.1.2 Formas de classificar a aquisição A aquisição de direitos pode ser originária, derivada, gratuita ou onerosa, ou a título singular ou universal. Será originária quando a aquisição ocorre no momento do surgimento do direito; do início da relação jurídica. Ou seja, quando se dá sem qualquer interferência do anterior titular. Ocorre, por exemplo, na ocupação de coisa sem dono: nasce o direito de se obter a posse, mesmo que o imóvel tenha sido direito de propriedade anterior de alguém. Derivada é a aquisição que decorre de transferência feita por outra pessoa. Nesse caso, o direito é adquirido com todas as qualidades ou defeitos do titulo anterior, visto que ninguém pode transferir mais direitos do que tem. Por exemplo, o direito de usufruto deriva do direito à propriedade ou posse. Mas o direito ao usufruto não é, exatamente, um direito originário, pois não deriva de uma relação jurídica. Classificamos uma aquisição como gratuita ou onerosa de acordo com a existência, ou não, de uma contraprestação para a aquisição do direito. Quanto à sua extensão, poderá ser a título singular ou universal: ocorre no tocante a bens determinados: em relação ao comprador, na sucessão inter vivos, e em relação ao legatário, na sucessão causa mortis. A título universal, quando o adquirente sucede o seu antecessor na totalidade de seus direitos, como se dá com o herdeiro. 17

Capítulo 1

3.2 Conservação de direitos Em se tratando da segunda modalidade da finalidade negocial, qual seja, a conservação de direitos, entende-se que, para resguardar ou conservar seus direitos, o titular deverá valer-se de algumas medidas, muitas vezes de caráter acautelatório, podendo ser sistematizadas, segundo Pablo Stolze Gagliano (2006, p. 337), da seguinte forma: •• Atos de conservação: atos praticados pelo titular do direito para evitar o perecimento, turbação, esbulho de seu direito. É o exemplo evidente das medidas e ações cautelares. •• Atos de defesa do direito lesado: tendo ocorrido a violação ao direito, o ajuizamento de ações cognitivas ou executivas, no exercício do direito constitucional de ação (art. 5º, XXXV, da CF/88), é a medida adequada para a conservação do direito. •• Atos de defesa preventiva: antes mesmo da violação – mas diante da sua ameaça evidente – é possível o ajuizamento de procedimentos próprios para uma defesa preventiva, como é o caso dos interditos proibitórios ou no estabelecimento de cláusulas contratuais, com evidente característica de defesa preventiva extrajudicial, como, por exemplo, a fiança. •• Autotutela: ocorrida a violação, a ordem jurídica admite, sempre excepcionalmente, a pratica de atos de autotutela, como por exemplo, o direito de greve, no direito do trabalho.

3.3 Modificação de direitos Para melhor compreensão desse item, podemos dizer que os direitos subjetivos nem sempre conservam suas características originárias ou permanecem inalterados no decorrer de sua existência, o que significa que podem sofrer modificações. Para grande parte da doutrina, as modificações podem ser objetivas ou subjetivas:

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Negócios Jurídicos

A modificação objetiva diz respeito ao seu objeto. A alteração pode ser tanto de quantidade – volume, ou qualidade – conteúdo de objeto ou direitos. Pode afetar a quantidade ou a qualidade do direito, forma ou intensidade de exercê-lo. A modificação subjetiva refere-se ao titular. É a alteração da titularidade do objeto ou direito, pode-se dar tanto pela substituição do sujeito ativo ou passivo quanto pela multiplicação ou concentração de sujeitos ou mesmo desdobramento da relação jurídica. É como se o alienante perdesse o direito para quem alienou.

Como exemplo, temos o contrato de compra e venda. Nele, o antigo proprietário perde o direito de domínio do bem, no entanto o direito à propriedade ainda existe, sendo este exercido pelo comprador que, a partir desse momento, será o novo titular. Ressalte-se que a modificação subjetiva é possível para a maioria dos direitos, exceto aos direitos personalíssimos. (GAGLIANO, 2006, p. 336).

3.4 Extinção de direitos Assim como podem ser adquirido, conservado ou modificado, o direito também poderá ser extinto. Aliás, são várias as razões que podem autorizar a extinção dos direitos. Para Carlos Roberto Gonçalves (2008, p. 324), costumam ser mencionadas, entre outras, as seguintes: o perecimento do objeto sobre o qual recaem, alienação, renúncia, escoamento do prazo, prescrição e decadência. Algumas causas de extinção podem ser: •• objetivas (perecimento do objeto sobre o qual recaem), •• subjetivas (quando o direito é personalíssimo e morre o seu titular); e outras ainda, •• concernentes ao vinculo jurídico (perecimento da própria pretensão ou do próprio direito material, como na prescrição e na decadência). Finalizado o estudo das classificações atinentes aos fatos jurídicos propriamente ditos e considerando o estudado na finalidade negocial, o próximo tópico se destina à abordagem do Negócio Jurídico, modalidade de ato jurídico em sentido amplo.

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Capítulo 2 Negócio jurídico

Habilidades

Este capítulo desenvolverá em você a habilidade de conceituar e classificar os negócios jurídicos. Além disso, ao final do seu estudo, você estará apto/a a distinguir o que é necessário para que um negócio jurídico tenha existência, validade e eficácia.

Seções de estudo

Seção 1:  Negócio jurídico: contextualização e conceito Seção 2:  Classificação dos negócios jurídicos Seção 3:  Planos de existência, validade e eficácia

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Capítulo 2

Seção 1 Negócio jurídico: contextualização e conceito Neste tópico, será abordado o negócio jurídico, parte da matéria considerada fundamental para a compreensão dos demais conceitos da parte geral, bem como da parte especial do Código Civil. É no negócio jurídico que reside toda a essência para a formação das relações jurídicas e a formalização das obrigações. Historicamente, o negócio jurídico teve início na doutrina germânica, conforme contextualiza Pablo Stolze Gagliano (2006, p. 347): A categoria dos negócios jurídicos desenvolveu-se graças ao labor da doutrina germânica em período relativamente recente. Por isso, Clóvis Bevilaqua, ao elaborar o Código Civil em 1899, não cuidou de dispensar a devida atenção, deixando de consagrá-la em seu projeto. Aliás, analisando as suas normas, verificamos que, em nenhum momento, utilizou-se a expressão negócio jurídico, não obstante o tratamento legal dado ao “ato jurídico” fosse perfeitamente aplicável. Tal inconveniente foi contornado pelo Novo Código Civil, cuja Parte Geral, da lavra do Min. Moreira Alves, merecedora de justos elogios, disciplina exaustivamente a categoria de negócios jurídicos, sem desconsiderar os atos jurídicos em sentido estrito. A partir do Código Civil atual, pode-se dizer que houve uma verdadeira revolução no modo de se visualizarem as obrigações, os contratos, o casamento e, sobretudo, os negócios jurídicos, já que profundas foram as alterações sociais e econômicas pelas quais passou o mundo civilizado. Importante salientar que o Código Civil de 2002 não buscou conceituar tanto o ato jurídico stricto sensu quanto o negócio jurídico, demonstrando somente quais seriam os seus elementos estruturais (art. 104 do CC). O foco principal do negócio jurídico, a manifestação da vontade, sofreu um verdadeiro impacto, apontando alguns autores que é praticamente impossível, hoje, a sua manifestação inequívoca e plena, a exemplo dos contratos de adesão. (TARTUCE, 2011, p. 314). Ou seja, o negócio jurídico passou por algumas mudanças significativas ao longo dos tempos. No negócio jurídico há uma composição de interesses, um regramento bilateral de condutas, como ocorre na celebração de contratos. A manifestação da vontade tem finalidade negocial, que, como já vimos no capítulo anterior, em geral se traduz em criar, adquirir, transferir, modificar ou extinguir direitos. (GONÇALVES, 2008, p. 326).

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Negócios Jurídicos Para Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona (2010, p. 353), “negócio jurídico é a declaração de vontade, emitida em obediência aos seus pressupostos de existência, validade e eficácia, com o propósito de produzir efeitos admitidos pelo ordenamento jurídico pretendidos pelo agente.” Já Maria Helena Diniz conceitua o negócio jurídico como o “poder de autorregulação dos interesses que contém a enunciação de um preceito, independentemente do querer interno.” (DINIZ, 2004, p. 472)

Seção 2 Classificação dos negócios jurídicos Conceituado o negócio jurídico, passamos ao estudo da sua classificação. Em se tratando da classificação dos negócios jurídicos, além de ser extensa, há clara divergência doutrinária no tocante à sua concepção e subdivisão. Desta forma, optamos pela classificação que se apresenta de maneira mais didática, qual seja, a de Carlos Roberto Gonçalves (2008, p. 327-337), que dispõe poderem os negócios jurídicos ser classificados em: •• unilaterais, bilaterais e plurilaterais; •• gratuitos, onerosos, neutros e bifrontes; •• inter vivos e mortis causa; •• principais e acessórios; •• solenes ou formais e não solenes ou de forma livre; •• simples, complexos e coligados; •• dispositivos e obrigacionais; •• fiduciário e simulado. Confira o que determina cada classificação.

2.1 Unilaterais, bilaterais e plurilaterais Quanto ao número de declarantes ou de manifestações de vontade necessárias ao seu aperfeiçoamento, os negócios jurídicos classificam-se em unilaterais, bilaterais ou plurilaterais.

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Capítulo 2 2.1.1 Negócios jurídicos unilaterais Negócios jurídicos unilaterais são os que se aperfeiçoam com uma única manifestação de vontade (Exemplo: testamento, codicilo, instituição de fundação, aceitação e renúncia da herança, promessa de recompensa etc.). Subdividem-se em duas espécies: •• receptícios – são aqueles em que a declaração de vontade tem de se tornar conhecida do destinatário para produzir efeitos (exemplo: denúncia ou resilição de um contrato, revogação de mandato etc.); •• não receptícios – são aqueles em que o conhecimento por parte de outras pessoas é irrelevante (exemplo: testamento, confissão de dívida etc.). 2.1.2 Negócios jurídicos bilaterais Negócios jurídicos bilaterais são aqueles que se perfazem com duas manifestações de vontade coincidentes sobre o objeto. Essa coincidência chamase consentimento mútuo ou acordo de vontades (contratos em geral). Podem existir várias pessoas no polo ativo e, também, várias no polo passivo, sem que o contrato deixe de ser bilateral pela existência de duas partes, pois estas não se confundem com aquelas. Em outras palavras, o que torna o contrato bilateral é a existência de dois polos distintos, independentemente do número de pessoas que integre cada polo. 2.1.3 Negócios jurídicos plurilaterais Negócios jurídicos plurilaterais são os contratos que envolvem mais de duas partes, ou seja, mais de dois polos distintos (exemplo: contrato social de sociedades com mais de dois sócios).

2.2 Gratuitos, onerosos, neutros e bifrontes Quanto às vantagens patrimoniais que podem produzir, os negócios jurídicos classificam-se em gratuitos e onerosos, neutros e bifrontes. 2.2.1 Negócios jurídicos gratuitos Negócios jurídicos gratuitos são aqueles em que só uma das partes aufere vantagens ou benefícios (Exemplo: doação pura ou comodato).

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Negócios Jurídicos 2.2.2 Negócios jurídicos onerosos Negócios jurídicos onerosos são aqueles em que ambos os contratantes auferem vantagens ou benefícios, aos quais, porém, corresponde uma contraprestação (Exemplo: compra e venda, empreitada, locação etc.). Pode-se dizer, portanto, que todo negócio oneroso é bilateral, mas a recíproca não é verdadeira (Exemplo: doação, comodato). Os negócios jurídicos onerosos podem ser: •• comutativos – quando a prestação de uma parte depende de uma contraprestação da outra, que é equivalente, certa e determinada; •• aleatórios – quando a prestação de uma das partes depende de acontecimentos incertos e inesperados. A álea, a sorte, é elemento do negócio (Exemplo: contrato de seguro). 2.2.3 Negócios jurídicos neutros Há negócios que não podem ser incluídos na categoria dos onerosos, nem dos gratuitos, pois lhes falta atribuição patrimonial. São chamados de neutros e se caracterizam pela destinação dos bens. Em geral, coligam-se aos negócios translativos, que têm atribuição patrimonial, como, por exemplo, a instituição das cláusulas de inalienabilidade e incomunicabilidade. 2.2.4 Negócios jurídicos bifrontes Negócios jurídicos bifrontes são os contratos que podem ser onerosos ou gratuitos, segundo a vontade das partes (Exemplo: mútuo, mandato, depósito etc.). A conversão de negócio jurídico só se torna possível, se o contrato é definido na lei como negócio gratuito, pois a vontade das partes não pode transformar um contrato oneroso em gratuito, uma vez que subverteria a sua causa. Nem todos os contratos gratuitos podem ser convertidos em onerosos por convenção das partes. A doação e o comodato, por exemplo, ficariam desfigurados, se tal acontecesse, pois se transformariam, respectivamente, em venda e locação.

2.3 Negócios jurídicos inter vivos e causa mortis Considerando o momento da produção dos efeitos, os negócios jurídicos podem ser classificados em inter vivos e causa mortis.

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Capítulo 2 Inter vivos – destinam-se a produzir efeitos desde logo, isto é, estando as partes ainda vivas (Exemplo: promessa de venda e compra). Causa mortis – são os negócios jurídicos destinados a produzir efeitos após a morte do agente (Exemplo: testamento).

2.4 Negócios jurídicos principais e acessórios Quanto ao modo de existência, os negócios jurídicos poderão ser principais e acessórios. Negócios jurídicos principais são os negócios jurídicos que têm existência própria e não dependem da existência de qualquer outro para produzir efeitos (Exemplo: compra e venda, locação etc.). Negócios jurídicos acessórios são os que têm sua existência subordinada a um negócio jurídico principal (Exemplo: cláusula penal, fiança etc.), de forma que seguem o destino do principal. Extinta a obrigação principal, extingue-se também a acessória, mas o contrário não persiste.

2.5 Negócios solenes ou formais e não solenes ou de forma livre Em relação às formalidades a serem observadas, os negócios jurídicos estão subdivididos em solenes ou formais e não solenes ou de forma livre. 2.5.1 Negócios jurídicos solenes ou formais São os negócios jurídicos que devem obedecer à forma prescrita em lei para que se aperfeiçoem. Quando a forma é exigida como condição de validade do negócio, este é solene e a formalidade é ad solemnitatem, isto é, constitui a própria substância do ato (Exemplo: escritura pública na alienação de imóvel, no testamento público etc.). Mas determinada forma pode ser exigida apenas como prova do ato. Nesse caso, se diz tratar-se de uma formalidade ad probationem tantum (Exemplo: assento do casamento no livro de registro – art. 1536). 2.5.2 Negócios jurídicos não solenes ou de forma livre Em regra, os negócios jurídicos obedecem a forma livre. Como a lei não reclama nenhuma formalidade para o seu aperfeiçoamento, podem ser celebrados por qualquer forma, inclusive a verbal (art. 107 – CC).

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Negócios Jurídicos

2.6 Negócios jurídicos simples, complexos e coligados Quanto ao número de atos necessários, classificam-se em negócios jurídicos simples, complexos ou coligados. Simples são os negócios que se constituem por ato único. Complexos são os que resultam da fusão de vários atos com eficácia independente.

Compõem-se de várias declarações de vontade, que se completam, emitidas pelo mesmo sujeito ou diferentes sujeitos, para a obtenção dos efeitos jurídicos pretendidos na sua unidade (Exemplo: alienação de um imóvel em prestações, que se inicia pela celebração de um compromisso de compra e venda e se completa com a outorga da escritura definitiva). O negócio jurídico complexo é único e não se confunde com o coligado. Coligados são os que se compõem de vários outros negócios jurídicos distintos (Exemplo: arrendamento de posto de gasolina, coligado pelo mesmo instrumento ao contrato de locação das bombas, de comodato de área para funcionamento de lanchonete, de fornecimento de combustível, de financiamento etc.).

2.7 Negócios jurídicos dispositivos e obrigacionais Considerando as modificações que podem produzir, os negócios jurídicos poderão ser dispositivos ou obrigacionais. Dispositivos são aqueles utilizados pelo titular para alienar, modificar ou extinguir direitos (Exemplo: a constituição de usufruto em favor de terceiro). Obrigacionais são os que, por meio de manifestações de vontade, geram obrigações para uma ou para ambas as partes, possibilitando às mesmas a exigência de uma contraprestação (Exemplo: compra e venda. Um se dispõe a pagar o preço e o outro a entregar a coisa).

2.8 Negócio fiduciário e negócio simulado Por derradeiro, quanto ao modo de obtenção do resultado, o negócio jurídico pode ser fiduciário e simulado. Negócio fiduciário é aquele em que alguém, o fiduciante, transmite um direito a outrem, o fiduciário, que se obriga a devolver esse direito ao patrimônio do transferente ou a destiná-lo a outro fim. Visam as partes um fim prático,

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Capítulo 2 realizando um negócio cujos efeitos ultrapassam os objetivos do que foi celebrado. Há uma discrepância entre o negócio jurídico utilizado e os fins a serem buscados. Negócio simulado é o que tem aparência contrária à realidade, ou seja, não é válido. Embora, nesse sentido, seja semelhante ao negócio fiduciário, neste as declarações de vontade são falsas (Exemplo: declarações falsas para fraudar o Fisco). Finalizando esta etapa, analisaremos nesse momento as regras referentes aos elementos constitutivos do negócio jurídico, já apontadas anteriormente, quais sejam, os Planos de Existência, Validade e Eficácia.

Seção 3 Planos de existência, validade e eficácia Seguindo a linha dos doutrinadores que estudam o tema, Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona (2010, p. 354-355) entendem que, para apreendê-lo sistematicamente – e não simplesmente reproduzir regras positivadas –, faz-se mister analisá-lo sob os três planos em que pode ser visualizado:

Existência: um negócio jurídico não surge do nada, exigindo-se, para que seja considerado como tal, o atendimento a certos requisitos mínimos; Validade: o fato de um negócio jurídico ser considerado existente não quer dizer que ele seja considerado perfeito, ou seja, com aptidão legal para produzir efeitos; Eficácia: ainda que um negócio jurídico existente seja considerado válido, ou seja, perfeito para o sistema que o concebeu, isto não importa em produção imediata de efeitos, pois estes podem estar limitados por elementos acidentais da declaração.

Estes três Planos (Existência – Validade – Eficácia) são denominados pela doutrina como a “Escada Ponteana”, em homenagem ao grande jurista brasileiro Pontes de Miranda. Observe o gráfico:

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Negócios Jurídicos Figura 2.1 - Escada ponteana: existência, validade e eficácia

Plano da eficácia: • condição; • termo; • consequências do inadimplemento negocial (juros, multas, perdas e danos); • outros elementos. (efeitos do negócio)

Plano da validade: • capacidade (do agente); • liberdade (da vontade ou consentimento); • licitude, possibilidade, determinabilidade (do objeto); • adequação (das formas). (requisitos da validade)

Plano da existência: • agente; • vontade; • objeto; • forma. (pressupostos de  existência)

Fonte: Tartuce (2011, p. 320).

Vejamos, cada um deles pormenorizadamente.

3.1 Plano de existência Inicialmente, não discutiremos a validade ou eficácia do negócio jurídico, mas tomaremos como base a existência, ou não, do mesmo. Para isso, o Plano de Existência é composto por alguns elementos constitutivos ou denominados pressupostos de validade, que, para Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (2010, p. 360), são: •• manifestação de vontade; •• agente emissor da vontade; •• objeto; e •• forma.

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Capítulo 2 3.1.1 Manifestação da vontade A manifestação de vontade pode ser expressa (quando for demonstrada pela palavra escrita ou falada, ou por meio de gestos e sinais) ou, ainda, poderá ser tácita (quando resultante de um comportamento do agente). (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2010, p. 363). Entende-se, ainda, que o silêncio também pode significar manifestação de vontade, conforme determina o Art. 111 do CC: “O silêncio importa anuência, quando as circunstâncias ou os usos o autorizarem, e não for necessária a declaração de vontade expressa.” Ou, ainda, o Art. 147 também do CC: “Nos negócios jurídicos bilaterais, o silêncio intencional de uma das partes a respeito de fato ou qualidade que a outra parte haja ignorado, constitui omissão dolosa, provando-se que sem ela o negócio não se teria celebrado.” Note-se que o emprego de meios que neutralizem a manifestação volitiva, tais como a violência física ou, até mesmo, a hipnose, torna inexistente o negócio jurídico. Ainda em se tratando da manifestação da vontade, temos a reserva mental. Ocorre reserva mental quando um dos declarantes oculta a sua verdadeira intenção, isto é, quando não quer um efeito jurídico que declara querer. Tem por objetivo enganar o outro contratante ou declaratário. Se este, entretanto, não soube da reserva, o ato subsiste e produz os efeitos que o declarante não desejava. Ou seja, a reserva é o que se passa na mente do declarante, não produzindo efeitos.

Carlos Roberto Gonçalves (2008, p. 352) esclarece: Alguns exemplos são mencionados, ora agindo o declarante de boa-fé, ora de má-fé. Da primeira hipótese é aquele em que o declarante manifesta a sua vontade no sentido de emprestar dinheiro a um amigo (contrato de mútuo), porque este tinha a intenção de suicidar-se por estar em dificuldades financeiras. A intenção do declarante não é a de realizar o contrato de mútuo, mas, tão somente, salvar o amigo do suicídio. Ainda assim, o propósito do engano continua presente, sendo hipótese típica de reserva mental.

Passemos ao próximo elemento, qual seja, o agente emissor da vontade.

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Negócios Jurídicos 3.1.2 Agente emissor da vontade Ora, sem o sujeito, não se pode falar em ato, mas, tão somente, em fato jurídico em sentido estrito. A participação do sujeito de direito (pessoa natural ou jurídica) é indispensável para a configuração existencial do negócio jurídico. (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2010 p. 362). Ou seja, o negócio jurídico dependerá de uma pessoa para manifestar sua vontade. Importa salientar que uma parcela significativa da doutrina trata este elemento juntamente com o anterior, formando um só elemento, denominado manifestação ou declaração de vontade, ou, apenas, vontade. A subdivisão desses elementos foi realizada com o intuito de promover a compreensão do tema de maneira mais didática. 3.1.3 Objeto Todo negócio jurídico pressupõe a existência de um objeto, sendo este não necessariamente um bem exclusivamente material mas também imaterial, como no caso de um contrato de direito autoral. Assim, na análise do objeto, Sebastião José de Assis Neto (2009, p. 167) observa que o conteúdo das obrigações contraídas pelas partes também está englobado no objeto. Para o autor, deve-se observar que o objeto do negócio engloba não só um bem especificamente descrito na declaração de vontade mas ainda o conteúdo das obrigações contraídas pelas partes. 3.1.4 Forma Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona (2010, p. 363) entendem que a forma é o meio pelo qual a declaração se exterioriza, ou, em outras palavras, o tipo de manifestação através do qual a vontade chega ao mundo exterior. Sem uma forma pela qual se manifeste a vontade, por óbvio, o negócio jurídico inexiste, uma vez que a simples intenção encerrada na mente do agente (cogitação) não interessa para o direito. Importante que não se confunda a forma como se exterioriza a declaração, que é elemento constitutivo, com a forma legalmente prescrita, que é requisito de validade. Assim, é possível que um negócio exista, mas não atenda ao requisito da forma legalmente prescrita, o que poderia torná-lo inválido, embora existente. (OLIVEIRA, 2012). Encerrado o estudo do Plano de Existência, passa-se à abordagem do Plano de Validade do Negócio Jurídico. Vejamos:

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Capítulo 2

3.2 Plano de validade do negócio “A validade do negócio jurídico requer: I – agente capaz; II – objeto lícito possível, determinado ou determinável; III – forma prescrita ou não defesa em lei.” (CC. Art. 104). 3.2.1 Agente capaz São capazes as pessoas que estão aptas a exercer pessoalmente os atos da vida civil. Lembre-se: nada impede que a pessoa considerada incapaz seja titular do direito a ponto de realizar um negócio jurídico, no entanto esta deverá ser representada ou assistida conforme a sua incapacidade. Relembre: Quadro 2.1 - Incapacidade absoluta e incapacidade relativa

Incapacidade Absoluta art. 3º Representação          

Incapacidade Relativa art. 4º         

Tutor                     Assistência

Art. 3º São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil:

Art. 4o São incapazes, relativamente a certos atos, ou à maneira de os exercer:

I - os menores de dezesseis anos;

I - os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos;

Representação                 

Curador                   Assistência

II - os que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para a prática desses atos;

II - os ébrios habituais, os viciados em tóxicos, e os que, por deficiência mental, tenham o discernimento reduzido;

III - os que, mesmo por causa transitória, não puderem exprimir sua vontade.

III - os excepcionais, sem desenvolvimento mental completo; IV - os pródigos.

Fonte: Elaboração do autor (2014).

Esse pressuposto está diretamente vinculado ao estudado na Introdução ao Direito Civil. Desta forma, resta-nos esclarecer alguns pontos no tocante à figura da representação. O negócio jurídico é realizado ou celebrado pelas partes diretamente, na maioria dos casos. Mas um terceiro pode agir em nome e no interesse da pessoa que é parte no negócio jurídico (representado), para tanto exercendo determinados poderes. Essa intermediação denomina-se representação, e a pessoa que age em nome de outra é o representante. (LOBO, 1986, p. 255).

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Negócios Jurídicos O Código Civil traz um capítulo dedicado à Representação, conforme se observa: CAPÍTULO II Da Representação Art. 115. Os poderes de representação conferem-se por lei ou pelo interessado. Art. 116. A manifestação de vontade pelo representante, nos limites de seus poderes, produz efeitos em relação ao representado. Art. 117. Salvo se o permitir a lei ou o representado, é anulável o negócio jurídico que o representante, no seu interesse ou por conta de outrem, celebrar consigo mesmo. Parágrafo único. Para esse efeito, tem-se como celebrado pelo representante o negócio realizado por aquele em quem os poderes houverem sido subestabelecidos. Art. 118. O representante é obrigado a provar às pessoas, com quem tratar em nome do representado, a sua qualidade e a extensão de seus poderes, sob pena de, não o fazendo, responder pelos atos que a estes excederem. Art. 119. É anulável o negócio concluído pelo representante em conflito de interesses com o representado, se tal fato era ou devia ser do conhecimento de quem com aquele tratou. Parágrafo único. É de cento e oitenta dias, a contar da conclusão do negócio ou da cessação da incapacidade, o prazo de decadência para pleitear-se a anulação prevista neste artigo. Art. 120. Os requisitos e os efeitos da representação legal são os estabelecidos nas normas respectivas; os da representação voluntária são os da Parte Especial deste Código.

Chama a atenção o disposto no art. 117 em relação à restrição legal para a realização do autocontrato, ou contrato consigo mesmo. É importante destacar, segundo Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (2010, p. 379), que o contrato consigo mesmo, enquanto manifestação de uma representação, em uma interpretação a contrario sensu do dispositivo legal, é aceitável, desde que a modalidade contratual adotada seja permitida legalmente ou, omissa a norma legal, desde que houver livre manifestação de vontade do representado. Carlos Roberto Gonçalves (2008, p. 366) classifica a representação em três espécies: a legal, judicial e convencional.

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Capítulo 2 •• Representação legal decorre de lei, ou seja, a lei confere poderes para administrar bens e interesses alheios, como, por exemplo, os curadores em relação aos curatelados. •• Representação judicial é aquela em que o juiz nomeia o representante como nos casos do inventariante nomeado para cuidar dos interesses de herdeiros etc. •• Representação convencional é a espécie em que o indivíduo nomeia um representante para que este o represente em determinados atos, seja de forma geral ou especial. Pode ser exemplificada como aquela em que o representante poderá alienar ou dar quitação pelo representado. Feitas as elucidações em relação à Representação, passa-se ao próximo pressuposto que é a licitude do objeto. 3.2.2 Licitude, possibilidade e determinação do objeto Continuando, o art. 104, II determina que a validade do negócio jurídico requer, ainda, objeto lícito, possível, determinado ou determinável. Pois bem. Objeto lícito é aquele que não atenta contra a lei, a moral ou os bons costumes. O objeto deve ser, também, possível. Quando impossível, o negócio é nulo. A impossibilidade pode ser física ou jurídica. Impossibilidade física - A impossibilidade física é aquela que emana das leis físicas ou naturais. Deve ser absoluta, isto é, atingir a todos, indistintamente. A relativa, que atinge o devedor, mas não outras pessoas, não constitui obstáculo ao negócio jurídico (Art. 106 do CC/02). Impossibilidade jurídica - A Impossibilidade jurídica do objeto ocorre quando o ordenamento jurídico proíbe, expressamente, negócios a respeito de determinado bem, como a herança de pessoa viva (CC. art. 426) e alguns bens fora do comércio. O objeto do negócio jurídico deve ser, igualmente, determinado ou determinável (indeterminado relativamente ou suscetível de determinação no momento da execução). (GONÇALVES, 2008, p. 359). 3.2.3 Forma prescrita ou não defesa em lei A forma do negócio jurídico em princípio é livre, quando não for substancial. A desobediência à forma prescrita em lei é a causa da nulidade, a modalidade mais forte de invalidade. A forma que invalida é substancial – formalismo negocial (ad substantiam) – e não a formalidade com finalidade simplesmente probatória (ad probationem).

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Negócios Jurídicos A forma substancial tem por objetivo obrigar as pessoas a refletir sobre as consequências daquele negócio jurídico, a facilitar o reconhecimento do negócio jurídico por terceiros e quando se impuser maior segurança. A forma especial só pode ser exigida quando a lei assim determinar, para determinadas situações. (LOBO, p. 250). Do ponto de vista da forma, o negócio jurídico é solene (ou formal) se a manifestação de vontade precisa ser feita de uma forma especial e solene (forma prevista em lei).

Para finalizar, podemos concluir que a regra geral de liberdade de forma só poderá ser rebatida quando a lei expressamente o determinar. Passamos agora ao último plano da escada ponteana.

3.3 Plano de eficácia do negócio jurídico Percebe-se que alguns negócios jurídicos não produzem efeitos imediatamente depois de realizados. No entanto podem as partes estabelecer cláusulas, de modo que os efeitos desses negócios estejam subordinados a acontecimentos futuros para que passem a ser exigíveis. A estes acontecimentos podemos denominar de condição, termo e modo ou encargo. Para a doutrina, esses acontecimentos também podem ser chamados de elementos acidentais do negócio jurídico. 3.3.1 Condição A condição é a cláusula contratual acessória, derivada da vontade das partes, que subordina a eficácia do negócio jurídico a um acontecimento futuro e incerto. A condição poderá ser de duas espécies: suspensiva ou resolutiva.

De acordo com o art. 125 do Código Civil, a condição suspensiva não deixa acontecerem os efeitos práticos do negócio até a sua ocorrência, isto é, os efeitos do negócio passam a ocorrer no momento em que a condição acontece. Fábio Ulhoa Coelho (2003, p. 318), exemplifica: Se Darcy, produtor de laranjas, vende a Evaristo, que fabrica suco, todas as frutas de sua próxima safra, podem eles pactuar que o negócio fique sujeito à colheita. Quer dizer, caso se perca a produção em razão de uma geada, Darcy não será obrigado a vender a laranja, nem Evaristo a comprá-la. O negócio jurídico existe, é valido, mas somente produzirá efeitos se houver a colheita.

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Capítulo 2 Na condição suspensiva, os efeitos do negócio jurídico só se projetam com a verificação do evento (art. 125, CC) e, na resolutiva, deixam de existir caso o evento se verifique (art. 127, CC). O exemplo da venda da laranja condicionada à colheita da safra é pertinente à condição suspensiva. Para exemplificar a condição resolutiva, Paulo Lobo (1986, p. 265) expõe: pagolhe uma mesada até a conclusão de seu curso universitário, ou seja, o negócio jurídico produz desde já seus efeitos, que se extinguirão quando a condição se concretizar. O negócio existe, é valido, e seus efeitos acontecem desde o momento do pagamento da mesada até o da conclusão do curso universitário. Neste caso, a condição resolutiva é o “término do curso universitário”. A doutrina costuma proibir as condições que privarem de todo efeito o negócio jurídico (perplexas); as que o sujeitarem ao puro arbítrio de uma das partes (denominadas puramente potestativas); as ilícitas, as física ou juridicamente impossíveis e as incompreensíveis ou contraditórias. (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2010, p. 445). 3.3.2 Termo e prazo Denomina-se Termo o que o direito civil considera o início e o fim do tempo do negócio jurídico. O termo é a determinação acessória, estabelecida pelas partes, que condiciona a produção dos efeitos práticos do negócio a um acontecimento futuro e certo. Todo negócio jurídico tem termos inicial e final, até mesmo quando aparenta ser instantâneo. Quando alguém fez uma proposta de venda de algo e o outro imediatamente aceitou, houve algum tempo – minutos, segundos – entre a aceitação, que fez exsurgir o início do negócio jurídico, e o pagamento do preço após a entrega da coisa, que é seu termo final. (LOBO, 1986, p. 267). Assim como a condição, esta cláusula refere-se a acontecimento futuro, ficando descaracterizada no caso de o evento já ter ocorrido. O termo não suspende a aquisição do direito por ser evento futuro, mas dotado de certeza. Difere da condição, que subordina a eficácia do negócio a evento futuro e incerto. Sendo o termo um acontecimento certo, inexiste estado de pendência, não se cogitando de retroatividade, existente apenas no negócio condicional. O titular do direito a termo pode, com maior razão, exercer sobre ele atos conservatórios. Pode ocorrer, em certos casos, a conjugação de uma condição e um termo no mesmo negócio jurídico. Por exemplo: “dou-te um consultório se te formares em medicina até os 25 anos.” (GONÇALVES, 2008, p. 391). Para Carlos Roberto Gonçalves (2008, p. 391), há várias espécies de Termo. Estas podem ser na forma: convencional (estabelecido pelas partes), de direito (decorre da lei), de graça (dilação de prazo concedida ao devedor). 36

Negócios Jurídicos O mesmo autor ainda dispõe: Pode ocorrer que o termo, embora certo e inevitável no futuro, seja incerto quanto à data de sua verificação. Exemplo: determinado bem passará a pertencer a tal pessoa a partir da morte de seu proprietário. A morte é certa, mas não se sabe quando ocorrerá. Neste caso, a data é incerta. Sob esse aspecto, o termo pode ser dividido em incerto, como no referido exemplo, e certo, quando se reporta a determinada data do calendário ou a determinado lapso de tempo.

A data em que têm início os efeitos do negócio jurídico chama-se termo inicial, termo suspensivo ou dies a quo; a data que estes têm fim é denominada termo final, termo resolutivo ou dies ad quem. Ao termo inicial e final, diz a lei, aplicase, no que couber, o disposto, respectivamente, sobre condição suspensiva e resolutiva, conforme dispõe o art. 135 do Código Civil. (COELHO, 2003, p. 322). Prazo é o tempo decorrido ou a decorrer entre a declaração e o termo, ou entre o termo inicial e o final. A lei prevê as regras para a contagem dos prazos, conforme se verifica na leitura do art. 132 do Código Civil: Art. 132. Salvo disposição legal ou convencional em contrário, computam-se os prazos, excluído o dia do começo, e incluído o do vencimento. § 1o Se o dia do vencimento cair em feriado, considerar-se-á prorrogado o prazo até o seguinte dia útil. § 2o Meado considera-se, em qualquer mês, o seu décimo quinto dia. § 3o Os prazos de meses e anos expiram no dia de igual número do de início, ou no imediato, se faltar exata correspondência. § 4o Os prazos fixados por hora contar-se-ão de minuto a minuto.

Especificamente para os testamentos, presume-se o prazo em favor do herdeiro, e, nos contratos, em proveito do devedor, salvo, quanto a esse, se do teor do instrumento, ou das circunstâncias, resultar que se estabeleceu a benefício do credor, ou de ambos os contratantes. (TARTUCE, 2011, p. 339). 3.3.3 O modo ou encargo Modo ou encargo é o ônus que recai sobre uma das partes do negócio jurídico, que deve suportá-lo como requisito para aquisição e exercício do direito. Não se confunde com condição, pois não suspende ou extingue a eficácia do negócio

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Capítulo 2 jurídico. Contudo, as partes podem ajustar que, enquanto não for atendido, o encargo suspenda a aquisição ou o exercício do direito. Pode ser entendida como cláusula acessória, determinada pela vontade das partes, obrigando o beneficiário do negócio jurídico à realização de determinado ato. É cláusula típica das liberalidades (especialmente a exemplo das doações, testamentos etc.). O encargo não pode ser fixado nos negócios onerosos, pois equivaleria a uma contraprestação. No caso de descumprimento, o negócio continua sendo válido e eficaz, restando, apenas, a opção da cobrança judicial do encargo. O valor do encargo não pode ser superior ao do objeto doado, pois isso cortaria o caráter de liberalidade da doação. Entendemos que, para se configurar o contrato, a liberalidade deve consistir no valor prevalecente, no confronto entre o objeto doado e o encargo proposto. Como exemplo, podemos citar: “doação de imóvel para que se construa um hospital.” (PAULO LOBO, 1986, p. 270-271). A regra geral positivada de interpretação dos negócios jurídicos é, sem sombra de dúvida, o já transcrito art. 112 do CC, em que se vislumbra, claramente, a ideia de que a manifestação de vontade é seu elemento mais importante, muito mais, inclusive, do que a forma com que se materializou. O art. 112 do CC assim dispõe: “Nas declarações de vontade se atenderá mais à intenção nelas consubstanciada do que ao sentido literal da linguagem”; e, também, o art. 113 do CC: “Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração”. O Código Civil, por sua estrutura, é permeado de cláusulas gerais. Estas permitem a interpretação e a utilização dos princípios basilares já estudados em Introdução ao Direito Civil, tais como a socialidade, eticidade e operabilidade englobando a boa-fé objetiva, ética, a função social, dentre outros. Enfim, encerrado o estudo de Negócio Jurídico, você vai seguir para o terceiro capítulo, que diz respeito aos Defeitos do Negócio Jurídico.

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Capítulo 3 Defeitos e invalidade dos negócios jurídicos

Habilidades

Este capítulo desenvolverá em você a habilidade de identificar os defeitos que podem ocorrer nos negócios jurídicos em geral, tais como o erro substancial, o dolo, a coação, o estado de perigo, a lesão e a fraude contra credores. Além disso, ao final do seu estudo, você estará apto/a a compreender a invalidade do negócio jurídico ocasionada pelos defeitos identificados.

Seções de estudo

Seção 1:  Defeitos dos negócios jurídicos Seção 2:  Invalidade dos negócios jurídicos

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Capítulo 3

Seção 1 Defeitos dos negócios jurídicos A importância de se estudarem os defeitos dos negócios jurídicos reside na identificação dos vícios que podem macular o ato jurídico celebrado, atingindo a sua vontade ou gerando repercussão social, tornando o negócio passível de ação anulatória ou declaratória de nulidade pelo prejudicado. (TARTUCE, 2011, p. 349). Consideram-se defeitos do negócio jurídico, para o Código Civil: o erro, o dolo, a coação, o estado de perigo, a lesão e a fraude contra credores. Vejamos, nesse momento, cada um deles.

1.1 Erro Erro consiste em uma falsa representação da realidade. Nessa modalidade de vício de consentimento, o agente engana-se sozinho. Quando é induzido em erro pelo outro contratante ou por terceiro, caracteriza-se o dolo. (GONÇALVES, 2008, p. 398). O erro é um engano fático, uma falsa noção, em relação a uma pessoa, objeto do negócio ou direito, que acomete a vontade de uma das partes que celebrou o negócio jurídico. (TARTUCE, 2011, p. 350).

Para Pablo Stolze Gagliano (2006, p. 386), embora a lei não estabeleça distinções, o erro é um estado de espírito positivo, qual seja, a falsa percepção da realidade, ao passo que a ignorância é um estado de espírito negativo, o total desconhecimento do declarante a respeito das circunstâncias do negócio. O erro, entretanto, só é considerado como causa de anulabilidade do negócio jurídico, se for: •• essencial (substancial); ou •• escusável (perdoável). Assim dispõe o art. 138 do CC: “São anuláveis os negócios jurídicos, quando as declarações de vontade emanarem de erro substancial que poderia ser percebido por pessoa de diligência normal, em face das circunstâncias do negócio.” Ato contínuo, a legislação, em seu art. 139, trata de conceituar o erro substancial: Art. 139. O erro é substancial quando: I - interessa à natureza do negócio, ao objeto principal da declaração, ou a alguma das qualidades a ele essenciais;

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Negócios Jurídicos II - concerne à identidade ou à qualidade essencial da pessoa a quem se refira a declaração de vontade, desde que tenha influído nesta de modo relevante; III - sendo de direito e não implicando recusa à aplicação da lei, for o motivo único ou principal do negócio jurídico.

Ou seja, substancial é o erro que incide sobre a essência (substância) do ato que se pratica, sem o qual este não se teria realizado. É o caso do colecionador que, pretendendo adquirir uma estátua de marfim, compra, por engano, uma peça feita de material sintético. (GAGLIANO, 2006, p. 386). 1.1.1 Erro substancial Em razão das diversas classificações apresentadas pelos doutrinadores, utilizaremos, para efeitos do presente estudo, a classificação do erro substancial proposta por Carlos Roberto Gonçalves (2008, p. 400-403), que expõe: a. Erro sobre a natureza do negócio (error in negotio): é aquele que ocorre quando a pessoa pretende celebrar um negócio jurídico, mas, na verdade, acaba realizando outro diferente daquilo que pretendia. Um exemplo de erro sobre a natureza do negócio é pensar estar alugando o imóvel para alguém, quando, na verdade, está vendendo o bem para esta pessoa. b. Erro sobre o objeto principal da declaração (error in corpore): é aquele que incide sobre a identidade do objeto. O indivíduo manifesta interesse sobre um determinado objeto, no entanto, na celebração do negócio, sua vontade acaba recaindo sobre objeto diverso do pretendido. Exemplo: o de um comprador o qual acredita estar adquirindo um terreno que supõe valorizado, pois situado em uma rua importante, mas que, na verdade, tem pouco valor, porque localizado em rua do mesmo nome, porém de um pequeno vilarejo. c. Erro sobre as qualidades essenciais do objeto principal (erro in substantia ou error in qualitate): essa espécie de erro ocorre quando uma das partes acredita que o objeto do negócio jurídico possui qualidades as quais, posteriormente, verifica-se inexistirem. Exemplo: quando se adquire um quadro pensando ser original pelo alto preço, mas, na verdade, tratava-se de cópia. d. Erro quanto à identidade ou qualidade da pessoa a quem se refere a declaração de vontade (error in persona): relaciona-se tanto à identidade quanto às qualidades de uma pessoa. Para que seja possível anular um negócio jurídico em que haja erro com relação

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Capítulo 3 à identidade ou qualidade da pessoa, é necessário que este erro tenha influenciado diretamente e de modo relevante a declaração de vontade do autor do erro. Exemplo: doação ou testamento deixando bens a alguém que o doador ou testador pensa ser seu filho natural, mas que, na verdade, não é. e. Erro de direito (error juris): é o falso conhecimento, ignorância ou interpretação errônea do que dispõe a lei no caso em concreto. Nestes casos, o agente pensa que está atuando de acordo com a lei, mas não está, seja porque a lei mudou, seja porque foi revogada, seja porque a interpretação feita foi incorreta, seja porque não existe lei regulamentando tal situação. Logo, apesar do disposto no art. 3º da LINDB, o qual determina que “ninguém se escusa de cumprir a lei alegando que não a conhece”, este não se pode confundir com o erro de direito, uma vez que tal erro pode ser arguido quando a pessoa tinha o propósito de cumprir a lei, mas, achando que a conhecia, realizou negócio jurídico por ela vedado, não autorizado, ou em desacordo com a norma. Exemplo: pessoa que contrata a importação de determinada mercadoria ignorando existir lei que proíbe tal importação. Como tal ignorância foi causa determinante do ato, pode ser alegada para anular o contrato, sem com isto pretender que a lei seja descumprida. 1.1.2 Erro escusável Erro escusável refere-se à espécie de erro justificável, desculpável, exatamente o contrário de erro grosseiro ou inescusável, de erro decorrente do não emprego de diligência ordinária. O Código Civil adotou o critério de comparar a conduta do agente com a da média das pessoas. Nesse caso, pode o juiz considerar escusável, por exemplo, a alegação de erro quanto à natureza do negócio, como, por exemplo, a celebração de um contrato de compra e venda julgando tratar-se de contrato de doação feito por uma pessoa rústica e analfabeta e, por outro lado, considerála inescusável, injustificável quando o mesmo contrato for celebrado por um advogado. (GONÇALVES, p. 405). Conforme dissemos acima, apresentamos, aqui, algumas das espécies de erros na classificação de Carlos Roberto Gonçalves. Importante salientar que existem outras classificações propostas por outros doutrinadores as quais merecem ser estudadas também. Fique atento/a!

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1.2 Dolo Considera-se dolo a malícia ou o artifício inspirado na má-fé para induzir a outra parte a realizar o negócio jurídico em seu prejuízo. É o enganar consciente. Vem do latim dolus, com o significado de ardil, logro, artifício, esperteza. (LOBO, 1986, p. 280). Assim, exemplificam Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (2010, p. 390-391) que o sujeito que vende uma caneta de cobre, afirmando tratar-se de ouro, atua com dolo, e o negócio jurídico poderá ser anulado. Em tempo: o dolo não se presume das circunstâncias de fato, devendo ser provado por quem o alega, ou seja, dispensa a prova de efetivo prejuízo para sua caracterização.

De acordo com o art. 145 do Código Civil, “São os negócios jurídicos anuláveis por dolo, quando este for a sua causa”. Para tanto, convém classificar as espécies de dolo. Quanto à extensão dos efeitos no negócio jurídico, Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (2010, p. 391) definem que o dolo poderá ser: •• principal (essencial); ou •• acidental. O dolo, para invalidar o ato, deve ser principal – atacando a causa do negócio em si -, uma vez que o acidental, aquele que não impediria a realização do negócio, gera, apenas, a obrigação de indenizar. No dolo principal, uma das partes do negócio utiliza artifícios maliciosos, para levar a outra a praticar um ato que não praticaria normalmente, visando obter vantagem, geralmente contemplando o enriquecimento sem causa. (TARTUCE, 2011, p. 355). O dolo acidental, que não é causa para o negócio, não pode gerar a sua anulabilidade, mas, somente, a satisfação em perdas e danos a favor do prejudicado. Nesse sentido, demonstra o art. 146 do CC: “O dolo acidental só obriga à satisfação das perdas e danos, e é acidental quando, a seu despeito, o negócio seria realizado, embora por outro modo.” Para esclarecer o disposto no artigo acima, Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (2010, p. 392) exemplificam:

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Capítulo 3 [...] o sujeito declara pretender adquirir um carro, escolhendo um automóvel com cor metálica, e, quando do recebimento da mercadoria, enganado pelo vendedor, verifica que a cor é, em verdade básica. Neste caso, não pretendendo desistir do negócio, poderá exigir compensação por perdas e danos. Diferente seria se o sujeito somente interessasse comprar o veículo se fosse da cor metálica – hipótese em que o elemento faria parte da causa do negócio jurídico. Nesse caso, tendo sido enganado pelo vendedor para adquirir o automóvel, o comprador buscaria a anulação do negócio jurídico com base em dolo.

Vejamos as demais classificações apontadas pela doutrina. 1.2.1 Dolus bonus e dolus malus Esta classificação possui sua origem no Direito Romano e considera o dolus bonus como aquele tolerável e insuficiente para viciar a manifestação da vontade. É comum no comércio em geral e considerado normal quando, por exemplo, os vendedores exageram na qualidade das mercadorias. Ainda assim, é importante salientar que O Código de Defesa do Consumidor proíbe a propaganda enganosa, de modo que tal dolo não será tolerado se enganar o consumidor. Já o dolus malus é revestido de gravidade, exercido com o propósito de ludibriar e de prejudicar. Pode consistir em atos e palavras e até mesmo no silêncio maldoso. Para diferenciar entre o dolo tolerável do que vicia o consentimento caberá ao juiz a análise do caso concreto. 1.2.2 Dolo positivo (ou comissivo) e dolo negativo (ou omissivo) O primeiro é o que se pratica por meio de ações, condutas comissivas e o segundo por omissão intencional. Ocorre tal dolo quando a parte silencia sobre circunstâncias importantes do negócio, não revelando (ou omitindo) fatos que, se viessem à tona, a vítima não faria o negócio. Observe a previsão legal: Art. 147. Nos negócios jurídicos bilaterais, o silêncio intencional de uma das partes a respeito de fato ou qualidade que a outra parte haja ignorado, constitui omissão dolosa, provando-se que sem ela o negócio não se teria celebrado.

Ou seja, provada tal circunstância, admite-se a anulação do negócio jurídico.

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Negócios Jurídicos 1.2.3 Dolo de terceiro Esta espécie fundamenta-se no art. 148 do Código Civil que dispõe: Art. 148. Pode também ser anulado o negócio jurídico por dolo de terceiro, se a parte a quem aproveite dele tivesse ou devesse ter conhecimento; em caso contrário, ainda que subsista o negócio jurídico, o terceiro responderá por todas as perdas e danos da parte a quem ludibriou.

Ou seja, o dolo, pode ser praticado por uma terceira pessoa que não faz parte do negócio, mas engana a vítima para ajudar o outro interessado. Nesse caso, temos o dolo de terceiro que pode gerar tanto a anulação do negócio quanto o pagamento de perdas e danos à vítima. Assim, exemplifica Gonçalves (2008, p. 419): Se o adquirente é convencido, maldosamente, por um terceiro, de que o relógio que está adquirindo é de ouro, sem que tal afirmação tenha sido feita pelo vendedor, e este ouve as palavras de induzimento utilizadas pelo terceiro e não alerta o comprador, o negócio torna-se anulável. Entretanto, se a parte a quem aproveite (o vendedor) não soube do dolo de terceiro, não se anula o negócio, mas caberá ao lesado reclamar perdas e danos. Incumbe ao lesado provar, na ação anulatória, que a outra parte, beneficiada pelo dolo de terceiro, dele teve ou deveria ter conhecimento. 1.2.4 Dolo do representante Nessa espécie, quem age com dolo não é um terceiro, mas sim o próprio representante da parte. Para tanto, eis o dispositivo legal: Art. 149. O dolo do representante legal de uma das partes só obriga o representado a responder civilmente até a importância do proveito que teve; se, porém, o dolo for do representante convencional, o representado responderá solidariamente com ele por perdas e danos.

Justamente por ser o representante da parte, poderá enganar a vítima, para beneficiar o seu representado. A lei distingue o dolo praticado pelo representante legal (no caso os pais, tutores ou curadores) do dolo praticado pelo representante convencional (mandatário ou procurador). No caso do dolo praticado por representante legal, os representados deverão ser responsabilizados até o limite da vantagem obtida no negócio. Já no caso do procurador, a responsabilidade é solidária, ou seja, ambos terão responsabilidade perante a vítima do dolo.

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Capítulo 3 1.2.5 Dolo bilateral O dolo bilateral está regulado pelo art. 150 do Código Civil, dispondo que “se ambas as partes procederem com dolo, nenhuma pode alegá-lo para anular o negócio, ou reclamar indenização.” Nesse caso, há dolo, má-fé das duas partes na celebração do negócio, não havendo na lei a possibilidade de se invocar anulação ou perdas e danos.

1.3 Coação Coação pode ser conceituada como sendo uma pressão física ou moral exercida sobre o negociante, visando obrigá-lo a assumir uma obrigação que não lhe interessa. Aquele que exerce a coação é denominado coator e o que a sofre, coato, coagido ou paciente. (TARTUCE, p. 359). A coação está fundamentada a partir do art. 151 do Código Civil: Art. 151. A coação, para viciar a declaração da vontade, há de ser tal que incuta ao paciente fundado temor de dano iminente e considerável à sua pessoa, à sua família, ou aos seus bens. Parágrafo único. Se disser respeito a pessoa não pertencente à família do paciente, o juiz, com base nas circunstâncias, decidirá se houve coação. Para tanto, a doutrina também identifica suas espécies: •• coação física (vis absoluta); e •• coação moral (vis compulsiva). A coação física é aquela que age diretamente sobre o corpo da vítima. A doutrina entende que este tipo de coação neutraliza completamente a manifestação da vontade, tornando o negócio jurídico inexistente, e não simplesmente anulável. Imagine a hipótese de um lutador de boxe pegar a mão de uma velhinha analfabeta, à força, para apor a impressão digital em um instrumento de contrato que ela não quer assinar. Logicamente que um exemplo como este parece um tanto absurdo, mas é uma situação em que sequer se discute a invalidade do negócio jurídico, pois ele não será considerado juridicamente existente. (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2010, p. 395). Por outro lado, há também a coação moral. Esta pode ser conceituada como a coação efetiva e presente, causando fundado temor de dano iminente e considerável à pessoa do negociante, à sua família, à pessoa próxima ou aos seus bens, conforme identificado acima, no art. 151 do CC. (TARTUCE, 2011, p. 360).

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Negócios Jurídicos Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (2010, p. 395) definem como aquela espécie que incute na vítima um temor constante e capaz de perturbar seu espírito, fazendo com que ela manifeste seu consentimento de maneira viciada. É importante lembrar que o magistrado deverá observar, na identificação da coação, o determinado no Código Civil em seu art. 152: “No apreciar a coação, ter-se-ão em conta o sexo, a idade, a condição, a saúde, o temperamento do paciente e todas as demais circunstâncias que possam influir na gravidade dela.”

Desse modo, para tornar mais claro o entendimento a respeito da coação, Tartuce (2011, p. 361) exemplifica: Pensemos o caso em que alguém celebra um casamento sob pressão de ameaça do irmão da noiva. Se a última tiver ou devesse ter conhecimento dessa coação, o negócio é anulável, respondendo ambos, irmão e irmã, solidariamente. Por outro lado, diante da boa-fé da noiva que não sabia da coação, o casamento é conservado, respondendo o cunhado perante o noivo por eventuais perdas e danos decorrentes de seu ato.

Portanto, podemos entender que a caracterização da coação depende também da boa-fé ou má-fé dos envolvidos quando da efetivação do negócio jurídico. Isto significa que a existência da coação deverá ser analisada pelo magistrado de acordo com o caso concreto apresentado, podendo, dessa forma, incidir, ou não, a anulação do negócio.

1.4 Estado de perigo Estado de perigo é o defeito externo de consentimento em que o sujeito declara assumir obrigação excessivamente onerosa, por estar sua vontade constrangida por necessidade premente de salvar-se, ou a pessoa de sua família, de grave dano conhecido do declaratário. (COELHO, 2003, p. 354). Para tanto, o Código Civil nos traz: Art. 156. Configura-se o estado de perigo quando alguém, premido da necessidade de salvar-se, ou a pessoa de sua família, de grave dano conhecido pela outra parte, assume obrigação excessivamente onerosa. Parágrafo único. Tratando-se de pessoa não pertencente à família do declarante, o juiz decidirá segundo as circunstâncias.

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Capítulo 3 Como exemplos, a doutrina costuma apresentar os seguintes exemplos: o indivíduo abordado por assaltantes oferece uma recompensa ao seu libertador para salvar-se; o sujeito está se afogando e promete doar significativa quantia ao seu salvador; até mesmo a expressão “meu reino por um cavalo” da obra de Shakespeare pode ser um exemplo didático desse vício. (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2010, p. 406).

1.5 Lesão Lesão é o defeito do negócio jurídico caracterizado pela vantagem desproporcional de uma das partes, que age de má-fé, aproveitando-se da situação de vulnerabilidade da outra. É defeito do negócio jurídico, mas não vício do consentimento, pois não há desconformidade entre a vontade real e a que se exteriorizou (existente no erro, no dolo e na coação). (LOBO, 1986, p. 286). No Código Civil, a lesão está prevista no artigo 157, que preceitua: Art. 157. Ocorre a lesão quando uma pessoa, sob premente necessidade, ou por inexperiência, se obriga a prestação manifestamente desproporcional ao valor da prestação oposta. § 1o Aprecia-se a desproporção das prestações segundo os valores vigentes ao tempo em que foi celebrado o negócio jurídico. § 2o Não se decretará a anulação do negócio, se for oferecido suplemento suficiente, ou se a parte favorecida concordar com a redução do proveito.

Identificamos no artigo supracitado a existência de dois elementos: o elemento objetivo, formado pela desproporção das prestações, a gerar uma onerosidade excessiva, um prejuízo a uma das partes, bem como o elemento subjetivo: a premente necessidade ou inexperiência, conforme previsão legal. (TARTUCE, 2011, p. 365). O instituto da lesão tem por objetivo proteger o contratante, que se encontra em posição de inferioridade, ante o prejuízo por ele sofrido na conclusão do contrato comutativo, devido à considerável desproporção existente, no momento da efetivação do contrato, entre as prestações das duas partes. Maria Helena Diniz (2004, p. 509) exemplifica: Se alguém prestes a ser despejado procura outro imóvel para morar e exercer sua profissão, cujo proprietário, mesmo não tendo conhecimento do fato, eleva o preço do aluguel. Diante da necessidade de abrigar sua família e levar adiante suas atividades, o inquilino acaba aceitando o novo contrato, para evitar aquela

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Negócios Jurídicos situação vexatória. Perdendo a noção do justo valor locatício é levado a efetivar contrato que lhe é desfavorável. Não há dúvidas de que o fator predominante para a caracterização da lesão é justamente a onerosidade excessiva, o “negócio da China” pretendido por um dos negociantes, em detrimento de um desequilíbrio contratual, contra a parte mais fraca da avença. (TARTUCE, 2011, p. 366).

1.6 Fraude contra credores Fraude contra credores, também considerada vício social, consiste no ato de alienação ou oneração de bens, assim como de remissão de dívida, praticado pelo devedor insolvente, ou à beira da insolvência, com o propósito de prejudicar credor preexistente, em virtude da diminuição experimentada pelo seu patrimônio. (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2010, p. 412). Segundo Tartuce (2011, p. 368): [..] constitui fraude contra credores a atuação maliciosa do devedor, em estado de insolvência ou na iminência de assim tornar-se, que dispõe de maneira gratuita ou onerosa o seu patrimônio, visando afastar a possibilidade de responderem os seus bens por obrigações assumidas em momento anterior à transmissão.

Assim, para melhor compreensão, exemplifica-se da seguinte forma: se A tem conhecimento da iminência do vencimento de dívidas em data próxima, em relação a vários credores, e vende a B imóvel de seu patrimônio, havendo conhecimento deste do estado de insolvência, estará configurado o vício social a acometer esse negócio jurídico. Lembrando que a mesma conclusão serve para o caso de doação. (TARTUCE, 2011, p. 368). Dois elementos compõem a fraude: o primeiro, de natureza subjetiva, e o segundo, de natureza objetiva: •• consilium fraudis (conluio fraudulento); e •• eventus damni (prejuízo causado ao credor). Parte significativa da doutrina entende que o consilium fraudis não é elemento essencial deste vício social, de maneira que o estado de insolvência aliado ao prejuízo causado ao credor seriam suficientes para a caracterização da fraude. A despeito de não haver, nesse particular, unanimidade doutrinária, verdade é que, tratando-se de atos gratuitos de alienação praticados em fraude contra credores, o requisito subjetivo representado pelo consilium fraudis (má-fé) é presumido. (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2010, p. 413-414).

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Capítulo 3 Para tanto, vale apresentar o art. 158 do CC: Art. 158. Os negócios de transmissão gratuita de bens ou remissão de dívida, se os praticar o devedor já insolvente, ou por eles reduzido à insolvência, ainda quando o ignore, poderão ser anulados pelos credores quirografários, como lesivos dos seus direitos. § 1o Igual direito assiste aos credores cuja garantia se tornar insuficiente. § 2o Só os credores que já o eram ao tempo daqueles atos podem pleitear a anulação deles.

Para que o negócio jurídico seja anulado, portanto e, em regra, necessária a presença de um conluio fraudulento entre aquele que dispõe o bem e aquele que o adquire. O prejuízo causado ao credor (eventus damni) também é apontado como elemento objetivo da fraude. Não havendo esses requisitos, não há que se falar em anulação do negócio, para os casos de negócios onerosos como na compra e venda efetivada com o objetivo de prejudicar eventuais credores. Entretanto, para os casos de disposição gratuita de bens, por exemplo, o art. 158 supracitado dispensa a presença do elemento subjetivo (consilium fraudis), bastando o evento se apresentar danoso ao credor. (TARTUCE, 2011, p. 369). A doutrina tradicional afirma que a anulação do ato praticado em fraude contra credores será pleiteada por meio de uma ação revocatória denominada ação pauliana: trata-se de ação anulatória do negócio jurídico que se propõe a restituir o status das coisas antes da fraude.

Seção 2 Invalidade dos negócios jurídicos Estão abrangidas nesta seção denominada invalidade dos negócios jurídicos a nulidade e a anulabilidade. Para Carlos Roberto Gonçalves (2008, p. 470), a invalidade é empregada para designar o negócio que não produz os efeitos desejados pelas partes, o qual será classificado pela forma supramencionada de acordo com o grau de imperfeição verificado. Pode-se dizer que a invalidade é a sanção imposta ao ato ou negócio realizado que não obedece aos requisitos previstos em lei.

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Negócios Jurídicos Alguns autores preferem utilizar a expressão ineficácia, que representa a situação em que o negócio jurídico não produz efeitos. No entanto, como pautamos o nosso estudo na escada ponteana, utilizaremos a expressão invalidade. Para melhor contextualização, Flávio Tartuce (2011, p. 383) esquematiza:

A invalidade do negócio jurídico abrange: • a inexistência do negócio jurídico; • a nulidade absoluta (negócio nulo); e • a nulidade relativa ou anulabilidade (negócio anulável).

Inicialmente, façamos uma abordagem introdutória, antes de passar a cada uma das espécies de maneira pormenorizada. Diz-se inexistente o negócio jurídico quando lhe falta algum elemento estrutural, como o consentimento por exemplo. Se não houve manifestação de vontade, o negócio não chegou a se formar. Ou seja, ele inexiste. Se a vontade foi manifestada, mas se encontra eivada de erro, dolo ou coação, por exemplo, o negócio jurídico existe, mas é anulável. Se a vontade emana de uma pessoa considerada absolutamente incapaz, maior é o defeito e o negócio existe, porém será considerado nulo. (GONÇALVES, 2008, p. 471).

2.1 Inexistência do negócio jurídico O negócio jurídico inexistente é aquele que não gera efeitos no âmbito jurídico, visto que não preencheu os seus requisitos mínimos, constantes do seu plano de existência. Para os adeptos dessa teoria, em casos tais, não é necessária a declaração da ineficácia por decisão judicial, porque o ato jamais chegou a existir, partindo-se da premissa de que não se invalida o que não existe. Costuma-se dizer que o ato inexistente é um nada para o direito. (TARTUCE, 2011, p. 383-384).

2.2 Nulidade absoluta Maria Helena Diniz (2004, p. 577) conceitua a nulidade como a “sanção imposta pela norma jurídica, que determina a privação dos efeitos jurídicos do negócio praticado em desobediência ao que prescreve.” Pode-se dizer que a função da nulidade é tornar sem efeito o ato ou negócio jurídico. A ideia é fazê-lo desaparecer, como se nunca tivesse existido. Os efeitos

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Capítulo 3 que lhe seriam próprios não podem ocorrer. Trata-se, portanto, de vício que impede o ato de ter existência legal e produzir efeito, em razão de não ter sido obedecido qualquer requisito essencial. (VENOSA, 2007, p. 588). As causas da nulidade estão expostas no art. 166 do Código Civil, vejamos: Art. 166. É nulo o negócio jurídico quando: I - celebrado por pessoa absolutamente incapaz; II - for ilícito, impossível ou indeterminável o seu objeto; III - o motivo determinante, comum a ambas as partes, for ilícito; IV - não revestir a forma prescrita em lei; V - for preterida alguma solenidade que a lei considere essencial para a sua validade; VI - tiver por objetivo fraudar lei imperativa; VII - a lei taxativamente o declarar nulo, ou proibir-lhe a prática, sem cominar sanção.

A ocorrência das hipóteses supramencionadas provoca a decretação da nulidade. Assim, uma compra e venda realizada por um menor absolutamente incapaz sem representação legal é nula. Para que o negócio jurídico tenha validade, deverá o mesmo ser repetido na presença do representante legal do menor. (VENOSA, 2007, p. 594). As nulidades absolutas por serem de ordem pública, podem ser alegadas por qualquer interessado ou pelo Ministério Público, quando lhe couber intervir (art. 168 do CC). Tartuce (2011, p. 388-389) aponta uma questão importante que seria a possibilidade da conversão do negócio nulo em outro negócio jurídico. Para tanto, a lei exige um elemento subjetivo: é necessário que os contratantes queiram o outro negócio ou contrato para o qual o negócio nulo será convertido. Implicitamente devem ter conhecimento da nulidade que acomete o pacto celebrado. Passando para o campo concreto, podemos citar como exemplo dessa conversão a ausência de escritura pública em venda de imóvel com valor superior a trinta salários mínimos, o que acarretaria a nulidade absoluta do ato. Por fim, importa ressaltar que a sentença que declara a nulidade absoluta tem efeitos erga omnes, contra todos, diante da emergência da ordem pública. Os efeitos declaratórios dessa decisão são chamados também de ex tunc,

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Negócios Jurídicos retroativos desde o momento de trânsito em julgado da decisão até o surgimento do negócio tido como nulo. Ou seja, devem ser considerados nulos todos os atos e negócios celebrados nesse lapso temporal.

2.3 Simulação como causa de nulidade do negócio jurídico Durante a vigência do Código Civil de 1916, a simulação era considerada uma espécie de defeito dos negócios jurídicos, tal como o erro, o dolo, a coação, o estado de perigo, a lesão ou a fraude contra credores, e implicava a anulabilidade. No entanto, a partir da vigência do Código Civil de 2002, a simulação foi deslocada para as regras de Nulidade, acompanhando as tendências da legislação civil alemã e portuguesa. Significa dizer que o negócio simulado não pode ser convalidado pelo transcurso do tempo, nem ser confirmado pelas partes. Não há cura possível para ele, visto que a simulação destrói a causa ou a função econômico-social do negócio jurídico. (LOBO, 1986, p. 306). Na simulação, as duas partes contratantes estão combinadas e objetivam iludir terceiros. Como se percebe, sem dúvida, há um vício de repercussão social, equiparável à fraude contra credores, mas que gera nulidade, e não a anulabilidade, conforme a inovação proposta pelo Código Civil atual. “Simular é uma declaração falsa, enganosa, da vontade, visando aparentar negócio diverso do efetivamente desejado.” (GONÇALVES, 2008, p. 481).

A simulação está prevista no art. 167 do Código Civil: Art. 167. É nulo o negócio jurídico simulado, mas subsistirá o que se dissimulou, se válido for na substância e na forma. § 1o Haverá simulação nos negócios jurídicos quando: I - aparentarem conferir ou transmitir direitos a pessoas diversas daquelas às quais realmente se conferem, ou transmitem; II - contiverem declaração, confissão, condição ou cláusula não verdadeira; III - os instrumentos particulares forem antedatados, ou pósdatados. § 2o Ressalvam-se os direitos de terceiros de boa-fé em face dos contraentes do negócio jurídico simulado.

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Capítulo 3 Para Carlos Roberto Gonçalves (2008, p. 483), a simulação apresenta duas espécies: •• simulação absoluta; e •• simulação relativa. Na simulação absoluta, as partes, na realidade, não realizam nenhum negócio. Apenas fingem, para criar uma aparência, uma ilusão externa, sem que, na verdade, desejem o ato. Diz-se absoluta, porque a declaração de vontade não produz resultado. Em geral, serve para prejudicar terceiro. Exemplos: Marido que pretende separar-se da esposa e subtrair da partilha tais bens; falsa confissão de dívida perante amigo. Nos exemplos, o simulador não realizou nenhum negócio verdadeiro, apenas fingiu, simulou. Na simulação relativa, as partes pretendem realizar determinado negócio, prejudicial a terceiro ou em fraude à lei. Para escondê-lo, ou dar-lhe aparência diversa, realizam outro negócio. Compõe-se, pois, de dois negócios: um deles é o simulado, aparente, destinado a enganar; o outro é dissimulado, oculto, mas verdadeiramente desejado. O negócio aparente, simulado, serve, apenas, para ocultar a efetiva intenção dos contratantes, ou seja, o negócio real. Como exemplo, podemos citar a situação em que um homem casado, para contornar a proibição legal de fazer doação à concubina, simula a venda a um terceiro, que transferirá o bem àquela; ou quando, para pagar imposto menor e burlar o Fisco, as partes passam a escritura por preço inferior ao real. Ou seja, para todos os efeitos, a simulação implica a nulidade do negócio, pelo fato de a mesma envolver preceitos de ordem pública. Feitas as considerações a respeito da nulidade absoluta, passaremos, agora, ao estudo da nulidade relativa, ou anulabilidade.

2.4 Nulidade relativa ou anulabilidade Nulidade relativa ou anulabilidade é a sanção imposta pela lei aos atos e negócios jurídicos realizados por pessoa relativamente incapaz ou eivados de algum vício de consentimento ou vício social. (GONÇALVES, 2008, p. 475). Sua sanção é bem mais branda que a nulidade. Assim, demonstra o art. 171 do Código Civil: Art. 171. Além dos casos expressamente declarados na lei, é anulável o negócio jurídico: I - por incapacidade relativa do agente; II - por vício resultante de erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão ou fraude contra credores.

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Negócios Jurídicos Quanto ao primeiro inciso, este se refere às pessoas consideradas relativamente incapazes, elencadas no art. 4º do Código Civil, categorias já estudadas na Introdução ao direito civil. Os defeitos do negócio jurídico mencionados no segundo inciso, tais como erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão ou fraude contra credores, já foram estudados em tópico anterior. A nulidade relativa envolve preceitos de ordem privada, de interesse das partes, o que altera totalmente o seu tratamento legal, se confrontada com a nulidade absoluta acima estudada. (TARTUCE, 2011, p. 391). Quanto à sentença da ação anulatória, mais uma vez diante de sua natureza privada, tem a mesma efeitos inter partes. Tradicionalmente, também sempre apontou que os seus efeitos seriam ex nunc, não retroativos ou somente a partir do trânsito em julgado da decisão. (TARTUCE, 2011, p. 394). Para melhor compreensão, segue quadro comparativo que diferencia a nulidade absoluta e a nulidade relativa ou anulabilidade: Quadro 3.1 - Nulidade absoluta e a nulidade relativa

NULIDADE ABSOLUTA (ART. 166 do CC)

NULIDADE RELATIVA (ART. 171 do CC)

Interesse público (ordem pública)

Interesse privado (ordem privada)

Não pode ser suprida pelo Juiz

Pode ser suprida pelo Juiz

Possibilidade de ação de ofício pelo juiz

Juiz só age quando provocado

Não sujeição à ação do tempo

Sujeita à ação do tempo (os prazos são estipulados pela lei)

Efeito judicial ex-tunc

Efeito da ação é ex-nunc

Fonte: Elaboração do autor (2014).

Finalizado o estudo da invalidade dos negócios jurídicos, passaremos ao próximo tópico de estudos, qual seja, os atos ilícitos.

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Capítulo 4 Atos ilícitos e prova nos negócios jurídicos

Habilidades

Este capítulo desenvolverá em você a habilidade de compreender a ilicitude de um ato e identificar a responsabilidade em suas diversas espécies. Além disso, ao final do seu estudo, você estará apto/a a analisar as causas excludentes de ilicitude e os tipos de prova nos negócios jurídicos.

Seções de estudo

Seção 1:  Conceito de ato ilícito Seção 2:  Responsabilidade contratual e extracontratual Seção 3:  Responsabilidade civil e responsabilidade penal Seção 4:  Causas excludentes de ilicitude Seção 5:  Prova no negócio jurídico

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Capítulo 4

Seção 1 Conceito de ato ilícito Ao estudarmos fato jurídico, foi possível observar que o ato jurídico (em sentido amplo) é toda ação humana lícita, positiva ou negativa, apta a criar, modificar, conservar ou extinguir direitos e obrigações. No entanto, há situações em que a parte ou as partes podem atuar contrariamente ao que o direito determina e acabar, por vezes, causando algum prejuízo tanto para as partes quanto para terceiros. Dessa forma, faz-se necessário o estudo dos atos ilícitos bem como seus efeitos no mundo jurídico. Para definir o ato ilícito, trazemos a conceituação de Sérgio Cavalieri Filho (apud GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2010, p. 477), segundo quem o ato ilícito é o ato voluntário e consciente do ser humano que transgride um dever jurídico.

Deste mesmo conceito é possível identificar alguns elementos, tais como: •• a ação humana; •• a contrariedade ao direito ou ilicitude; e •• o prejuízo, seja este moral ou material. Ato ilícito é aquele praticado com infração ao dever legal de não lesar a outrem. Tal dever é imposto a todos no art. 186 do Código Civil, que dispõe: “Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.” O Código Civil estabeleceu no artigo supracitado apenas o ato ilícito em si, no entanto a obrigação de reparar o dano encontra-se no art. 927, a saber: “Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.” Em outras palavras, ato ilícito é fonte de obrigação, qual seja, a de indenizar ou ressarcir o prejuízo causado. É praticado com infração a um dever de conduta, por meio de ações ou omissões culposas ou dolosas do agente, das quais resulta dano para outrem. (GONÇALVES, 2008, p. 492).

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Negócios Jurídicos

Seção 2 Responsabilidade contratual e extracontratual Uma pessoa pode causar prejuízo a outrem por descumprir uma obrigação contratual (dever contratual). Por exemplo: o ator que não comparece para dar o espetáculo contratado. O inadimplemento contratual gera a responsabilidade de indenizar as perdas e danos no termos do art. 389 do Código Civil, o qual dispõe que “não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e danos, mais juros e atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado.” (GONÇALVES, 2008, p. 495).

Quando a responsabilidade não deriva de contrato, mas de infração ao dever de conduta (dever legal) imposto genericamente no art. 927 do Código Civil, diz-se que ela é responsabilidade extracontratual. Portanto, a responsabilidade contratual é derivada do descumprimento de uma relação jurídica obrigacional preexistente, ou seja, quando uma pessoa causa prejuízo a outrem por transgressão a um dever criado no negócio jurídico. (CAVALIERI, 2010, p. 15).

Ainda quanto à responsabilidade contratual, Carlos Roberto Gonçalves (2008, p. 63) preceitua que não é necessário o credor comprovar a culpa do inadimplemento para obter a reparação do dano, bastando apenas que demonstre o não cumprimento da prestação. Ainda segundo o autor, o “devedor só não será condenado a reparar o dano se provar a ocorrência de alguma das excludentes admitidas na lei: culpa exclusiva da vítima, caso fortuito ou força maior. Incumbe-lhe, pois, o onus probandi.”(GONÇALVES, 2008, p. 63). De outro modo, haverá a responsabilidade extracontratual ou aquiliana quando o dever jurídico violado não estiver previsto em um negocio jurídico, mas sim em lei. Esta espécie de responsabilidade encontra respaldo no supracitado artigo 186 do Código Civil. Desse modo, ao contrário da responsabilidade contratual civil, aqui caberá ao autor da ação provar a culpa do agente, ou seja, o ônus da prova é do ofendido. (GONÇALVES, 2012b, p. 63).

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Capítulo 4

Seção 3 Responsabilidade civil e responsabilidade penal A palavra responsabilidade origina-se do latim re-spondere, que encerra a ideia de segurança ou garantia da restituição ou compensação do bem sacrificado. Teria, assim, o significado de recomposição, de obrigação de restituir ou ressarcir. (GONÇALVES, 2008, p. 496). Inicialmente, identifica-se a disparidade existente entre a responsabilidade civil e a responsabilidade penal, que, segundo Inácio de Carvalho Neto (2011, p. 38), representa a própria diferença entre o ilícito civil e o ilícito penal. O ilícito civil é retratado quando o agente viola uma norma civil de Direito Privado, enquanto, no ilícito penal, a norma violada é de Direito Público. Contudo, tanto a responsabilidade civil como a responsabilidade penal implicam a violação de um dever jurídico. O fundamento de ambas é praticamente o mesmo, os critérios de conveniência ou de oportunidade é que serão variáveis, eles se adequam aos interesses da sociedade e do Estado. Assim, aquelas condutas humanas mais gravosas, referentes a bens sociais de maior relevância, são sancionadas pela lei penal, enquanto a repressão das condutas menos graves ficará por conta da lei civil. (CAVALIERI FILHO, 2010, p. 14). Na diferenciação entre a responsabilidade civil e penal, constata-se que a culpabilidade é bem mais ampla na área cível e obriga a indenizar, enquanto que, na esfera criminal, exige-se que a culpa tenha certo grau ou intensidade. Na verdade, a diferença é apenas de grau e critério de aplicação, porque, substancialmente, a culpa civil e a culpa penal são iguais, já que possuem os mesmos elementos. (GONÇALVES, 2008, p. 497). A imputabilidade também é aspecto diferenciado entre a responsabilidade civil e a penal, pois, em âmbito cível, os menores de 18 anos poderão ser responsabilizados, se as pessoas por eles responsáveis não tiverem obrigação de fazê-lo ou não dispuserem de meios suficientes. (GONÇALVES, 2008, p. 496).

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Negócios Jurídicos

3.1 Responsabilidade objetiva ou subjetiva Ressalte-se que ainda há subdivisão entre a responsabilidade objetiva e subjetiva.

A responsabilidade é dita subjetiva quando pressupõe a culpa como fundamento da responsabilidade civil. Dentro desta concepção, a responsabilidade do causador do dano somente se configura quando, além da prova da ação ou omissão do agente, do dano experimentado pela vítima e do liame fático entre conduta e dano, houver a prova da culpa. (GONÇALVES, 2008, p. 59). Já, para a responsabilidade objetiva, a culpa é irrelevante, basta que exista o dano e o nexo de causalidade para justificar a responsabilidade civil do agente. Segundo a teoria de risco, toda a pessoa que realiza alguma atividade produz um risco de dano para terceiros, portanto torna-se prescindível a evidência da culpa. (GONÇALVES, 2012b, p. 59)

Neste contexto, Cavalieri Filho (2010, p. 159) aponta as hipóteses atinentes à responsabilidade objetiva: O Código Civil de 2002, conforme já ressaltado, fez profunda modificação nessa disciplina para ajustar-se à evolução ocorrida na área da responsabilidade civil ao longo do século XX. Embora tenha mantido a responsabilidade subjetiva, optou pela responsabilidade objetiva, tão extensas e profundas são as cláusulas gerais que consagra, tais como o abuso do direito (art. 187), o exercício de atividade de risco ou perigosa (parágrafo único do art. 927), danos causados por produtos (art. 931), responsabilidade pelo fato de outrem (art. 932, c/c o art. 933), responsabilidade pelo fato de coisa e do animal (arts. 936, 937 e 939), responsabilidade dos incapazes (art. 928) etc.

Na verdade pode-se concluir que a responsabilidade objetiva não substitui a subjetiva, mas fica circunscrita aos seus justos limites. Na realidade, as duas formas de responsabilidade se conjugam e dinamizam. Sendo a teoria subjetiva insuficiente para atender às imposições do progresso, cumpre ao legislador fixar especialmente os casos em que deverá ocorrer a obrigação de reparar independentemente daquela noção. (GONÇALVES, 2008, p. 499).

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Capítulo 4

3.2 Pressupostos da responsabilidade civil Para que haja responsabilidade civil, é preciso que sejam identificados, na conduta do agente agressor, os elementos da responsabilidade civil, quais sejam: a conduta comissiva ou omissiva; a culpa do agente; o nexo causal entre a conduta e o resultado; e, finalmente, o dano.

3.3 Elementos da responsabilidade civil A doutrina de Sergio Cavalieri Filho (2010, p. 24) explica a conduta humana comissiva e a omissiva, assim como segue: Um movimento corpóreo comissivo, um comportamento positivo, como a destruição de uma coisa alheia, a morte ou lesão corporal causada em alguém, e assim por diante. Já, a omissão, forma menos comum de comportamento, caracteriza-se pela inatividade, abstenção de alguma conduta devida.

É importante também, nesse caso, ressaltar que a responsabilidade civil, para Silvio Rodrigues (2008, p. 15), “[...] ocorre por ato de terceiro quando uma pessoa fica sujeita a responder por dano causado a outrem não por ato próprio, mas por ato de alguém que está, de um modo ou de outro, sob a sujeição daquela.” Na mesma linha, segundo Inácio de Carvalho Neto (2011, p. 53), “A conduta do agente causador do dano impõe-lhe o dever de reparar não apenas quando ocorre infringência a um dever legal […].” Mas a obrigação de o agente reparar o dano pode ser ocasionada também por ato de terceiro que esteja sob a sua responsabilidade, bem como por danos causados por coisas que estejam sob a sua guarda.

Com base nessas citações, verifica-se a definição do pressuposto conduta humana. Por conseguinte, passa-se, a seguir, à análise do requisito denominado culpa. A culpa do agente, segundo Inácio de Carvalho Neto (2005, p. 53), condiciona a obrigação de reparar: “[...] a obrigação de reparar depende de dolo ou culpa do agente, ou seja, de culpa em sentido amplo, abrangendo uma ou outra hipótese”. Para Silvio Rodrigues (2008, p. 16): A lei declara que, se alguém causou prejuízo a outrem por meio de ação ou omissão, voluntária, negligência ou imprudência, fica obrigado a reparar. De modo que, nos termos da lei, para que a responsabilidade se caracterize, mister se faz a prova de que o comportamento do agente causador do dano tenha sido doloso ou pelo menos culposo.

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Negócios Jurídicos Deve-se, ainda, na forma como leciona Silvio Rodrigues (2003, p. 17), considerar que: Ordinariamente, para que a vítima obtenha a indenização, deverá provar entre outras coisas que o agente causador do dano agiu culposamente. O encargo de provar a culpa, imposto à vítima, às vezes se apresenta tão difícil que a pretensão daquela de ser indenizada na prática se torna inatingível. Com efeito, não é fácil, para o herdeiro, provar que o motorista do automóvel que atropelou seu pai e de cujo acidente lhe resultou a morte, vinha dirigindo com imprudência.

Na mesma diretriz, Sergio Cavalieri Filho (2010, p. 51) aduz que, tendo por essência o descumprimento de um dever de cuidado, “[...] a dificuldade da teoria da culpa está justamente na caracterização precisa da infração desse dever ou diligência, que nem sempre coincide com a violação da lei”. Com base nesses pensamentos, denota-se o conceito de culpa, inclusive que, na esfera da responsabilidade civil, essa noção compreende o dolo, ou seja, é aplicada em sentido amplo, bem como a dificuldade de caracterização desse requisito. Por conseguinte, tem-se o denominado nexo causal. A definição de nexo causal, nas palavras de Sérgio Cavalieri Filho (2010, p. 46), não é jurídica, visto que “[...] decorre das leis naturais, formando um vínculo apenas com a ligação ou relação de causa e efeito entre o resultado e a conduta do agente.” No mesmo norte, Silvio de Salvo Venosa leciona (2007, p. 45): O conceito de nexo causal, nexo etiológico ou relação de causalidade deriva das leis naturais. É o liame que une a conduta do agente ao dano. É por meio do exame da relação causal que concluímos quem foi o causador do dano. Trata-se de elemento indispensável. A objetiva dispensa a culpa, mas nunca dispensará o nexo causal. Se a vítima, que experimentou o dano, não identificar o nexo causal que leva o ato danoso ao responsável, não há como ser ressarcida. Nem sempre é fácil, no caso concreto, estabelecer a relação de causa e efeito.

Sérgio Cavalieri Filho (2010, p. 65) lembra que, no âmbito da responsabilidade civil, “não basta que o agente tenha praticado uma conduta ilícita; tampouco que a vítima tenha sofrido um dano.” Segundo o autor, “é preciso que esse dano tenha sido causado pela conduta ilícita do agente, que exista entre ambos uma necessária relação de causa e efeito.”

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Capítulo 4 Assim, cabe frisar que o nexo de causalidade, por referir-se ao liame que une a conduta do agente ao prejuízo experimentado pela vítima, é um pressuposto indispensável para a caracterização do dever de indenizar.

O pressuposto conhecido como dano é aquele que, segundo entendimento de Silvio Rodrigues (2008, p. 18), envolve prejuízo a outrem: “[...] a questão da responsabilidade não se propõe se não houver dano, pois o ato ilícito só repercute na órbita do direito civil se causar prejuízo a alguém”. Nesse diapasão, Antônio Jeová Santos (2003, p. 74) afirma que: Dano é prejuízo. É diminuição de patrimônio ou detrimento a afeições legítimas. Todo ato que diminua ou cause menoscabo aos bens materiais ou imateriais, pode ser considerado dano. O dano é um mal, um desvalor ou contravalor, algo que se padece com dor, posto que nos diminui e reduz; tira de nós algo que era nosso, do qual gozávamos ou nos aproveitávamos, que era nossa integridade psíquica ou física, as possibilidades de acréscimos ou novas incorporações, [...].

De acordo com a ideia apresentada no trecho supramencionado, o requisito dano, além de configurar requisito obrigatório da responsabilidade civil, significa prejuízo sofrido pela vítima. Pode-se ainda salientar que o dano pode ser patrimonial ou moral. Arnaldo Rizzardo (2007, p. 17) declara que: No dano patrimonial, há um interesse econômico em jogo. Consuma-se o dano com o fato que impediu a satisfação da necessidade econômica. O conceito de patrimônio envolve qualquer bem exterior, capaz de classificar-se na ordem das riquezas materiais, valorizável por sua natureza e tradicionalmente em dinheiro. Deve ser idôneo para satisfazer uma necessidade econômica e apto de ser usufruível.

Assim, ensina a doutrina que “quando o prejuízo afeta bem material, diz-se que o dano é patrimonial”. Por outro lado, “[...] quando, ao contrário, a lesão afeta sentimentos, vulnera afeições legítimas e rompe o equilíbrio espiritual, produzindo angústia, humilhação, dor etc., diz-se que o dano é moral.” (SANTOS, 2003, p. 78). Segundo Antônio Jeová dos Santos, “o que caracteriza o dano moral é a consequência de algum ato que cause dor, angústia, aflição física ou espiritual ou qualquer padecimento infligido à vítima em razão de algum evento danoso.” (SANTOS, 2003, p. 108).

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Negócios Jurídicos Dessa maneira, verificam-se as principais diferenças que englobam os conceitos de dano material e moral, bem como os meros aborrecimentos do cotidiano, os quais não apresentam cunho lesivo capaz de ensejar o dever de indenizar.

Seção 4 Causas excludentes de ilicitude O art. 188 do Código Civil declara não constituírem atos ilícitos os praticados em legitima defesa, ou no exercício regular de um direito ou em estado de necessidade. Para tanto, dispõe: Art. 188. Não constituem atos ilícitos: I - os praticados em legítima defesa ou no exercício regular de um direito reconhecido; II - a deterioração ou destruição da coisa alheia, ou a lesão a pessoa, a fim de remover perigo iminente. Parágrafo único. No caso do inciso II, o ato será legítimo somente quando as circunstâncias o tornarem absolutamente necessário, não excedendo os limites do indispensável para a remoção do perigo.

Vamos agora examinar essas causas em detalhe.

4.1 Legítima defesa A legítima defesa pressupõe a reação proporcional a uma injusta agressão, atual ou iminente, utilizando moderadamente os meios de defesa postos à disposição do ofendido. A desnecessidade ou imoderação dos meios de repulsa poderá caracterizar o excesso, proibido pelo direito. Vale lembrar que, se o agente, ao exercer sua lídima prerrogativa de defesa, atinge terceiro inocente, terá de indenizá-lo, cabendo-lhe, outrossim, ação regressiva contra o verdadeiro agressor. (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2010, p. 485).

4.2 Estado de necessidade Já o estado de necessidade, por sua vez, configura-se com a deterioração ou destruição da coisa alheia, ou lesão à pessoa, a fim de remover perigo iminente.

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Capítulo 4 No estado de necessidade, sempre há o sacrifício do direito de uma pessoa para salvar o direito de outra do perigo de se perder. Como exemplo, podemos citar o caso de um sujeito que, para evitar que seu carro seja atingido por um veículo desgovernado, realiza manobra arriscada e acaba atropelando o cão de um terceiro. Não se considera ilícita sua ação, se, no momento que ele atropela o cão, não houvesse outra alternativa. (COELHO, 2003, p. 380).

4.3 Exercício regular e abuso de direito Outro caso de excludente da ilicitude é o exercício regular de direito reconhecido. No ato ilícito, há um procedimento contrário ao direito. Portanto, o exercício de um direito elimina a ilicitude. Quem exerce o direito não provoca um dano. Como exemplo, podemos identificar a situação do credor que, preenchendo as condições legais, requer a falência do devedor comerciante; o proprietário que constrói em seu terreno tolhendo a vista do vizinho. Apesar de esses agentes causarem dano a outrem, não estão obrigados a indenizá-lo, porque agem na esfera de seu direito. Sempre que o agente, à primeira vista, esteja exercendo direito seu, e extravasa os limites para os quais esse direito foi criado, ingressa na esfera do abuso de direito. (VENOSA, 2007, p. 621). Prevalece na doutrina, hoje, o entendimento de que o abuso de direito prescinde da ideia de culpa. O abuso de direito ocorre quando o agente, atuando dentro dos limites da lei, deixa de considerar a finalidade social de seus direito e exorbita ao exercê-lo, causando prejuízo a outrem. Embora não haja, em geral, violação dos limites objetivos da lei, o agente desvia-se dos fins sociais a que esta se destina. (GONÇALVES, 2008, p. 506). Exemplificando o abuso de direito, podemos citar o direito contratual quando há recusa injustificada de contratar, quando há rompimento da promessa de contratar ou, ainda, no desfazimento unilateral injustificado do contrato. (VENOSA, 2007, p. 623). Como o abuso de direito envolve limites, a nulidade do ato abusivo corresponde àquilo que foi além dos limites. Contudo, o ato jurídico abusivo pode ser declarado nulo quando seu objeto for inteiramente contaminado pelo abuso e não puder ser aproveitado pela conversão ou pela conservação do negócio jurídico. (LOBO, 1986, p. 338). Em relação à configuração do abuso de direito, Silvio de Salvo Venosa (2007, p. 627) ressalta que a colocação do atual diploma inserindo o abuso de direito nos artigos 186 e 187 foi providencial. De fato, se o abuso de direito não constitui propriamente um ato ilícito e transcende os limites da responsabilidade civil, razão prática impõe que as consequências do abuso de direito sejam as mesmas

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Negócios Jurídicos da reparação pela responsabilidade civil, cabendo ao julgador valer-se das cláusulas gerais estabelecidas no Código Civil, especialmente no tocante à boa-fé. Finalmente, observa-se que o instituto do abuso de direito tem aplicação em quase todos os campos do direito, como instrumento destinado a reprimir o exercício antissocial dos direitos subjetivos. (GONÇALVES, 2008, p. 507).

Seção 5 Prova no negócio jurídico Considerando todo o estudado até então, resta-nos, neste tópico, abordar um assunto de fundamental importância para o negócio jurídico, que é, justamente, a prova. Uma vez aperfeiçoado, o negócio jurídico pode necessitar de um meio de prova, visando a certeza e a segurança jurídica. Para isto, tenha em mente a conexão existente entre o direito material (direito civil) e o direito processual (direito processual civil), já que, especialmente nesse ponto da matéria, ambos devem ser estudados sempre em conjunto. Ao direito civil, cabe a determinação das provas, a indicação do seu valor jurídico e as condições de admissibilidade; ao diploma processual civil, caberá estudar o modo de constituir a prova e de produzi-la em juízo. (GONÇALVES, 2008, p. 535).

5.1 Conceito de prova As provas são os meios de demonstração e comprovação da existência dos fatos jurídicos. Para Gonçalves (2008, p. 535), “prova é o meio empregado para demonstrar a existência do ato ou negócio jurídico. Ou ainda, Tartuce (2011, p. 449), citando Clóvis Beviláqua, conceitua prova como um “conjunto de meios empregados para demonstrar, legalmente, a existência de negócios jurídicos.”

5.2 Meios de prova Inicialmente, importa esclarecer que, quando a lei exigir forma especial, como o instrumento público, para a validade do negócio jurídico, nenhuma outra prova, por mais especial que seja, poderá suprir-lhe a falta (CPC, art. 366; CC, art. 177, contrario sensu). Por outro lado, não havendo qualquer exigência quanto à forma (ato não formal), qualquer meio de prova pode ser utilizado, desde que não proibido, como estatui o art. 332 do Código de Processo Civil: “todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda que não especificados neste Código, são hábeis para provar a verdade dos fatos, em que se funda ação ou defesa.” (GONÇALVES, 2008, p. 535-536).

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Capítulo 4 Feita esta ressalva, os meios de prova estão dispostos claramente no Código Civil Brasileiro, no art. 212, a saber: Art. 212. Salvo o negócio a que se impõe forma especial, o fato jurídico pode ser provado mediante: I - confissão; II - documento; III - testemunha; IV - presunção; V - perícia.

Passamos então, neste momento, a estudar cada um dos tipos de prova acima descritos. 5.2.1 Confissão Confissão é o reconhecimento livre (por meio da manifestação) da veracidade do fato que a outra parte da relação jurídica ou do próprio negócio pretende provar. Nos termos do art. 348 do Código de Processo Civil, “há confissão, quando a parte admite a verdade de um fato, contrário ao seu interesse e favorável ao adversário. A confissão é judicial ou extrajudicial.” (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2010, p. 459). No entanto, vale lembrar: Art. 213. Não tem eficácia a confissão se provém de quem não é capaz de dispor do direito a que se referem os fatos confessados. Parágrafo único. Se feita a confissão por um representante, somente é eficaz nos limites em que este pode vincular o representado.

A confissão, como dito acima, é prova que consiste em manifestação de uma parte reconhecendo situação favorável a outra. Por essa razão, somente quem se encontra inserido na relação jurídica é que estará legitimado a confessar. O representante legal do incapaz não pode, em princípio, confessar, porque lhe é vedado concluir negócios em conflito de interesses com o representado (CC, art. 119), e a confissão opera, essencialmente, contra os interesses do titular do direito. Situação diversa ocorre quando se tratar de representação voluntária, visto que, nessa espécie, o representado legitima o representante para tal. (GONÇALVES, 2008, p. 537).

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Negócios Jurídicos 5.2.2 Documento Para fins de prova, o documento poderá ser público ou particular. Tem função apenas probatória. Públicos são os documentos elaborados por autoridade pública, no exercício de suas funções, como as certidões, traslados etc. Particulares, como a própria denominação, são aqueles elaborados por particulares, tais como cartas, telegramas, declarações. (GONÇALVES, 2008, p. 537) Documento não se confunde com Instrumento Público ou Particular. O instrumento público (lavrado por oficial) ou particular (firmado pelas próprias partes) possui significado jurídico próprio, sendo espécie de documento, formado com o propósito de servir de prova do ato representado. (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2010, p. 461). 5.2.3 Documento ou instrumento público A escritura pública (CC, art. 215) exigida pela lei para certos negócios é ato em que as partes comparecem perante oficial público, como o tabelião ou o escrivão do cartório judicial, na presença de testemunhas, para fazer declaração de vontade. É exemplo de documento revestido de fé pública. São seus requisitos, além de outros exigidos em normas específicas, aqueles especificados nos incisos I a VII, do § 1º, artigo 215, do Código Civil. Os instrumentos públicos são chamados pelo direito de prova préconstituída. (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2010, p. 461).

Tanto as certidões quanto os traslados lavrados por Tabelião ou Oficial de Cartório de Registros são dotados de eficácia probatória dos negócios jurídicos correspondentes. Nessa linha, convém citar os artigos 215 e 217 do Código Civil: CC Art. 215. A escritura pública, lavrada em notas de tabelião, é documento dotado de fé pública, fazendo prova plena. CC Art. 217. Terão a mesma força probante os traslados e as certidões, extraídos por tabelião ou oficial de registro, de instrumentos ou documentos lançados em suas notas.

O mesmo pode ocorrer com as declarações feitas em processos judiciais. Uma vez lavradas em cartório judicial responsável pelos autos do processo, possuem a mesma eficácia. Para isto, deverão conter a reprodução textual do que o sujeito manifestou em audiência ou petição.

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Capítulo 4 Dispõe o art. 216 do Código Civil: Art. 216. Farão a mesma prova que os originais as certidões textuais de qualquer peça judicial, do protocolo das audiências, ou de outro qualquer livro a cargo do escrivão, sendo extraídas por ele, ou sob a sua vigilância, e por ele subscritas, assim como os traslados de autos, quando por outro escrivão consertados.

5.2.4 Documento particular O documento particular produz eficácia entre as partes ou ainda perante terceiros. O documento particular tem sua validade e eficácia suspensas, se for contestada a assinatura, e enquanto não for comprovada sua autenticidade pelo interessado na validade. (LOBO, 1986, p. 362). Vejamos como a legislação se apresenta: Art. 221. O instrumento particular, feito e assinado, ou somente assinado por quem esteja na livre disposição e administração de seus bens, prova as obrigações convencionais de qualquer valor; mas os seus efeitos, bem como os da cessão, não se operam, a respeito de terceiros, antes de registrado no registro público. Parágrafo único. A prova do instrumento particular pode suprir-se pelas outras de caráter legal. Art. 219. As declarações constantes de documentos assinados presumem-se verdadeiras em relação aos signatários. Art. 222. O telegrama, quando lhe for contestada a autenticidade, faz prova mediante conferência com o original assinado. Art. 226. Os livros e fichas dos empresários e sociedades provam contra as pessoas a que pertencem, e, em seu favor, quando, escriturados sem vício extrínseco ou intrínseco, forem confirmados por outros subsídios.

No entanto, para produzir efeitos contra terceiros, isto é, para aqueles que não tomaram parte no negócio, impõe a necessidade de sua divulgação, ou seja, tem de dar a devida publicidade conforme preceitua a Lei de Registros Públicos (Lei nº 6.015/73). Os documentos eletrônicos tiveram a validade atestada pela edição da Lei nº 11.419 de 2006, a qual regulamentou o processo judicial eletrônico. (LOBO, 1986, p. 365).

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Negócios Jurídicos 5.2.5 Testemunha Muito embora seja alvo de críticas, já que dotada de certo grau de subjetividade, a prova testemunhal é a que resulta do depoimento oral das pessoas que presenciaram o fato a ser provado. As testemunhas podem ser instrumentárias ou judiciárias. Estas são as que prestam depoimento em juízo; aquelas são as que assinam o instrumento. (GONÇALVES, 2008, p. 541). Vejamos o art. 227: Art. 227. Salvo os casos expressos, a prova exclusivamente testemunhal só se admite nos negócios jurídicos cujo valor não ultrapasse o décuplo do maior salário mínimo vigente no País ao tempo em que foram celebrados. Parágrafo único. Qualquer que seja o valor do negócio jurídico, a prova testemunhal é admissível como subsidiária ou complementar da prova por escrito.

O Código Civil proíbe certas pessoas de testemunhar, seja em razão da ausência de discernimento ou pela ausência de neutralidade: Art. Art. 228. Não podem ser admitidos como testemunhas: I - os menores de dezesseis anos; II - aqueles que, por enfermidade ou retardamento mental, não tiverem discernimento para a prática dos atos da vida civil; III - os cegos e surdos, quando a ciência do fato que se quer provar dependa dos sentidos que lhes faltam; IV - o interessado no litígio, o amigo íntimo ou o inimigo capital das partes; V - os cônjuges, os ascendentes, os descendentes e os colaterais, até o terceiro grau de alguma das partes, por consanguinidade, ou afinidade. Parágrafo único. Para a prova de fatos que só elas conheçam, pode o juiz admitir o depoimento das pessoas a que se refere este artigo.

Dispõe também o Código Civil acerca da impossibilidade de se depor quando da ocorrência de determinados fatos, tais como: Art. 229. Ninguém pode ser obrigado a depor sobre fato: I - a cujo respeito, por estado ou profissão, deva guardar segredo;

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Capítulo 4 II - a que não possa responder sem desonra própria, de seu cônjuge, parente em grau sucessível, ou amigo íntimo; III - que o exponha, ou às pessoas referidas no inciso antecedente, a perigo de vida, de demanda, ou de dano patrimonial imediato.

Recomenda-se, por conseguinte, a leitura do art. 405 do Código de Processo Civil que relaciona os incapazes para testemunhas, os impedidos e os suspeitos. 5.2.6 Presunção Para Silvio de Salvo Venosa (2007, p. 581), presunção é a conclusão que se extrai de fato conhecido para provar a existência de outro, desconhecido. As presunções classificam-se em legais (juris) e comuns (hominis). Para o referido autor, as presunções legais dividem-se em: •• presunções juris et de jure (absolutas, aquelas que não admitem prova em contrário); e •• presunções jures tantum (relativas, aquelas que admitem prova em contrário). Nas presunções absolutas (juris et de jure), os fatos e os atos que deles se deduzem são considerados provados e verdadeiros, ainda que se tente provar o contrário. Como exemplo, podemos citar a comoriência. Dispõe o artigo 8º do Código Civil: “se dois ou mais indivíduos falecerem na mesma ocasião, não se podendo averiguar se algum dos comorientes precedeu aos outros, presumir-seão simultaneamente mortos.” É considerada uma presunção legal absoluta, pois a lei proíbe a averiguação de quem precedeu ao outro, presumindo-se ambos mortos ao mesmo tempo. (LOBO, 1986, p. 371). As presunções relativas (jures tantum) são as que admitem prova em contrário. Como exemplo temos o caso da presunção de paternidade atribuída ao marido, em relação ao filho de sua mulher nascido na constância do casamento, podendo ser elidida por meio da ação negatória de paternidade. Vide art. 1.601 do CC. (GONÇALVES, 2008, p. 543) Gonçalves (2008, p. 542) ainda se refere às presunções simples (comuns ou hominis): são as que se baseiam no que ordinariamente acontece, na experiência da vida. Presume-se, por exemplo, embora não de forma absoluta, que as dívidas contraídas do marido são contraídas em benefício da família.

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Negócios Jurídicos Muitos entendem que as expressões indício e presunção são sinônimas. Mesmo tendo ambas valor equivalente como meio de prova, o indicio é o ponto de partida de onde, por inferência, chega-se a estabelecer uma presunção. É o caso de quando se verifica que o agente vende bem por preço irrisório a um parente, estando assoberbado por dívidas: tal fato indicia que pode haver fraude contra credores. O indício, portanto, deve ser entendido como causa ou meio para se chegar a uma presunção, que é o resultado. (VENOSA, 2007, p. 582).

5.2.7 Perícia Segundo Silvio de Salvo Venosa (2007, p. 583), o juiz, embora se requeira que seja pessoa de razoável cultura, não pode ser especialista em matérias técnicas. Quando o deslinde de uma causa depende de conhecimento técnico, o magistrado se valerá de um “perito”, que o auxiliará na questão fática. Perícia é a prova obtida com a utilização de conhecimentos técnicos ou científicos aplicados pelos respectivos profissionais. A prova de algum fato pode exigir a participação de um profissional especializado, quando não pode ser suprida exclusivamente por testemunhas ou documentos. Já o perito é o profissional acreditado e reconhecido pelas partes que litigam e pelo Judiciário, incumbido da realização da perícia. (LOBO, 1986, p. 373). O Código Civil traz dois dispositivos que regulamentam a perícia: Art. 231. Aquele que se nega a submeter-se a exame médico necessário não poderá aproveitar-se de sua recusa. Art. 232. A recusa à perícia médica ordenada pelo juiz poderá suprir a prova que se pretendia obter com o exame.

Ressalta-se que ambos estão conectados às ações de investigação de paternidade. De acordo com a Súmula 301 do STJ: “em ação investigatória, a recusa do suposto pai a submeter-se ao exame de DNA induz presunção juris tantum de paternidade.” Muito embora o juiz deva valer-se de outros meios de prova que corroborem o exame, quem se recusa a realizar o exame de DNA gera para si a presunção de paternidade. Recomenda-se, para tanto, a leitura dos dispositivos previstos também no Código de Processo Civil, a partir do art. 420 e seguintes que regulamentam a prova pericial.

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Capítulo 5 Prescrição e decadência

Habilidades

Este capítulo desenvolverá em você a habilidade de compreender as implicações temporais do exercício de um direito e, assim, diferenciar prescrição e decadência. Além disso, ao final do seu estudo, você estará apto/a a identificar todas as modalidades de prescrição e distinguir os seus prazos cabíveis.

Seções de estudo

Seção 1:  Prescrição Seção 2:  Decadência

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Capítulo 5

Seção 1 Prescrição Vivemos em mundo em constante movimento. A vida não para! Desta forma ocorre também para o direito. Este, por sua vez, estabelece determinadas regras para o seu exercício. Diz-se que a pessoa tem de exercer e exigir seu direito em tempo razoável, ou seja, é o próprio direito que estabelece esses prazos considerados adequados para que se possa buscar no Judiciário o respaldo para a pretensão. Não o fazendo em tempo hábil, o sujeito fica impedido de buscar seu direito, podendo, inclusive, perdê-lo definitivamente, em prol da segurança jurídica e da pacificação social. Por essa razão, faz-se necessário o estudo de dois institutos de fundamental importância para o direito, quais sejam: a prescrição e a decadência. Conforme dito acima, o exercício de um direito não pode ficar pendente indefinidamente. Deve ser exercido pelo titular dentro de determinado prazo. Isto não ocorrendo, perderá o titular a prerrogativa de fazer valer seu direito. (VENOSA, 2007, p. 629). Desde a concepção do ser humano, o tempo influi nas relações jurídicas de que o indivíduo participa. É ele o personagem principal do instituto da prescrição. O decurso do tempo tem grande influência na aquisição e na extinção de direitos. (GONÇALVES, 2008, p. 510). Como já dizia a máxima do direito romano, dormientibus non sucurrit jus (o direito não socorre a quem dorme). Neste sentido, um dos princípios baluartes na nova codificação é o princípio da operabilidade, inclusive em um sentido de simplicidade, pelo qual busca facilitar o estudo dos institutos jurídicos privados. Tal princípio pode ser flagrantemente percebido pelo tratamento dado pela codificação tanto à prescrição quanto à decadência, particularmente pela facilitação de visualização dos institutos.

O Código Civil em vigor traz um tratamento diferenciado quanto a tais conceitos: a prescrição consta dos seus artigos 189 a 206; e, a decadência, dos artigos 207 a 211. Distinguem-se, pois, duas espécies de prescrição: a extintiva e a aquisitiva. A prescrição extintiva, prescrição propriamente dita, conduz à perda do direito de ação por seu titular negligente, ao fim de certo lapso de tempo, e pode ser encarada como força destrutiva. (VENOSA, 2007, p. 631).

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Negócios Jurídicos Já a prescrição aquisitiva, também denominada usucapião, é tratada na parte especial do Código Civil, mas não é objeto de nosso estudo no momento. Dito isto, vamos ao conceito de prescrição.

1.1 Conceito de prescrição A prescrição extintiva, fato jurídico em sentido estrito, é, portanto, uma sanção ao titular do direito violado, que extingue tanto a pretensão positiva quanto a negativa (exceção ou defesa). Trata-se de um fato jurídico stricto sensu justamente pela ausência de vontade humana, prevendo a lei efeitos naturais, relacionados com a extinção da pretensão. A sua origem está no decurso do tempo, exemplo típico de fato natural. (TARTUCE, 2011, p. 410). Segundo Pontes de Miranda (apud GONÇALVES, 2008, p. 512), a prescrição seria uma exceção que alguém tem contra o que não exerceu, durante um lapso de tempo fixado em norma, sua pretensão ou ação. Segundo o art. 189: “Violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue, pela prescrição, nos prazos a que aludem os arts. 205 e 206.” Ou seja, a violação do direito, que causa dano ao titular do direito subjetivo, faz nascer a possibilidade de se exigir do devedor uma ação ou omissão, a qual permite a composição do dano verificado. A esse direito de exigir chama a doutrina de pretensão. Ou seja, pretensão significa o poder de exigir de outrem uma ação ou omissão. (GONÇALVES, 2008, p. 513). A prescrição não alcança o direito, mas a pretensão, ou seja, a etapa da exigibilidade, quando o exercício poderia ser exigido. Em outras palavras, a prescrição não afeta o direito, e sim seu exercício. O direito permanece existente; apenas está desarmado, pois o titular não mais o pode exigir. O direito não prescreve nunca. O que prescreve é a pretensão. Tampouco prescreve diretamente a ação, pois esta não pode ser exercida materialmente (nas hipóteses em que o direito admite que o titular o faça diretamente, sem a necessidade de se ajuizar uma ação), pois depende da pretensão. Não há ação quando a pretensão está prescrita. (LOBO, 1986, p. 342).

Para melhor compreensão, atente para o exemplo citado por Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (2010, p. 490): Caio (credor) é titular de um direito de crédito em face de Tício (devedor). Nos termos do contrato pactuado, Caio teria direito ao pagamento de 100 reais no dia 1º de janeiro de 2002 (dia do vencimento). Firmado o contrato no dia 10 de dezembro de 2001, Caio já dispõe do crédito, posto somente seja exigível

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Capítulo 5 no dia do vencimento. Observe, pois, que o direito de crédito nasce com a realização do contrato, em 10 de dezembro. No dia do vencimento, para a surpresa de Caio, o devedor negase a cumprir a sua obrigação. Torna-se, portanto, inadimplente, violando o direito patrimonial de Caio de obter a satisfação do seu crédito. Neste exato momento, portanto, violado o direito, surge para o credor a legítima pretensão de poder exigir, judicialmente, que o devedor cumpra a prestação assumida. Esta pretensão, por sua vez, quedará prescrita, se não for exercida no prazo legalmente estipulado para o seu exercício (dez anos, no Código Civil – art. 205).

Observe, no exemplo supracitado, que o direito de ajuizar a ação sempre existirá, mesmo depois de decorrido o prazo prescricional estabelecido em lei. Logo, o que prescreve é a pretensão. Assim, pode-se dizer que a prescrição, conforme (GONÇALVES, 2008, p. 513), tem como requisitos: •• a violação do direito, como o nascimento da pretensão; •• a inércia do titular; e •• o decurso do tempo fixado em lei. A prescrição corre sem ligação subjetiva à titularidade do direito. Se há mudança do titular da pretensão, não importa: o sucessor recebe a fluência do tempo, tal como vinha do autor. O tempo escoa objetivamente, sem atender a quem é, no momento, o titular da pretensão. (LOBO, 1986, p. 344). A prescrição tem por objeto direitos subjetivos patrimoniais e disponíveis, não afetando, por isso, direitos sem conteúdo patrimonial direto como os direitos personalíssimos, de estado ou de família, os quais são irrenunciáveis e indisponíveis. (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2010, p. 490). Lembre-se, também, das pretensões dos direitos da personalidade, já estudadas na Introdução ao Direito Civil, tais como o direito à honra, privacidade, intimidade, imagem e identidade das pessoas. Nessa mesma linha de pensamento, temos as chamadas pretensões imprescritíveis, que englobam os direitos acima elencados dentre outros. Sintetizando, a fim de esclarecer melhor essas denominadas pretensões, citamos, segundo Gonçalves, como pretensões não sujeitas à prescrição: •• As que protegem os direitos da personalidade, como o direito à vida, à honra, à liberdade, à integridade física ou moral, à imagem, ao nome, às obras literárias, artísticas ou científicas etc.

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Negócios Jurídicos •• As que se prendem ao estado das pessoas (estado de filiação, a qualidade de cidadania, a condição conjugal). Não prescrevem, assim, as ações de divórcio, interdição, investigação de paternidade etc. •• As de exercício facultativo (ou potestativo), em que não existe direito violado, como as destinadas a extinguir o condomínio, a de pedir meação do muro do vizinho. •• As referentes a bens públicos de qualquer natureza, que são imprescritíveis. •• As que protegem direito de propriedade, que é perpétuo (reinvindicatória). •• As pretensões de reaver bens confiados à guarda de outrem, a título de depósito, penhor ou mandato. •• E, por fim, as destinadas a anular a inscrição do nome empresarial feita com violação de lei ou do contrato. Gonçalves (2008, p. 514-515) ainda menciona a questão da Súmula 149 do STF a qual determina que só não prescreve a ação de investigação de paternidade, prescrevendo, porém, a de petição de herança. No mesmo sentido, embora não prescrevam as pretensões concernentes aos direitos da personalidade, a de obter vantagem patrimonial em decorrência de sua ofensa (que acarreta dano moral, por exemplo) é prescritível. 1.1.1 Prescrição intercorrente Outra espécie de prescrição que convém ser citada é a prescrição intercorrente. Segundo Gonçalves (2008, p. 513), a existência da prescrição intercorrente ocorre quando o autor de processo já iniciado permanece inerte, de forma continuada e ininterrupta, durante lapso temporal suficiente para a perda da pretensão. Interrompida a prescrição, o prazo voltará a fluir do último ato do processo ou do próprio ato que a interrompeu (a citação válida), devendo o processo ser impulsionado pelo autor. Não pode permanecer inerte, abandonando o andamento da causa durante prazo superior àquele fixado em lei para a prescrição da pretensão. A prescrição intercorrente foi implicitamente admitida no art. 202, parágrafo único do Código Civil, que assim dispõe: “Art. 202. Parágrafo único. A prescrição interrompida recomeça a correr da data do ato que a interrompeu, ou do último ato do processo para a interromper.”

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Capítulo 5

1.2 Diferenciações necessárias da prescrição Importa salientar que nem a prescrição nem a decadência (que será abordada adiante) se confundem com o instituto da preclusão, que, em verdade, é a perda de uma faculdade ou direito processual, por se haver esgotado ou por não ter sido exercido em tempo e momento oportunos. Da mesma forma, não há como confundi-las com a perempção, que, embora também calcada na ideia de inércia, é instituto de direito processual, aplicável somente aos acionantes da máquina judiciária, com a extinção do processo civil ou criminal como sanção pelo não cumprimento de diligências que lhe cabiam. Tanto a preclusão quanto a perempção são institutos que serão estudados posteriormente, mais precisamente no Direito Processual.

1.3 Causas de interrupção e suspensão da prescrição A prescrição, antes da conclusão do prazo correspondente, poderá ser interrompida ou suspensa, em favor do credor ou titular do direito. As hipóteses da interrupção e suspensão são taxativamente enumeradas na lei, não podendo ser criadas, ampliadas ou suprimidas pelos sujeitos dos atos jurídicos. (LOBO, 1986, p. 345). 1.3.1 Causas de suspensão da prescrição Desta forma, o Código Civil, em seu art. 197, dispõe: Art. 197. Não corre a prescrição: I - entre os cônjuges, na constância da sociedade conjugal; II - entre ascendentes e descendentes, durante o poder familiar; III - entre tutelados ou curatelados e seus tutores ou curadores, durante a tutela ou curatela.

Assim, dispõe o art. 197 que não corre prescrição “entre os cônjuges na constância da sociedade conjugal”. Se o prazo ainda não começou a fluir, a causa ou obstáculo (no caso, a constância da sociedade conjugal) impede que comece. Se, entretanto, o obstáculo (casamento) surge após o prazo ter-se iniciado, dá-se suspensão. Nesse caso, somam-se os períodos, isto é, cessada a causa de suspensão temporária, o lapso prescricional volta a fluir somente pelo tempo restante. Diferentemente da interrupção, que será estudada adiante, em que o período já decorrido é inutilizado e o prazo volta a correr novamente por inteiro. (GONÇALVES, 2008, p. 521).

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Negócios Jurídicos Justifica-se a suspensão da prescrição em razão da condição em que as pessoas elencadas no artigo acima transcrito se encontrem, ou seja, pela situação na qual se encontram (na constância da sociedade conjugal, por exemplo) estarão impossibilitadas de agir. Ato contínuo, passamos a estudar o art. 198 do Código Civil, que regulamenta: Art. 198. Também não corre a prescrição: I - contra os incapazes de que trata o art. 3o; II - contra os ausentes do País em serviço público da União, dos Estados ou dos Municípios; III - contra os que se acharem servindo nas Forças Armadas, em tempo de guerra.

Este dispositivo prevê que também não corre prescrição contra os incapazes relacionados no art. 3º do Código Civil; contra os ausentes do País em serviço público da União, Estados ou dos Municípios e contra os que se acharem servindo nas Forças Armadas, em tempo de guerra. Confira o quadro a seguir. Quadro 5.1 - Prescrição contra os incapazes

Prescrição

Relativamente incapazes

Corre contra ou a favor

Absolutamente incapazes

Se contra: a prescrição não corre. Se a favor: a prescrição corre.

Fonte: Tartuce (2011, p. 419).

1.3.2 Causas de interrupção da prescrição A interrupção depende, em regra, de um comportamento ativo do credor, diferente da suspensão, que decorre de certos fatos previstos na lei, conforme mencionado. Qualquer ato de exercício ou proteção ao direito interrompe a prescrição, extinguindo o tempo já decorrido, que volta a correr por inteiro, diversamente da suspensão da prescrição, cujo prazo volta a fluir pelo tempo restante. (GONÇALVES, 2008, p. 525). As causas de interrupção da prescrição estão elencadas no art. 202 do Código Civil, que prevê: Art. 202. A interrupção da prescrição, que somente poderá ocorrer uma vez, dar-se-á: I - por despacho do juiz, mesmo incompetente, que ordenar a citação, se o interessado a promover no prazo e na forma da lei processual;

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Capítulo 5 II - por protesto, nas condições do inciso antecedente; III - por protesto cambial; IV - pela apresentação do título de crédito em juízo de inventário ou em concurso de credores; V - por qualquer ato judicial que constitua em mora o devedor; VI - por qualquer ato inequívoco, ainda que extrajudicial, que importe reconhecimento do direito pelo devedor. Parágrafo único. A prescrição interrompida recomeça a correr da data do ato que a interrompeu, ou do último ato do processo para a interromper.

Nesse sentido, elucida Silvio de Salvo Venosa (2011, p. 652) que [...] o ponto principal autorizador da perda do direito pela prescrição é a inércia do titular. Portanto, não pode ser punido o prescribente quando defende seu direito, com a intenção de inutilizar a prescrição. Desse modo, a prescrição é interrompida com o fato hábil a destruir o lapso de tempo pretérito. A contrário da suspensão, em que o tempo anterior ao fato X é computado.

Em síntese: enquanto um mesmo prazo pode ser suspenso por várias vezes, a interrupção só ocorre uma única vez. Imagine o prazo de dez anos que começou a fluir quando o titular do direito tinha 14 anos. Ficou suspenso até o fim da incapacidade absoluta. Começou a fluir, assim, no dia em que esse jovem completou 16 anos. Imagine, porém, que, ao fazer 18 anos, foi convocado pelas Forças Armadas, em momento em que o Brasil entrara numa guerra. Novamente ficará suspenso o mesmo prazo até o fim da guerra ou da incorporação às Forças Armadas. Imagine, finalmente, que o jovem, dois anos depois, casa-se com a titular da obrigação correspondente ao seu direito. Nova causa de suspensão se verificou. Quando se trata, porém, de interrupção, ela não é admitida senão uma única vez. (COELHO, 2003, p. 398). As causas que interrompem a prescrição poderão ser mais bem elucidadas e compreendidas a partir do estudo do direito processual, que será iniciado a partir dessa etapa do curso, razão pela qual, nesse momento, interessa apenas identificar a essência da interrupção da prescrição. Dito isto, partiremos ao estudo dos prazos prescricionais.

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1.4 Prazos da prescrição O prazo de prescrição das pretensões pode ser: geral ou especial. O prazo geral é de dez anos, conforme disposto no art. 205 do Código Civil: “A prescrição ocorre em dez anos, quando a lei não lhe haja fixado prazo menor.” Quando a lei determinar que a inércia no exercício do direito gera prescrição, mas não determinar qual prazo, remete-se ao geral, qual seja: dez anos.

As obrigações pessoais em geral, especialmente as oriundas de negócios jurídicos, são remetidas ao prazo geral (dez anos), contado a partir de quando poderiam ser exigíveis. Após dez anos, as pretensões das dívidas pessoais são prescritas, salvo se a lei tiver estabelecido prazo menor. Do mesmo modo, as pretensões que tenham por objeto direitos reais (propriedade, direitos reais limitados) prescrevem em dez anos, contados a partir da lesão sofrida ou do início da ausência de exercício do direito. (LOBO, 1986, p. 351). Os prazos de prescrição ditos especiais estão dispostos no art. 206 do Código Civil: Art. 206. Prescreve: § 1o Em um ano: I - a pretensão dos hospedeiros ou fornecedores de víveres destinados a consumo no próprio estabelecimento, para o pagamento da hospedagem ou dos alimentos; II - a pretensão do segurado contra o segurador, ou a deste contra aquele, contado o prazo: a) para o segurado, no caso de seguro de responsabilidade civil, da data em que é citado para responder à ação de indenização proposta pelo terceiro prejudicado, ou da data que a este indeniza, com a anuência do segurador; b) quanto aos demais seguros, da ciência do fato gerador da pretensão; III - a pretensão dos tabeliães, auxiliares da justiça, serventuários judiciais, árbitros e peritos, pela percepção de emolumentos, custas e honorários; IV - a pretensão contra os peritos, pela avaliação dos bens que entraram para a formação do capital de sociedade anônima, contado da publicação da ata da assembleia que aprovar o laudo; V - a pretensão dos credores não pagos contra os sócios ou acionistas e os liquidantes, contado o prazo da publicação da ata de encerramento da liquidação da sociedade.

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Capítulo 5 § 2o Em dois anos, a pretensão para haver prestações alimentares, a partir da data em que se vencerem. § 3o Em três anos: I - a pretensão relativa a aluguéis de prédios urbanos ou rústicos; II - a pretensão para receber prestações vencidas de rendas temporárias ou vitalícias; III - a pretensão para haver juros, dividendos ou quaisquer prestações acessórias, pagáveis, em períodos não maiores de um ano, com capitalização ou sem ela; IV - a pretensão de ressarcimento de enriquecimento sem causa; V - a pretensão de reparação civil; VI - a pretensão de restituição dos lucros ou dividendos recebidos de má-fé, correndo o prazo da data em que foi deliberada a distribuição; VII - a pretensão contra as pessoas em seguida indicadas por violação da lei ou do estatuto, contado o prazo: a) para os fundadores, da publicação dos atos constitutivos da sociedade anônima; b) para os administradores, ou fiscais, da apresentação, aos sócios, do balanço referente ao exercício em que a violação tenha sido praticada, ou da reunião ou assembleia geral que dela deva tomar conhecimento; c) para os liquidantes, da primeira assembleia semestral posterior à violação; VIII - a pretensão para haver o pagamento de título de crédito, a contar do vencimento, ressalvadas as disposições de lei especial; IX - a pretensão do beneficiário contra o segurador, e a do terceiro prejudicado, no caso de seguro de responsabilidade civil obrigatório. § 4o Em quatro anos, a pretensão relativa à tutela, a contar da data da aprovação das contas. § 5o Em cinco anos: I - a pretensão de cobrança de dívidas líquidas constantes de instrumento público ou particular; II - a pretensão dos profissionais liberais em geral, procuradores judiciais, curadores e professores pelos seus honorários, contado o prazo da conclusão dos serviços, da cessação dos respectivos contratos ou mandato; III - a pretensão do vencedor para haver do vencido o que despendeu em juízo.

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Negócios Jurídicos Como se pode constatar, todos os prazos estabelecidos no artigo acima mencionado estão relacionados com ações de cunho condenatório e patrimonial, tratando particularmente de cobrança de valores e reparação de danos. Passamos, então, ao estudo do instituto da decadência.

Seção 2 Decadência A decadência é a perda do direito em virtude de seu não exercício durante certo tempo. Difere da prescrição, porque esta atinge a pretensão, mas não o direito. (LOBO, 1986, p. 353). Para Silvio de Salvo Venosa (2011, p. 636), decadência é a ação de cair ou o estado daquilo que caiu. No campo jurídico, indica a queda ou perecimento de direito pelo decurso de prazo fixado para o seu exercício, sem que o titular o tivesse exercido. Um dos critérios usados pela doutrina para distinguir prescrição de decadência consiste em considerar que, nesta, o prazo começa a fluir no momento em que o direito nasce. Desse modo, no mesmo instante em que o agente adquire o direito já começa a correr o prazo decadencial. O prazo prescricional, todavia, só se inicia a partir do momento em que este tem seu direito violado. (GONÇALVES, 2008, p. 531).

Na decadência, que é instituto de direito substantivo, há a perda de um direito previsto em lei. O legislador estabelece que certo ato terá de ser exercido dentro de um determinado tempo, fora do qual ele não poderá mais efetivar-se, porque dele decaiu o seu titular. A decadência se consubstancia, pois, no decurso infrutífero de um termo prefixado para o exercício do direito. O tempo age em relação à decadência como um requisito do ato, pelo que a própria decadência é a sanção consequente da inobservância de um termo. (GONÇALVES, 2008, p. 532). O Código Civil considera prescricionais todos os prazos discriminados no rol taxativo dos artigos 205 e 206, já mencionados anteriormente, o que significa dizer que todos os demais, os quais por ventura possam aparecer, serão decadenciais. Note que, além do rol taxativo dos artigos, estes estabelecem os prazos prescricionais em anos, o que nos leva a entender que os prazos em dias, meses e ano e dia serão sempre decadenciais. (TARTUCE, 2011, p. 435).

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Capítulo 5 Diz-se que a decadência pode ter origem na lei (decadência legal) ou na autonomia privada (decadência convencional). A decadência legal deverá ser reconhecida pelo juiz de ofício, tal qual ocorre com a prescrição, e não poderá ser renunciada pela parte. Já a decadência convencional não poderá ser reconhecida de ofício pelo juiz e pode ser renunciada após a consumação, assim como ocorre na prescrição. (TARTUCE, 2011, 438). Prosseguindo com a matéria, preceitua o art. 207 do Código Civil: “Salvo disposição legal em contrário, não se aplicam à decadência as normas que impedem, suspendem ou interrompem a prescrição.” Via de regra, entende-se que os prazos decadenciais são fatais, no entanto a expressão “salvo disposição em contrário” nos remete à ideia de que essa regra talvez não seja absoluta. (GONÇALVES, 2008, p. 533). Algumas espécies de prazo decadencial poderão ser identificadas nos artigos a seguir transcritos: Art. 178. É de quatro anos o prazo de decadência para pleitear-se a anulação do negócio jurídico, contado: I - no caso de coação, do dia em que ela cessar; II - no de erro, dolo, fraude contra credores, estado de perigo ou lesão, do dia em que se realizou o negócio jurídico; III - no de atos de incapazes, do dia em que cessar a incapacidade. Art. 179. Quando a lei dispuser que determinado ato é anulável, sem estabelecer prazo para pleitear-se a anulação, será este de dois anos, a contar da data da conclusão do ato.

Estes são alguns exemplos de prazos considerados decadenciais. Para encerrar a diferenciação entre a prescrição e decadência, observe o seguinte esquema. Quadro 5.2 – Prescrição x decadência

PRESCRIÇÃO

DECADÊNCIA

Extingue a pretensão.

Extingue o direito.

Deve ser declarada de ofício pelo juiz.

A decadência legal deve ser reconhecida de ofício pelo magistrado (agora mesmo tratamento da prescrição, o que não ocorre com a decadência convencional). continua...

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Negócios Jurídicos

PRESCRIÇÃO

DECADÊNCIA

A parte não pode alegá-la.

A decadência legal não pode ser renunciada, em qualquer hipótese. A decadência convencional pode ser renunciada após a consumação, também pelo devedor (mesmo tratamento da prescrição).

O devedor pode renunciar a ela após a consumação.

Não corre contra determinadas pessoas.

Corre contra todas, com exceção dos absolutamente incapazes (art. 3º, do CC).

Previsão de casos de impedimento, suspensão ou interrupção.

Não pode ser impedida, suspensa ou interrompida, regra geral, com exceção de regras específicas.

Relacionada com direitos subjetivos, atinge ações condenatórias (principalmente cobrança e reparação de danos).

Relacionada com direitos potestativos, atinge ações constitutivas positivas e negativas (principalmente ações anulatórias).

Prazo geral de 10 anos (art. 205 do CC).

Não há, para a maioria da doutrina, prazo geral de decadência. Há um prazo geral para anular negócio jurídico, de dois anos contados da sua celebração, conforme o art. 179 do CC.

Prazos especiais de 1, 2, 3, 4 e 5 anos, previstos no art. 206 do CC.

Prazos especiais em dias, meses, ano e dia e anos (1 a 5 anos), todos previstos em outros dispositivos, fora dos arts. 205 e 206 do CC.

Fonte: Tartuce (2011, p. 441).

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Considerações Finais Ao concluirmos o presente estudo, foi possível conhecer um pouco mais sobre a formação do negócio jurídico bem como os efeitos dele decorrentes. Ou seja, observamos que esses negócios são constituídos por atos e fatos jurídicos, os quais, por sua relevância no mundo jurídico, estabelecem conexões que obrigam e geram responsabilidade para as pessoas envolvidas. A fim de que o negócio jurídico se torne perfeito, faz-se necessário que ele esteja pautado em três pilares essenciais idealizados por Pontes de Miranda (escada ponteana), denominados em nosso estudo de planos de existência, validade e eficácia. Vale lembrar que, segundo o plano da existência, existem elementos essenciais para a existência do negócio jurídico, tais como: as partes envolvidas, a vontade, o objeto e a forma. Sem estes, não há negócio jurídico. Da mesma forma, o segundo plano diz respeito à validade, ou seja, deverá obedecer ao disposto no já estudado art. 104 do Código Civil. Não menos importante, estudamos também o plano da eficácia, que, por sua vez, está direcionado aos ditos efeitos do negócio jurídico, os quais poderão suspender ou resolver o negócio jurídico. A partir desses conceitos, foi possível contextualizar a finalidade negocial e os modos de aquisição, conservação, modificação e extinção de direitos, parte essencial para a compreensão da matéria. Sendo os negócios jurídicos praticados por pessoas, estes também estarão sujeitos a falhas, vícios ou defeitos. Estes defeitos são identificados pelo erro substancial, dolo, coação, estado de perigo, lesão e fraude contra credores. Consequentemente, constatamos que a ocorrência desses defeitos poderá levar à inexistência do negócio jurídico, ou, ainda, poderá gerar uma nulidade absoluta ou uma nulidade relativa, conforme observamos no presente estudo. Foi possível ainda identificar que, em determinadas situações, especialmente na formação do negócio jurídico, as partes poderão, no exercício do seu direito, provocar dano em decorrência da ilicitude do ato. Ou seja, desta conduta nascerá a responsabilidade civil bem como o dever de indenizar.

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Universidade do Sul de Santa Catarina Na sequência, abordamos os principais aspectos que envolvem a prova no negócio jurídico. Ou seja, sabemos que, no direito, praticamente tudo depende da prova produzida, desde que, claro, esta seja obtida por meios lícitos. Logo, a confissão, os documentos, as testemunhas, a configuração da presunção e a possibilidade da perícia são essenciais no negócio jurídico, eis que contribuem para a segurança jurídica. Finalizando nosso estudo, apresentamos os institutos da prescrição e da decadência, consideradas primordiais não só para o negócio jurídico em si mas também para a obtenção e exercício dos direitos. Logo, foi possível entender que o tempo para se pleitear um determinado direito necessita de uma limitação imposta na lei, de modo que não haja ofensa à segurança jurídica ou abalo nas relações entre os indivíduos. Em razão disso, o legislador brilhantemente estabeleceu prazos razoáveis, fundamentais para que a sociedade possa pleitear os direitos ditos subjetivos que lhe foram colocados à disposição. Absorvendo o conteúdo aqui exposto, podemos dizer que você está preparado/a para as demais etapas do direito civil que irão seguir-se, dispostas na parte especial, e que necessitam deste importante embasamento. A partir dessas premissas, foi possível entender a influência que o negócio jurídico exerce na formação da relação jurídica e os efeitos que gera entre as partes envolvidas, podendo atingir inclusive terceiros. No mais, desejo-lhe sucesso em seus estudos, e que o Direito Civil seja uma feliz e constante descoberta para você, que se aventura nesse mundo tão fascinante chamado direito. Grande abraço, Professora Gisele

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Referências CARVALHO NETO, Inácio de. Responsabilidade civil no direito de família. 4. ed. rev. e atual. Curitiba: Juruá, 2011. CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil. 5. ed. amp. e atual. de acordo com o Novo Código Civil. São Paulo: Malheiros Editores, 2010. COELHO, Fabio Ulhoa. Curso de direito civil. São Paulo: Saraiva, 2003. v. 1. DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. Teoria geral do direito civil. 21. ed. rev., amp. e atual. São Paulo: Saraiva, 2004. GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo curso de direito civil: obrigações. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2006. v. 2. GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil. Parte geral. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. v. I. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. v. 1. LISBOA, Roberto Senise. Manual de direito civil. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. v. 1. LOBO, Paulo Luiz Neto. O contrato: exigências e concepções atuais. São Paulo: Editora Saraiva, 1986. RIZZARDO, Arnaldo. Responsabilidade civil: Lei nº 10.406, de 10.01.2002. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007. RODRIGUES, Silvio. Direito civil: direito de família. 5. ed. rev e atual. de acordo com o Novo Código Civil (Lei n. 10.406, de 10-1-2002). São Paulo: Saraiva, 2008. v. 4. SANTOS, Antônio Jeová. Dano moral indenizável. 4. ed. rev., ampl. e atual. de acordo com o Novo Código Civil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003. TARTUCE, Flávio. Manual de direito civil. Rio de Janeiro: Forense – São Paulo: Método, 2011. VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2007. v. 2.

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Sobre o Professor Conteudista Gisele Rodrigues Martins Goedert Nasceu em Joinville, SC, em 06 de novembro de 1976. Formou-se em Direito pela Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL) em fevereiro de 2000. Em 2006, concluiu Mestrado em Relações Internacionais para o Mercosul, pela Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL). Foi assistente acadêmica da Coordenação do Curso de Direito, Campus Norte da Ilha, no período de 2005 a 2008. Atualmente, é advogada e professora titular da Universidade do Sul de Santa Catarina no Curso de Graduação em Direito, nas disciplinas Direito Civil I (parte geral), Direito Civil IV (contratos), Estágio Supervisionado em Direito e no Curso de Relações Internacionais na disciplina de Direito Internacional Privado. Atua, ainda, como professor tutor nos Cursos de Especialização em Direito Processual Civil e Direito Processual: Grandes Transformações - UNISUL/LFG. Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito Privado.

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