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A EVOLUÇÃO DA CADEIA DE SUPRIMENTOS DA INDÚSTRIA AUTOMOBILÍSTICA NO BRASIL Luiz Felipe Roris Scavarda do Carmo Departamento de Engenharia Industrial, Pontifícia Universidade Católica Rua Marquês de São Vicente 225 – 9º Andar – Gávea – Rio de Janeiro – RJ - CEP 22453-900 Silvio Hamacher Departamento de Engenharia Industrial, Pontifícia Universidade Católica Rua Marquês de São Vicente 225 – 9º Andar – Gávea – Rio de Janeiro – RJ - CEP 22453-900

RESUMO O artigo analisa as diferentes configurações da cadeia de suprimentos da indústria automobilística no Brasil. O estudo da evolução dessas configurações é dividida em três períodos: o primeiro foi caracterizado pela introdução desta indústria em território nacional, através da importação direta de veículos, da montagem de veículos com componentes importados e do início da indústria de autopeças nacional. O período seguinte, compreendido entre as décadas de 50 e 80, foi caracterizado pela substituição das importações e pela nacionalização dos fornecedores de autopeças. O atual período é marcado pelo processo de globalização que levou à reestruturação da cadeia de suprimentos. Novas formas de relacionamento entre os membros da cadeia surgiram na década de 90, favorecendo as condições de emergência para a introdução do conceito da Gestão da Cadeia de Suprimentos (SCM) na indústria automobilística brasileira. 1– INTRODUÇÃO A década de 90 está provocando uma profunda reflexão nos paradigmas sobre o desenvolvimento dos sistemas produtivos. A lógica de produção industrial, comercialização e de relacionamento entre empresas e pessoas está sendo revista, acarretando em mudanças substanciais da cadeia de suprimentos das indústrias. Para fazer face a essas alterações, tornase necessária e viável a implementação da Gestão da Cadeia de Suprimentos (SCM - Supply Chain Management). O presente artigo tem como objetivo analisar as formas de adaptação da indústria automobilística no Brasil em relação aos diferentes fatores internos e externos que afetaram sua cadeia de suprimentos. Esta análise engloba desde a importação de veículos no Brasil, durante o início do século, até a inserção do país na SCM global das montadoras de veículos, através do desenvolvimento e aplicação de novas técnicas de gestão e do uso de estratégias como global sourcing, follow sourcing e carry over. Verificar-se-á que em determinados momentos a industria automobilística apresentou um índice de nacionalização quase total de todos os seus produtos, enquanto que em outros momentos este índice foi apenas parcial. Para atingir o seu objetivo, o artigo apresenta inicialmente os conceitos de cadeia de suprimentos e SCM e descreve a evolução da cadeia de suprimentos da indústria automobilística no Brasil focalizando a sua integração com os mercados externos. Em seguida verifica-se as condições de emergência da SCM nesta indústria. Na última seção são expostas as considerações finais dos autores.

2– CONSIDERAÇÕES SOBRE CADEIAS DE SUPRIMENTOS 2.1– O CONCEITO DE CADEIA DE SUPRIMENTOS A cadeia de suprimentos é uma rede que engloba todas as empresas que participam das etapas de formação e comercialização de um determinado produto ou serviço que será entregue a um cliente final. Essas empresas podem ser de diferentes tipos desempenhando diferentes responsabilidades na cadeia, desde a extração de um minério ou a manufatura de um componente até uma prestação de um serviço logístico ou de vendas. Dependendo do seu produto, a companhia pode participar de diferentes cadeias, como é o caso das siderúrgicas. Essas indústrias são produtoras de aços planos e de aços especiais para a cadeia da indústria automobilística, como também de vergaduras e barras, usadas pela cadeia da indústria de construção civil. De acordo com Slack (1993), a cadeia de suprimentos pode ser classificada em três níveis: Rede Total, Rede Imediata de relações cliente - fornecedor e Rede Interna, conforme apresentada na Figura 1. Fornecimento

Rede Total

Distribuição

Rede Imediata Rede Interna

Cliente Final

Figura 1 – Redes de Suprimentos Interna, Imediata e Total Fonte: Slack (1993) • Rede total: composta por todas as redes imediatas que compõem um determinado setor industrial ou de serviços; •

Rede imediata: formada pelos fornecedores e clientes imediatos de uma empresa;

• Rede interna: composta pelos fluxos de informações e de materiais entre departamentos, células ou setores de operação internos à própria empresa. 2.2- A GESTÃO DA CADEIA DE SUPRIMENTOS (SCM) Para Pires (1998), a gestão da cadeia de suprimentos (SCM) pode ser considerada uma visão expandida, atualizada e, sobretudo, holística da administração de materiais tradicional, abrangendo a gestão de toda a cadeia produtiva de uma forma estratégica e integrada e pressupõe que as empresas devem definir suas estratégias competitivas e funcionais através de seus posicionamentos (tanto como fornecedores, quanto como clientes) dentro das cadeias produtivas nas quais se inserem. Segundo Cooper (1994), a SCM foi originalmente discutida em um contexto logístico de gerenciamento de inventário através de toda a cadeia. A idéia era lidar com o inventário da maneira mais eficiente possível, fazendo com que os estoques dos vários membros pertencentes a cadeia não fossem redundantes entre si, diminuindo assim o custo total ao

longo da cadeia. A aplicação da SCM foi ampliada para um contexto de gerenciamento global do sistema de suprimento, abordando funções como compras, produção, distribuição e marketing. Seu princípio básico constitui em integrar as informações entre fornecedores, indústria, distribuidores, varejo, atacadistas e consumidores finais, de forma a ordenar, racionalizar e otimizar a produção e o escoamento dos produtos. Wood e Zuffo (1998) afirmam que a SCM é uma forma de gestão desenvolvida para alinhar todas as atividades de produção de forma sincronizada, visando reduzir custos, minimizar ciclos e maximizar o valor agregado pelo cliente final por meio do rompimento das barreiras entre departamentos e áreas. Esta gestão é derivada da premissa segundo a qual a cooperação entre os membros da cadeia de suprimentos produz relacionamentos mais estáveis e duradouros, reduz os riscos individuais e melhora a eficiência do processo logístico, eliminando perdas e esforços desnecessários. Cada membro pertencente à cadeia deve agregar valor ao produto e os processos que não fizerem isto devem ser alterados ou eliminados. É importante notar que a SCM introduz uma interessante mudança no paradigma competitivo, na medida em que considera que a competição no mercado ocorre, de fato, no nível das cadeias produtivas e não apenas no nível das unidades de negócios (isoladas), como estabelece o tradicional trabalho de Porter (1980). Essa mudança resulta num modelo competitivo baseado no fundamento de que atualmente a competição se dá, realmente, entre “virtuais unidades de negócios”, ou seja, entre cadeias produtivas (Pires, 1998). Atualmente, as mais efetivas práticas na SCM visam obter uma “virtual unidade de negócio”, providenciando assim muito dos benefícios da tradicional integração vertical, sem as comuns desvantagens em termos de custo e perda de flexibilidade inerentes à mesma. Uma virtual unidade de negócios seria então formada pelo conjunto de unidades (geralmente representadas por empresas distintas) que compõe uma determinada cadeia produtiva. A Figura 2 apresenta de forma esquemática a SCM para a produção de um bem qualquer. Pode-se perceber que o fluxo de demanda inicia-se com o consumidor final, pois é este membro da cadeia que define as características, quantidades e freqüências das entregas dos produtos. A partir deste membro, estas informações são transferidas para outros membros da cadeia, conforme o sentido mostrado na figura, até que cheguem aos fornecedores de matériaprima. O fluxo de produtos terá um sentido contrário ao fluxo de demanda, com exceção para reclamações e devoluções de produtos não aceitos pelos clientes. A utilização correta da SCM minimiza essas devoluções, por esse motivo o esquema do fluxo de produtos possui apenas um sentido, o do consumidor final. Fluxo dos produtos Fluxo da demanda Fornecedor

Suprimentos

Produção

Distribuição

Varejo

Consumidor

Fluxo das informações

Figura 2 - A cadeia de suprimentos para a produção de um bem qualquer. O último fluxo apresentado na Figura 2 é o das informações. Este fluxo possui dois sentidos, pois deve passar as informações das previsões de demanda dos clientes aos fornecedores, como também características e informações da produção para os clientes. 2.3- A CADEIA DE SUPRIMENTOS DA INDÚSTRIA AUTOMOBILÍSTICA

A configuração da cadeia de suprimentos adotada neste artigo para a análise da indústria automobilística brasileira, assim como seus principais componentes e produtos, podem ser sintetizados pela Figura 3. Para facilitar a análise da evolução da cadeia de suprimentos da indústria automobilística no Brasil, o fluxograma da Figura 3 é representada de forma simplificada na Figura 4. Cada membro da cadeia é representado por um bloco no fluxograma que poderá conter um fundo claro ou escuro. O fundo branco é adotado no artigo para os casos em que a maior parte das atividades produzidas pelo respectivo membro seja realizada no Brasil, enquanto que o fundo escuro indicará que estas etapas são elaboradas no exterior. A configuração da Figura 4, com todos os membros apresentados com um fundo branco, é adotada nos casos em que todas as etapas de fabricação e comercialização de veículos forem realizadas em território nacional. Outras configurações para a cadeia com etapas realizadas no exterior serão apresentadas na próxima seção de modo a ilustrar a adequação desta indústria aos diferentes cenários políticos, econômicos, mercadológicos e tecnológicos brasileiros existentes em cada época. Indústria de insumos básicos • Metais ferrosos (bobinas, chapas, perfis, tubos, arames de aço, etc) • Metais não ferrosos (cobre, alumínio, zinco, estanho, chumbo, etc) • Não metálicos (cortiça, madeira,borracha, papelão, polímeros, amianto, etc) • Outros (vidros, eletroeletrônicos, tintas e resinas, produtos químicos, etc)

Indústria de autopeças • Motores e complementos • Peças para câmbio • Peças para suspensão • Peças para sistema elétrico • Peças para carroceria • Peças de acabamento e acessórios

Indústria montadora de autoveículos • Automóveis • Comerciais leves • Ônibus • Caminhões • Máquinas agrícolas

Revendedores e distribuidores autorizados de veículos

CLIENTE FINAL

Fluxo de Materiais Fluxo da Demanda Fluxo de Informação

Figura 3: A estrutura da cadeia de suprimentos da indústria automobilística com os principais produtos e componentes de cada membro Fonte: baseado em Bedê (1996) Fornecedor de insumos básicos

Fornecedor de autopeças

Indústria montadora de autoveículos

Revendedores e distribuidores veículos

CLIENTE FINAL

Figura 4: Fluxograma da cadeia de suprimentos da indústria automobilística 3– A EVOLUÇÃO DA CADEIA AUTOMOBILÍSTICA NO BRASIL

DE

SUPRIMENTOS

DA

INDÚSTRIA

3.1– PERÍODO ATÉ OS ANOS 50 No início do século, a única maneira de se adquirir um veículo no país era através de sua importação. Esta importação era normalmente elaborada por pessoas proeminentes na sociedade local, que emprestavam seu prestígio pessoal ao negócio. Elas funcionavam como representantes das fábricas, recebiam os pedidos, agilizavam a documentação, ofereciam garantias no ato da compra e atendiam a demanda no ritmo possível. Segundo a FENABRAVE (1998), estes indivíduos, denominados “agentes”, ainda não constituíam propriamente uma rede de distribuição, pois atuavam independentemente uns dos outros. Porém já se delineava nesse período uma tendência de transformação das lojas em “centros automobilísticos”, acumulando as funções de vendas de veículos, de acessórios e de peças de reposição, incluindo a prestação de serviços de assistência técnica. Até este momento, a cadeia de suprimentos da indústria automobilística que tinha participação no Brasil era composta apenas pelo cliente final, conforme apresentado na Figura 5. Os agentes não desempenhavam o atual papel da distribuição e os fornecedores de insumos básicos brasileiros colaboravam de maneira muito indireta com a cadeia mencionada. Os demais membros da cadeia elaboravam as suas atividades no exterior sendo representados por um fundo escuro em seus blocos no fluxograma da cadeia da Figura 5. Fornecedor de insumos básicos

Fornecedor de autopeças

Indústria montadora de autoveículos

Revendedores e distribuidores veículos

CLIENTE FINAL

Figura 5: A cadeia de suprimentos com as primeiras importações brasileiras de veículos. Dadas as condições mercadológicas atraentes que o Brasil já demostrava durante as décadas de 20 e 30 e o seu limitado estágio tecnológico, que não permitia que as unidades fabris tivessem uma produção autônoma, algumas empresas resolveram instalar neste país o sistema produtivo denominado Completely Knocked Down - CKD, o que significa completamente desmontado. De acordo com a FENABRAVE (1998), as empresas que usavam o sistema CKD eram autênticas “montadoras” que utilizavam somente componentes importados. Elas recebiam os veículos desmontados em lotes de peças e componentes para depois montá-los. A introdução deste sistema produtivo no Brasil teve as seguintes conseqüências: •

Aumento da oferta de veículos de passeio e de pequenos caminhões;



Lançamento das bases para a fabricação nacional de carros, caminhões, furgões e ônibus;

• Criação das condições para que, a partir dos anos trinta, a indústria de autopeças pudesse se desenvolver; • Formação de mão de obra qualificada, condição necessária para que os “agentes” pudessem começar a prestar serviços de assistência técnica; •

Estimulo para que as montadoras criassem suas próprias redes de distribuição.

Ainda de acordo com a FENABRAVE (1998), a criação das concessionárias implicou em um novo sistema de relacionamento entre o fabricante e o seu distribuidor. Este passaria a ser um “revendedor autorizado”, independente do ponto de vista jurídico, para que arcasse com seus próprios problemas legais e financeiros, mas dependente do ponto de vista comercial e administrativo, seguindo normas específicas traçadas pelas indústrias. Os contratos que regiam o novo sistema chamavam-se “contratos de concessão”, ou simplesmente “adesão”. Neste novo relacionamento, o distribuidor tinha uma importância vital: além de divulgar as marcas, permanecia atento às oscilações dos mercados regionais, à reação aos novos lançamentos e ao funcionamento da assistência técnica. A partir deste momento, a cadeia de suprimentos da indústria automobilística no Brasil passou a contar com várias industrias montadoras de automóveis instaladas no país, assim como uma próspera rede de concessionárias responsável pela distribuição de seus veículos. Com o desenvolvimento dessas atividades no Brasil a cadeia de suprimentos brasileira passou ter uma nova configuração, conforme apresentada na Figura 6. Fornecedor de insumos básicos

Fornecedor de autopeças

Indústria montadora de autoveículos

Revendedores e distribuidores veículos

CLIENTE FINAL

Figura 6: A cadeia de suprimentos da indústria após a introdução do CKD no Brasil As criações da Companhia Siderúrgica Nacional – CSN e da Fábrica Nacional de Motores – FNM, ambas nos anos 40, podem ser considerados marcos importantes para que o país pudesse produzir automóveis no final dos anos 50. 3.2– PERÍODO COMPREENDIDO ENTRE OS ANOS 50 E 80 Com o final da Segunda Guerra, as importações brasileiras atingiram valores muito elevados, especialmente as referentes à indústria automobilística, que na época representava o maior valor da pauta. Se as importações de matérias-primas já haviam sido substituídas em parte, como por exemplo o aço, chegava a vez de substituir as importações de bens duráveis como os automóveis. O esforço de substituição das importações iniciou-se com uma mudança no perfil das importações. A montagem de veículos no país passou de CKD para Semi Knocked Down – SKD. Com o SKD agregou-se a montagem do veículo vários componentes feitos por fornecedores de autopeças atuantes no Brasil, como: suporte de molas, cubos de rodas, tambores de freios, retentores, baterias, pneus e correias, entre outros. Devido as diversas medidas políticas e econômicas do governo brasileiro durante a década de 50 para incentivar o programa de substituição das importações, grandes fabricantes mundiais de automóveis começaram a estabelecer fábricas no Brasil, produzindo assim os primeiros automóveis nacionais. As primeiras fábricas nasceram extremamente verticalizadas e com um altíssimo índice de importação de componentes, pois na época ainda existia uma grande carência de indústrias de autopeças instaladas no país.

O constante aumento do índice de nacionalização nos veículos produzidos no país exigido pelo governo fez com que fosse criada uma crescente rede industrial de fornecedores de autopeças. Com o estabelecimento de uma produção nacional de veículos e de autopeças no país, a indústria automobilística passou a produzir localmente todas as etapas de produção da cadeia de suprimentos. Com isso a configuração da cadeia passou a ser representada pela Figura 4, onde os blocos no fluxograma de todos os participantes da cadeia possuem um fundo branco. Até o início dos anos 70, esta cadeia industrial era totalmente voltada para o mercado nacional. A preocupação em inserir a cadeia no cenário internacional ocorreu ainda no anos 70 com o programa de Benefícios Fiscais a Programas Especiais de Exportação, o Befiex. Com este programa, o Brasil iniciou um grande salto na exportação de veículos e de componentes para o mercado internacional, abrindo a porta para a sua inserção na cadeia mundial de suprimentos. A cadeia de suprimentos brasileira voltada para a exportação de veículos passou a apresentar a configuração Figura 7, onde os revendedores de veículos e os clientes finais, cujos os blocos têm fundo escuro, estão localizados no exterior. De acordo com a ANFAVEA (1999), a exportação de veículos brasileiros passou de 25 unidades em 1969 para 73.101 em 1975. Em termos monetários a mesma fonte apontou um salto nos valores das exportações de US$ 4 milhões em 1969 para US$ 351 milhões em 1975. A Figura 8 apresenta o fluxograma da cadeia de suprimentos para o caso das exportações de autopeças. Neste último caso a montagem do veículo é realizada no exterior. Fornecedor de insumos básicos

Fornecedor de autopeças

Indústria montadora de autoveículos

Revendedores e distribuidores veículos

CLIENTE FINAL

Figura 7: A cadeia de suprimentos da indústria para os veículos exportados. Fornecedor de insumos básicos

Indústria montadora de autoveículos

Fornecedor de autopeças

Revendedores e distribuidores veículos

CLIENTE FINAL

Figura 8: A cadeia de suprimentos da indústria para os componentes exportados.

2500 2000 1500 1000 500 1996

1993

1990

1987

1984

1981

1978

1975

1972

1969

1966

1963

1960

0 1957

Produção anual em mil unidades

O volume da produção anual de veículos, conforme apresentado na Figura 9, foi crescendo até o final da década de 70, apesar das eventuais crises no Brasil e no mundo, até atingir em 1980 a marca de 1 milhão de unidades produzidas.

Figura 9 – A evolução da produção de veículos no Brasil Fonte: ANFAVEA (1999)

A década de 80 foi um período de estagnação econômica no Brasil e nos países da América do Sul, afetando todo o setor industrial, inclusive a indústria automobilística, que registrou uma queda de produção, da demanda local e de investimentos estrangeiros. Durante esta crise, a produção brasileira de veículos ficou oscilando em torno de apenas 900 mil unidades anuais, conforme apresentado na Figura 9. Além da crise, as matrizes das indústrias instaladas no Brasil também passaram por dificuldades devido ao avanço da indústria automobilística japonesa nos mercados da Europa e EUA. Com isso, todo o poder de investimento destas matrizes foi destinado a estes mercados, deixando de fora as subsidiárias instaladas no Brasil, que foram obrigadas a adiar seus planos de modernização, relegando o mercado brasileiro a um segundo plano. Este nova realidade obrigou as empresas, principalmente as montadoras, a buscarem soluções que aproveitassem a capacidade ociosa de suas instalações e que se direcionassem para novos mercados. Tal fato levou ao abandono temporário, na década de 80, da tendência de desverticalização existente nas montadoras, que buscava crescentes economias de escala. Com o objetivo de aproveitar a capacidade ociosa de suas instalações, as montadoras passaram a produzir alguns componentes que antes eram elaborados por fornecedores. 3.3– PERÍODO A PARTIR DOS ANOS 90 A implantação de planos de estabilização econômica no Brasil e as políticas governamentais específicas, como os acordos setoriais e multilaterais de comércio ocorridos no início da década de 90, foram a base política e econômica para a reestruturação da cadeia de suprimentos da indústria automobilística brasileira. Estas medidas contribuíram tanto para a elevação da sua demanda doméstica como para a sua modernização das industrias locais, com reflexos evidentes em toda a indústria automobilística. A partir deste momento, chegou-se ao fim a fase de “substituição das importações” que vigorava desde os anos 50, e teve-se início a uma nova fase de inovação tecnológica e organizacional, itens que combinados a uma crescente integração aos mercados externos, trouxeram para o quotidiano industrial a necessidade de competição com os produtos importados, criando, assim, parâmetros internacionais de desempenho. Este novo cenário brasileiro tem atraído investimentos de novos entrantes em todos os setores da indústria automobilística brasileira. Os principais investimentos estão concentrados no setor das montadoras de veículos e no de autopeças. Esses novos entrantes têm investido no Brasil não somente para ampliar seus mercados em regiões emergentes, como também para usar o Brasil como uma porta de entrada para outros mercados situados na América do Sul. As razões para a vinda de novos entrantes no setor de autopeças é decorrente dessas mesmas razões acrescidas de novas tendências de fornecimento como o follow sourcing. De acordo com Salerno et al. (1998), com follow sourcing o fornecedor de uma peça no país onde o veículo foi lançado pela primeira vez segue a montadora de veículos por todo o mundo, instalando novas fábricas ou fornecendo a partir de fábricas já instaladas em outros países. Esta tendência vem sendo largamente usada tanto pelas montadoras que são novas entrantes no Brasil como pelas já instaladas no país através do lançamento de novos produtos. As empresas já instaladas no Brasil também têm investido no setor através da modernização e instalação de novas fábricas, da realização de parcerias com novas entrantes e no desenvolvimento de novos processos produtivos. Cada membro da cadeia de suprimentos adota uma diferente estratégia para penetrar no Brasil ou para consolidar e defender a sua antiga posição de mercado. Essa escolha define a configuração da cadeia da indústria automobilística no Brasil. As principais configurações

adotadas atualmente estão apresentadas nos fluxogramas das Figuras 7 e 8, para os casos de exportação de veículos ou de seus componentes, e nos fluxogramas das Figuras 6 e 10, para os casos de importação de componentes e de veículos. A configuração com participação totalmente nacional, apresentada na Figura 4, tende a ser substituída integralmente ou parcialmente pelas configurações citadas anteriormente devido ao processo de globalização. Fornecedor de insumos básicos

Fornecedor de autopeças

Indústria montadora de autoveículos

Revendedores e distribuidores veículos

CLIENTE FINAL

Figura 10: A cadeia de suprimentos com a importação de veículos para o Brasil nos anos 90 É interessante mencionar que os fabricantes de veículos localizadas no Brasil estão utilizando-se de diferentes configurações para cada um de seus produtos. A subsidiária da Citroen no Brasil pode ser usada como exemplo. Ela utiliza a sua planta uruguaia (Mercosul) para montar algumas versões do Xsara via CKD, conforme a configuração da Figura 6, como também importa outras versões deste mesmo modelo da França, conforme a configuração apresentada na Figura 8. Esta mesma montadora também está construindo uma fábrica no Brasil, em Porto Real (RJ), atraindo diversos fornecedores de autopeças para região, consolidando assim a sua estratégia de penetração, e definindo uma configuração híbrida para a sua cadeia de suprimentos no Brasil. 4– PERSPECTIVAS DA CADEIA DE SUPRIMENTOS NO BRASIL Para Miranda e Oliveira (1996), o presente momento de inovação tecnológica e organizacional, combinado à crescente integração aos mercados externos e à necessidade de competição com produtos importados, descritos na Seção 3, fez com que as empresas buscassem uma série de novas características como as relacionadas a seguir: •

Diversificação dos modelos de produtos;



Redução de tempo de lançamento de novos produtos;



Redução dos tempos de projeto e fabricação;



Redução dos estoques;



Retomada/ampliação do controle gerencial sobre a produção;



Aumento da qualidade dos produtos e processo;



Aumento da produtividade.

Para obter as características acima listadas, além do processo de automação ocorrido nas fábricas brasileiras, as empresas investiram e investem na informatização de suas atividades administrativas e nos seus sistemas de informação. Estes últimos vêm sendo usado como elemento de apoio na condução dos negócios, na integração de áreas produtivas e na relação com fornecedores e clientes. No caso dos fornecedores, várias montadoras usam o Electronic Data Interchange (EDI) como um dos meios para viabilizar o fornecimento nos moldes do sistema just-in-time (JIT). 4.1– INTRODUÇÃO DA SCM Para adequar-se a nova realidade dos anos 90, a indústria automobilística necessitou desenvolver mecanismos de contínua reestruturação de toda a sua cadeia de suprimentos. O mecanismo mais eficiente, que talvez englobe todos os demais, foi o de rever todos relacionamentos dentro da cadeia, inclusive com o reforço das parcerias entre os seus

membros (ou seja, com a divisão de responsabilidades), o que constitui o cerne da SCM. Em uma sociedade informatizada, o primeiro passo para reforçar parcerias e desenvolver o pensamento estratégico, inclusive gerando transparência no processo decisório, é a disseminação da informação. Para isso, os sistemas de informação passaram a ser vitais e parte integrante do ambiente de inovação. De acordo com Miranda e Corrêa (1996), as empresas deste setor estão passando a analisar com maior cuidado a dinâmica e complexidade da cadeia de suprimentos da qual fazem parte. Estas empresas continuam a trabalhar intensamente em sua rede de suprimentos imediata, porém já começam a conhecer e participar da operação da rede total, possibilitando, assim, uma administração mais efetiva de seus membros imediatos. Em sua pesquisa, realizada com a participação de empresas atuantes no mercado automobilístico brasileiro, foi possível perceber que ainda existem vários problemas a serem superados e que muitos deles dependem da ajuda dos elos mais fortes da cadeia. Cabe aos membros mais fortes a iniciativa do estabelecimento de uma SCM, uma vez que a essência desta gestão é a de detectar a fraqueza da cadeia e encontrar formas de diminuí-la. Um exemplo disto é o uso do maior poder de compra de um cliente para comprar materiais e peças, com menor custo, para o seu fornecedor. No caso da indústria automobilística, o elo mais forte é composto pelas montadoras de veículos, porém a sua atenção e influência ainda é basicamente voltada para a sua rede imediata e não para a rede total de suprimentos. Apesar disto, mudanças no sentido de integrar a rede total estão ocorrendo em todos os membros da indústria automobilística, lideradas principalmente pelas montadoras. Como exemplo pode-se citar a participação da Volkswagen no processo de compra de muitos de seus fornecedores em sua nova fábrica de Resende (RJ). Esta participação ocorre quando a possibilidade de se fazer uma economia de escala neste processo pela montadora é maior que a do fornecedor, como acontece no caso da compra de amortecedores. Um outro motivo para esta interferência da montadora é a falta experiência no processo de compras de determinados componentes como o que ocorre no módulo de tapeçaria desta fábrica, que tem como responsável a VDO. Esta empresa é especializada no fornecimento de instrumentos de medidas para veículos. Para que pudesse transformar-se em um modulista da Volkswagen, teve que adquirir novas competências na área de tapeçaria. Para isto ela está contando com o apoio e o know how da montadora alemã. Neste caso, a interferência desta montadora não se limita apenas à rede imediata, obtendo neste caso específico uma redução no custo ao longo da rede total de suprimentos, podendo com isso obter uma redução no preço de seu produto final. 4.2– NOVA INTERFACE ENTRE MONTADORAS E FORNECEDORES DE AUTOPEÇAS Segundo Miranda e Oliveira (1996), a maior mudança que tem ocorrido na relação entre os membros da cadeia de suprimentos tem se dado entre as indústrias montadoras de veículos e os fornecedores de autopeças. De acordo com Arbix e Zibovinicius (1997), estas mudanças já começam a ser vistas no desenvolvimento cooperativo de componentes, no aumento crescente da demanda por sub-sistemas completos de componentes para veículos, no fornecimento com parâmetros de qualidade mais intensos, na rigorosa seleção de fornecedores e na diminuição de seu número. Essas mudanças estão formando novas relações inter-firmas e dando origem a novas estratégias competitivas dos produtores de autopeças. Esta interface vem se caracterizando pela redução do número dos fornecedores diretos, pela transferência de atividades das montadoras para os fornecedores e pela definição de um novo conjunto de necessidades a serem atendidas pelos fornecedores. Estes fatores incentivam o

desenvolvimento de novas formas de gestão, como o Condomínio Industrial e o Consórcio Modular, na busca de uma maior integração entre as montadoras e seus fornecedores. Outro fator que caracteriza esta interface é o desenvolvimento de estratégias globais pelas montadoras na busca de uma redução de custos através da ampliação do uso de economias de escala. Estas estratégias têm provocado um processo de concentração e internacionalização da indústria de autopeças brasileira e mundial. Isto vem ocorrendo com a globalização dos processos de compras, o global sourcing, e com a de padronização dos projetos automobilísticos, o carry over. O global sourcing baseia-se na busca de fornecedores no âmbito global sem levar em consideração a sua localização geográfica. É de se esperar com o global sourcing uma redução ainda maior dos índices de nacionalização dos veículos com um aumento contínuo da participação dos componentes importados para a fabricação do veículo em um dada região. Já o carry over, de acordo com Salerno et al. (1998), vincula o mesmo projeto de produto de uma montadora a todos as suas plantas produtores em todo o mundo, ou seja, exige-se que as partes a serem produzidas pelos fornecedores sigam as mesmas características e atributos do projeto original, não se aceitando adaptações ou modificações. Em suma, as novas formas de relacionamento e de parcerias entre as montadoras de veículos e os seus fornecedores estão sendo desenvolvidas em paralelo a novas formas de gestão, de modo a aumentar a eficiência e a eficácia da rede total de suprimentos. Com as novas formas de gestão desenvolvidas na rede imediata das montadoras, os fornecedores diretos estão ganhando uma maior importância na rede total de suprimentos com a aquisição de novas habilidades e o fornecimento de produtos e serviços de maior valor agregado. Já as montadoras estão obtendo mais tempo para se dedicar a área de vendas, além de estarem reduzindo custos fixos relativos a gastos como os associados a maquinarias, infraestrutura e desenvolvimento de projetos, aumentando assim, sua rentabilidade financeira. 5– CONSIDERAÇÕES FINAIS Com as mudanças ocorridas nos anos noventa, a indústria automobilística brasileira passou a desenvolver diversas configurações para a sua cadeias de suprimentos, de forma a tirar melhor proveito das importações e exportações de veículos e autopeças. Isto está implicando em uma inserção cada vez maior do Brasil na cadeia de suprimentos internacional desta indústria. Apesar do ganho de importância do país no cenário mundial, a nova estrutura da indústria automobilística brasileira está implicando no fim dos projetos nacionais substituídos por projetos mundiais. As estratégias de follow e global sourcing e carry over, adicionadas à ampliação do horizonte geográfico de atuação das cadeias colaboram com a padronização dos veículos de todas as plantas de uma determinada montadora, decretando o fim de projetos regionais, como o da família Gol no Brasil. Isto vem possibilitando a inclusão das subsidiárias localizadas em países emergentes às estratégias globais de gestão da cadeia de suprimentos de suas respectivas matrizes. As montadoras e os fornecedores de autopeças brasileiros estão se concentrando na ampliação do volume de produção e no desenvolvimento de novos processos produtivos, ao mesmo tempo que estão delegando a elaboração dos projetos para as suas respectivas matrizes. A exceção para esta tendência é o caso da fábrica de caminhões da Volkswagen em Resende, onde o projeto do produto tem participação ativa da filial brasileira. O Brasil está entrando definitivamente nas estratégias globais de SCM das empresas ligadas à indústria automobilística. As montadoras de veículos que estão investindo no país visam alargar seu mercado comprador e a base de sua cadeia de suprimentos de forma a satisfazer principalmente as necessidades locais e as de outros países da América do Sul, principalmente os oriundos da região do Mercosul. A vinda destes novos investimentos está sendo

acompanhada principalmente pelos fornecedores de autopeças globais, que são atraídos pelas potencialidades de crescimento do mercado brasileiro de forma direta, ou então de forma indireta, através do follow sourcing. Uma maior interação com o resto do mundo também esta nos planos das plantas brasileira do setor devido ao uso de técnicas globais de gerenciamento da cadeia pelas subsidiárias da região, visando complementar as cadeias produtivas de suas respectivas matrizes, o global sourcing. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Arbix, G. e Zibovinicius, M.(1997), “O Consórcio Modular da VW: um novo modelo de produção?” em Arbix G. e Zilbovicius M., “De JK a FHC: A Reinvenção dos Carros”, Scritta, pp 448 – 469; ANFAVEA – Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (1999), “Anuário Estatístico da Indústria Automobilística Brasileira”; Bedê, M.A. (1996), “A indústria Automobilística no Brasil nos anos 90: Proteção Efetiva Reestruturação e Política Industrial”, Tese de Doutorado, Universidade de São Paulo – USP, São Paulo; Cooper, M.C. (1994), “Logistics in the Decade of the 1990” in Robeson J.F. e Copacino W.C., “The Logistic Handbook” pp 35 - 53; FENABRAVE – Federação Nacional da Distribuição de Veículos Automotores (1998), “A Distribuição de Veículos no Brasil”, Relatório de Pesquisa Histórica, São Paulo, Maio; Miranda, N.G.M. e Corrêa, H.L. (1996), “Uma Análise Parcial da Rede de Suprimentos da Indústria Automobilística brasileira vista de Administração”, Revista de Administração da USP, volume 31, n.º 1 – Janeiro/Março; Miranda, S.M. e Oliveira, D.R. (1996), “Globalização e Setor Automotivo: A visão dos trabalhadores”; Pires, S.R.I. “Managerial Implications of the Modular Consortium model in a Brazilian Automotive Plant”. International Journal of Operations & Production Management. Vol. 18, No. 3, 1998, pp. 221-232. Slack, N. (1993), “Vantagem competitiva em manufatura”, São Paulo, Atlas; SALERNO, M.S.; ZIBOVICIUS, M.; ARBIX, G.; DIAS, A.V.C. (1998), “Mudanças e persistências no padrão de relações entre montadoras e autopeças no Brasil”. Revista de Administração, Vol. 33, No. 3, Julho/Setembro, pp. 16-28. Wood, T e Zuffo, P.K. (1998), “Supply Chain Management”, RAE – Revista de Administração de Empresas, São Paulo, Volume 38, n.º 3, p. 55-63, Julho/Setembro.

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