2009_1-535-do.pdf

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Universidade do Estado do Rio de Janeiro Centro de Educação e Humanidades Faculdade de Educação

Joana Loureiro Freire

Produzir comunicação na cibercultura: coisa de criança!

Rio de Janeiro 2016

Joana Loureiro Freire

Produzir comunicação na cibercultura: coisa de criança!

Tese apresentada, como requisito parcial para obtenção do título de Doutor, ao Programa de Pós-Graduação em Educação, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Linha de Pesquisa: Infância, Juventude e Educação

Orientadora: Professora Doutora Rita Marisa Ribes Pereira

Rio de Janeiro 2016

Joana Loureiro Freire

Produzir comunicação na cibercultura: coisa de criança!

Tese apresentada, como requisito parcial para obtenção do título de Doutor, ao Programa de Pós-Graduação em Educação, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Linha de Pesquisa: Infância, Juventude e Educação

Aprovada em 15 de dezembro de 2016

Banca examinadora:

________________________________________ Profª Drª Rita Marisa Ribes Pereira (Orientadora) Universidade do Estado do Rio de Janeiro

________________________________________ Profª Drª Edméa Oliveira dos Santos Universidade do Estado do Rio de Janeiro

________________________________________ Profª Drª Maria Luiza Oswald Universidade do Estado do Rio de Janeiro

________________________________________ Profª Drª Adriana Hoffmann Fernandes Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro

________________________________________ Profa Dra Fabiana de Amorim Marcello Universidade do Estado do Rio Grande do Sul Rio de Janeiro 2016

Dedicatória

Helena, meu doce de coco, amor da minha vida, você que nasceu no ano em que ingressei nessa jornada de doutorado, a forma como você chegou a esse mundo mexeu tanto comigo que cheguei a pensar ser incapaz de produzir uma tese. Foi essa experiência, que marcou o dia de seu nascimento, que o fez ser o dia mais ambíguo da minha vida. Um dia em que tristeza (por ter sido forçada a fazer uma cesárea sem nem entrar em trabalho de parto) e alegria (por você ter você em meus braços, saudável e linda) foram vividas intensamente, que me transformou por completo pela primeira vez. Tornar-me sua mãe, acolher, cuidar, amamentar, foram momentos dos mais maravilhosos que já vivi. Agradeço imensamente por tudo o que vivemos até agora e por tudo o que sei que ainda viveremos, agradeço por toda a sua doçura e por todo amor e carinho que você distribui para todos nós. Clarice, minha delicinha de bebê, quando eu acreditava que não podia amar tanto um ser, quando estava começando a me entender como mãe, ganhando a segurança e toda a certeza de que o amor que temos pelos filhos é tão grande que chega a doer, nesse momento da minha vida, você chegou e mostrou que esse amor não se divide, ele se multiplica. Chegou chegando, como dizem por aí, sem pedir licença, causando. O bebê que foi feito sem querer querendo, sem planejamento, o exame positivo que veio com muita surpresa, mas com muita vontade de aumentarmos a família, com muito desejo de termos mais um filho. E quando eu achava que não poderia mais me transformar, que já era mãe, que não haveria mais surpresas pelo caminho, a sua chegada a esse mundo, à nossa família, mostrou-me o contrário. Obrigada, Lalice, Claricinha, minha gorduchinha, por toda essa alegria que você trouxe à nossa família. Minhas filhas, Helena e Clarice, dedico esta tese a vocês, pois são vocês que me mostram, todos os dias, que eu tenho muito mais força do que imagino. Dizer que as amo não é o suficiente, mas na falta de uma palavra que dê conta de todo o amor que sinto por vocês, fico com essa frase: “Amo vocês até a Lua, ida e volta”.

Agradecimentos

É preciso que eu comece agradecendo uma pessoa que teve todos os motivos para não querer me ver nem pintada de ouro, mas que sempre esteve pronta para acolher:

, por muitas vezes eu pensei “Acho que Ritinha vai me matar e

depois me mandar catar coquinho na estrada”. (Exatamente nessa ordem!). Muito obrigada por entender todas as coisas da vida (duas gestações, duas crianças para cuidar, volta ao trabalho) que foram acontecendo ao longo desses quase quatro anos. Muito obrigada por confiar e acreditar que eu conseguiria dar conta do recado. A sua confiança em mim, seu apoio, a sua orientação maravilhosa fizeram com que eu conseguisse terminar esta tese. Depois de quase seis anos sendo orientada por você, posso dizer com toda certeza: “Vou morrer de saudades!”. Outra pessoa que está ao meu lado há muitos anos, já são 12 anos!, e que sempre esteve pronto para segurar todas as barras durante os meus estudos (já passamos pela minha graduação, especialização, mestrado e agora o doutorado): segurou a onda da grana, do tempo, das minhas ausências, das minhas angustias, das minhas irritações e ansiedades, segurou a onda com as meninas; Paulinho, meu

, você é o

companheiro da vida, está sempre pronto para caminhar junto, como eu já escrevi nos agradecimentos da minha dissertação: espero que o nosso amor continue para sempre sendo “eterno enquanto dure”. Te amo muito, meu primeiro amor da vida. , mãe e pai, muito obrigada pela ajuda com as meninas, pelos dias de folga para escrever (aquele sábado na pousada foi estratégico para a minha escrita!), pelos momentos de descanso na casa de vocês. Foram fundamentais para que essa tese chegasse a um ponto final. Tomaz, maninho,

, saudades de conviver

mais com você! Assim que der vou te visitar na Bahia! Ana Carolina, Carol,

, obrigada por ser essa amiga maravilhosa e mais

ainda por ser uma madrinha perfeita para Helena. Sempre disposta a ajudar, a me dar um tempo sem filhas, e principalmente, por pedir para passear com Helena. Obrigada por amar tanto a minha filha e por deixa-la amar muito você, obrigada por fazer Helena uma menina ainda mais feliz! Ah, não posso deixar de agradecer a você e ao Dri por terem me cedido um dia inteiro de concentração na casa de vocês. , a vida acadêmica e a maternidade nos uniram e rapidamente, as afinidades mil nos tornaram ainda mais próximas. Em pouco tempo de convivência eu

percebi que você é uma daquelas pessoas que a gente não quer mais perder de vista. Obrigada por ter aceitado ser madrinha da Clarice e por fazê-lo com tanto carinho e dedicação. À banca:

- obrigada pelas considerações e leitura generosa na

qualificação;

mais uma vez obrigada pelas

gentis palavras na banca de qualificação. Ainda bem que conseguimos uma verba para você vir para a banca final, pois não poder contar com a sua leitura nessa última fase do – muito feliz por ter

doutorado estava me deixando muito triste;

– que bom que

você lendo um trabalho meu novamente;



terei o prazer de ter na minha banca, você sempre arrasa;

adorei dialogar com sua tese, obrigada por ter aceitado o meu convite para a banca. Tenho certeza que a contribuição de cada um de vocês será fundamental para esta tese. Ao

: obrigada por tudo e desculpem pela ausência. Gostaria de ter lido

mais o trabalho de cada um de vocês, gostaria de ter papeado mais, tomado mais chopp, mais café, convivido mais com o grupo nesses quase quatro anos. Obrigada, Carol, João, Ivana, Nélia, Núbia, Fernanda, Eunice, Tayane, Íza, Cris, Juliana, Cecília! E por último, mas muito importante, não posso deixar de agradecer às crianças: e

, meus primos que eu amo muito, obrigada por estarem sempre tão

disponíveis e empolgados com a minha pesquisa; essa menina gentil e sempre disposta a me explicar tuuuudo; sua participação no começo da pesquisa;

, muito obrigada por ser , obrigada por

, fico muito orgulhosa de ter sido sua

professora particular e perceber como você se tornou esse menino gentil e um desenhista de primeira. A todos vocês: muito obrigada por me ensinarem tanto nesses quase quatro anos!

No caminho, as crianças me enriqueceram mais do que Sócrates. Pois minha imaginação não tem estrada. E eu não gosto mesmo de estrada. Gosto de desvio e desver. Manoel de Barros

RESUMO

FREIRE, Joana L. Produzir comunicação na cibercultura: coisa de criança! Rio de Janeiro, 2016. Tese de Doutorado em Educação – Centro de Educação e Humanidades Faculdade de Educação, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2016. Esta tese tem por principal objetivo investigar as produções infantis na internet, buscando focar as possibilidades de autoria das crianças na cibercultura, seja através de blogs, grupos da rede social Facebook, vídeos no Youtube, perfis como produtoras de conteúdo digital e coautoras de informação e conhecimento. Contextualizando a pesquisa, aponto a chegada até o tema e dialogo com conceitos de infância, cibercultura, criação e autoria, e também com dados oficiais de pesquisas que ajudam a mapear os usos da internet pelas crianças no contexto brasileiro. Para apresentar as crianças e suas formas de autoria na web 2.0, foi preciso inovar na metodologia de pesquisa e passar a seguir online meus interlocutores em suas redes na cibercultura. Da pesquisa de campo, foi possível perceber, dentre outras coisas, que a fluidez característica da cibercultura também se destacava nas formas de uso de meus interlocutores: as crianças criavam perfis em diversas redes sociais a medida em que surgia uma novidade. Por isso, a metodologia de pesquisa foi baseada em seguir as crianças nos perscursos que construíam online: o objetivo era acompanha-las onde estivessem, independente da interface ou do software social utilizado. Dentre as conclusões, destaca-se a que nos mostra a possibilidade de horizontalidade permitida na cibercultura pelas crianças em relação aos adultos. Com características de uma pesquisa longitudinal, foi possível observar as crianças ao longo de quase quatro anos, observando seu desenvolvimento e diferenças que podemos perceber em suas relações com e na cibercultura ao longo desse período. Palavras-chave: Infância Contemporânea. Cibercultura. Web 2.0. Autoria Infantil.

ABSTRACT FREIRE, Joana L. Communication & media production in cyberculture: a childrens matter! PhD Thesis in Education - Centro de Educação e Humanidades - Faculdade de Educação, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2016. This PhD thesis aims to investigate childrens production in the internet focusing on their possibilities of authorship in cyberculture looking at childrens blogs, groups on Facebook, Youtube vídeos, their profiles as digital media producers and co-authors of information and knowledge. In this research I presented the way I arrived at the theme and the dialogue with concepts such as childhood, cyberculture, creation and arthorship, as well as official research data that help maping childrens uses of internet in Brazil. In order to introduce the children and their forms of authorship in web 2.0 a new research methodology was needed: I became one of the childrens followers in social networks. From the research, among other aspects, I could notice cyberculture’s fluidity standing out on the forms of internet use among the children in my research: they would create profiles in several social networks as there would constantly appear new ones. And that is why research methodology was based on following children on online paths: the point was to follow them whereever they woulb be, no matter the interface or software inicially used. Among the conclusions the highligh is the possibility of a horizontal relation between children and adults that cyberculture enables. Being a long research, during this work it was possible to observe the children and their development during four years togheter with the diferences and relations in and with cyberculture itself. Keywords: Contemporary Childhood; Web 2.0; Childrens Authorship.

LISTA DE IMAGENS

Imagem 1

Motivos para ir à escola todos os dias

17

Imagem 2

Meme gorduchinha

17

Imagem 3

Gráfico de atividades realizadas na internet

26

Imagem 4

Gráfico da proporção de crianças/adolescentes por atividade

27

Imagem 5

Gráfico da proporção de crianças/adolescentes por equipamento

28

Imagem 6

Proporção de crianças/adolescentes por equipamento

29

Imagem 7

Primeira parte post Isadora “25 coisas sobre mim”.

69

Imagem 8

Segunda parte post Isadora “25 coisas sobre mim”

70

Imagem 9

Página inicial perfil do João no Instagram em 12/2014.

92

Imagem 10

Página inicial perfil do João no Instagram em 08/2016

92

Imagem 11

Perfil do João no Facebook

93

Imagem 12

Perfil de Manuela no Blogger

94

Imagem 13

Perfil Manuela no Instagram em 12/2014

96

Imagem 14

Perfil Manuela no Instagram em 01/2015

96

Imagem 15

Perfil Manuela no Instagram em 03/08/2016

96

Imagem 16

Perfil Manuela no Instagram em 30/08/2016

96

Imagem 17

Perfil DixxManut no Instagram

97

Imagem 18

“Sobre mim” blog de Isadora

99

Imagem 19

Quem sou eu blog Isadora em 07/2014

100

Imagem 20

Perfil blog Isadora em 09/2016

100

Imagem 21

“Sobre” na página do blog de Isadora no Facebook

101

Imagem 22

Perfil Instagram Isadora em 07/2014

102

Imagem 23

Perfil Instagram Isadora em 03/2015

102

Imagem 24

Perfil Instagram Isadora em 03/2016

102

Imagem 25

Perfil Instagram Isadora em 08/2016

103

Imagem 26

Perfil de Isadora no Youtube

104

Imagem 27

Perfil de Isadora no Pinterest 09/2016

104

Imagem 28

Perfil de Isadora no Facebook 08/2016

104

Imagem 29

“Sobre” na página do blog de Isabela no Facebook

105

Imagem 30

“Sobre mim” blog de Isabela

106

Imagem 31

Perfil de Isabela no Facebook em 08/2016

106

Imagem 32

Perfil Instagram Isabela em 07/2014

107

Imagem 33

Perfil Instagram Isabela em 12/2014

107

Imagem 34

Perfil Instagram Isabela em 03/2015

108

Imagem 35

Perfil Instagram Isabela em 08/2016

108

Imagem 36

“Sobre” Caio em seu blog

109

Imagem 37

Ausência de posts

112

Imagem 38

Pedido de desculpas

114

Imagem 39

Post de Manuela: eu não ideias para postar

115

Imagem 40

Linha evolutiva 2001 a 2010

117

Imagem 41

Legenda da foto do Instagram de Manuela

122

Imagem 42

Isabela sem ideias com resposta de uma leitora

126

Imagem 43

Primeiro post de Manuela

128

Imagem 44

Post de João no Dona Feijão

130

Imagem 45

Página inicial canal Youtube João.

130

Imagem 46

Post de Manuela “Antes e depois”

131

Imagem 47

Afiliações e Parcerias

133

Imagem 48

Aparições do blog Gosto sem culpa em jornais

138

Imagem 49

Blog Gosto sem culpa em livro didático

139

Imagem 50

Post Isadora sobre beleza

143

Imagem 51

Post Manuela com brincadeira. Dezembro de 2014.

144

Imagem 52

Manuela ensinando a fazer um penteado

144

Imagem 53

Manuela em passeio com as amigas

144

Imagem 54

Primeiro post Caio

146

Imagem 55

Canal do Youtube Caio

146

SUMÁRIO APRESENTAÇÃO............................................................................................. 13 QUANDO O FIM É UM NOVO COMEÇO...................................................

13

1 CONSTRUINDO O OBJETO DE PESQUISA: UM PRIMEIRO LEVANTAMENTO...........................................................................................

16

1.1 Dries Planet................................................................................................... 16 1.2 Coisas da Sinistra.........................................................................................

18

1.3 Monster, Curiosidades, yoshis....................................................................

19

1.4 My life, my place, my world........................................................................

20

1.5 Videolog do Gutinho....................................................................................

21

2 INFÂNCIA E CIBERCULTURA.................................................................. 23 2.1 Infância, cibercultura e as TICS................................................................. 23 2.1.1 TIC Crianças 2009......................................................................................

24

2.1.2 TIC crianças 2010.......................................................................................

24

2.1.3 TIC KIDS ONLINE BRASIL 2012............................................................

25

2.1.4 TIC Domicílios 2013................................................................................... 26 2.1.5 TIC KIDS ONLINE BRASIL 2013............................................................

26

2.1.6 TIC KIDS ONLINE BRASIL 2015............................................................

28

2.2 Infância, cibercultura e a contemporaneidade..........................................

30

2.3 Infância, cibercultura, imaginação e criação............................................

41

2.4 Infância, cibercultura e autoria..................................................................

44

2.5 Infância, Cibercultura e um encontro com Walter Benjamin.................

48

2.6 Infância, Cibercultura e a WEB 2.0...........................................................

54

2.7 Infância e cibercultura: o limiar entre o público e o privado..................

66

3 EM BUSCA DE UMA METODOLOGIA: QUANDO A PESQUISADORA VIRA SEGUIDORA.......................................................... 81

3.1 Onde encontramos as produções infantis na internet?............................. 83 3.1.1 Weblog ou Blog..........................................................................................

83

3.1.2 Instagram..................................................................................................... 84 3.1.3 Facebook.....................................................................................................

85

3.1.4 Twitter.........................................................................................................

86

3.1.5 Tumblr......................................................................................................... 86 3.1.6 We heart it...................................................................................................

87

3.1.7 Youtube.......................................................................................................

88

3.1.8 Skoob........................................................................................................... 88 3.1.9 Pinterest....................................................................................................... 89 3.2 As crianças....................................................................................................

90

3.2.1 João.............................................................................................................. 91 3.2.2 Manuela....................................................................................................... 93 3.2.3 Isadora.........................................................................................................

98

3.2.4 Isabela.......................................................................................................... 105 3.2.5 Caio.............................................................................................................

109

4 ENTÃO, O QUE PRODUZEM ESTAS CRIANÇAS?................................ 110 4.1 As condições de produção/criação..............................................................

111

4.2 Fluidez...........................................................................................................

116

4.3 Criação e comunicação: eu e o outro.......................................................... 122 4.4 Estratégias para ser visto............................................................................. 129 CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................

140

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.............................................................

149

Apresentação

Esta tese apresenta o percurso realizado nesses quatro anos de pesquisa e tem por principal objetivo investigar as produções infantis na internet, seja através de blogs, grupos da rede social Facebook, vídeos no Youtube, perfis como produtoras de conteúdo digital e coautoras de informação e conhecimento. Ou seja, buscou investigar a participação das crianças como autoras na Web 2.0, entendendo as mesmas e suas maneiras de produzir conteúdo online. Que contextos de produção de comunicação as crianças ocupam? Que formas de narrativa são utilizadas pelas crianças nestes ambientes digitais? Quais os principais temas abordados por elas? Como se dá o uso da técnica? Que ferramentas elas utilizam? O que as crianças dizem de si nesses espaços?

Quando o fim é um novo começo Toda pesquisa só tem começo depois do fim. Marília Amorim

A pesquisa de doutorado buscou compreender melhor e tentar aprofundar o conhecimento acerca da internet como lugar de criação e comunicação que se apresenta à infância contemporânea. Impossível escrever sobre esta pesquisa sem relembrar a pesquisa de mestrado já finalizada, pois foi durante a escrita da mesma que a questão central do doutorado surgiu. A pesquisa de mestrado concluída em 2012, teve por objetivo conhecer os usos que as crianças faziam na internet. Descobriu-se que o grupo de interlocutores da pesquisa, acessava a internet em busca dos jogos online. A metodologia de pesquisa adotada, envolveu vários momentos em que observei e joguei online com as crianças. Partindo do conceito de ‘usos’ de Michel de Certeau (1994) e do conceito de ‘interatividade’ de Miguel Lemos (2010) e Marco Silva1 (2010), a pesquisa deparou-se com formas de interação usadas pelas crianças, que eram diferentes das propostas pelos jogos acessados. Entretanto, naquele momento e com o grupo investigado, observei que 1

Para maior discussão sobre esses conceitos e sobre a pesquisa desenvolvida ler FREIRE, 2012.

13

os usos que as crianças faziam da internet estava mais ligado a um consumo de sites, geralmente feitos por adultos e voltados às crianças, do que propriamente na produção efetiva de conteúdos de autoria das crianças. Dessa constatação, surge a seguinte pergunta: As crianças têm espaço para marcar suas produções na internet? Há sites feitos por crianças? Ainda durante o desenvolvimento da dissertação de mestrado, recorri a Sarmento (on-line, 2006) em seu relato das conclusões a que chegou em sua pesquisa “Os saberes das crianças e as Interações na REDE”, onde ele afirma que a Internet ainda é território produzido por adultos para crianças e raramente produzido pelas crianças, mesmo que voltados para elas. Ao ler esta constatação de Sarmento priorizei pesquisar no site de busca Google a expressão “sites produzidos por crianças” ou “sites feitos por crianças” e confirmei a afirmação do autor: na primeira página dos resultados não havia quase nenhum site, apenas listas de sites “para” ou “sobre” crianças. Procurando mais achei um fórum em que um tópico2 de 2009 convidava os participantes a postarem links de sites que eles tivessem produzido quando eram crianças. Muitos participantes postaram links de sites que dizem ter produzido com 8 anos, mas nenhum deles continuava online. Em 2012, ao pesquisar no Google “blog feito por crianças” e “blog de criança” foi possível achar alguns exemplos de blogs que hipoteticamente eram elaborados por crianças. Alguns deles estavam inativos, com postagens bem antigas 3, mas alguns estavam bem atualizados4. Desta forma, ainda durante a escrita da dissertação foi se desenhando o tema de uma futura pesquisa que assumi como projeto para o doutoramento. Desde então, passei a garimpar blogs e demais formatos que fossem criados por crianças na internet. Por isso, inicio esta tese com o capítulo intitulado “Construindo o objeto de pesquisa: um primeiro levantamento”, onde apresento justamente as primeiras interfaces e softwares sociais com os quais tive contato. O capítulo 2 “Infância e Cibercultura” apresenta os conceitos e os autores com os quais dialoguei ao longo da escrita desta tese e é de suma importância para o avançar das discussões propostas. No capítulo 3 “Em busca de uma metodologia: quando a pesquisadora vira seguidora”, apresento a construção da metodologia que foi adotada ao longo da pesquisa, bem como as

2

http://www.teamfortress.com.br/forum/viewtopic.php?f=4&t=4454&view=next http://cantinhodafantasia.zip.net/ 4 http://coisasdemeninojoao.blogspot.com/ 3

14

interfaces e softwares sociais citados pelas crianças e finalizo com uma apresentação de cada criança que participou da pesquisa, trazendo seus perfis nas diversas redes sociais utilizadas por elas. O quarto e último capítulo, denominado “Então, o que produzem estas crianças?”, procura apresentar o que seriam as categorias de análise, que nesta tese não estão sendo assim nomeadas, já que o movimento de categorizar algo que foi observado em rede pareceu-me incoerente. Por fim, apresento algumas conclusões às quais se destacaram ao longo desses quase quatro anos de pesquisa, assim como atualizo o máximo possível a produção de cada criança na cibercultura.

15

1

CONSTRUINDO

O

OBJETO

DE

PESQUISA:

UM

PRIMEIRO

LEVANTAMENTO5

Como dito anteriormente, o primeiro movimento de pesquisa foi o de mapear blogs e sites construídos por crianças para, a partir deles, definir critérios para a construção de uma metodologia que fosse coerente com um tema ainda pouco explorado em relação à pesquisa com crianças e com uma pluralidade de caminhos a seguir. O primeiro critério utilizado nesta busca foi: ser feito por crianças. A primeira aproximação com uma produção infantil online deu-se por acaso: João, que é meu primo e em 2012 tinha 10 anos, havia criado um perfil na Rede Social Facebook há pouco tempo e compartilhou, com seu pai, o link do blog de um amigo, chamado Dries Planet. Foi a partir dele que pude chegar a outros blogs feitos por crianças, pois é comum um blogueiro indicar outros blogs. Desta forma, de um blog podemos chegar a outros e outros, sendo esse o movimento feito até agora: descobrir novas produções e produtos infantis a partir das dicas das próprias crianças. Portanto, apresento os blogs com os quais tive contato no ano de 2012. 1.1 Dries Planet6

O criador do blog é Dries van Steen e mora em São Paulo. Seu blog existia desde agosto de 2011 e havia, nessa época, postagens mensais que variam de 3 a 59, acumulando até setembro de 2012 um total de 306 postagens. Além de reproduzir conteúdos voltados para diversão como vídeos e muitos memes7 disponíveis na internet, ele também produzia conteúdo, e normalmente fazia questão de destacar esse fato, conforme vemos abaixo:

5

Alguns dos blogs consultados já estão com os links inativos, como é o caso de “Dris Planet”, “Coisas da Sinistra” e “Monster, curiosidades, yoshis”. Já os blogs My life, my place, my word”, “Monsterhighbmw” e “Videolog do Gutinho” estão com links ativos, porém desatualizados e sem postagens desde 2012. (última consulta em novembro de 2016). 6 http://driesplanet.blogspot.com.br/ 7 O termo meme de internet é usado para descrever um conceito que se espalha rapidamente pela rede. Pode se referir a uma imagem, uma piada, enfim, um assunto qualquer que se destaca e é compartilhado por vários usuários de redes sociais, blog etc. O termo é uma referência ao conceito de memes, parte de uma ampla teoria de informações culturais criada por Richard Dawkins, em 1976, no seu livro The Selfish Gene. Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Memes_de_Internet

16

Motivos para ir todos os dias à escola (postado em 7/03/12) A seguir, verá os motivos para ir à escola todos os dias, em um gráfico. Eu que fiz em um programa do meu computador, ou seja, foi totalmente feito pelo criador deste blog.

Imagem 1 - Motivos para ir todos os dias à escola

Gorduchinha8

Imagem 2 - Meme gorduchinha

O blog era bastante elaborado, com layout personalizado e muito dinâmico, disponibilizava inclusive assinatura via RSS 9; possuía 16 seguidores que não eram

8

Primeira postagem do mês de setembro, exemplo de postagem retirada de outros sites ou blogs. A tecnologia do RSS permite aos usuários da internet se inscreverem em sites que fornecem "feeds" RSS. Estes são tipicamente sites que mudam ou atualizam o seu conteúdo regularmente. Para isso, são utilizados Feeds RSS que recebem estas atualizações, desta maneira o utilizador pode permanecer informado de diversas atualizações em diversos sites sem precisar visitá-los um a um. Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/RSS 9

17

muito atuantes na inclusão de comentários. Além da possibilidade de comentar, Dries disponibilizava opções para avaliarmos os posts adicionados: Louco; Legal; + ou -; Sei Lá. Havia também previsão do tempo, um relógio com a hora correta e dois “joguinhos”: alimentando um peixinho (fish Dries Planet, uma espécie de aplicativo em que o visitante pode alimentar um peixinho) e um mascote representado por um morcego com o qual o usuário pode interagir, acordando-o ou alimentando-o com uma mosca.

1.2 Coisas da Sinistra10

As informações sobre a autora disponíveis no próprio blog são: Oi pessoal! Aqui vai um pouco sobre mim: Adoro Monster High11, Cupcakes, fazer Monster Highs e bichinos de de pelúcia :D Odeio rúcula >:(. Elas são malvadas...

“Sobre o blog”, ela relatava o seguinte: Oi! Eu sempre via outros blogs na internet e, a algum tempo já tinha vontade de criar um blog. Um dia perguntei para o meu pai se podia criar um blog e ele disse que sim. Com a ajuda dele criei meu blog e, eu admito que eu adoro postar aqui! Até mais!

Ela postava muito conteúdo de criação própria (jogos, enquetes, sugestões de leitura e de outros blogs) e poucas reproduções da internet - alguns vídeos, imagens de animais que ela considerasse “fofinhas”, memes etc. Iniciou as postagens em fevereiro de 2012 e tinha um total de 60 postagens até agosto desse mesmo ano. A seguir uma amostra:

10 11

http://coisasdasinistra.blogspot.com.br/ http://play.monsterhigh.com/pt-br/index.html

18

Dica de leitura (postado em 24/08/12) Oi! Hoje vim dar uma dica de leitura para você: A série: Querido Diário Otário de Jim Benton. Até logo!

O blog contava com comentários, principalmente de outras blogueiras que postavam sobre assuntos semelhantes.

1.3 Monster, curiosidades, yoshis12

Blog encontrado por indicação do blog da Sinistra. Segue a descrição de seu perfil no Blogger. Sobre mim Sexo - Feminino Atividade - Aluno Local - Gramado, RS, Brasil Introdução - Sou inteligente, esperta, faço teatro, patinação e ... Estudo Posso ser diferente, mas pelo menos sou eu mesma. Pessoas que não me conhecem, pensam que sou louca, depois que me conhecem de verdade, falam que eu sou divertida. Interesses - MONSTER HIGH, PC, MEMES, FACEBOOK. Filmes favoritos - PERCY JACKSON, HARRY POTTER FILMES DA DISNEY E DA UNIVERSAL! Músicas favoritas - QUALQUER UMA Q NAUM SEJE FORRO, NEM SERTANEJO Livros favoritos - PERCY JCKSON, ETC ETC

12

: http://monstercurioidadesyoshis.blogspot.com.br/

19

1.4 My life, my place, my world13

Foi encontrado através de uma indicação no blog “Monster, curiosidades e yoshis”. Sua criadora é a Spectra Vondergeist (Star) e não há mais informações sobre ela em seu perfil do blogger. Sei que não ando Postando Oi gente sei que não posto mais há muito tempo mas é pq eu tava de castigo e tava tendo prova e se eu ficar em recuperação eu fico de castigo de novo!!! =( bem mas eu vim mostrar uma coisa muito fofinha da Robecca!!

Este tipo de postagem em que a escola é um motivo para a criança não atualizar seu blog apareceu em alguns outros blogs, como vemos no exemplo abaixo: SEGUNDA-FEIRA, 13 DE AGOSTO DE 2012 Importante! Gente vou ficar tipo 2 dias sem postar pois tenho que estudar!me desculpa!! Bjos! Postado por Beca MW às 12:0414

Ainda sobre o blog “My life, my place, my word”, observei que era indicado por 3 blogueiras oficiais: a Spectra, a Luciana Justice e a Catty. Permitir postagens de outras meninas-usuárias era uma característica comum a vários blogs produzidos por garotas. Conforme podemos ver abaixo em uma postagem retirada do blog da Sinistra15: Desculpa!+notícia Oiii!!!

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http://mylife-myplace-myworld.blogspot.com.br/ Monster High - http://monsterhighbmw.blogspot.com.br/ 15 http://coisasdasinistra.blogspot.com.br/2012/08/desculpanoticia.html 14

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Bem...Vim pedir desculpa por não postar faz um tempo, tipo assim...10 dias! pois estou em provas, então não sobra muito tempo. Bem, vamos postar: De acordo com os resultados da enquete, devo fazer o concurso de postadoras. Então,farei. Para participar basta prencer esta ficha de incrição: Nome: Gmail: Tem um blog? Qual?: Usa palavrões nas postagens?: Posta coisas inadequadas?: Faz assinaturas?: Postará com frequência?: Atenção:Vou escolher só uma postadora.Nenhuma postadora vai se tornar adiministradora ou poderá mudar o desing do blog.A postadora terá que usar assinatura nas postagens,se quiser poderá fazer a própria se não é só pedir no primeiro post. Até mais! Postado por Sinistra às 16:51

Até o último acesso feito antes do blog ser desativado, apenas uma menina havia se candidatado e respondido às questões, e a criadora do blog ainda não havia aprovado sua solicitação.

1.5 Videolog do Gutinho16

Canal de um menino que postou 3 vídeos em 2012. Em seus vídeos aparece sempre sentado à mesa e falando para a câmera. O primeiro é sobre quanto ganha um vloger (pessoa que faz videolog); o segundo e o terceiro são sobre vídeos engraçados

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http://www.youtube.com/user/vlogdogutinho?feature=plcp

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com animais. Os vídeos são editados, apresentam efeitos e links e chegam a mais ou menos 1300 views. Seu último vídeo é de abril de 2012. Dados do Videolog Atividade mais recente: 03/08/2012 Data de inscrição: 19/01/2012 Idade: 32 País: Brasil Oi, eu sou o Gutinho. Seja bem vindo ao meu canal, onde eu sempre estarei postando vídeos de vários assuntos.

Todos as produções infantis apresentadas acima, foram objeto de pesquisa de março a setembro de 2012, durante a escrita do anteprojeto apresentado como requisito para a seleção de doutorado na UERJ. Portanto, após esse primeiro momento em que a metodologia utilizada foi a de procurar mapear onde as crianças estão, e após delimitar algumas que continuam participando de interfaces e softwares sociais17, busquei aprofundar quais são as produções infantis e em quais espaços. O fato de as crianças estarem em constante movimento faz com que muitos blogs e perfis sejam criados e desativados ou abandonados após um período. Tendo esse movimento fluído como marca do mundo digital e das produções infantis, a opção de seguir as crianças na internet, tem se mostrado coerente, pois podemos seguir um perfil no Facebook, no Twiter, no Instagram, assinar um blog ou canal no Youtube e receber notificações de novas publicações por e-mail. Portanto, conforme será descrito mais a frente, a metodologia que vem sendo utilizada é a de seguir as crianças e suas produções online.

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Os termos softwares sociais e interfaces são utilizados nesta tese de acordo com a definição trazida por Edméa Santos: “Os softwares sociais são interfaces ou conjuntos de interfaces integradas que estruturam a comunicação síncrona e assíncrona entre praticantes geograficamente dispersos. Interface é um termo que, na informática e na cibercultura, ganha o sentido de dispositivo para encontro de duas ou mais faces em atitude comunicacional, dialógica ou polifônica. A interface está para a cibercultura como espaço online de encontro e de comunicação entre duas ou mais faces. Forma-se um hibrido entre objetos técnicos e seres humanos em processos de comunicação e de construção de conhecimentos. Com isso, os praticantes se encontram não só para compartilhar suas autorias, como também – e sobretudo – para criar vínculos sociais e afetivos pelas mais diferentes razões objetivas e subjetivas” (2011, p.84). A autora afirma que comumente utilizamos o termo ‘rede social’ no lugar de ‘software social’, e que rede social é o que acontece em uma situação comunicacional. Por isso, ela utiliza o termo ‘rede social da internet1. “O conceito de rede social na internet parte da ideia de conectar praticantes com interesses comuns que interagem colaborativamente a partir da mediação sociotécnica e de suas conexões” (2011, pp. -84-85).

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2 INFÂNCIA E CIBERCULTURA

O conhecimento acumulado sobre crianças e infâncias pouco tem nos ajudado a dialogar efetivamente com as crianças. Rita Ribes Pereira Este capítulo apresenta os conceitos de infância e cibercultura que se mostraram interessantes para o diálogo e enriquecimento do trabalho de campo. É um capítulo longo por abordar vários assuntos que perpassam os temas da infância e da cibercultura. Sendo assim, no item 2.1 apresento alguns dados de pesquisas estatísticas produzidas pelo Centro de Estudos sobre as Tecnologias da Informação e da Comunicação (CETIC); no item 2.2, apresento as discussões mais especificamente voltadas para a construção e delimitação de um conceito de infância contemporânea; no item 2.3 há uma reflexão sobre a produção infantil na internet em diálogo com Vygotsky em seu livro, “Imaginação e criação na Infância” (2009); o item 2.4 nos motiva a refletir sobre a Infancia, a cibercultura e as possibilidades de autoria através do diálogo com a autora Adriana Hoffmann Fernandes e de sua tese de doutorado; no item 2.5 apresento as reflexões acarretadas pela leitura do livro “Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura” (2012) de Walter Benjamin, e suas relações com a Infância e a Cibercultura; e por último, mas não menos importante, o item 2.6, onde podemos aprofundar um pouco as questões mais específicas relacionadas à cibercultura e seus conceitos.

2.1 Infância, Cibercultura e as TICS

Antes de entrarmos na discussão teórica sobre infância e cibercultura, acredito ser de suma importância conhecer alguns dados estatísticos os quais poderão enriquecer ainda mais o nosso conhecimento acerca da infância contemporânea e sua relação com a cibercultura. Sendo assim, proponho direcionarmos nosso olhar para alguns dados apresentados nas pesquisas estatísticas divulgadas pelo CETIC18. As pesquisas 18

Com a missão de monitorar a adoção das tecnologias de informação e comunicação (TIC) – em particular, o acesso e uso de computador, Internet e dispositivos móveis – foi criado em 2005 o Centro de

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analisadas foram: TIC Crianças 2009, TIC Crianças 2010, TIC KIDS ONLINE BRASIL 2012, TIC KIDS ONLINE BRASIL 2013, TIC Domicílios 2013 e TIC KIDS BRASIL ONLINE 201519. Destas pesquisas estatísticas, destaco aqui apenas os dados que estão em diálogo com este estudo, já que essas pesquisas estatísticas apresentam muitos dados não correlatos à questão abordada nesta tese.

2.1.1 TIC Crianças 2009

De abrangência nacional, foi a primeira realizada pelo CETIC, intentando medir a posse e o uso das TICs por crianças entre 5 e 9 anos, utilizando como base o questionário da TIC domicílios 2009, porém com o foco nas seguintes questões: Acesso às Tecnologias da Informação e Comunicação (respondido pelos pais ou responsáveis); Uso do Computador (respondido pela criança); Uso da Internet (respondido pela criança); Habilidades com o computador/Internet (respondido pela criança); Acesso sem fio (respondido pela criança). As entrevistas foram presenciais com a presença dos responsáveis e das crianças. Desta pesquisa, destacamos o seguinte dado: apenas 2% das crianças afirmavam usar o celular para acesso à internet.

2.1.2 TIC Crianças 2010

Com a mesma abrangência, metodologia e público alvo da pesquisa realizada em 2009, porém com o foco nas seguintes questões: Acesso às tecnologias de informação e comunicação (respondido pelos pais e/ou responsáveis); Uso do computador (respondido pela criança); Uso da Internet (respondido pela criança); Uso do e-mail (respondido pela criança); Habilidades com o computador e a Internet (respondido pela Estudos sobre as Tecnologias da Informação e da Comunicação (CETIC.br). O CETIC.br é um departamento do Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (NIC.br), que implementa as decisões e projetos do Comitê Gestor da Internet do Brasil (CGI.br). Por meio do CETIC.br, o NIC.br e o CGI.br realizam sua atribuição de promover pesquisas que contribuam para o desenvolvimento da Internet no país. http://www.cetic.br/pagina/saiba-mais-sobre-o-cetic/92 19 As pesquisas citadas estão disponíveis em: http://www.cetic.br/publicacoes/indice/pesquisas/

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criança); Acesso sem fio e uso do celular (respondido pela criança); e apontando um perfil domiciliar. Neste ano, o percentual de crianças que usava o celular para acesso à internet foi de 1%.

2.1.3 TIC KIDS ONLINE BRASIL 2012

Realizada em parceria com pesquisadores da equipe EU Kids Online Network20. Diferentemente das outras duas pesquisas anteriores (TIC Crianças 2009 e 2010), que mapearam o uso das tecnologias da informação e da comunicação por crianças e jovens brasileiros, essa nova pesquisa objetivou compreender os desafios gerados pelo uso das TICs, mais especificamente o acesso à Internet, que foi constatado nas pesquisas anteriores. Respondendo questões tais quais: “Como e onde crianças e adolescentes acessam a Internet? Quais as implicações de tais usos? Qual a relação entre os diversos dispositivos de acesso, como notebooks, tablets e celulares, e a privacidade de uso da Internet? Que estratégias de mediação os pais e responsáveis utilizam para ajudar seus filhos a navegarem com segurança na Internet?”, a TIC KIDS Online Brasil, pesquisa inédita no país, buscou “mapear as oportunidades e riscos associados ao uso da Internet por jovens brasileiros de 9 a 16 anos de idade” (p.22). Um dos dados que se destacam e convidam ao diálogo é a constatação de que 21% das crianças pesquisadas acessam a Internet pelo celular. Outro dado importante apresentado pela TIC KIDS Online 2012 é referente aos usos que as crianças fazem da internet. Observando o gráfico a seguir, aparecem, pela primeira vez, formas de uso que percebem a criança como possível produtora de conteúdo na internet, conforme vemos nos itens: “Colocou (ou postou) fotos, vídeos ou músicas”; “Colocou (ou postou) uma mensagem num site”; “Criou um personagem, bicho de estimação ou avatar”; “Escreveu em um blog ou diário on-line”; “Usou sites de compartilhamento de arquivos”. 20

O projeto “EU Kids on line” vem sendo coordenado pelas Professoras Sonia Livingston e Leslie Haddon, da London School of Economics and Political Science. Soma de 2006 até o momento pesquisa em 27 países europeus tendo por objetivos básicos identificar e avaliar o uso de internet por crianças, comparar resultados no contexto europeu e desenvolver recomendações para a elaboração de políticas de ação que promovam um uso mais seguro da internet. Foi financiado pelo Programa Safer Internet da Comissão Européia. Para maiores informações, ver: www.eukidsonline.net e http://ec.europa.eu/information_society/activities/sip/index_en.htm

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Imagem 3 - Gráfico de atividades realizadas na internet.

2.1.4 TIC Domicílios 2013

Buscou mapear o acesso às tecnologias de informação e comunicação em domicílios do território nacional. Apresenta um infográfico21 onde há os seguintes dados coletados com crianças a partir de 10 anos: 75% dos usuários tinham entre 10 e 15 anos. 34% dos “usuários de Internet postam textos, imagens ou vídeos que criou”. 16% das crianças dessa faixa etária disseram que utilizam a internet para “Criar ou atualizar blogs, páginas na Internet ou website”.

2.1.5 TIC KIDS ONLINE BRASIL 2013

Com os mesmos objetivos, metodologia e abrangência da pesquisa realizada em 2012, apresenta o gráfico da proporção de crianças/adolescentes distribuídos por 21

http://www.cetic.br/tics/usuarios/2013/total-brasil/C9/expandido

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atividades realizadas na internet, onde há opções que contemplam os espaços de criação online. Cabe destacar que a opção “Escreveu em um blog ou diário on-line” teve uma queda de 1% em relação à pesquisa do ano anterior, contrastando com o aumento de 16% no item “Colocou/postou fotos, vídeos ou músicas em redes sociais”.

Imagem 4 - Gráfico da proporção de crianças/adolescentes por atividade.

O crescente uso de celulares do tipo smartphone, no Brasil, foi constatado em 2013, segundo reportagem, de agosto de 2013, do portal G1 22: dos 5,3 milhões de celulares vendidos, 53% eram smartphones. A pesquisa TIC KIDS Online 2013, acrescenta que 53% dos entrevistados disseram acessar a internet pelo celular, contra 21% da pesquisa realizada em 2012. “Já o acesso à Internet por meio dos tablets cresceu de 2%, em 2012, para 16% em 2013”. 22

http://g1.globo.com/tecnologia/noticia/2013/08/venda-de-smartphone-supera-de-celular-tradicionalpela-1-vez-no-brasil.html

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Imagem 5 - Gráfico da proporção de crianças/adolescentes por equipamentos utilizados para acessar a internet.

Outro dado importante é o aumento do número de crianças presentes nas redes sociais: “a pesquisa revela que 79% dos usuários de Internet, entre 9 e 17 anos, possuem perfil em redes sociais – um crescimento de 9 pontos percentuais em relação a 2012”.

2.1.6 TIC KIDS ONLINE BRASIL 2015

Realizada entre novembro de 2015 e junho de 2016, a recente pesquisa ainda não tem um relatório completo publicado, mas já é possível acessar alguns dados disponíveis no site do Cetic, em um documento chamado “Apresentação dos principais resultados TIC KIDS ONLINE BRASIL 2015”23. Embora tenha uma parte da pesquisa inteiramente voltada para questões relacionadas à intolerância e ao discurso de ódio na rede, essa pesquisa apresenta questões interessantes que consideram a criança e sua 23

http://cetic.br/media/analises/tic_kids_online_brasil_2015_coletiva_de_imprensa.pdf

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efetiva participação na internet, utilizando expressões que se aproximam das utilizadas pelas crianças nas redes sociais. Um gráfico que se destaca é o que apresenta o uso de celulares como forma de acesso à internet, onde podemos ver que esse acesso pulou de 21% em 2012 para 85% em 2015.

Imagem 6 - Proporção de crianças/adolescentes x equipamento que acesse a internet.

Um dado interessante e que nos ajuda nas reflexões propostas por esta tese é o que constata que 87% das crianças possuem perfil em uma rede social e, ainda mais, os gráficos que mostram o percentual de crianças com perfis em cada rede social, a saber: 79% declararam possuir perfil no Facebook, 71% no WhatsApp, 37% no Instagram, 27% no Snapchat e 20% no Twiter. Entretanto, de todos os gráficos, o mais interessante para nós, é o que apresenta o que as crianças responderam à seguinte questão: “Postou na internet um texto, imagem ou vídeo que você mesmo fez?” em que apenas 37% das crianças responderam sim, contra 63% de não como resposta. Ou seja, apesar de a autoria na internet estar cada vez mais facilitada e de termos algumas crianças que postam coisas na internet, 29

essas ainda não são a maioria. Mas, além disso, cabe destacar que o tipo de pergunta utilizada pelos pesquisadores do TIC KIDS BRASIL, demonstra que essa realidade existe e surpreende de forma positiva o fato de uma pesquisa mais voltada à segurança das crianças, trazer a possibilidade de autoria em suas questões. A pesquisa TIC KIDS Online, em seu relatório de 2012, reconhece que esse acesso para usos mais voltados à produção de conteúdos pelas crianças está em ascensão e merece destaque. Ainda que, como já exposto, as atividades mais voltadas à produção de conteúdos por parte de crianças e adolescentes não estejam entre as mais citadas, são atividades levadas a cabo com frequência entre aqueles que a realizam: 85% postaram mensagens em um site pelo menos uma vez por semana e 67% postaram vídeos, fotos ou músicas pelo menos uma vez por semana. Os dados coletados pela pesquisa TIC Kids Online Brasil não permitem identificar qual o perfil socioeconômico desse usuário mais proativo em termos de geração de novos conteúdos, devido ao tamanho restrito da amostra de entrevistados. Os dados sobre a frequência, contudo, já indicam que esse público está atento às oportunidades de expressão e comunicação possibilitadas pelo uso da Internet (TIC KIDS Online, 2012, p.138).

2.2 Infância, cibercultura e a contemporaneidade

Pensar em conceitos de infância pressupõe compreendermos que nós, adultos, tendemos a construir concepções culturais para as crianças de forma que nos ajude a entendê-las melhor, sendo esse recurso também uma forma de preservação de nossa própria infância. Entender a infância como categoria abarca duas formas: uma que envolve o discurso sobre ela, que é produzido por adultos e dirigido para adultos, e outra que engloba o discurso sobre ela, também produzido pelos adultos, mas voltado para as crianças (BUCKINGHAM, 2007). O discurso que determina o papel da infância e das crianças, facilita nosso entendimento sobre elas e faz com que passemos a encarar nossa própria infância de outra forma. Ao mesmo tempo, para pesquisarmos a infância, precisamos olhar para a criança que fomos. O outro sempre estará presente ao falarmos de infância por que a nossa história de quando éramos crianças é contada pelo outro. É através do outro que eu reativo a minha memória (JOBIM E SOUZA, PEREIRA, 1998). Não podemos esquecer que “a maior parte das crianças do mundo de hoje não vive de acordo com a ‘nossa’ concepção de infância e [...] que nenhuma descrição de crianças – e consequentemente nenhuma invocação da ideia de infância – pode ser 30

neutra” (BUCKINGAM, 2007, p. 25). Por isso, às vezes, é tentador querer que o conceito de infância caiba em um modelo de infância semelhante ao vivido por nós – ou o que queremos acreditar que foi. Perceber que a infância que vivemos não se assemelha à infância que observamos nas crianças hoje em dia, do nosso lugar de adultos, pode nos levar a criticar a infância contemporânea. Tentando fugir desse ideal de infância, temos que tentar entender a infância contemporânea que parece ser tão diferente da vivida por nós, que abarca muitas crianças que vivem em diferentes condições, mas que continuam sendo crianças e vivendo a infância. Estamos vivendo um “processo de reinstitucionalização da infância”, ou seja, as crianças ocupam outro lugar social (SARMENTO, online [2012]). Em minha dissertação de mestrado, recorri ao termo ‘Nativos Digitais’ para enquadrar as crianças com as quais eu dialogava e até a mim mesma, compreendendo esse a partir do que foi dito por Marc Prensky “para caracterizar as gerações nascidas nas últimas décadas do século XX em que se deu o início e a rápida difusão das tecnologias digitais” (FREIRE, 2012, p.13). Revendo esse conceito, entre tantos outros (geração X, Y, net, F5), concluo que ao nomear a infância contemporânea, querendo que ela caiba em um determinado conceito, estamos deixando de “conhecer as crianças por elas mesmas” (MACEDO, 2014, p. 21). A cada momento surgem novas formas de nomear a infância contemporânea pelo simples fato de as crianças estarem na/em rede (MACEDO; PEREIRA, 2012). Portanto, para nós, o importante é pesquisar a infância contemporânea como ela se apresenta e em suas relações com a tecnologia. Não acreditamos que nomear esse movimento/momento, seja determinante para a análise. Afinal quem são as crianças de hoje? Como nomear os que pertencem à chamada infância que já nascem na cibercultura? O que é infância? O que é cibercultura? Onde a infância e a cibercultura se encontram? Elas se encontram na vida, nas experiências cotidianas. A infância, e as crianças, estão imersas na cibercultura assim como a nossa sociedade. Fernandes (2009) apresenta uma importante consideração sobre o contexto atual, em relação às crianças, o qual exige que as transformações vividas pelas crianças não sejam interpretadas como questões individuais, mas como questões maiores, culturais, que estão modificando seus modos de viver, de ser, e que trazem mudanças também relativas tanto a sua aprendizagem, como a sua produção cultural. (2009, p.15)

Ou seja, cabe a nós pesquisadores da infância, compreendermos que as produções culturais das crianças na internet são um retrato dessa nova forma de 31

produção cultural, aprendizagem e nos modos de viver e ser criança. Compreender esse papel das crianças na nossa sociedade, essa interação das crianças com a cibercultura, sem tentar nomear, pedagogizar ou categorizar essa relação é viável quando entendemos que a infância é um momento de múltiplas possibilidades e que partindo de um olhar alteritário é possível enxergar essas crianças como “um legítimo outro” (MATURANA, 1998, p. 22). Esse olhar alteritário, lançado à infância contemporânea em suas nuances acontece quando compreendemos que a criança não é um “objeto a ser conhecido”, mas sim “um sujeito que dispõe de um saber que deve ser reconhecido e legitimado”. (JOBIM E SOUZA, CASTRO, 1997, p. 83). Para abranger a infância contemporânea, também é preciso compreender que as crianças são “participantes, atores sociais, com suas próprias experiências e interpretações do mundo” (BORBA, 2005, p. 82). Esta visão nos leva ao entendimento de que as crianças, enquanto atores sociais são produtoras de cultura. A Sociologia da Infância considera que as crianças são atores sociais e a infância é uma categoria social; propondo que estes dois conceitos sejam analisados em separado, já que a infância vai existir enquanto categoria social independente dos sujeitos que dela fazem parte. E sugere considerarmos “a infância como categoria social do tipo geracional, socialmente construída e dependente da categoria geracional constituída pelos adultos” (SARMENTO, 2008, p. 22). De acordo com a Sociologia da Infância, essa dependência gerou uma relação legitimada e reconhecida em que os adultos têm o poder de controle sobre as crianças. A infância pode ser considerada homogênea, já que os adultos e até as crianças a entendem como uma experiência específica da vida, e deve ser entendida como heterogênea já que dentro dessa fase existem vários tipos de infância que serão determinadas pelo contexto e por outras categorias sociais (classes sociais, gênero, etnia etc.), como nos traz Sarmento (2008, p. 23), “a condição social da infância é simultaneamente homogênea, enquanto categoria social, por relação com as outras categorias geracionais, e heterogênea, por ser cruzada pelas outras categorias sociais”. Uma análise sociológica da infância, segundo Sarmento, citando Prout e James (1990) e Qvortrup (2001) (2008, pp. 23-24) considera como paradigmas, dentre outros, entender a infância como uma construção social, [...] sendo distinta da imaturidade biológica, não é uma forma natural nem universal de grupos humanos, mas aparece como uma componente estrutural e específica de muitas sociedades; a infância não é uma fase transitiva, mas uma categoria social permanente [...] e uma [...]

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análise comparativa e multicultural revela uma variedade de infâncias, mais do que um fenômeno singular e universal.

As autoras Solange Jobim e Souza e Rita Ribes Pereira, no artigo Infância, Conhecimento e Contemporaneidade (1998), já citado no início dessa reflexão sobre infância, apontam questões interessantes para pensarmos a concepção de infância contemporânea. Partindo da obervação em relação à produção do conhecimento sobre a infância entendendo que esta é demarcada pela relação com o outro, as autoras nos lembram que quem diz o que é ser criança é o adulto e esse dizer é alterado de acordo com os ideais e expectativas de cada época. “o modo como nos relacionamos com a infância é revelador das formas de controle da história” (p.30) As autoras discorrem sobre o desenvolvimento do conceito de infância ao longo da história recente, no que, em uma interpretação do artigo, podemos nomear de fases da concepção de infância. Começando com o que podemos chamar de “não-lugar da criança”, fase em que a criança é inserida no mundo dos adultos, após lutar pela sobrevivência, com a entrada de políticas médico-higienistas que buscam diminuir as taxas de mortalidade infantil. Em seguida, teríamos a fase da “criança como ser imperfeito”, onde há uma valorização da criança pelo iluminismo, porém destacando o seu lado imperfeito que deve ser educado para que se torne um homem dotado de linguagem, futuro cidadão responsável. Desta forma, esse olhar da ciência sobre a infância, não visava conhece-la em suas peculiaridades, mas sim, nega-la, tendo por objetivo fazer a criança crescer e vencer as imperfeições que a afastavam da fase adulta. Por último, teríamos a “criança e suas fases do desenvolvimento” em que a infância medida e analisada a partir das fases de desenvolvimento que trazem critérios de normalidade. A ciência passou a explicar para os pais como agir em relação a seus filhos, retirando a autoridade dos mesmos. Surgiram os especialistas em educação e cuidado de crianças (psicólogos, psicopedagogos, fonoaudiólogos, psicomotricista, pediatra, profissionais da mídia etc.). Fugindo desse conceito evolucionista da história, desse pensamento da vida em linha reta, as autoras recorrem à Benjamin, a fim compreender que a criança é posta no lugar de quem precisa trilhar seu caminho evolucionista, precisa crescer, caminhar em direção ao futuro. A criança é “forçada” a abandonar suas ruínas do passado recente para atingir os objetivos que a levarão para o futuro. Assim, munem-se dos conceitos de origem e ruína, origem sendo o que está implicado no passado e no futuro e ruína como não apenas o fim, mas também o vir-a-ser, algo que permanece em construção.

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As fases da vida (infância, idade adulta e velhice) não podem ser entendidas apenas como um processo linear, já que são “categorias sociais, históricas e culturais, que recompõem permanentemente a experiência vivida” (JOBIM E SOUZA; PEREIRA, 1998, p. 28) Acredito que as crianças de hoje são como as de ontem e estabelecem suas relações com o que existe na cultura. Estamos no século XXI e atualmente, a cultura existe, também, de forma cibernética. Não há porque nomear. São crianças que vivem e convivem com a cibercultura, que nascem imersos nela e, por isso, as achamos tão diferentes de nós, que não nascemos imersas nessa cibercultura. As crianças que se tornarem pensadoras acadêmicas daqui há quarenta anos e que estudarem sobre infância dificilmente terão esse estranhamento, pois ele pertence à nós. Conforme relatei em minha dissertação, ao ver meus primos pequenos lidando muito bem com os sites, fiquei surpresa, e o estranhamento causado em mim, despertou o desejo de pesquisar sobre o assunto, de conhecer melhor o que fazia aquelas crianças navegarem na internet. No ano de 2005, meus primos, nascidos na Espanha, João (com 3 anos à época) e Manuela (com 1 ano), vieram morar em São Paulo. A partir daí, comecei a conviver com eles de forma mais constante. Em uma das minhas primeiras visitas à casa deles, ainda em 2005, percebi o fascínio deles por jogos on-line, o que acabou gerando em mim muita vontade em descobrir mais sobre o assunto (FREIRE, 2012, pp-15-16).

Ver crianças tão pequenas e com tamanha desenvoltura ao lidar com o computador e navegando em sites com bastante propriedade foi estranho para mim que tive contato com computadores com mais idade (9 anos). Então, esse lugar de estranhamento é nosso, mas precisamos “admitir que o que particulariza a criança em relação ao adulto é a sua condição de nascer e crescer em rede” (MACEDO, 2014, p.49). Desta forma, pensar a infância contemporânea, requer que pensemos a cibercultura, pois a sociedade contemporânea, está mergulhada na cibercultura. A infância está na sociedade, faz parte desta, não é um organismo isolado que se desenvolve à margem da sociedade e que, quando pronta, ou seja, quando as crianças crescem, passa a fazer parte da sociedade. Cabe ressaltar o entendimento de que apesar dessa total imersão da sociedade na cibercultura, há ainda muita exclusão social em vários níveis, inclusive, a exclusão do mundo digital e cibernético. Mas, aqui nesta tese, olhamos para a infância e para as crianças que têm o acesso à internet. 34

Sim, elas já sabem manusear um tablet e um celular desde pequenas e elas sabem que um celular pode ser utilizado para diversas coisas além de falar com alguém: sorriem para foto, pegam nossos aparelhos e tiram fotos ou pedem para tirarmos, acessam jogos e sites. Elas sabem isso porque estão convivendo conosco que fazemos tudo isso. Então porque nos espantamos? Porque continuamos pesquisando? Qual o sentido de uma pesquisa que se propõe a investigar uma utilização que pode ser considerada banal, mas, que ao mesmo tempo carrega tantas questões: é apropriado crianças estarem na internet? Quais são os riscos envolvidos? O que a sociedade pode fazer para ajudar as crianças a utilizarem a internet de forma segura e produtiva? Essas questões, tão comuns em diversos trabalhos acadêmicos sobre infância e cibercultura, não serão respondidas nesta tese, pois a proposta desta tese é a de compreender as formas de criação, produção e comunicação que as crianças usam na internet. Acreditamos que para compreender a infância contemporânea, precisamos descobrir o discurso das crianças sobre a infância: o que elas falam de si? Que produções escolhem mostrar para os outros? Que referências utilizam para suas produções online? Que imagens atribuem a si mesmas? O que consomem no mundo da internet? Buscar no discurso, nas narrativas infantis e produções online, as respostas para estas perguntas, parece ser promissor para nos mostrar o que as crianças vivem em suas infâncias na contemporaneidade. Testar as diversas funções exercidas por adultos faz parte do desenvolvimento infantil: brincar de arrumar a casa, brincar de fazer comida, brincar de loja, de ser mãe e pai... Sim, algumas crianças já entendem que fazer um blog pode dar dinheiro e realmente utilizam essas interfaces com alguma intenção de futuro. Mas, isso ainda choca? Isso é tão diferente do que uma criança que dança ballet e sonha em ser bailarina profissional, por exemplo? Isadora24 e as meninas que são Youtubers mirins realmente parecem querer fazer daquilo uma profissão, ou fazer com que aquilo seja o início de uma profissão. Como podemos ver nesta fala da Isadora: Joana – Isadora, porque você quis fazer esse blog assim? Como é que foi a história dele?

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Isadora participou da pesquisa. Apresento as crianças com as quais conversei a partir da página 88.

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Isadora - Ah, porque eu via vários na Internet e eu ficava: ah, eu queria fazer isso, deve ser legal, ah, eu gostaria de fazer isso, ah eu queria fazer isso que pode mudar a minha vida. Aí eu fui e criei o blog. Joana – E como você acha assim, que pode mudar a sua vida? Isadora - Ué, no futuro eu posso conseguir mais visualizações aí eu posso ganhar uma grana. Joana – Como assim? Isadora - Por que existe um sistema no google que se chama Google Adsense 25 que você coloca o número da conta aí eles botam anúncios no seu site e você ganha um dinheiro com isso.

Casos de blogueiras que publicaram livros após lançarem seus trabalhos na internet são cada vez mais comuns. Bruna Vieira, blogueira do “Depois dos 15” 26 e autora de vários livros, sendo o primeiro deles, chamado “Depois dos Quinze: quando tudo começou a mudar” (2012, Editora Gutenberg), uma compilação de suas crônicas publicadas em seu blog, é uma das referências da menina Isadora, já que faz parte da sua lista de indicações de blogs em seu próprio blog. Joana – Você acha que esse blog é uma inspiração para você (Depois dos 15)? Isadora – Acho, essa blogueira já fez 3 livros que ela escreveu e é um blog muito legal. Joana – É, e você acha, assim, que é um sonho seu, você gostaria de viver o que ela viveu? Isadora – Não porque ela teve uma desilusão amorosa e ela criou o blog para superar isso. Joana – Então você não gostaria de viver uma desilusão amorosa, mas, assim, essa questão do blog dela, do sucesso... Isadora – Eu tentei escrever um livro, só que eu não consegui porque eu não sabia o que fazer, mas quando eu crescer eu com certeza vou criar uns livros bem legais.

Além de Bruna Vieira, a autora Isabela Freitas, que também começou publicando em um blog27, e após publicar seu livro “Não se apega, não” (Intrínseca Editora, 2014) que rapidamente atingiu 230 mil cópias vendidas, é um exemplo de uma 25

http://www.lucrei.com/o-que-e-o-google-adsense-aprenda-e-de-os-seus-primeiros-passos-tutorial/ https://support.google.com/adsense/answer/65065?hl=pt-BR 26 http://www.depoisdosquinze.com/ 27 http://isabelafreitas.com.br/

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carreira que começou na internet e se expandiu. Ambas foram destaque na Bienal de 201528 e participaram de bate-papos com os leitores. O que quero dizer com isso? Que devemos exaltar toda a publicação na internet feita por crianças? Que devemos transformar essa ferramenta em um conteúdo escolar para que elas aprendam a lidar com ela de forma correta? Não, apenas quero que passemos a compreender que as crianças publicarão conteúdo na internet porque isso faz parte do nosso mundo, da nossa sociedade e as crianças vivem nela. Por isso, esse estudo, na contramão de muitos estudos atuais que abordam a questão da criança e da internet, não vai falar sobre os riscos, sobre a segurança, sobre a desenvoltura infantil frente as tecnologias... Esse estudo pretende abordar questões observadas na relação das crianças com a cibercultura, mais especificamente utilizando redes sociais ou plataformas que possibilitam a publicação de conteúdo e imagens. Quem são essas crianças? São um retrato da infância contemporânea. De uma parte dela. Porque nem todas as crianças, apesar da divulgada facilidade dessa faixa etária em lidar com as tecnologias, utilizam essas plataformas de forma constante e dedicada. Muitas usam esporadicamente, como mais uma forma de entretenimento, como mais uma brincadeira e mais uma maneira de experimentar, reproduzir e recriar o que veem adultos fazerem. Além de não esquecermos das crianças que não tem acesso às tecnologias, que estão à margem dessa sociedade embora estejam também imersas na cibercultura, mas sem ter acesso às ferramentas que possibilitam a sua utilização. Já está estabelecida, no campo dos estudos da infância, [...] a compreensão de que a criança nasce inserida numa cultura e que a criança a ressignifica e recria com os instrumentos que essa mesma cultura lhe permite. Em suas brincadeiras, suas demandas e seus modos de agir, mais do que imitar o mundo social supostamente já instituído, as crianças formulam a sua crítica, o afetam e o recriam. (PEREIRA, 2014, p. 132).

Ao ampliarmos essa discussão sobre a transformação da cultura pela criança, olhando para a cibercultura, temos que concordar com Rita Ribes Pereira quando ela alega que [...] nos estudos sobre cibercultura, por seu turno, tornou-se matéria corrente a compreensão de que as tecnologias digitais engendram profundas transformações nos modos de produção e de circulação da cultura (PEREIRA, 2014, p. 133).

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http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/noticia/2015/09/blogueiras-isabela-freitas-e-bruna-vieira-saoatracoes-da-bienal-do-rio.html

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Outro termo que surge atrelado à nomeação da infância contemporânea como geração net, x, y etc, é o de cibercultura infantil, que estaria relacionada à criação e recriação da cultura infantil feita pelas crianças que navegam na internet. Os autores estudados29, argumentam que as crianças estão inseridas na cibercultura e por isso tem à sua disposição possibilidades de criar, conectar, participar, interagir, fazendo uma separação entre cibercultura e cibercultura infantil. Mas, acredito que as crianças estão inseridas na cibercultura que é uma só, pois até os jogos, que poderiam ser encarados como algo mais lúdico e pertencente ao mundo das crianças, são usados por adultos também. Não podemos criar um nicho da cibercultura que só é usado pelas crianças, pois esse pensamento cartesiano apenas ajuda a ampliar o fosso geracional tão propagado em relação aos usos das tecnologias por crianças e adultos, quando na verdade, até as formas de consumo são muito parecidas. É claro que as crianças possuem produtos específicos voltados para elas, mas com Macedo (2014) podemos afirmar que muitas coisas produzidas para as crianças no mundo virtual são produtos ofertados tanto para elas quanto para adultos. Ainda de acordo com Macedo, foi constatada uma maior aptidão das crianças em relação aos adultos na utilização das tecnologias causando o fosso geracional, em que as crianças eram vistas como usuárias mais habilidosas do que os adultos. Atualmente, os adultos também já têm maior domínio sobre as tecnologias e, por isso, há uma redução desse fosso criado quando se constatou uma maior aptidão das crianças para mexerem nos aparatos (MACEDO, 2014). Pensando de modo crítico, entretanto, as tecnologias digitais podem ajudar a colocar em discussão a posição social que as crianças ocupam em relação aos adultos, oferecendo outras perspectivas para a compreensão dos processos cognitivos. A criança, tão marcada pelo seu suposto não-saber, pode experimentar ser também aquela que ensina. O adulto, libertando-se do lugar cristalizado do ensinar, pode permitir-se aprender com a criança – aprender a entregar-se ao jogo, a ver o desconhecido não apenas como medo, mas como possibilidade (PEREIRA, 2010, p. 10).

Cabe destacar que Macedo ao afirmar em sua tese, intitulada “Você tem face?” Sobre Crianças e Redes Sociais Online , defendida em 2014, que as crianças estão para além da ingenuidade e do risco propagado, nos permite ir adiante à discussão que nos

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Mayra Fernanda Ferreira, Edvaldo Souza Couto, José Américo Santos Menezes, Danuta Leão, Ana Flávia de Luna Camboim e Francisco Menezes Martins.

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propomos, pois a autora já explicou que as crianças não vivem apenas os riscos da internet, que elas não estão tão desprotegidas quanto dizem algumas pesquisas. Portanto, não é mais necessário que abordemos esse assunto, pois já sabemos que as crianças não estão apenas envoltas em riscos ao navegarem na internet e podemos tentar compreender como elas se relacionam com a internet de forma criativa, o que produzem online, suas formas de autoria e narrativas. Um bom exemplo da separação entre o que seria cibercultura e o que seria cibercultura infantil pode ser visto em Couto (2013) quando ele afirma que “a cibercultura é marcada pela convergência midiática e a cibercultura infantil pelo hibridismo de práticas e descobertas lúdicas” (COUTO, 2013, p. 908). Ainda dialogando com Macedo (2014) podemos ampliar essa afirmação, pois a autora nos mostra que a convergência das mídias também chega a utilização infantil quando traz que muitas das coisas mostradas nos perfis das crianças, tem a ver com a televisão, novelas, filmes, personagens. Aprofundando a definição de cibercultura infantil, seguimos trazendo Couto que aponta que esta significa o mundo das crianças conectadas, seus hábitos, ideias e comportamentos como sujeitos que produzem e compartilham informações na rede. [...]. A cibercultura infantil, participativa, [...] diz que a criança é produtora e difusora de informações e valores, que cria e divulga suas invenções, que é agente ativo e propulsor de cultura (COUTO, 2013, p. 901).

Percebemos em Couto um discurso bastante comum nos estudos que abordam a infância e a cibercultura: o discurso que valoriza as possibilidades surgidas com o uso das tecnologias pelas crianças. A cultura digital está a favor das crianças, o que possibilita e potencializa as condições intelectuais para que possam participar da mídia digital e se reconhecerem, cada vez mais, como autoras nesse ambiente. As crianças conectadas são pioneiras na sociedade do imaginário tecnológico digital, pois tem a impressão de estar criando seu próprio terreno de aventuras, de poder inventar alguma coisa e se diferenciar das gerações anteriores, sem ter que se justificar. Talvez seja neste ponto que reside a grandeza e os principais valores da cibercultura infantil: liberdade, participação, colaboração, entretenimento e inovação (COUTO, 2013, p. 904).

Conforme já foi dito, esta tese não pretende enaltecer ou repudiar a relação das crianças com a cibercultura e, consequentemente, com as tecnologias. Entretanto, não podemos nos furtar à seguinte reflexão: às crianças sempre coube o papel de criadoras, de imaginativas, de mostrar suas produções para os adultos da família. Basta lembrarmos dos desenhos, pinturas, brincadeiras, apresentações de música ou teatro. A 39

infância é vista como a idade em que o ser humano é mais inventivo e criativo. Desta forma, não podemos relacionar todo o potencial criativo das crianças apenas com a cibercultura, haja visto que esse potencial sempre existiu e sempre foi mostrado, mesmo que em escalas menores, mais familiares. Ou seja, a diferença entre uma criança que fazia um desenho e este era colado na parede da sua casa para ser mostrado para a família e amigos e de uma criança que coloca seus desenhos em um blog (como é o caso do Caio, interlocutor dessa pesquisa), é a possibilidade de aumentar a visualização desses desenhos. Entretanto, sabemos que a tecnologia também possibilita novas formas de interação, de criação e de exposição das crianças. É uma relação bastante tênue entre entender as facilidades possibilitadas pelo uso das tecnologias e a valorização destas mesmas tecnologias, principalmente no que diz respeito ao manejo pelas crianças que normalmente são vistas como mais incapazes do que os adultos. Perceber que as crianças conseguem manipular e criar utilizando as ferramentas disponíveis e, muitas vezes, conseguem dar conta delas de forma ainda mais aprofundada que muitos adultos, viabiliza o discurso que enaltece essa relação entre a criança e a cibercultura: “em velocidades crescentes os experimentos, as criações e os imaginários infantis se ampliaram e, provavelmente, ficaram mais ricos e fecundos” (COUTO, 2013, p. 910). Entretanto, o próprio autor apresenta um contraponto interessante à essa supervalorização da relação da criança com a cibercultura ao afirmar que: as crianças brincavam com a areia da praia, jogavam bola, participavam de batalhas, arrumavam casinhas e enfeitavam bonecas. Na cibercultura infantil continuam com todas essas brincadeiras, agora integradas ou vivenciadas por meio de telas. É preciso destacar e enfatizar essa condição recente dos modos de brincar. As telas não são em si a brincadeira, são os meios pelos quais as conexões e as brincadeiras acontecem (COUTO, 2013, p. 910).

Completando sua afirmação, Couto traz uma interessante argumentação sobre a relação das crianças com a cibercultura ao defender que as tecnologias não decretam a morte da infância, que as crianças continuam brincando, criando, imaginando e que a diferença é que agora existem mais meios com os quais as crianças podem explorar suas potencialidades. Não faz sentido dizer que a infância acabou, ou que as crianças não sabem mais brincar, que ficam isoladas e presas em casa, que só sabem ver e estar no mundo por intermédio de suas telas preferidas. É preciso compreender o teor das mixagens, dos hibridismos que marcam a vida contemporânea. Esses hibridismos atualizam os modos de ser, brincar e viver de muitas e diferentes maneiras. Embora milhares de crianças estejam cada vez mais conectadas, parece que 40

elas seguem usando também estratégias culturais tradicionalmente associadas à infância, digamos, tradicional, e hibridizando todas elas (COUTO, 2013, p. 910).

A constatação de que existe um termo utilizado para nomear a participação das crianças na cibercultura, trouxe o seguinte pensamento: apenas a criança busca a diversão, a conexão, a criação e a interação ao utilizar a web? Os textos propagam uma separação entre o que é para crianças e o que é para adultos, mas não podemos esquecer que os responsáveis por determinar o que é para as crianças são os adultos e não as próprias crianças. Aliás, cabe ressaltar que de acordo com várias pesquisas, as crianças possuem um interesse muito maior pelo que não foi elaborado para elas do que por algo que foi pensado como de uso exclusivo para as crianças. Portanto, concordamos com Pereira (2014) em sua afirmação de que: O que está em jogo é a construção de um outro lugar social a partir do qual se torne possível dialogar com as crianças relativizando a hierarquia cristalizada pela modernidade. No que se refere à pesquisa esse questionamento é decisivo, pois ele coloca em xeque o paradoxo vivido pelo pesquisador, que é adulto, de ser ao mesmo tempo aquele que deseja melhor conhecer as práticas infantis (por isso as pesquisas) e, também aquele que, com sua ciência, assume a autoridade de legitima-las ou não (PEREIRA, 2014, online).

2.3 Infância, Cibercultura, Imaginação e Criação

Pensar em produções infantis online, requer pensarmos sobre a criação das crianças e para isso, recorremos ao diálogo com Vygotsky e seu livro “Imaginação e criação na infância” de 2009. O autor analisa a imaginação em sua relação com a atividade criadora do homem e para isso irá desenvolver conceitos como criação, imaginação, reprodução, realidade, relacionando a criação com a educação artística e escolar. Para nós, nesta tese, o mais importante é uma análise dos capítulos iniciais do livro, onde Vygotsky discorre de forma mais filosófica sobre os temas, sem relacionálos com a prática escolar ou artística. Ao abordar a criação e a imaginação, o autor começa argumentando que, comumente, chamamos atividade criadora aquela em que se cria algo novo, entretanto,

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ele irá desenvolver melhor essa teoria, provando que nem sempre é assim. Para isso, o autor traz duas atividades criadoras principais: 1ª) Reconstituidora ou reprodutiva: reprodução literal do que vejo ou do que assimilei e elaborei antes. Ou seja, é uma criação que se dá com base em algo vivenciado, visto ou pensado anteriormente. Esta atividade está mais ligada à memória. Um ótimo exemplo deste tipo de atividade criadora, pode ser retirado da conversa com Caio, em que estamos vendo os desenhos que ele colocou em seu blog: Caio – O gato de duas cabeças, dragão; ah, esses aí são de dois filmes que eu misturei. Joana – Ah, você que inventou esse? Caio – É. Joana – Você não copiou de lugar nenhum, né? Tem uns desenhos que você copia e uns que você inventa? Caio – Ah, alguns eu desenho que eu conheço.

2ª) Combinatória ou criadora: esta atividade seria a de imaginarmos algo que não vivemos, ou seja, esta atividade está mais atrelada à imaginação, precisa da imaginação para existir. Quando imaginamos uma situação não vivenciada, nos colocando naquele lugar, conseguimos formar uma imagem na nossa mente. É quando podemos “esboçar um quadro do futuro ou do passado” (VYGOTSKY, 2009, p.13) mesmo sem ter vivido, sem ter sentido o que achamos que irá acontecer nesse quadro criado. A imaginação é peça fundamental para a criação e não pode ser vista apenas como o não real, como não tendo significado prático. Ao imaginar o homem consegue criar. “Na verdade, a imaginação, base de toda atividade criadora, manifesta-se, sem dúvida, em todos os campos da vida cultural, tornando também possível a criação artística, a científica e técnica.” (VYGOTSKY, 2009, p. 14). Vygotsky pretende ressaltar que todos podemos criar, que a criação não é para alguns gênios talentosos, mas que ela também está no cotidiano: a criação, na verdade, não existe apenas quando se criam grandes obras históricas, mas por toda parte em que o homem imagina, combina, modifica e cria algo novo, mesmo que esse novo se pareça a um grãozinho, se comparado às criações dos gênios” (VYGOTSKY, 2009, p. 16).

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Voltando à questão da reprodução, que é muito comum entre as produções infantis online, cabe destacar que ao reproduzir algo que já viu, a criança está criando algo novo por que os elementos da experiência anterior nunca se reproduzem. Acontece “[...] uma reelaboração criativa de impressões vivenciadas”, afinal “[...] o ímpeto da criança para criar é a imaginação em atividade” (VYGOTSKY, 2009, p.17). Portanto, ao criarem produções parecidas com as existentes, as crianças estão criando uma nova produção, afinal a reprodução existe como possibilidade de criação por que a combinação de elementos que já são conhecidos representa algo novo. “[...] É essa capacidade de fazer uma construção de elementos, de combinar o velho de novas maneiras, que constitui a base da criação” (VYGOTSKY, 2009, p.17). Entrando na discussão sobre imaginação e realidade, o autor apresenta formas de relacionar esses dois termos. Segundo ele, a imaginação sempre será construída com elementos retirados da realidade e da experiência anterior da pessoa. Se precisamos da experiência anterior e de elementos reais vividos, podemos concluir que quanto maior for a experiência social da criança, maior será sua capacidade criadora. Entretanto, também é possível imaginar o que não foi vivido ou visto, tendo por base o relato do outro. Segundo o autor, o “círculo completo da atividade criativa da imaginação” (p. 30) engloba elementos retirados da realidade que são elaborados e transformados em imaginação e retornam à realidade como nova força ativa que a modifica (a realidade é modificada por esse novo elemento). O sentimento e o pensamento movem a criação humana, não podemos criar sem desejo. Por isso, as crianças mudam o blog, abandonam, recomeçam, mudam o tema, a cada novo desejo de criar algo que pode ter vindo de novas experiências. Isadora com o canal do Youtube Experimentex, por exemplo, diz que a ideia surgiu após uma ida ao bairro da Liberdade (SP) onde conheceu doces japoneses. Os vídeos mostram Isadora ensinando a fazer os doces, que apesar de estarem prontos, ainda tem que passar por algum tipo de processamento, como colocar de molho na água. Joana – E aí, esse Experimentex é muito legal. De onde surgiu isso? Isadora – É, quando eu fui na Liberdade, não na primeira vez, porque eu já fui várias vezes. Mas, quando eu fui em São Paulo uma vez eu encontrei doces japoneses e eu queria retratar esse momento porque é muito diferente. Daí eu fiz e mandei o vídeo. 43

Vygotsky, falando sobre o mecanismo da imaginação criativa, aborda os fatores psicológicos que favorecem a criação: 1º) Necessidade de adaptação ao meio, com o surgimento de novos desafios; sem desejo de mudança não há criação. 2º) O desejo é importante, mas sozinho não quer dizer nada, a criação não acontece apenas por que desejamos. 3º) Dos interesses surgirão as imagens que serão as molas propulsoras do desejo para a efetiva criação. Ou seja, quando temos um desafio, um desejo de mudança, imaginamos a partir dos nossos interesses, como faremos essa criação. Entretanto, Vygotsky não deixa de mencionar o meio externo como fator que influencia a criação. “Qualquer inventor, mesmo um gênio, é sempre um fruto de seu tempo e de seu meio. Sua criação surge de necessidades que foram criadas antes dele e, igualmente, apoia-se em possibilidades que existem além dele”. (VYGOTSKY, 2009, p. 42). Portanto, o outro sempre está na nossa criação. Nós criamos em relação, para o outro. E o que as interfaces e softwares sociais ajudam a fazer é ampliar os meios de divulgação da criação feita. Estes usos destas plataformas como meio de divulgação de trabalhos, criações etc. é uma forma comum na nossa sociedade contemporânea. Quase todas as produções audiovisuais podem e vão circular nos meios digitais disponíveis. E essa circulação favorece o que Caio viveu ao achar seu próprio blog como resultado de pesquisa no google, conforme conta sua mãe.

Raquel - E aí o blog é do Google, é, um dia ele tava vendo imagens de dinossauro no ‘Google Images’ e ele achou um desenho dele, que por causa do blog entrou na busca. Nossa, ele ficou muito feliz, todo bobo.

2.4 Infância, Cibercultura e Autoria

Uma tese que se apresenta de extrema relevância para o diálogo é intitulada “Infância e cultura: o que narram as crianças na contemporaneidade?” defendida por Adriana Hoffmann Fernandes em 2009. A autora investigou a produção de narrativas da 44

infância contemporânea, dialogando com crianças de 7 a 11 anos, utilizando três escolas e um blog para lócus da pesquisa. Com enfoque na contação e criação de histórias pelas crianças, a autora destaca a criação e a preferência do uso de imagens ou de narrativas orais pelos sujeitos participantes de sua pesquisa. Apesar de ter como um dos enfoques a escola, Adriana Hoffmann Fernandes traz argumentações que colocam a criança em uma perspectiva histórica e cultural, compreendendo a infância em sua completude e não apenas no que se refere ao âmbito escolar. Por isso, essa tese se desvela de suma importância para o diálogo, pois possibilita saber como pensam as crianças contemporâneas entendendo-as como partes integrantes da sociedade e produtoras de cultura, já que precisamos compreender a infância contemporânea que está imersa na cultura existente e que é capaz de produzir cultura. Desta forma, mesmo sem abordar o assunto sobre a utilização da internet na escola, acreditamos que captar o que a infância contemporânea produz online ajude a escola a entender melhor as crianças que lá estão e que, mesmo sem poderem acessar a internet livremente, estão online, conectadas. Fernandes investigou “que narrativas constituem a infância contemporânea” (2009, pp.12-13), seu foco foi a produção de narrativas pelas crianças, como constroem e como se relacionam com a narrativa hoje. Partindo do pressuposto de que a criança está inserida em um mundo midiático, com maior ou menor intensidade dependendo de seu contexto socioeconômico, a autora quer compreender como a escola e os educadores podem se relacionar com as produções de narrativas pelas crianças sem se prenderem apenas aos “padrões formais da cultura letrada” (2009, p.15). Fernandes esclarece, em diálogo com Amaro e Moreira (2001), que “o significado mais inclusivo de ‘narrativa’ refere-se a qualquer apresentação escrita ou oral” (2009, p. 12), frisando que vai buscar as histórias (escritas, orais ou de outras formas) produzidas pelas crianças de diferentes formas (escrita, desenho etc.) compreendendo a produção de histórias como a produção de narrativas. Sendo assim, a autora quer entender como as crianças produziam narrativas na época do estudo realizado. Esse foco nos aproxima, até porque podemos compreender que as crianças continuam produzindo narrativas em diferentes meios e podemos compreender essas narrativas como formas de autorias. Afinal, o que é um vídeo de um Youtuber mirim além de uma narrativa, de uma forma autoral de se colocar na internet? Os posts dos blogs também são histórias e muitas vezes contam experiências vividas pelas crianças; 45

as fotografias do Instagram também podem ser consideradas formas de narrativa afinal também registram momentos importantes vividos pelas crianças. Sem esquecermos que a maioria das fotos vêm com legendas ou comentários que contam/descrevem/narram o momento vivido. Portanto, temos de concordar com Fernandes quando a autora traz a seguinte questão: “não seria provável supor que as crianças estejam recriando suas narrativas, tanto no conteúdo como na forma?” (2009, p. 15). Sim, e esta tese que apresento aqui comprova isso. A utilização dos blogs, redes sociais e Youtube, ajudam as crianças a criarem novas formas e conteúdos para suas narrativas. O diálogo com a tese de Fernandes continua e nos auxilia a ampliar a discussão sobre cultura, indo para além da cibercultura, nos auxiliando a aprofundar as discussões sobre a cultura de pares das crianças. A autora começa o diálogo com o autor Eric Hobsbaum e sua análise sobre a “revolução cultural” (grifo da autora), destacando que o texto do autor é de suma importância para pensarmos “como a criança se relaciona contemporaneamente com o conhecimento e com a cultura” (p.17). A autora destaca que a sociedade ocidental sofreu muitas mudanças, principalmente nas formas de vida familiar com a mudança da família nuclear, com o aumento de divórcios, de pessoas morando sozinhas, de mulheres que criam seus filhos sozinhas e de mulheres que são chefes de família. Tudo isso somado ao surgimento da cultura juvenil trouxe uma grande transformação na relação entre as gerações. Fernandes em dialogo com Santaella (2006), apresenta a cultura como algo mutável e que se desloca entre as eras: “cultura oral, escrita, impressa, massiva, das mídias e cibercultura convivem simultaneamente num processo cumulativo em que cada nova formação vai se integrando às formações anteriores e modificando-as, provocando reajustes e refuncionalizações” (p. 21). Ainda Fernandes, conclui que todas essas mudanças sociais e culturais vivenciadas por nossa sociedade, trazem uma nova forma de ser criança, com novas experiências infantis que acarretam transformações nas relações entre as gerações. Precisamos pensar que a relação cada vez maior das crianças com as produções da atualidade pode também modificar seus modos de produção cultural [... investigar como a criança se relaciona e produz suas narrativas hoje, acreditando que, diante das revoluções da cultura, também podem estar ocorrendo revoluções nas produções culturais da infância (2009, p.27). Como entendo a cultura não como algo pronto, acabado, mas pelo viés do cultural como produção coletiva dos homens, sempre em processo, no qual cada sujeito produz cultura na sua relação com os demais em sociedade,

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também entendo que a forma como a criança lida com o conhecimento é cultural, sendo essa criança uma produtora de cultura (2009, p.44).

Minha investigação mostra que as crianças estão buscando outros lugares para contar histórias, já que elas trazem formas de narrar que são diferentes das de antigamente, entretanto, também contam sobre experiências vividas por elas. A mídia é uma das fontes dessa mudança e as minhas crianças são um exemplo disso: elas narram nos vídeos, nas legendas e comentários das fotos, com as próprias fotos, gifs, montagens e nos blogs. A gravação de um vídeo no Youtube onde, por exemplo, Isadora mostra como fazer doces japoneses, não pode ser considerada uma forma de narrativa? De acordo com Fernandes, o narrar se modifica historicamente e cada nova forma de narrar traz consigo novos desafios de acordo com os recursos utilizados para o contar (p.181). As formas de narrativas das crianças com as quais conversei, caminham mais para o contar experiências vividas: elas tiram fotos dos lugares em que estiveram, gravam vídeos contando como foi uma viagem, retratam momentos vividos com amigos e familiares. “Dessa maneira, ao contarem algo, parece que nem sempre interessa trazer detalhes do que viveram nos lugares. Vale mais contar que foram a vários lugares do que contar a experiência vivida” (p.203). Os aplicativos de fotos, as redes sociais, foram criadas para isso mesmo: um modo de contar onde se esteve, mas sem trazer muitos detalhes. As legendas, quando existem, apresentam poucas informações. As crianças que utilizam as redes sociais, assim como a maioria da população em geral, parecem acreditar no ditado que diz que “uma imagem vale mais do que mil palavras”. No Instagram, por exemplo, as imagens são postas na timeline, são publicadas para todos os amigos. Mas, as crianças que não tem WhatsApp, utilizam o direct para conversar. As imagens vão para o público, mas as palavras para o privado. Elas separam as conversas pessoais das postagens públicas. A autora apresenta ainda, dois fatos muito interessantes: a obrigatoriedade da postagem no blog e o cumprimento do prazo para essa postagem pelas crianças. Ou seja: as crianças tinham o compromisso de enviar textos para os editores postarem no blog e elas cumpriam esse compromisso o que, no caso da pesquisa de Fernandes, possibilitou uma produção mais constante do que a realizada nas oficinas. A autora compreendeu que essa obrigatoriedade da escrita para o blog não era um problema para as crianças já que elas saberiam que seriam lidas e comentadas, legitimando a escrita de forma significativa. No blog, “escreve-se para ser lido” (p. 211).

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Com as crianças que participaram da minha pesquisa, pude perceber que a falta de interação dos leitores dos blogs (ou a falta de leitores), fez com que muitas delas abandonassem seus blogs. A autora também percebeu isso em sua pesquisa, já que as crianças que tinham blogs pessoais os desativaram por falta de leitores. “É talvez por essa falta do olhar do outro que as crianças blogueiras que tinham blogs pessoais, optaram por interrompê-los” (p.213). A escrita semanal, ao mesmo tempo em que trazia o compromisso, também trazia dificuldades: para buscar um tema, para ter tempo para escrever etc. As mesmas dificuldades que percebi em minha pesquisa, mas com a diferença de que a publicação no blog de um jornal era um compromisso muito importante para as crianças. Isso me levou a pensar que a participação das crianças no Bloguinho pelo período de 3 meses só ocorreu devido a essa obrigatoriedade da postagem semanal. No momento em que a escrita se torna opcional fica bem mais difícil manter uma constância na sua produção (p. 216). Qual a diferença, para as crianças, de publicar no blog de um jornal e em seus próprios blogs? Será que o fato de o blog ser famoso fez diferença? Afinal, se perceber sendo lido e comentado é realmente importante para as crianças. Se seus blogs pessoais fossem tão visitados elas teriam uma produção maior? Ou apenas a obrigação faz a produção aumentar?

2.5 Infância, Cibercultura e um encontro com Walter Benjamin

Benjamin e seus escritos publicados em a “Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre a literatura e história da cultura” (2012), em que ele propõe conceitos para a teoria da arte que poderão revolucionar a política artística num contexto fascista, enriquece as reflexões desta tese em vários momentos e por isso, é um dos autores apresentados agora e que poderão surgir ao longo do texto. Iniciando com sua escrita sobre Reprodutibilidade técnica, em que Benjamin, destaca que a xilogravura, na Idade Média, e a litografia, no século XIX, permitiram a reprodução da obra de arte. Porém, a litografia permitiu além da reprodução em massa, a produção diária de novas produções artísticas. “Dessa forma, as artes gráficas adquiriram os meios de ilustrar a vida 48

cotidiana” (2012, p.181). Benjamin, destaca que a litografia logo foi ultrapassada pela fotografia: Pela primeira vez no processo de reprodução da imagem, a mão foi liberada das responsabilidades artísticas mais importantes, que agora cabiam unicamente ao olho. Como o olho apreende mais depressa que a mão desenha, o processo de reprodução das imagens experimentou tal aceleração que começou a situar-se no mesmo nível que a fala (2012, p.181).

O autor acrescenta que a reprodução do som também fez muita diferença nos processos artísticos e acabou conquistando um lugar próprio na arte com a junção entre reprodução de imagem e som (cinema). No item denominado Autenticidade, Benjamin discorre sobre uma obra de arte original e sua possível reprodução. Quando reproduzimos uma obra de arte, por maior perfeição que exista nessa reprodução, há a ausência do “aqui e agora”. “O aqui e agora do original constitui o conteúdo da sua autenticidade”. Benjamin fala das artes mesmo, dos quadros, das esculturas etc. Apenas o original está incluído em um contexto. Benjamin continua afirmando que uma reprodução manual é considerada falsificação, mas que uma reprodução técnica como a fotografia, mantém a sua autonomia pois mostra coisas diferentes ao que é possível o olhar do homem perceber, possibilitando uma variedade de olhares que lhe conferem autenticidade. Outra característica da reprodução técnica é a possibilidade de transpor essa obra para lugares inimagináveis. Ele dá como exemplo o som que pode ter sido tocado em um show e que vai para dentro de nossas casas, havendo uma transposição da música. Ao manter a autonomia, ela enfrenta a autenticidade. Para Benjamin, essas características desvalorizam o aqui e agora, ou seja, afetam sua autenticidade. A autenticidade de uma coisa é a quintessência de tudo o que foi transmitido pela tradição, a partir de sua origem, desde sua duração material até o seu testemunho histórico. Como este depende da materialidade da obra, quando ela se esquiva do homem através da reprodução, também o testemunho se perde. Sem dúvida, só esse testemunho desaparece, mas o que desaparece com ele é a autoridade da coisa, seu peso tradicional (2012, p.182).

Segundo ele, ao ser reproduzida de forma técnica, a obra de arte perde sua aura, pois retira a tradição do objeto que foi reproduzido, já que ao mesmo tempo em que amplia a oferta, atingindo cada vez mais pessoas, a reprodutibilidade técnica destrói a 49

aura da arte, a sua autenticidade. Isso, a longo prazo, nos faz chegar no que estamos agora “a liquidação do valor tradicional de patrimônio da cultura” (BENJAMIN, 2012, p.183). Dessa forma, a cultura deixa de ser algo que habita nas ou que emana apenas das classes sociais mais ricas e passa a ser valorizada em todas as classes sociais e em todas as suas formas de expressão. Hoje em dia, a cultura é conhecida como algo que se depreende do contexto da vida que está no cotidiano. Não há os clássicos apenas, não há mais uma valoração da cultura, o que é excelente já que todas as classes sociais foram “autorizadas” a produzir cultura, ou seja, houve um reconhecimento da cultura de todas as classes, inclusive, da cultura produzida por crianças. Continuando a reflexão com Benjamin, cabe trazer uma relação feita durante a leitura do item “Destruição da aura”, em que o autor afirma que “no interior de grandes períodos históricos, a forma de percepção das coletividades humanas se transforma ao mesmo tempo que seu modo de existência” (BENJAMIN, 2012, p.183). Podemos trocar a expressão ‘coletividades humanas’ por ‘infância’: no interior de grandes períodos históricos, a forma de percepção da infância se transforma ao mesmo tempo que seu modo de existência. Ou seja, a mudança na forma de percepção da infância se modifica ao mesmo tempo em que a própria infância se modifica. Impossível falar em morte da infância ao ler esta frase. Impossível desprezar a cultura infantil atual, que envolve sim as tecnologias e a internet, em detrimento de um resgate da infância que vivemos. Aliás, dada a minha idade e minha história de vida, minha infância já foi permeada pela tecnologia e pela internet30. E Benjamin continua: “o modo pelo qual se organiza a percepção humana, o meio em que ela se dá, não é apenas condicionado naturalmente, mas também historicamente” (2012, p.183). Trocando os termos novamente, teremos: o modo pelo qual se organiza a infância, o meio em que ela se dá, não é apenas condicionado naturalmente, mas também historicamente. O que confirma que infância é conceito histórico, ou seja, que se modifica ao longo da história. Benjamin afirma que aura “é uma teia singular, composta de elementos espaciais e temporais: a aparição única de uma coisa distante, por mais perto que ela esteja” (2012, p.184). Ou seja, a aura, segundo Benjamin, seria aquele momento único em que experenciamos algo de forma plena. Ele dá como exemplo: “observar, em repouso, numa tarde de verão, uma cadeia de montanhas no horizonte, ou um galho, que projeta sua sombra sobre nós, significa respirar a aura dessas montanhas, desse galho”

30

Para maiores detalhes, ler FREIRE, 2012.

50

(BENJAMIN, 2012, p.184). Benjamin acredita que a aura está em declínio por duas razões: a necessidade de proximidade que as pessoas têm em relação aos objetos e a reprodução. Podemos compreender que a aura se perde no momento em que sentimos a necessidade de ter uma fotografia da montanha ao invés de nos concentrarmos em viver a aura daquele momento. A necessidade de ter, ao invés de vivenciar, a concepção de que apenas tendo algo seremos felizes, a necessidade de registrar em imagens a experiência vivida como se fosse uma premissa para termos efetivamente vivenciado aquele momento. Essas são características muito visíveis na nossa sociedade que vive as redes sociais. Benjamin traz os filmes para falar que a técnica da produção de um filme está diretamente relacionada a sua reprodutibilidade técnica. Além de ser mais fácil a sua reprodução, ela se torna obrigatória por que a produção é muito onerosa. “A difusão se torna obrigatória, porque a produção de um filme é tão cara que um consumidor, que poderia, por exemplo, pagar um quadro, não pode mais pagar um filme. O filme é uma criação da coletividade” (BENJAMIN, 2012, p.186). Por isso o Youtube é tão revolucionário: ele é a possibilidade de uma pessoa fazer um filme caseiro, de baixo ou nenhum custo, e exibi-lo para milhões de pessoas de forma barata também. Por “não” ter custos de produção, ele não precisa ser vendido para a massa. Outro tema desenvolvido por Benjamin e que muito nos interessa nesta tese foi chamado por ele de ‘Valor de eternidade’. “Os gregos foram obrigados, pelo estágio de sua técnica, a produzir valores eternos na arte” (BENJAMIN, 2012, p.189). Por não terem a possibilidades de reprodução em massa, apenas no molde e na cunhagem isso era possível, os gregos precisavam construir arte para a eternidade. Em nosso tempo, com toda a reprodução disponível, continuamos buscando dar valor de eternidade às nossas produções? As crianças, almejando maior visibilidade, mais curtidas, mais corações, não estão em busca dessa valoração? Podemos relacionar o valor de eternidade com a efemeridade das produções realizadas agora? Segundo Benjamin, não dá para pensarmos nisso, principalmente se pensarmos nos filmes, pois por serem montados quadro a quadro, atingem a perfeição. As partes são escolhidas para chegarmos a um todo perfeito. Já a escultura, obra de arte eternizada pelos gregos, é feita a partir de um grande bloco que vai sendo entalhado, formando obras de arte imperfeitas. “Para os gregos, [...] a mais alta das artes era a menos perfectível, a escultura” (BENJAMIN, 2012, p.190). Entretanto, Benjamin viveu em um século que não contava com nem um centésimo da tecnologia que contamos. Fazer um filme, por 51

exemplo, pode ser tarefa das mais simples, tanto que existem os filmes chamados caseiros que não exigem superproduções. Portanto, acredito que mudamos o nosso valor de eternidade: uma arte não precisa ser a mais perfeita para atingir um valor de eternidade, basta que seja a mais curtida, compartilhada, comentada. Assim, entramos em mais um conceito trabalhado por Benjamin em toda essa discussão: o intérprete cinematográfico. Nele, o autor, afirma que após ver-se refletido no espelho, o homem pode ver sua imagem refletida para milhares, para a massa. E o interprete sabe disso, tem consciência de que sua imagem será projetada para a massa, o ator sabe que é a massa quem vai controlá-lo já que essa massa possui muita autoridade. Conforme vemos com os Youtubers: a massa diz quem vai continuar filmando, pois ao não ter likes e curtidas o Youtuber pode vir a desistir do canal. Cada vídeo também é medido por likes e visualizações. A quantidade de likes diz para onde o Youtuber deve seguir. Ou seja, o intérprete daquele vídeo, pode chegar a atingir o valor de eternidade. Ainda de acordo com o autor, o cinema, a serviço do capital, estimula o culto ao estrelato. Acredito que a Youtuber Julia Silva seja um grande exemplo disso: seu canal é muito conhecido e ela possui vários vídeos em que mostra os produtos que “ganhou” direto de fornecedores. Benjamin também traz uma citação, sem dizer uma fonte específica, que nos ajuda muito a observar os Youtubers e seu sucesso: “Desde muito, os observadores especializados reconheceram que quase sempre os maiores efeitos são alcançados quando os atores representam o menos possível” (BENJAMIN, 2012, p.196). Não são os Youtubers atores que representam vídeos de si mesmos? Não importa mais a bela aparência: ser real também é muito importante. “O ator cinematográfico típico só representa a si mesmo” (BENJAMIN, 2012, p.197). Os Youtubers também são assim: em sua maioria, eles só representam a si mesmos. Outra relação importante feita por Benjamin falando do ator de cinema e que se encaixa perfeitamente no estudo dos Youtubers: “O astro do cinema impressiona seu público sobretudo porque parece abrir a todos, a partir do seu exemplo, a possibilidade de “fazer cinema”. A ideia de se fazer reproduzir pela câmara exerce uma enorme atração sobre o homem moderno” (BENJAMIN, 2012, p.197). O Youtube permitiu de forma muito fácil, essa possibilidade de fazer cinema. Qualquer pessoa com uma câmera na mão pode fazer um vídeo e publicar no Youtube. O próprio significado de Youtube é um exemplo do quanto essa enorme atração entre o homem e a câmara é real.

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No item ‘Exposição perante a massa’ Benjamin afirma que o cinema transforma o modo de os atores e também os políticos se mostrarem. A internet e o Youtube também tem essa característica: o objetivo de um Youtuber é ser visto, de um blogueiro é ser lido. Quanto mais se mostrar, mais facilmente se vende e mais se ganha. Mostrarse para vender-se e ter sucesso. Já o desenvolvimento do conceito chamado de ‘Exigência de ser filmado’ Benjamin discorre sobre a possibilidade de qualquer um ser filmado. Para isso, ele traz a questão da leitura e da escrita, contando que com a grande ampliação da imprensa “um número crescente de leitores começou a escrever, a princípio esporadicamente” (BENJAMIN, 2012, p.199). O autor, como sempre visionário, continua afirmando que “com isso a diferença essencial entre autor e público está a ponto de desaparecer. Ela se transforma numa diferença funcional e contingente. A cada instante, o leitor está pronto a converter-se num escritor” (BENJAMIN, 2012, p.199). Exatamente como vivemos intensamente com a web 2.0. Ele também conta que o cinema russo já contava com pessoas que se autorrepresentavam, principalmente no processo de trabalho, ou seja, falando algo que elas dominavam. Os Youtubers fazem exatamente isso: existem muitos canais de especialistas que falam sobre seus processos de trabalho. Sendo assim, temos canais de culinária, comida, aulas, maternidade, tutoriais diversos etc. Benjamin conta que o cinema europeu excluía essas produções em função do capital. Com o Youtube, as produções são as mais diversas, pois não dependem exclusivamente do capital. Existem formas de se alavancar um vídeo, pagando para que ele apareça nos primeiros resultados de uma busca, mas também é possível publicar um vídeo sem pagar nada por isso. Tudo depende do objetivo de quem publica o mesmo. Finalizando os conceitos apresentados por Benjamin, trazemos ‘O autor como produtor’ em que Benjamin, em uma conferência pronunciada no Instituto para o estudo do Facismo em Paris, em 1934, se propõe a analisar a autonomia do autor. Ele traz conceitos como politicamente correto e qualidade literária para abordar a luta de classes e as formas de resistência dentro das relações de produção literária. Para o nosso debate nessa tese, cabe nos atermos à seguinte afirmação feita por Benjamin: para estudarmos a relação do autor como produtor, é necessário recorrermos à imprensa. Ele traz o jornal soviético como exemplo de um veículo que possibilita ao leitor que se torne autor, diminuindo a distinção entre esses dois termos. O jornal, em suas seções de cartas dos leitores, possibilita que estes se tornem autores. Esse também foi um movimento feito

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pelos veículos de comunicação na web: ao ler uma matéria e poder comentar, você está se tornando autor daquela matéria também. “E esse aparelho é tanto melhor quanto mais conduz consumidores à esfera da produção, ou seja, quanto maior for sua capacidade de transformar em colaboradores os leitores ou expectadores” (BENJAMIN, 2012, p.141-142). Os colaboradores, leitores ou expectadores, estão produzindo a favor do sistema sem perceber? Sim, todo esse modo de produção atual, está mais orientado para manter o sistema capitalista: tudo gera em torno do consumo. A maioria dos blogs que começam a fazer sucesso entre crianças e adolescentes está, via de regra, ligado ao consumo, seja de jogos, moda ou viagens. Benjamin alega que é bom que o consumidor alce à esfera de produtor, mas ressalta que nem sempre isso é feito de forma reflexiva e a mudar a ordem estabelecida. “Talvez tenha chamado vossa atenção o fato de que as observações que estou a ponto de concluir imponham ao escritor apenas uma única exigência, que é a reflexão: refletir sobre sua posição no processo produtivo” (BENJAMIN, 2012, p.144). É claro que não podemos exigir isso das crianças, mas também, não podemos deixar de pensar que elas acabam chegando a muitas reflexões: o post da Isadora (página 144) sobre a importância da beleza interior é um exemplo. A fala da Manuela sobre as fotos mais sensuais tiradas por meninas do 9º ano da sua escola também (página 96). Ou seja, não podemos acreditar que as crianças estão produzindo na internet sem pensar sobre suas produções.

2.6 Infância, Cibercultura e a WEB 2.0

Mas, o que entendemos por cibercultura? Com o auxílio de Santos (2011, p. 77), temos a seguinte descrição: “A cibercultura é a cultura contemporânea estruturada pelo uso das tecnologias digitais em rede nas esferas do ciberespaço e das cidades”. Ou seja, a definição da autora atualiza a dos primeiros estudos que definiam cibercultura como a cultura do ciberespaço, sendo este, um espaço informacional que se constitui e é constituído pelas tecnologias digitais em rede que é para nosso tempo um dos mais importantes artefatos técnico-culturais, pois ampliam e potencializam a nossa capacidade de memória, armazenamento, processamento de informações e conhecimentos, e, sobretudo, de comunicação (p. 77).

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Cabe destacar que essa comunicação é “caracterizada pela liberação do polo da emissão, pela reconfiguração das mídias e pela conectividade generalizada” (p.77). Ainda em diálogo com Edméa Santos, aprendemos por que não devemos mais definir a cibercultura apenas como a cultura da internet, já que com o avanço tecnológico, mais especificamente por conta da mobilidade dos dispositivos e da internet, das mídias locativas, das tecnologias via satélite, que conectam o ciberespaço com as cidades e estas com o ciberespaço, não podemos mais entender a cibercultura apenas como a cultura da internet. Por outro lado, é preciso reconhecer os avanços da internet e como essa rede mundial de computadores vem interagindo com diversos espaçostempos cotidianos (p. 83).

Outro destaque importante trazido por Santos é a afirmação de que a nossa sociedade vive um momento de expansão das tecnologias digitais que permite que transformemos as formas de produção e socialização dos saberes. Elas nos possibilitam produzir, acessar, transmitir informações sem, necessariamente, precisar de um suporte físico fixo facilitando assim os processos de transmissão, circulação, armazenamento e também de significação das informações, conhecimentos e saberes. Em síntese, esse processo de digitalização se caracteriza tecnicamente pela convergência da computação (informática e suas aplicações), da comunicação (transmissão e recepção de dados) e dos conteúdos (textos, sons, imagens, gráficos). (SANTOS, 2002). Desta digitalização e do crescimento do acesso à Internet, possibilitado pela transição do Computador utilizado nas grandes empresas, passando pelo Computador Pessoal (PC) e chegando ao Computador Conectado (CC) a partir da década de 90 evidenciam-se as novas formas de comunicação e de estruturação das atividades humanas. “A influência das tecnologias digitais em rede vem afetando os cotidianos em suas mais plurais dimensões”, ou seja, o tempo é real e o espaço é o não espaço, dificilmente estamos isolados. As tecnologias digitais surgiram, então, como a infraestrutura do ciberespaço, novo espaço de comunicação, de sociabilidade, de organização e de transação, mas também novo mercado da informação e do conhecimento (LÉVY, 1999, p. 32).

Do livro de ficção científica de William Gibson (Neuromante, 1984), surge o termo ciberespaço, sendo prontamente utilizado pelos usuários e criadores de redes digitais. Segundo Lévy, ciberespaço é “o espaço de comunicação aberto pela interconexão mundial de computadores e das memórias dos computadores” (1999, p. 92). Esse conceito, entretanto, como a própria realidade cultural em que estamos 55

inseridos, tende a se alterar constantemente. De acordo com Lemos, é com o surgimento do ciberespaço que a possiblidade da circulação livre da mensagem acontece, já que não há mais apenas um centro de edição dessa mensagem e ela pode ser distribuída de “forma transversal e vertical, aleatória e associativa” (LEMOS, 2010, pp. 79-80). Esta comunicação possibilitada pelo ciberespaço pode acontecer das seguintes formas: “umum, um-todos e todos-todos em troca simultânea (comunicação síncrona) ou não (comunicação assíncrona)” (SANTOS, 2002, p. 115, grifo meu). É o desejo de conexão da sociedade que permite a popularização do ciberespaço na cultura contemporânea, possibilitando a existência da chamada cibercultura. Segundo Lemos (2003), definir cibercultura é um problema, já que o termo está recheado de sentidos mas podemos compreender a cibercultura como a forma sociocultural que emerge da relação simbiótica entre a sociedade, a cultura e as novas tecnologias de base microeletrônica que surgiram com a convergência das telecomunicações com a informática na década de 70 (p.11).

Entretanto, o próprio autor nos apresenta a seguinte definição de cibercultura como o “produto da digitalização dos media, do advento de um fluxo de mensagens planetário, multimodal e bidirecional, em que o receptor torna-se também, um emissor potencial” (LEMOS, 2010, p. 259). Desta forma, o poder de emissão do usuário está cada vez mais presente na internet, principalmente por conta da transformação do conceito que rege a web, que a princípio cabia na definição de Lévy em 1999, onde o autor explica que ela “é uma função da Internet que junta, em um único e imenso hipertexto31 ou hiperdocumento (compreendendo imagens e sons), todos os documentos e hipertextos que a alimentam” (LÉVY, 1999, p. 27). E que em 2005 ganha uma nova definição cunhada por Tim O’ Reilly em que ele coloca a expressão Web 2.0 em destaque com a publicação do artigo “O que é Web 2.0?”. Em seu texto O’ Reilly traz um mapa com algumas das principais características que o novo conceito de Web apresenta. Algumas delas são: Confie nos seus usuários; O Beta perpétuo; Software melhor quanto mais as pessoas o utilizam; Experiência rica do usuário; “Hackeabilidade”;

O

direito

de

Remixar:

“Alguns

direitos

reservados”;

Comportamento do usuário não predeterminado; Descentralização Radical. Ainda 31

Hipertexto é um texto em formato digital, reconfigurável e fluido. Ele é composto por blocos elementares ligados por links que podem ser explorados em tempo real na tela. A noção de hiperdocumento generaliza, para todas as categorias de signos (imagens, animações, sons etc.), o princípio da mensagem em rede móvel que caracteriza o hipertexto.

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conforme O’Reilly (2006), a Web 2.0 deve “facilitar o autosserviço do consumidor” (p. 7); ser quase que uma transposição do PC (computador pessoal) on-line, permitindo que o usuário gerencie arquivos pessoais e conteúdos na Web e possuir sistemas que são projetados para serem hackeados ou remixados, ou seja, sistemas que permitem a alteração pelos usuários. Uma expressão que caracteriza a Web 2.0 é “alguns direitos reservados”, utilizada pelo Creative Commons para opor-se ao sempre utilizado “todos os direitos reservados”. Estas características ressaltam o destaque que o usuário adquire com a Web 2.0 já que para além de buscar informações, ele poderá contribuir com informações. Santos (2010), explica as diferenças entre a Web em sua primeira fase, conhecida como Web 1.0 e em sua segunda fase, a Web 2.0. A autora nos mostra que em sua primeira fase a Internet não era um lugar de fácil acesso para a produção e compartilhamento de informações, sendo necessário para isso, conhecer linguagens como HTML32. Já com a Web 2.0, começaram a aparecer sites que possibilitam essa inserção dos conteúdos sem a necessidade do conhecimento de linguagens específicas, pois têm o acesso aberto, com conteúdos dinâmicos criados pelos usuários, oferecem conteúdo livre para cópia e utilizam tecnologias já existentes. A Web 2.0 pode ser exemplificada se pensarmos em sites colaborativos onde o usuário participa do conteúdo, tais como: Facebook, Orkut, blogs, sites de notícias que possibilitem ao leitor colocar seus comentários, Wikipedia etc. A autora afirma que com a Web 2.0 “passamos a ter conteúdos criados, publicados e editados pelos próprios praticantes da rede” (2011, p. 84). A importância desse conceito está na possibilidade de ampliação do polo de emissão: não há mais apenas um emissor, agora todos podem participar e colocar conteúdo na internet. Seguimos com Santos: Atualmente, a cibercultura vem se caracterizando pela emergência da Web 2.0 com seus softwares e redes sociais mediadas pelas interfaces digitais em rede, pela mobilidade e convergência de mídias, dos computadores e dispositivos portáteis e da telefonia móvel. (SANTOS, 2011, online).

A partir dessa descrição da web 2.0, podemos perceber que o usuário ganha uma nova forma de navegar na internet: além de buscar informações, ele pode se tornar propagador de informações. A liberação do polo de emissão de conteúdos é um dos 32

Abreviação para a expressão inglesa HyperText Markup Language, que significa Linguagem de Marcação de Hipertexto.

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pilares desta tese, pois é esta liberação que possibilita às crianças (e aos adultos também) a autoria na internet. Ou seja, ele pode interagir, comunicar-se, expressar-se, criar conteúdos e divulga-los. Essa possibilidade de interação pelo usuário é um tema bastante discutido nos estudos que envolvem a cibercultura. Esta interatividade foi possibilitada pela evolução das interfaces e dos media digitais, pois é nessas interfaces que a interatividade por acontecer. (LEMOS, 2010, online [2010]). Santos nos lembra que a liberação do polo de emissão não foi sempre uma realidade: Só as agências de notícias e grandes indústrias culturais gozavam da possibilidade de emitir e difundir informações e conhecimentos. Com a expansão das mídias digitais em rede (ciberespaço) e das mídias móveis, temos a possibilidade não só de produzir como também de fazer circular informações para além do desktop (Santos, 2011, p. 91)

Ainda de acordo com Lemos, contando sobre a evolução das interfaces e o consequente aumento das possibilidades de interação, em 1963 “houve o impulso para uma interatividade gráfica onde o usuário podia desenhar no monitor, através de uma caneta (pen light)” (LEMOS, on-line[2012]). O desenvolvimento da realidade virtual, transformando o computador “numa ferramenta universal de manipulação cognitiva graças à interatividade e à simulação” (LEMOS, on-line[2012]) também favoreceu o desenvolvimento da interatividade. Situa o surgimento do teclado e do monitor, na era dos microcomputadores nos anos 60, como possibilitadores de “uma interação mais dinâmica com os computadores e uma visualização mais confortável das informações” (LEMOS, on-line[2012]). A partir do surgimento da microinformática, a massificação dos computadores cresce vertiginosamente: os jogos eletrônicos e a manipulação virtual dos ícones e janelas da tela através do mouse permite que a interface gráfica ganhe uma agilidade e facilidade no manuseio. Sendo assim, “a simulação dos objetos e tarefas é fundamental” (LEMOS, on-line[2012]) nesta fase evolutiva do computador e da interatividade. Com essa história da evolução do computador trazida por Lemos (2010, online [2012]), percebemos que a interatividade possibilitada hoje nem sempre existiu. A fim de continuar a consideração sobre a interatividade, recorro à Silva (2010b, 2004, 2010) que afirma que a interatividade é um mais comunicacional, permite coautoria, cocriação do usuário em relação ao produto, além de permitir a modificação dos conteúdos. O termo significa a comunicação que se faz entre emissão e recepção entendida como cocriação da mensagem. [...] A mensagem só toma 58

todo o seu significado sob a intervenção do receptor que se torna, de certa maneira, criador (SILVA, 2004, pp. 4-5).

Ainda de acordo com Silva, a interatividade é a “possibilidade libertadora da autoria do usuário sobre sua ação de conhecer” (2010b, p. 45). Este autor destaca três características que fundamentam a interatividade, a partir dos seguintes binômios: a) bidirecionalidade-hibridação que é a comunicação feita a partir do consenso de que não se pode mais separar o emissor e o receptor. Baseia-se na troca entre estes polos, onde cada um assume o papel do outro, não havendo mais distinções, ou seja, considerando que há emissor e receptor e agindo de forma a possibilitar uma comunicação onde “todo emissor é potencialmente um receptor e todo receptor é potencialmente um emissor” (p. 8); b) participação-intervenção permite que o usuário participe do processo de produção; e c) potencialidade-permutabilidade é a liberdade de navegação sem pontos fixos de saída ou chegada, ou seja, a possibilidade do usuário em decidir o que acontece no monitor, não precisando seguir uma sequência, podendo de forma aleatória, clicar em qualquer ponto, não havendo pontos intermediários. Segundo ele, um dos marcos dessa interatividade é a “liberdade diante das informações armazenadas” (2004, p. 9). Com potencialidade ele quer dizer que há potencial por causa da enorme quantidade de informações instantâneas e com permutabilidade ele traz a liberdade que temos ao combiná-las. Diante desse equipamento é o usuário quem decide o que vai acontecer no monitor. Ele tem diante de si uma tecnologia capaz de produzir uma narrativa também potencial e permutativa, uma tecnologia capaz de produzir narrativas possíveis. Dependendo do que ele fizer acontecer, novos eventos ou combinações podem ser desencadeados. Então ele mesmo não sabe o que vai acontecer. Depende da conexão que fizer a cada momento. Depende do acaso. (SILVA, 2004, p. 9).

Silva afirma que a imagem digital requer uma nova dimensão comunicacional “aquilo que define o digital como peculiar disposição comunicacional é precisamente a condição de hipertexto essencialmente interativo” (2010b, p. 83). Sendo assim, defende que para além de compreendermos a interatividade temos que entender que é necessário haver uma nova forma de comunicação, aquela que permite a participação-intervenção do interlocutor e não entender a comunicação como aquela que transmite. Para exemplificar, Silva (2004, p. 85) apresenta a comunicação em duas modalidades: a unidirecional e a interativa. Na comunicação unidirecional, a mensagem é “fechada, imutável, linear, sequencial”; o emissor é um “contador de histórias narrador que atrai o receptor (de maneira mais ou menos sedutora e/ou por imposição) para o seu universo 59

mental, seu imaginário, sua récita”; o receptor é um “assimilador passivo”. Na comunicação interativa, a mensagem é “modificável, em mutação, na medida em que responde às solicitações daquele que a manipula”; o emissor é um “ ‘designer de software’, constrói uma rede (não uma rota) e define um conjunto de territórios a explorar; ele não oferece uma história a ouvir, mas um conjunto de territórios a explorar; ele não oferece uma história a ouvir, mas um conjunto intricado (labirinto) de territórios abertos a navegações e dispostos a interferências, a modificações” e o receptor é o “ ‘usuário’, manipula a mensagem como coautor, cocriador, verdadeiro conceptor”. A interatividade faz parte dos fundamentos da cibercultura, a saber: interatividade, hipertexto, simulação, convergência, mobilidade e ubiquidade. Edmea nos lembra, que esses termos existem antes do surgimento das tecnologias digitais, mas que é com elas que eles ganham destaque. A interatividade existe quando há comunicação, pois esse é um conceito da área comunicacional que existe com ou sem mediação digital, conforme vimos na explicação acima apresentada por um comunicador (Marco Silva). O que as interfaces possibilitam é a interatividade entre sujeitos da comunicação que estão geograficamente dispersos. Os produtos culturais que emergem da autoria e da comunicação interativa são em potência hipertextos, isto é, textos que se conectam a outros textos através da polifonia dos sentidos e significados que são criados nos contextos online e off line. (Santos, 2011, p.88).

Ainda Edméa nos diz que o hipertexto é um produto cultural fruto da autoria e da comunicação interativa. O hipertexto é fundamental para a autoria e interatividade já que, segundo Santos e Silva (2009, p. 127) A disponibilidade do diálogo com vários autores/leitores permite acesso e negociação de sentidos, ressignificando a noção de autoria. [... O fim no hipertexto é sempre um novo começo caleidoscópico, no qual podemos, simultaneamente, ler vários textos (janelas mixadas), cortar, colar e criar intertextos.

Ou seja, é o hipertexto quem possibilita que o indivíduo se relacione de outra forma com a informação, indo para além do consumo, da passividade, e assumindo o lugar de “sujeito operativo, participativo e criativo” (Silva e Santos, 2009, p.130). Edméa Santos (2011, p. 89), define autoria na cibercultura como uma 60

obra aberta, plástica, móvel e em constante virtualização, ou seja, simulação. Simular é virtualizar, questionar, inventar, criar e testar hipóteses. Com a possibilidade da interatividade e do hipertexto, o sujeito pode simular coletivamente, em colaboração com os demais sujeitos geograficamente dispersos no ciberespaço e nas cidades. (2011, p.89).

Ao possibilitar a interatividade para o usuário, o ciberespaço proporcionou o surgimento de um outro tipo de leitor, o chamado “leitor imersivo”. Este conceito, cunhado por Santaella (2004), é de fundamental importância para os estudos da cibercultura e faz-se necessário dar-nos a conhece-lo um pouco mais. Entretanto, primeiro precisamos entender que a palavra leitor utilizada pela autora, transcende ao seu uso habitual: para além de um leitor de “letras”, de palavras, devemos pensar em um leitor de imagens, do cinema e da TV, ou seja, um leitor para além daquele que lê livros: [...] “visto que as habilidades perceptivas e cognitivas que eles desenvolvem nos ajudam a compreender o perfil do leitor que navega pelas infovias do ciberespaço, povoadas de imagens, sinais, mapas, rotas, luzes, pistas, palavras, textos e sons” (SANTAELLA, 2004, pp. 16-17). A autora justifica essa nova forma de entendimento do que seja um leitor, trazendo as modificações que a leitura vem sofrendo há décadas para além do ciberespaço.

O

ciberespaço

proporciona

mais

uma

forma

de

leitura

e,

consequentemente, outros tipos de leitores. Essa modificação é ainda mais clara se pensarmos no próprio livro infantil que, muitas vezes, conta com imagens, facas (imagens que saltam do livro), sons, texturas etc. Ou seja, não foi o ciberespaço que modificou a leitura que, neste momento, se apresenta de diversas formas em diversas plataformas. Pretendendo compreender melhor esse processo de mudança nas formas de leitura, a autora classifica o leitor em três tipos (SANTAELLA, 2004, p.19): 

Contemplativo: é o leitor da era do livro impresso e da imagem expositiva e fixa.



Movente: é o leitor do mundo em movimento, mundo que não para, dinâmico, complexo, heterogêneo.



Imersivo: é o leitor que aparece no mundo imaterial, virtual.

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Sendo o tema dessa tese de doutorado relacionado à cibercultura, não há a necessidade de aprofundarmos os três tipos de leitor descritos por Santaella (2004), entretanto, cabe uma contemplação mais detalhada acerca do leitor imersivo que surge com o ciberespaço. O leitor imersivo é aquele que aparece com a digitalização da informação e que vai conectar-se entre os nós e os nexos ao navegar pela tela, num roteiro multilinear. Dentre as especificidades do leitor imersivo estão a interatividade e as transformações sensórias, um agir física e mentalmente: “não há mais tempo para contemplação” (SANTAELLA, 2004, p. 181). O leitor imersivo é aquele que navega com todos os seus sentidos, não utiliza apenas a leitura das palavras escritas, mas também as imagens, as tentativas e erros. Desta definição de leitor imersivo, Santaella (2004), apresenta os estilos de navegação que o acompanham: o errante, o detetive e o previdente. Ela descreve cada modo de navegar da seguinte maneira: O errante é aquele que navega utilizando o ponteiro magnético do seu instinto para advinhar. (...) Enfrenta a sua tarefa como quem brinca, explorando aleatoriamente o campo de possiblidades aberto pela trama hipermediática com o desprendimento que é típico daqueles que não temem o risco de errar (...) não traz consigo o suporte da memória, pois navega como quem percorre territórios ainda desconhecidos e, por isso mesmo, surpreendentes. O detetive é aquele munido de uma memória operativa aguçada movimentase no campo. (...) Suas estratégias de busca são acionadas mediante avanços, erros e autocorreções. Seu percurso caracteriza-se, portanto, como um processo auto organizativo próprio daquele que aprende com a experiência. O previdente (...) é aquele que, tendo já passado pelo processo de aprendizagem, adquiriu tal familiaridade com os processo informacionais (...) que é capaz de antecipar as consequências de cada uma de suas escolhas. (SANTAELLA, 2004, pp. 178-179)

Entretanto, Santaella (2004) alerta que, em sua pesquisa, ela constatou que mesmo os internautas mais experientes podem apresentar um estilo errante de navegação. Portanto, agora que já destacamos o que consideramos importante no conceito de infância contemporânea e de cibercultura, cabe argumentar com Pereira (2013) sobre a relação entre a infância e a cibercultura. Compreender que as crianças ocupam uma posição de horizontalidade em relação aos adultos quando falamos de produções online é fundamental para seguirmos em frente. Como se dá essa horizontalidade? A possibilidade de produzir e de divulgar conteúdo facilitada/viabilizada pela internet é real e efetiva: o domínio das ferramentas que possibilitam essa inserção de conteúdos é muito mais disponível do que se pensarmos em um programa de televisão ou de rádio, por exemplo. Ou em um jornal ou livro. As ferramentas disponíveis na internet, 62

possibilitam que, com uma câmera, celular, tablet, com uma ideia, sabendo escrever ou desenhar, a criança possa produzir conteúdos online. Assim, como veremos a frente, as crianças interlocutoras da pesquisa produzem vídeos para o canal do Youtube, vídeos em que aparecem falando sobre determinado assunto, cantando ou jogando e explicando como vencer determinada fase do jogo, postam fotos ou vídeos curtos em redes sociais, constroem blogs com seus desenhos ou com temas que sejam de seu interesse onde escrevem textos sobre determinado assunto, selecionam imagens para ilustrar esses textos. Desta forma, a parte técnica, possibilitada com a Web 2.0, facilita a produção e veiculação dessas produções. Afinal, sabemos que as crianças há muito tempo desenham, jogam ou escrevem livros e histórias, mas agora, elas podem dar visibilidade a essas produções de uma forma mais abrangente. O que está em jogo, sim, parece ser o exercício de se fazer uma avaliação das possibilidades de produção horizontalizada de conhecimento, onde adultos e crianças possam, em semelhantes condições de autoria, compartilhar e disputar sentidos à experiência social. Isto implica a construção de uma ética que reconheça a criança não como um vir-a-ser a quem se olha tomando distância, mas como um ser que é em plenitude e desse lugar que ocupa age e interpreta o mundo social em que está inserido. Uma ética que reconheça a legitimidade da narrativa infantil, assim como da produção de uma narrativa que não se dá a posteriori, mas que se produz “enquanto” vivemos. (PEREIRA, 2014, p. 152).

Com o objetivo de ponderar sobre “o lugar social que as crianças ocupam na cibercultura” (PEREIRA, 2014, p. 140) e compreendendo que “a cibercultura recoloca em pauta a indagação ‘o que é a infância?’”, continuamos o diálogo com Pereira (2014) em seu artigo em que ela escreve um texto filosófico que nos ajude a pensar na interlocução entre infância e cibercultura, considerando infância como “experiência que é própria das crianças e que constitui os adultos em forma de memória” (2014, p. 131). Pereira segue destacando que pensar a infância de forma articulada, evidencia uma dificuldade ou dúvida racional decorrente da impossibilidade objetiva de obtermos resposta ao refletirmos sobre a experiência da infância contemporânea. Pois, pensar algo contemporâneo sempre é um desafio ainda maior quando a partir da cibercultura percebemos que a criança ocupa um lugar de autoria “numa perspectiva de construção coletiva da cultura” (PEREIRA, 2014, p. 133), ou seja, a criança, com a web 2.0 passa a produzir de forma colaborativa a comunicação, saindo do lugar de quem apenas acessa as informações disponíveis. Nunca é demais repetir que esse novo papel possibilitado pela web 2.0 é também utilizado pelos adultos, já que é uma possibilidade disponível a qualquer usuário da internet. 63

A partir dessa possibilidade de autoria pelos usuários, crianças e adultos, Pereira indaga: “qual é o lugar que a criança efetivamente ocupa nessa suposta coletivização da produção e da circulação da cultura contemporânea?” (PEREIRA, 2014, p. 134). Questão muito importante para esta tese que pretende apresentar crianças que produzem e fazem circular cultura, principalmente entre outras crianças. As Youtubers mirins são um ótimo exemplo dessa circulação da cultura de pares. Em 2015, conversando com Luana, 10 anos, filha de amigos, foi possível descobrir vários Youtubers mirins, aliás foi possível descobrir que existe essa classificação dentro dos canais do Youtube. Os canais que Luana indicou foram: Bel para meninas 33; Manuela Antelo34; Julia Silva35; Duda Monster High36. Durante a navegação nos perfis indicados por Luana, foi possível ter contato com alguns outros. São eles: 234janine37; Carol Caelo38; Canal da Lulu39; Fã Clube JuliaSilva40 (feito por uma fã, conforme descrito em sobre: “Oi gente,meu nome eh Suelen Alves,e sou uma grande fã da Julia por iso fiz este Fã Clube. Inscrevam-se”. Já conta com 8.164 inscritos); Carol Santina41 e Giovanna e Thais42 Algumas destas crianças tem blog e perfis no Instagram e no Facebook. Uma das youtubers mirins, a Júlia Silva, está em propagandas do canal infantil Discovery Kids e em outros lugares da mídia. Ou seja, essas crianças estão se fazendo conhecer e colocando em circulação suas produções. Portanto, esta tese se propõe a ampliar a percepção que temos da criança em sua relação com a cibercultura, fugindo da falta de diálogo entre os campos de estudo da infância e da cibercultura, conforme destaca Pereira. O que se percebe é que, a despeito de toda produção acadêmica que se acumula nos diferentes campos disciplinares dedicados aos estudos da infância e da cibercultura, quando trazidos de maneira relacional, esses campos de estudo pouco dialogam: a criança que, em tese, é o sujeito ativo que ressignifica e recria a cultura em que está inserida, parece não ocupar o mesmo lugar social do sujeito colaborativo ou interator que experimenta na cibercultura novos modos de autoria, subjetivação e de sociabilidade (PEREIRA, 2014, p. 134).

Após fazer um levantamento amplo sobre infância e cibercultura, Pereira (2014) conclui que existem duas tendências discursivas que estão presentes de forma mais 33

https://www.youtube.com/channel/UCIyBJyajKYaG-iPc78M2geg https://www.youtube.com/user/veveantelo/about 35 https://www.youtube.com/user/paulaloma29 36 https://www.youtube.com/channel/UCl7IyrcHJvI13IqpzH-cMHg 37 https://www.youtube.com/channel/UCz4DvqOhYI-kK7ddFuXHMyQ 38 https://www.youtube.com/channel/UCUB7MsIrQ9ddXY3AHLXo22g 39 https://www.youtube.com/channel/UCgdDy-fpitMcI39TEfxDl0g 40 https://www.youtube.com/channel/UCgVBnS4SEw92qXSWdONb1kA 41 https://www.youtube.com/user/carolsantinaoficial 42 https://www.youtube.com/channel/UCjhfn2uak0lGlkM2oY72Dag 34

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enfática no que se refere aos estudos sobre o assunto. A primeira se refere a um lugar de “expertise” da criança em relação ao uso dos aparatos. Entretanto, importante ressaltar que “a experiência infantil de comunicação no contexto da cibercultura parece permanecer um terreno intocável” (PEREIRA, 2014, p. 140). A segunda tem a ver com os riscos e em como preparar as crianças para enfrentarem esses riscos. Pereira destaca que a temática da segurança ganha muito espaço, inclusive mercadológico, já que estando a criança colocada em um lugar natural de recepção, mesmo considerando sua capacidade de contemplação ativa e de ressignificação, e o adulto em um lugar natural de produção e apresentação dessa cultura para a criança; quando a cibercultura e a perspectiva da imersão possibilita que essa relação seja horizontalizada sem haver mais o lugar do adulto como única fonte de produção da cultura, surgem os discursos que apontam para os perigos, os riscos e a fragilidade infantil que estão em jogo quando a criança passa a ter o domínio sobre essas ferramentas de produção de cultura e de comunicação (PEREIRA, 2014). Pereira alega ainda que apesar da cibercultura possibilitar a horizontalidade na produção e na socialização da cultura, por olharmos a infância a partir da perspectiva da visão moderna de infância, ainda não conseguimos reconhecer a experiência infantil de forma horizontal na relação com a cibercultura. Não nos permitimos perceber a criança que ocupa esse lugar de produção da cultura. Macedo (2013), assim como Pereira, aborda uma questão muito importante para a tese que aqui se desenvolve: a possibilidade de uma relação horizontal possibilitada pela ocupação dos mesmos ambientes informacionais e comunicacionais. “Seja adulto ou criança, há, em potência, uma horizontalidade das vozes e das relações; uma espécie de democratização do espaço” (MACEDO, 2014, p.55). Ainda de acordo com Pereira (2014), o adulto, ao olhar para a infância como algo que não lhe pertence mais, produz um conhecimento que não se dirige às crianças. Estamos sempre olhando o que supomos faltar nas crianças e não aquilo que a criança é, tem ou faz. A cibercultura, se pensarmos nas possibilidades de produção e comunicação, permite que a criança dialogue por ela mesma com a cultura, sem ter como meio de interação a escola ou os programas culturais organizados por adultos.

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2.7 Infância e cibercultura: o limiar entre o público e o privado

Viver numa casa de vidro é uma virtude revolucionária por excelência. Também isso é embriaguez, um exibicionismo moral, que nos é extremamente necessário. Walter Benjamin

Trazendo uma discussão sobre blogs, canais no Youtube, vídeos virais, fotologs etc., feitos por adultos, Sibília, defende que a formação da subjetividade do ser humano, que é uma construção social e histórica, passa por uma transformação. O que era feito de dentro para fora, de forma silenciosa, em reclusão, passa a ser feito de fora para dentro. Sendo assim, passamos de uma subjetividade interdirigida para uma subjetividade alterdirigida. A formação da subjetividade que se dava na introspecção, na solidão, agora se dá na extrospecção. Essa nossa formação da subjetividade, contribui para a perda da diferença entre público e privado, ou melhor, é uma consequência dessa perda, ou dizendo melhor ainda: é um ciclo. Quanto menos diferenciamos o público do privado, mais utilizamos a subjetividade alterdirigida, o que nos faz diferenciar ainda menos o público do privado e assim sucessivamente. O homem passou do público para o privado e agora estamos vivendo uma volta a esse público: passamos do ser, para o ter e agora estamos no aparecer. Sendo assim, precisamos de uma subjetividade visível: é preciso mostrar-se para existir. [...] há um deslocamento em direção à intimidade: uma curiosidade crescente por aqueles âmbitos da existência que costumavam ser catalogados de maneira inequívoca como privados. (SIBÍLIA, 2009, p.34).

Esse anseio em retratar o real da vida comum, dilui ainda mais as fronteiras entre público e privado e contribui para o aumento das narrativas na primeira pessoa do singular. Assim, esse eu que se mostra tem uma ânsia por inventar realidades que pareçam ficções. Espetacularizar o eu consiste precisamente nisso: transformar nossas personalidades e vidas (já nem tão) privadas em realidades ficcionalizadas com recursos midiáticos. (SIBÍLIA, 2009, p.197). 66

Ainda sobre a formação das subjetividades, a autora continua:

Tudo indica que estaria se deslocando, portanto, o eixo em torno do qual as subjetividades se constroem. Abandonando o espaço interior dos abismos da alma ou dos sombrios conflitos psíquicos, o eu passa a se estruturar em torno do corpo. Ou, mais precisamente, da imagem visível do q cada um é. (SIBÍLIA, 2009, p. 111)

A autora destaca ainda a mudança na relação autor-criação: antes o que importava era a obra e agora o que importa é o autor da obra. Saímos de um lugar em que o apreciado era a criação para um lugar em que o apreciado é a criatura. O que parece bem lógico se pensarmos nessa mudança de lugar em que a formação da subjetividade está acontecendo. A partir do momento em que o que importa é o que sou e não o que faço, a obra de autor perde a importância e destaca-se a sua vida privada, a sua personalidade. O que vende, o que dá lucros, e a autora traz inúmeros exemplos que destacam isso, não é apenas a obra, mas sim a autenticidade que envolve a vida do criador dessa obra. E quanto mais autêntico, mais valioso será esse autor-narradorpersonagem. Os blogs, fotologs e videologs são lugares que enaltecem a figura do autor, possibilitando essa mudança de perspectiva da função-autor, onde o que mais importa não é a obra e sim a vida dele. Sibília afirma que os equipamentos tecnológicos podem, aparentemente, nos salvar da angustia da perda da memória que está ameaçada por conta da vertigem contemporânea (de informações, de conteúdos etc.), e ao perdermos a memória, perdemos aquilo que somos. Sendo assim, os fotologs permitem que a memória fique salva e as fotos diárias do cotidiano com legendas, são o melhor meio de exibir a intimidade, de forma rápida e autêntica. "[...] os relatos de si tendem a ser cada vez mais instantâneos, presentes, breves e explícitos". (SIBÍLIA, 2009, p. 137). A autora defende que a principal obra que produzem os autores-narradores dos novos gêneros confessionais da internet é o personagem chamado eu, ou seja, "o que se cria e recria incessantemente nesses espaços interativos é a própria personalidade" (p. 233), portanto, a Web 2.0 com suas novas formas de expressão e comunicação, possibilita as ferramentas para a “criação de si” (SIBÍLIA, 2009, p.233). Podemos afirmar que as crianças também estão utilizando essas ferramentas em busca de uma criação de si mesmas, de suas subjetividades? Voltando à discussão trazida por Sibília sobre autor-personagem, podemos compreender a potência de uma

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selfie43? O que são os vídeos do youtube em que as Youtubers mirins contam 50 coisas sobre elas? As crianças estão criando a si mesmo na internet? Existe uma busca por uma formação da subjetividade por parte delas? Todos estamos tentando mostrar o que pensamos ao usarmos as Redes Sociais. Esta forma de utilização tem sido uma das principais: posts ou fotos em que as pessoas compartilham ideias, experiências, pensamentos, ideais, sentimentos. Talvez a grande diferença, potência, do mundo digital ou das relações nas Redes Sociais é que a relação de alteridade, o ser para o outro, o se ver no outro, ganha grandes proporções. Mais do que nunca, temos que pensar e avaliar o que vamos dizer, pois as palavras escritas, além de dificultarem a entonação e excluírem as expressões corporais (o uso de smiles etc. ajuda a diminuir esse enrijecimento da palavra escrita na internet), ficarão ali escritas e vão dizer muito sobre quem as escreveu. Da mesma forma que quando escrevemos um artigo, não podemos mensurar o que o leitor vai compreender dessa escrita, isso acontece no mundo virtual, entretanto, nas Redes Sociais e blogs, a nossa “cara está a tapa”, ou seja, é possível que o leitor interaja com o autor. Acreditamos que a produção de narrativas online já seja uma forma de criação de si pelas crianças. É uma forma de criação que utiliza a web para compartilhar suas criações pessoais ao mesmo tempo em que se mostram/se relacionam com o mundo e vão criando sua subjetividade. É onde elas podem dizer: eu sou assim, afirmar-se, eu gosto disso, autoconhecimento. “Eu tenho tédio”, “Eu não tenho tempo” são formas de se relacionar com o mundo, de construir subjetividades. Essas formas de participação destacadas, o tédio, o reclamar da falta de tempo, fazem parte das regras atuais do jogo: mostrar-se como alguém comum, tornar-se visível na internet mostrando o cotidiano, transformando a realidade em entretenimento. Um exemplo interessante é um post de Isadora chamado “25 coisas sobre mim” em que ela enumera 25 coisas sobre ela, tais como: “1- amooo estudar, e minhas matérias favoritas são ciências, história e português :); 2- amo todos os tipos de frutas, todas mesmo...; 3- esse fato é bem estranho, mas é verdade: eu tenho muita aflição de tecido rasgando, me arrepio inteiraa *-*”. Ao fazer essa lista, selecionando e refletindo sobre o que colocar nela, Isadora o faz pensando no outro. E, ao mesmo tempo, é um

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Selfie — junção do substantivo self (em inglês "eu", "a própria pessoa") e o sufixo ie — ou selfy 1 é um tipo de fotografia de autorretrato, normalmente tomada com uma câmera fotográfica de mão ou celular com câmera. Foi considerada a palavra internacional do ano de 2013 pelo Oxford English Dictionary. Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Selfie

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momento de encontro consigo mesma, de reflexão de sua subjetividade, de constituição de sua identidade.

Imagem 7 - Primeira parte post Isadora "25 coisas sobre mim".

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Imagem 8: Segunda parte post Isadora "25 coisas sobre mim".

Rosa Maria Bueno Fischer, ao dialogar com Hannah Arendt, apresenta as seguintes questões que nos instigam quando nos deparamos com esse tipo de post em que a intimidade é compartilhada: “Que é feito de nossos sentimentos, num tempo em que eles ‘precisam’ tão avidamente ser plenamente falados e expostos? Que encanto extraordinário tem a esfera pública midiática, a ponto de por ela nos desfazermos de nossa intimidade?” (2002, p. 4). Seguindo essa linha de pensamento despertada por Sibília (2009) e corroborada por Fischer, torna-se imprescindível irmos aos escritos de Hannah Arendt, em seu livro “A condição humana”, mais especificamente no capítulo II: “As esferas pública e privada”. Embora seus escritos não sejam contemporâneos da cibercultura, a autora “nos oferece uma belíssima reflexão sobre a urgente necessidade de pensar de outras formas o político, seja em nossas vidas cotidianas, seja em práticas mais amplas e 70

diferenciadas da vida pública” (Fischer, 2002, p.2). O objetivo do diálogo com essa autora é o de olharmos para as produções infantis na internet compreendendo que elas fazem parte de um movimento amplo da sociedade e que tem como norte a pergunta: o que é público e o que é privado nesse momento em que vivemos como sociedade mediada pelas tecnologias digitais? Conforme já vimos ao dialogarmos com Sibília (2009), o show do eu e a sociedade do espetáculo trazem consigo toda a vivência da sociedade desde a separação entre público e privado. Portanto, com o intuito de aprofundar o debate apresentado nesta tese, percebemos que o difícil diálogo com Hannah Arendt, ou melhor dizendo, com um pouco de sua produção, será de extrema importância para demarcarmos as experiências infantis online na sociedade contemporânea. A autora inicia o capítulo defendendo que a vida humana existe porque o homem age sobre o mundo. De acordo com ela, mesmo “o eremita em meio à natureza selvagem” (ARENDT, 2007, p.31) só existe em relação aos outros seres humanos. Ela defende que o homem que trabalha, que age sobre o mundo, que fabrica coisas, só existe porque vivemos em sociedade, ou seja, a atividade humana está condicionada ao fato de os homens viverem juntos. “Nem um animal, nem deus é capaz de ação, e só a ação depende inteiramente da constante presença de outros” (ARENDT, 2007, p.31). Arendt, mapeando e definindo o conceito de política, dialoga com Aristóteles e a expressão “zoon politikon44” que, segundo a autora, foi equivocadamente traduzida como “animal socialis” - “o homem é, por natureza político, isto é, social”. De acordo com Arendt, a concepção grega de política havia sido esquecida. Arendt diz que a palavra ‘social’ é de origem romana “sem qualquer equivalente na língua ou pensamentos gregos (...) o uso latino da palavra societas significava a aliança entre pessoas para um fim específico” (ARENDT, 2007, p.32). A definição de social, de sociedade, começa a adquirir contorno quando surge o conceito de “uma sociedade da espécie humana”, se transformando em “condição humana fundamental” (ARENDT, 2007, p.33). Ainda segundo a autora, Platão e Aristóteles entendiam o fato de o homem precisar de outro homem para viver, mas creditavam essa necessidade à 44

Zoon politikon é uma expressão utilizada pelo filósofo grego Aristóteles para descrever a natureza do homem – um animal racional que fala e pensa (zoon logikon) – em sua interação necessária na Cidade Estado (pólis). Ou seja, a pólis, o estar junto, nos obriga a agir/interagir. Aristóteles desenvolve a clássica divisão das formas de governo – monarquia, aristocracia e república – conforme se refiram ao governo de um só, de um pequeno grupo ou do povo. Acredita que o povo precisa ser educado para formar o bom cidadão e o bom governante, não considerando que qualquer pessoa tenha a capacidade de governar, sendo assim, acaba por excluir os artesãos e comerciantes das artes políticas. Site consultado: https://sites.google.com/site/professordiegoobonito/temas-de-filosofia---concepcoes-de-politica

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uma característica animal, necessidades da vida biológica, que são as mesmas para o animal humano e para outros animais. O pensamento grego entendia que “a capacidade humana de organização política” (ARENDT, 2007, p.33) é diferente da capacidade natural do homem de viver com outro homem constituindo uma família e habitando uma casa. A pólis permitiu que a ênfase mudasse da ação para o discurso como meio de persuasão. Desta forma, “o ser político, o viver numa pólis, significava que tudo era decidido mediante palavras e persuasão, e não através de força ou violência” (ARENDT, 2007, p.35). Os gregos entendiam que havia uma diferença entre a vida familiar e a vida política: a vida no lar era cercada pela violência, pelas ordens, e a vida política era cercada pelo discurso, pela persuasão. Hannah Arendt termina sua argumentação sobre o porquê é um equívoco chamar o homem político de homem social, lembrando que a definição latina de zoon politikon é animal rationale (um ser vivo dotado de fala) e que na verdade, Aristóteles defendia que a grande capacidade humana é a contemplação, sendo essa irredutível a palavras. A confusão gerada pela avaliação errônea das esferas política e social, agravouse com a concepção moderna de sociedade: “a distinção entre uma esfera de vida privada e uma esfera de vida pública corresponde à existência das esferas da família e da política como entidades diferentes e separadas, pelo menos desde o surgimento da antiga cidade-estado” (ARENDT, 2007, p.37). A esfera social, como a conhecemos, surgiu na era moderna e não corresponde à esfera privada e nem à pública, pois é no estado nacional que ela encontra sua forma política. Sendo assim, a sociedade é, ou deveria ser, como uma esfera privada aumentada, ou seja, a reunião das famílias economicamente ativas, cria um grupo grande que, ao se organizar politicamente, pode ser chamada de nação. Entretanto, para os gregos, eram considerados domésticos todos os assuntos relacionados à sobrevivência da espécie. O que acontecia no lar, não era político e não podia ser controlado por ninguém além do chefe de família. O lar e a família foram perdendo a santidade, quando algumas regras se expandiram e passaram a “cuidar” do que acontecia dentro da casa. Ao mesmo tempo, o sentimento de propriedade passou a ocupar um lugar intocável. Isso aconteceu por que era a propriedade que legitimava a participação do homem nos negócios do mundo, era preciso ter um lugar seu, que lhe pertencesse para poder alcançar a esfera política. O entendimento era de que na esfera familiar havia a necessidade premente de vida que 72

fazia com que os homens ficassem juntos. Era essa premência, que engloba as necessidades fisiológicas do homem (comer, dormir e procriar principalmente) que unia os homens em uma vida familiar. Com a queda do Império Romano, a Igreja faz o papel do Estado, dando cidadania às pessoas fora da esfera privada. Sair das trevas do cotidiano para o sagrado da Igreja, favoreceu a transposição do privado para o público. Mas, foi o feudalismo que efetivamente assumiu o que a esfera pública havia sido na antiguidade, ao absorver “todas as atividades para a esfera do lar e, consequentemente, a própria existência de uma esfera pública” (ARENDT, 2007, p.43). Público e privado se juntaram no feudo, ou seja, antes de o privado ir para o público, foi este último quem ocupou um espaço destinado anteriormente apenas ao privado. Afinal, o homem, o chefe de família, era soberano em seu lar, não precisava seguir regras externas dentro de sua própria casa, já que as leis e a justiça só existiam na esfera pública. Esse chefe de família “embora pudesse exercer um domínio mais ameno ou mais severo, não conhecia leis nem justiça fora da esfera pública” (ARENDT, 2007, p.44). Já o senhor feudal, continuava soberano, mas a justiça já havia ingressado em seu lar, ou pelo menos alguma forma de justiça, sendo assim, ele tinha o poder de “administrar justiça dentro dos limites de seu domínio” (ARENDT, 2007, p.44). Assim, podemos concluir que a sociedade passa a existir quando os interesses privados assumem importância pública. A nossa definição de privado começa nos últimos períodos da civilização romana. Ser privado, antigamente, não era considerado algo bom, pois “significava literalmente um estado no qual o indivíduo se privava de alguma coisa, até mesmo das mais altas e mais humanas capacidades do homem” (ARENDT, 2007, p. 48). Para ser um humano integralmente, era necessário viver a esfera pública, pois quem vivia exclusivamente o privado, como os escravos e os bárbaros, não era considerado integralmente humano. A palavra privatividade não é vista por nós como algo ruim por causa do enorme enriquecimento da esfera privada no moderno individualismo. Nesse contexto, Rousseau, surge como o primeiro explorador da intimidade. Para ele o íntimo e o social eram formas subjetivas da existência humana. Com esse destaque da vida emocional, subjetiva e íntima, emergem as artes pessoais como a música e a poesia, artes que expressam sentimentos individuais e declinam as artes públicas como a arquitetura. O social e o íntimo começam a caminhar juntos.

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O social é tão importante hoje em dia, que o privado e a intimidade perdem importância. Viver em sociedade, em tempos conectados, de Redes Sociais etc., é expor a nossa privatividade para a sociedade e não mais escondê-la no âmbito familiar, individual. E, podemos ir além, ao afirmar que, não possuir uma conta em alguma Rede Social é como não existir socialmente. O fato histórico decisivo é que a privatividade moderna, em sua função mais relevante – proteger aquilo que é íntimo – foi descoberta não como o oposto da esfera política, mas da esfera social, com a qual, portanto, tem laços ainda mais estreitos e autênticos (ARENDT, 2007, p.48).

O surgimento do conceito de sociedade faz emergir as normas, o comportamento esperado ao invés da ação espontânea ou reação inusitada. Da compreensão de uma grande sociedade até o equacionamento em relação à posição social, que faz com que surjam as comunidades, as classes, que vigoram até hoje, e finalmente, com a sociedade de massas que fez com que a esfera do social atingisse “o ponto em que abrange e controla igualmente e com igual força, todos os membros de uma determinada comunidade” (ARENDT, 2007, p.50). Irrompe o sentimento moderno de igualdade: a distinção e diferença reduzem-se a questões da vida privada do indivíduo, pois na sociedade há o comportamento que rege as formas de relação humanas. O surgimento da sociedade na era moderna possibilitou substituir a ação pelo comportamento e o governo pessoal pela burocracia. Das ciências econômicas, com a estatística que era utilizada para as reflexões sobre a sociedade e os seres humanos, a sociedade passa a ser analisada, medida e estudada pelas “ciências do comportamento”, as ciências sociais. A esfera social cresceu e intensificou-se, passando a englobar as esferas do político, do privado e da intimidade, esta última uma esfera mais recente. Com a percepção de que a privatividade não era algo interessante, pois essa remetia apenas à sobrevivência do ser humano, a sociedade rapidamente se organizou em torno do trabalho como única forma de subsistência. Por isso, “a sociedade é a forma na qual o fato da dependência mutua em prol da subsistência, e de nada mais, adquire importância pública, e na qual as atividades que dizem respeito à mera sobrevivência são admitidas em praça pública” (ARENDT, 2007, p.56). Ou seja, o trabalho, antes restrito à esfera 74

privada, alcançou a esfera pública. Desta forma, ele deixou de ser algo que servia apenas à sobrevivência e ganhou destaque ao deixar de controlar apenas questões vitais. O labor, o trabalho, ganhou a alçada pública e além de se modificar, transformou o mundo. Arendt traz a evolução da palavra labor: de algo que era insuportavelmente doloroso para o ponto em que pode-se falar em excelência no trabalho. A excelência sempre foi reservada à esfera pública, onde uma pessoa podia sobressair-se e distinguir-se das demais. Toda atividade realizada em público pode atingir uma excelência jamais igualada na intimidade; para a excelência, por definição, há sempre a necessidade de presença de outros, e essa presença requer um público formal, constituído pelos pares do indivíduo; não pode ser a presença fortuita e familiar de seus iguais ou inferiores (ARENDT, 2007,

p.58).

Mostrar as produções na internet aumenta o nível de excelência das crianças? Isso difere as produções feitas em casa ou na escola e que são mostradas apenas nesse ambientes, para os amigos, familiares e professores, das produções feitas e divulgadas online? Afinal, a esfera pública é o lugar onde há a divulgação, onde nos mostramos, onde tudo “pode ser visto e ouvido por todos” (ARENDT, 2007, p.59). A aparência, o que aparece para os outros e para nós mesmos, ou seja, o que vem a público e é visto e ouvido pelos outros, constitui a realidade. É o que mostramos em público que se torna real. Os sentimentos, esse são guardados no íntimo e só se tornam realidade quando externalizados, de forma adequada à aparição pública. Quando é necessário externalizar, tornar público, um sentimento ou algo que queremos tirar do campo íntimo, privado, é necessário refletir, colocar de forma que apareça para o outro. Essa reflexão é transformadora: ao colocar coisas privadas para o público, garantimos que somos reais. Toda vez que falamos de coisas que só podem ser experimentadas na privatividade ou na intimidade, trazemo-las para uma esfera na qual assumirão uma espécie de realidade que, a despeito de sua intensidade, elas jamais poderiam ter tido antes. A presença de outros que veem o que vemos e ouvem o que ouvimos garante-nos a realidade do mundo e de nós mesmos (ARENDT, 2007, p. 60).

Arendt ressalta que o “irrelevante pode ter um encanto tão extraordinário e relevante” (ARENDT, 2007, p.60). Ela traz o exemplo dos franceses e seu encantamento com as pequenas coisas, com o cotidiano, dizendo que esse encantamento com o que seria irrelevante para a esfera pública, não torna o mundo privado em público, mas sim caracteriza uma regressão à esfera privada.

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O encantamento com o privado, com as histórias cotidianas, com os sentimentos e histórias pessoais, continua. E, além de continuar, ele se tornou público: quanto mais for divulgado e aparecer, melhor. A falta de encantamento com a esfera pública é driblada com as histórias individuais nesta esfera. Então é assim que, uma matéria de jornal, por exemplo, vai falar de um assunto que seja de importância e relevância pública, como o transporte coletivo, falando também com um usuário deste transporte e até, como visto em reportagem de 2016 na televisão, acompanhando este usuário em sua rotina diária ao utilizar esse meio de transporte. A história de uma pessoa ganha representatividade para mostrar a história de muitas pessoas. [...] “de tal modo que passamos a crer que o ‘bom’ é centrar nossa atenção na vida intimista, de tal forma que passamos a localizar a experiência humana basicamente naquilo que estiver mais próximo das circunstancias imediatas da vida (Senett, 2001 p. 412, apud Fischer, 2002, p. 80). Hannah Arendt, que defende que o público tem dois sentidos correlatos, mas com diferenças entre si, alega que o primeiro sentido é o descrito acima: o público como aparência, como o que aparece de nós para o outro e para nós mesmos e do outro para nós. O segundo sentido dado por ela é que público “significa o próprio mundo”, destacando que esse mundo “é comum a todos nós e diferente do lugar que nos cabe dentro dele” (ARENDT, 2007, p.62). Ela destaca que esse mundo ao qual se refere, não é o mundo orgânico, mas sim o mundo dos homens que convivem juntos. Defende ainda que os homens precisam de um mundo comum que os mantenha unidos e separados ao mesmo tempo. A sociedade de massas parece ter perdido essa força que unia e separava as pessoas. Entretanto, Arendt destaca que a filosofia cristã buscou reunir as pessoas em um mundo comum, criando um vínculo entre os homens através da caridade. O mundo comum, que para o Cristianismo acontecia através da caridade que salvaria a alma de um homem, sendo essa salvação individual de interesse de todos, é o que existe para além de nós: já existe quando nascemos e continuará existindo quando morrermos. Essa é a ligação comum entre todos os homens: o nascimento e a morte, a breve existência nesse mundo. Entretanto, esse mundo comum só existe e sobrevive por causa da presença pública, do caráter público da esfera pública. De acordo com Arendt foi a ascensão da sociedade à esfera pública na era moderna, que determinou o vício pela vaidade, entendida como um desejo individual de

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imortalidade. Dialogando com Adam Smith, a autora alega que a admiração pública e a recompensa monetária têm o mesmo valor para os homens. [...] admiração pública e a recompensa monetária têm a mesma natureza e podem substituir uma à outra. A admiração pública é também algo a ser usado e consumido; e o status, como diríamos hoje, satisfaz uma necessidade como o alimento satisfaz outra: a admiração pública é consumida pela vaidade individual da mesma forma como o alimento é consumido pela fome (ARENDT, 2007, p. 66. grifo da autora).

Quando a admiração pública ganha esse destaque, a realidade não está mais na presença pública de outros, como era no início desse convívio em sociedade, mas sim em maior ou menor urgência das necessidades individuais. E as necessidades individuais não ajudam a formar um mundo comum por conta de sua própria futilidade. Essa afirmação de Hannah nos ajuda a ponderar sobre os chamados “15 minutos de fama”, e também sobre a fluidez dos assuntos na internet. As pessoas, mais preocupadas com sua vaidade, com sua necessidade de admiração pública, querem a fama a qualquer preço. Assim, uma pessoa que hoje é famosa, amanhã poderá ser esquecida pela mídia, trocada por outra pessoa famosa. No caso de crianças como a youtuber Julia Silva, o que acontecerá quando ela não for mais interessante para a mídia e para seu público? Conseguirá ela se reinventar para continuar sendo famosa? As crianças também procuram o status ao publicarem fotos no Instagram, por exemplo. Isadora e Manuela disseram que utilizaram como critério para apagar fotos as que tinham menos curtidas. Arendt afirma que a futilidade dessa busca pela admiração pública é tão grande que o recebimento de dinheiro passa a ser mais importante: A admiração pública, consumida diariamente em doses cada vez maiores, é ao contrário, tão fútil que a recompensa monetária, uma das coisas mais fúteis que existem, pode tornar-se mais objetiva e mais real (ARENDT, 2007, p.66).

Apesar da objetividade do dinheiro que satisfaz as necessidades, cabe destacar que a realidade da esfera pública não é nada objetiva ou objetificável, pois ela é composta por diversos indivíduos que ocupam diferentes lugares. Ao olharmos um objeto do mundo, por exemplo, o olhamos de um determinado lugar, que nos faz perceber esse objeto de forma diferente de outras pessoas. Ou seja, o que vemos do mundo depende do lugar que ocupamos nesse mundo. Saber que vemos o mesmo que uma multidão de pessoas, mesmo que saibamos que cada olhar será diferente, nos ajuda 77

a tornar o mundo real e fidedigno. Por isso, o mundo familiar não pode substituir uma multidão de espectadores, pois é com os muitos olhares que nós damos realidade ao que vemos. Com essa argumentação podemos pensar sobre as redes sociais. Cada vez mais, as pessoas tendem a se isolar entre os que pensam como elas: na Rede Social Facebook, podemos excluir “amigos” que pensam muito diferente de nós, podemos nos unir a um grupo que tenha as mesmas convicções políticas e filosóficas de vida, podemos nos unir a pessoas por temas de interesse (trabalho, maternidade, lazeres). Enfim, cada vez mais, as pessoas parecem se unir em pequenas comunidades dentro de um enorme mundo virtual. Viver uma vida privada, conforme já foi dito, significa ser privado da realidade que advém do fato de ser visto e ouvido por outros [...] a privação da privatividade reside na ausência de outros; para estes o homem privado não se dá a conhecer, e portanto é como se não existisse (ARENDT, 2007, p.68).

A vida no lar e na família ganhou o caráter de esfera privada graças aos romanos, que com grande senso político, jamais renunciaram ao privado privilegiando o público, pois compreendiam que as duas esferas em questão, só poderiam perdurar enquanto coexistissem. Arendt alega que a decadência da esfera pública começa com sua transformação em uma “esfera muito restrita de governo” (ARENDT, 2007, p.70). Ainda segundo a autora, a esfera privada também entra em ameaça de término já que ambas apenas existem em relação e não de forma isolada. E é principalmente ao observarmos a questão da propriedade privada que podemos compreender ainda mais a conexão existente entre público e privado. A propriedade privada significava que o indivíduo possuía seu lugar no mundo o que automaticamente lhe garantia um lugar no corpo político, pois o homem chefiava uma família que pertencia à esfera pública, afinal, ter uma propriedade, era ter cidadania e estar protegido pela lei. A propriedade privada também era importante para a cidade e são os limites entre as casas que compõem uma cidade, que delimitam uma propriedade privada. As leis que legislavam sobre a propriedade e sobre a cidade-estado eram determinadas a partir do muro que unia as casas e as separava do resto do mundo. Era esse muro que as constituía num espaço político. O surgimento do social coincide com a mudança da preocupação com a propriedade privada, que passa de individual a pública, pois os proprietários procuravam a proteção da esfera pública para o acúmulo de ainda mais riqueza. Assim, 78

a riqueza sai do mundo privado e vai para o capital, atingindo o mundo compartilhado por todos. Entretanto, não é a riqueza em si que ganha o mundo comum, mas o processo de obtenção de capital, de acumulação. Portanto, a riqueza nunca foi comum, sempre foi da esfera privada. O que se tornou comum foi o governo que foi “nomeado para proteger uns dos outros os proprietários privados na luta competitiva por mais riqueza” (ARENDT, 2007, p.79). A única coisa comum para as pessoas nesse conceito moderno de governo, são seus interesses privados. Segundo Arendt, a contradição entre público e privado acabou no início da era moderna, pois as esferas pública e privada foram extintas e sumiram totalmente na esfera social. Ou seja, a esfera pública virou função da esfera privada e esta se tornou a única preocupação comum. “Encarada deste ponto de vista, a moderna descoberta da intimidade parece constituir uma fuga do mundo exterior como um todo para a subjetividade interior do indivíduo, subjetividade esta que antes fora abrigada e protegida pela esfera privada” (ARENDT, 2007, p.79). A esfera privada, ao se tornar social, transforma a propriedade imóvel em propriedade móvel fazendo com que a distinção entre propriedade e riqueza se desvalorize, pois tudo que é palpável ou consumível passa a ser objeto de consumo. A diferenciação entre propriedade e riqueza sai do uso privado e determinado por sua localização e vai para a esfera social onde adquire característica constantemente mutável, tendo como único denominador comum o dinheiro, que mesmo assim, só pode fixar essa mudança constante de forma temporária. Com essa mudança ocorrida, o conceito de propriedade se transforma também: sai de um lugar fixo, localizável no mundo e adquirido pelo homem e passa a ter no próprio homem sua origem, no corpo e na força desse homem, passando a ser a “força de trabalho”. Assim, a propriedade moderna perdeu seu caráter mundano e passou a situar-se na própria pessoa, isto é, naquilo que o indivíduo somente podia perder juntamente com a vida [...] a única propriedade em que podemos confiar é o nosso talento e a nossa força de trabalho (ARENDT, 2007, p. 80).

Este situar-se na própria pessoa traz consigo algumas questões: é daí que surge a necessidade do ser humano em aparecer, em exibir-se? A selfie é um reflexo dessa perda do caráter mundano da propriedade moderna? O que produzimos de mais valioso somos nós mesmos? E, por isso, Isadora afirma que seu perfil tem de ter muitas informações sobre ela?

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Arendt continua discorrendo sobre a propriedade privada ter sido engolida pelo social. Ela alega que a intimidade não dá conta de substituir a propriedade privada, pois essa traz dois pontos fundamentais que não acontecem na intimidade: o primeiro é que as nossas necessidades particulares, que fazem parte das nossas posses particulares, são muito mais importantes para nós do que qualquer outra coisa do mundo comum. Primeiro precisamos dar conta de termos a nossa riqueza para depois nos preocuparmos com o mundo comum. E quando há muita riqueza que não é necessário lutarmos pelas nossas posses, a necessidade some e a vida perde o sentido. Ou seja, precisamos da necessidade para termos o impulso de vida. Quando todas as necessidades estão satisfeitas, a liberdade não aparece, o que surge é a apatia. A liberdade por estar na necessidade. O homem precisa de um objetivo para querer fazer algo. Talvez essa seja a grande questão das crianças que não continuam com seus blogs etc.: elas não têm uma motivação maior, uma necessidade por trás da ação. As que têm isso, mantem os blogs. Arendt continua explicando sobre a importância da propriedade privada destacando que é nela que a pessoa consegue o refúgio contra o mundo público comum: “[...] não só contra tudo o que nele ocorre, mas também contra a sua própria publicidade, contra o fato de ser visto e ouvido. Uma existência vivida inteiramente em público, na presença de outros, torna-se como diríamos superficial” (ARENDT, 2007, p. 81). As redes sociais podem nos fazer viver constantemente em público, podem nos tirar a privacidade da propriedade privada. “O único modo eficaz de garantir a sombra do que deve ser escondido contra a luz da publicidade é a propriedade privada – um lugar só nosso, no qual podemos nos esconder” (ARENDT, 2007, p.81). Com o mundo conectado, nem em nossas casas estamos escondidos. Estamos sempre online, expostos, podemos nos expor sem parar. A divisão entre as esferas pública e privada é determinada pelo que deve ou não ser exibido, o que deve ou não ser ocultado. Essa divisão continua mesmo nesse mundo digital onde podemos estar permanentemente expostos.

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3

EM

BUSCA

DE

UMA

METODOLOGIA:

QUANDO

A

PESQUISADORA VIRA SEGUIDORA

Atenção para escutar, o que você quer saber de verdade. Marisa Monte

Ao iniciar a pesquisa algumas decisões têm de ser tomadas pelo pesquisador. Uma das decisões que se fizeram necessárias surgiu da seguinte pergunta: a pesquisa será feita em interlocução direta com as crianças ou apenas a partir da observação das suas produções na internet? Marília Amorim em um brilhante texto chamado “O detetive e o pesquisador” (1997), relaciona tipos de detetives retirados da literatura policial ao ato de pesquisar. Passeando pelos autores e seus detetives, Amorim conclui que o melhor detetive é apresentado por Raymond Chandler. O que faz desse detetive o melhor, no caso o que mais o aproxima ao papel do pesquisador em Ciências Humanas é o fato de que para ele o outro, no caso o investigado ou suspeito, é a parte mais importante e ele se deixa afetar e ser afetado por essa relação com o outro. Portanto, partimos da compreensão de que esta pesquisa só poderia acontecer na relação com o outro, em diálogo, já que de acordo com Bakhtin (1986) é através da palavra que podemos ter o “modo mais puro e sensível de relação social” (1986, p. 36). Ainda segundo o autor, “o material privilegiado da comunicação na vida cotidiana é a palavra” (BAKHTIN, 1986, p.37), ou seja, “a palavra está presente em todos os atos de compreensão e em todos os atos de interpretação” (BAKHTIN, 1986, p. 38). Portanto, para irmos em busca do que realmente queremos saber, é necessário conversar com as crianças. E podemos dizer ainda também que ao aproximar a pesquisa, o pesquisador do detetive, Amorim nos faz compreender ainda mais a importância em relatarmos minuciosamente o percurso vivido. Olhar para o percurso vivido e tentar transmiti-lo, contá-lo ao leitor, de forma a dar a “conhecer os procedimentos que permitiram a elucidação do mistério” (AMORIM, 1997, p.127), é procurar o que não se sabe. Desta forma, podemos dizer que a pesquisa desenvolvida apresenta algumas formas de interação: uma que se dá no fluxo que é próprio da internet, possibilitada por ferramentas técnicas disponibilizadas em cada site (analisar o site, interagir através de comentários etc.); outra forma é face a face, intentando na convivência uma maior

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profundidade do que a encontrada online; e por último, conversas online possibilitadas por aplicativos ou chats. Acreditamos ainda que os desvios levam ao que se quer saber de verdade, ou seja, ao decidir seguir as crianças através de suas produções, sem prender-se a um tipo específico como o blog, por exemplo, é possível encontrar, em um tortuoso caminho de vai-e-vem, tecendo novas redes no encontro com as crianças, algumas respostas e novas perguntas. Reconstruir o percurso feito é o que permite refletir sobre ele, já que ao seguir as crianças, foi possível tecer novas redes, que levam a outras crianças e a outras interfaces e formas de criação de narrativas online. Após constatar que as crianças estavam criando blogs etc., conforme já foi relatado no item “Construindo o objeto de pesquisa: um primeiro levantamento” (página 15), iniciei a procura por blogs que tivessem sido elaborados por crianças. A partir do perfil de João na Rede Social Facebook, cheguei a dois outros blogs (Coisas da Sinistra e Dries Planet) e ao grupo Dona Feijão criado por João. Dos blogs, fui ampliando o leque, pois as crianças costumam indicar blogs de seus amigos. Conforme já foi dito, alguns desses blogs visitados foram abandonados, entretanto, outros foram surgindo: a partir do momento em que se conhece um blog ou uma criança que utiliza a internet para suas produções, entra-se no movimento da rede, onde um conecta o outro, onde de um ponto pode-se ir a outro e depois voltar ao primeiro. Assim, novos possíveis interlocutores passaram a fazer parte desta teia, desta rede. Nem todos os interlocutores foram “descobertos” desta forma, mas a ideia era de após sua entrada na pesquisa, passasse a “seguir” as crianças ainda mais: se uma das crianças não utiliza mais o blog, mas não deixa de postar fotos no Instagram, é a partir deste aplicativo que a pesquisa retirará seus elementos para análise. Outra forma utilizada para buscar interlocutores foi interagir com as crianças a partir de suas produções online. Assim, a partir do e-mail cadastrado no blog, de um comentário em uma foto no Instagram ou mensagem in box no perfil do Facebook, por exemplo, fiz uma tentativa de contato com algumas crianças. Mas, não obtive resposta desta maneira e por isso, foi necessário partir para a procura a partir de amigos e conhecidos e, destas relações, surgiram os atuais interlocutores da pesquisa. Os sujeitos da pesquisa também tiveram uma participação fluída. Nesse sentido, a metodologia adotada se aproxima da própria lógica dos sujeitos e do objeto estudados. Ao mesmo tempo, é preciso estar atenta para que esse grupo não inviabilize a pontualidade de um estudo mais preciso, afinal essa é uma das armadilhas da Web: 82

sempre há algo novo para ver, o que não se mostra compatível com a necessidade de aprofundar a reflexão em uma pesquisa. A partir dessa busca e de indicações feitas por crianças e por colegas do grupo de pesquisa, cheguei a 5 crianças com as quais busquei conversar em encontros presenciais, além de analisar o material produzido e iniciar uma aproximação de forma online.

3.1 Onde encontramos as produções infantis na internet?

Para uma melhor visualização do que encontramos em campo, trazemos, em primeiro lugar, a descrição dos softwares sociais ocupados pelas crianças na internet e depois a apresentação de cada criança, a descrição de como cheguei a elas e a descrição de seus perfis que estão online. A opção de fazer essa “apresentação” aqui, e não como um glossário no início do trabalho, deve-se ao fato de que foi a partir da interlocução com as crianças que estes se tornaram presentes. Isto é, só estão aqui mencionados os espaços efetivamente ocupados pelas crianças que participaram da pesquisa, lembrando que essa relação é uma via de mão dupla: o acesso a esses espaços conduz à interlocução com outras crianças e a interlocução com outras crianças conduz a novos espaços.

3.1.1 Weblog ou Blog

O termo weblog, usado pela primeira vez por Jorn Barger, em 1998, referia-se a um conjunto de sites que juntavam e divulgavam links interessantes da web (web + log = arquivo web). Entretanto, os weblogs eram escassos e, apenas em 1999, com o surgimento de ferramentas de publicação e manutenção de sites (como o Blogger que em 2004 foi comprado pelo Google) que não exigiam o conhecimento da linguagem HTML foi que os blogs começaram a ser adotados, “além disso, a posterior agregação da ferramenta de comentários aos blogs também foi fundamental para a popularização do sistema” (RECUERO, AMARAL E MONTARDO, 2008, p. 2). A compra da 83

ferramenta Blogger pelo Google e a escolha da palavra “weblog” como a palavra do ano pelo Merriam-Webster`s Dictionnary em 2004, também facilitaram esse crescimento no uso (RECUERO, AMARAL E MONTARDO, 2008). Um blog, enquanto forma de expressão na internet, pode ser entendido como um diário pessoal onde há a escrita de si e a estruturação da própria vida como um diálogo (SIBILIA, 2008). Inserido no âmbito da Web 2.0, onde todos os usuários podem se tornar emissores de conhecimento, devido à facilidade de inserção de conteúdos possibilitada por essa nova forma de navegação na internet, os blogs se tornaram uma das interfaces de fácil publicação de escrita. De acordo com Di Luccio e Nocolaci-daCosta: Os principais recursos utilizados nos blogs são os posts, textos que podem ser alterados, apagados, atualizados, etc. com a frequência que o autor desejar. Os posts podem incluir links para outras páginas da web ou para outros blogs. Novos posts são acrescentados no topo da página. Abaixo ou acima do post, podemos encontrar a data e a hora de sua publicação. Dessa forma, os leitores podem acompanhar o blog lendo as publicações em ordem cronologicamente inversa. Outro recurso quase sempre presente nos blogs é a caixa de diálogos, por meio da qual os leitores podem enviar seus comentários para o escritor (2010, p. 136)

Schittine (2004 apud Hoffmann, 2009, p. 158) aponta que o escrito íntimo franqueava a muitas pessoas a oportunidade de escrever, porque, aparentemente, não demandava a qualidade exigida na ficção que era exigida quando se escreve para o outro. O falar de si mesmo era uma prática não só de escritores famosos, mas de anônimos. Schittine aponta que, mesmo que no diário íntimo tradicional o trabalho do diarista fosse solitário, a folha de papel funcionava como um interlocutor, ainda que silencioso. É nela que o diarista colocava ou não a coragem de falar o que tem pensado e feito apenas em segredo.

3.1.2 Instagram45

O Instagram é uma Rede Social para compartilhamento de fotos e pequenos vídeos. O usuário pode seguir pessoas e ser seguido, isso significa que ele poderá ver as fotos publicadas por quem ele segue e seus seguidores terão acesso às suas fotos. Há a

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https://instagram.com/

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opção de comentar as fotos ou de dar coração para dizer que gostou. Também há a opção de publicar uma foto ou vídeo para todos os seus seguidores verem ou mandar apenas para quem o usuário desejar (Direct). Ao publicar uma foto, não é possível nomeá-la, sendo necessário usar a forma de comentários para tal objetivo. É possível publicar instantaneamente uma foto no Instagram e no Facebook. Há perfis de pessoas que postam conteúdos informativos ou piadas, como por exemplo: “mamaecriaebrinca” que apresenta imagens e textos com dicas de atividades para bebês e crianças e o perfil “failclips” que apresenta pequenos vídeos com cenas que não deram muito certo, aquele vídeo que não sai como esperado. A descrição fornecida na página inicial do Instagram é: Capture e compartilhe momentos do mundo. O Instagram é uma maneira rápida, atraente e divertida de compartilhar sua vida com amigos e familiares. Faça uma foto ou vídeo, escolha um filtro para mudar sua aparência e publique no Instagram – é assim fácil. Você pode até compartilhar com o Facebook, Twitter, Tumblr e outros. É uma nova maneira de ver o mundo. Ah é, mencionamos que é de graça?

3.1.3 Facebook46

Rede Social criada em 2004, onde os usuários podem adicionar amigos, trocar mensagens, publicar fotos, textos, curtir e comentar fotos e textos de amigos, criar grupos, criar páginas de serviço ou empresa, jogar online. Enfim, há muitas possibilidades nesta plataforma. Como exemplo de usos possíveis do Facebook, há o grupo criado por João e as páginas perfis dos blogs para divulgação, criadas por Isadora e Isabela47. A opção de criar um grupo, pode ter as seguintes configurações: aberto, fechado ou secreto. Ao criar uma página, ela pode ser curtida e indicada para outros amigos curtirem. A descrição que se encontra disponível na página “sobre” do Facebook é:

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https://www.facebook.com/ Apresentarei as produções de cada criança mais a frente.

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A missão do Facebook é dar às pessoas o poder de compartilhar informações e fazer do mundo um lugar mais aberto e conectado. Milhões de pessoas usam o Facebook para compartilhar um número ilimitado de fotos, links, vídeos e conhecer mais as pessoas com quem você se relaciona.

3.1.4 Twitter48

Criado em 2006, é uma Rede Social, considerada um microblog, onde é possível postar mensagens de até 140 caracteres. O usuário pode ser seguido e poderá seguir outros usuários o que possibilita que ele veja as publicações de quem segue, podendo retwitar o que foi dito por quem ele segue ou ter sua publicação retwitada. É utilizado por empresas, principalmente as que vinculam matérias jornalísticas. Também é muito usado para divulgação de outras interfaces como sites, blogs etc. Segundo a descrição da própria página do Twitter: Bem-vindo ao Twitter. Conecte-se com seus amigos — e outras pessoas fascinantes. Receba atualizações sobre coisas que lhe interessam no momento em que elas acontecem e veja eventos acontecerem, em tempo real, de todos os ângulos.

3.1.5 Tumblr49

Criado em 2007 e comprado pelo Yahoo50 em 2013. É uma plataforma onde é possível a publicação de textos, imagens, vídeos, links, citações, arquivos de áudio etc. É uma plataforma que, a princípio, faz uma mistura de blog com Rede Social. Para trocas de mensagens, é necessário que o usuário publique um chat e as postagens de textos podem ser reblogadas, ou seja, compartilhadas na sua dashboard (como se fosse a timeline do Facebook). A pronúncia seria “tâmbler”. Segue descrição do próprio site:

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https://twitter.com/ https://www.tumblr.com/ 50 https://br.yahoo.com/ 49

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O Tumblr é tão fácil de usar que é difícil de explicar. Nós fizemos com que o processo de criar um blog seja muito, mas muito fácil. Histórias, fotos, GIFs, séries de TV, links, piadas sem graça, piadas inteligentes, músicas do Spotify, arquivos mp3, vídeos, moda, arte, papo-cabeça, etc. O Tumblr é composto por 213 million blogs diferentes, cheios das coisas mais incríveis que você pode imaginar. O Tumblr é feito de blogs. Acontece que, quando se facilita o processo para que as pessoas criem coisas interessantes, é exatamente isso o que elas fazem. Todos aqueles blogs incríveis que os seus amigos te enviam são todos blogs do Tumblr. Nós ajudaremos você a encontrar e a seguir blogs como esses e também vamos ajudar outras pessoas a encontrarem e seguirem o seu blog. Você já sabe como isso funciona. Depois que você começar a seguir um blog, todos os posts desse blog irão aparecer no seu Painel, como esperado. Reblogue, adicione comentários, faça o que você quiser. Outras pessoas farão o mesmo com os seus posts. É assim que você irá conhecer pessoas aqui. Sério, você pode colocar qualquer coisa aqui. Sete tipos de posts só para começar (texto, foto, citação, link, chat, áudio e vídeo). O seu cérebro pode cuidar do resto. Use-o da forma que quiser! Tudo bem! Na verdade, não é tão difícil de explicar. Nós mentimos. Mas agora você entende essa coisa aqui. Portanto, vem com a gente! Ou leve o Tumblr sempre com você (mostrando que tem aplicativo para o celular também).

3.1.6 We heart it51

Uma espécie de biblioteca pessoal de imagens, onde o usuário pode dar corações para as imagens que gostou, seguir coleções de fotos por temas de interesse, descriminar quais imagens quer ver marcando por tags (food, vintage, retro, por exemplo), seguir outros usuários e publicar fotos a partir de urls ou de seu arquivo pessoal. Segundo a descrição do próprio site: Descubra inspiração e imagens que você ama todos os dias! #Happiness We Heart It é o lugar para encontrar lindas imagens de tudo que você ama, inspirado por milhões de pessoas pelo mundo! Salve uma coleção de citações, veja imagens que combinam com seu humor, encontre imagens para uma colagem de arte moda, e receba novidades através de imagens das últimas tendências! Principais funcionalidades: ♥ Veja imagens de alta qualidade, gifs e vídeos em uma variedade de estilos coloridos, vivos, artísticos, vintage, e preto e branco. ♥ Busque e encontre exatamente o que está procurando, seja fashion ou tendências de cortes de cabelo, ou um gato hipster de óculos! 51

http://weheartit.com/

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♥ Salve suas imagens favoritas na sua galeria do We Heart It, telefone, ou fundo de tela. ♥ Compartilhe as mais novas imagens com seus amigos no Tumblr, Facebook ou Twitter. ♥ Agrupe suas imagens em "sets", como vestidos que você quer, lugares para viajar, decoração para casa e quarto, idéias de tatuagens, e o que mais você quiser. ♥ Siga as pessoas que definem tendências e junte-se à nossa comunidade de pessoas dos Estados Unidos, Brasil, Noruega e dezenas de outros países. Continue Hearteando no We Heart It!

3.1.7 Youtube52

Permite que seus usuários vejam e coloquem vídeos online. Criado em 2005 e comprado pelo Google, conta com milhões de usuários no mundo todo e é uma das principais ferramentas utilizadas por quem quer compartilhar vídeos caseiros e até profissionais. Ao se cadastrar no google, o usuário adquire automaticamente um canal no Youtube. Com isso, é possível curtir ou comentar um vídeo, se inscrever em canais de outros usuários, postar vídeos (que podem ser públicos ou privados) e compartilhar suas ideias no item discussão. Na sessão sobre do site, encontra-se a seguinte descrição: Fundado em fevereiro de 2005, o YouTube é onde bilhões de pessoas descobrem e compartilham vídeos originais e os assistem. O YouTube oferece um fórum para as pessoas se conectarem, informarem e inspirarem outras pessoas por todo o mundo e atua como uma plataforma de distribuição para criadores de conteúdo original e para grandes e pequenos anunciantes.

3.1.8 Skoob53

Se auto intitula a maior rede social para leitores do Brasil. A ideia é que o usuário possa marcar os livros que leu, os que quer ler, os que parou pela metade, fazer trocas com outros usuários, seguir editoras e escritores, ter amigos com os mesmos gostos de leitura e fazer comentários sobre os livros que leu. Segue descrição do próprio site: 52 53

https://www.youtube.com/ http://www.skoob.com.br/

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Somos a maior rede social para leitores do Brasil. Funcionamos como uma estante virtual, onde você pode não só colocar os livros que já leu, como aqueles que ainda deseja ler. Tudo de forma organizada para que você não se perca durante as leituras. E você ainda tem a vantagem de poder compartilhar suas opiniões com seus amigos, fazer trocas de livros, participar de sorteios, ganhar cortesias e muito mais.

3.1.9 Pinterest54

É uma interface que tem como foco as imagens que podem ser separadas por temas de interesse. Por exemplo: um usuário que quer viajar para a Islândia, pode fazer buscas e separar as imagens desse lugar; ou separar imagens de festas com um tema específico, por exemplo. Cada imagem leva a um link, portanto, ao salvar as imagens de um país que se pretenda conhecer, por exemplo, estamos salvando informações sobre esse país. As imagens são chamadas de pins e você pode ver e salvar pins que seus amigos já salvaram. Também é possível conversar inbox com outros usuários do Pinterest. Em sua página na internet, encontramos o seguinte: “Pinterest - O catálogo mundial de ideias. Encontre e guarde receitas, dicas para a criação de filhos, estilo e outras ideias para experimentar”. Tudo sobre o Pinterest Antes de mais nada: o que é o Pinterest? O Pinterest é uma ferramenta visual de favoritos, que ajuda você a descobrir e salvar ideias criativas. Há um vídeo, em inglês (traduzido livremente por mim) em que podemos ter maior conhecimento do que é o Pinterest: Imagine se a internet tivesse apenas coisas que você ama. Então, todas as coisas boas enterradas no duplo w estariam esperando por você. Bem, isso é o Pinterest: um lugar para as coisas boas. Coisas que você quer descobrir e salvar para depois. E tudo começa com um pin. Um pin é um marcador de páginas visual. Quando você clica num Pin, ele te leva direto para o site de onde veio para que você possa aprender mais. Você pode achar Pins de outras pessoas diretamente no Pinterest, mas qualquer coisa na internet pode se tornar um Pin também. Um pin pode 54

https://br.pinterest.com/

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ser: uma sobremesa deliciosa, sua próxima aventura, um projeto DIY (Do It Yourself – Faça você mesma) ou amor à primeira vista. Quando for a hora de seus Pins ganharem um lugar, você pode salvá-los nas pastas, que irão ajudá-lo a guardar seus Pins por temas ou tópicos. Então, faça Pin, à vontade e de graça! Todo dia é uma nova chance de trazer Pins para a sua vida!

3.2 As crianças55

Neste momento, busco apresentar cada criança individualmente, para que possamos conhecer melhor cada uma, auxiliando na reflexão sobre as relações delas com a internet. Para isso, trago algumas informações básicas sobre cada uma, mas também os seus perfis online, ou seja, os perfis cadastrados nas plataformas descritas acima, e alguns diálogos sobre os mesmos. Afinal, o que dizem as crianças de si mesmas em seus perfis? Buscar a resposta a essa pergunta, nos dirá muito sobre a infância na cibercultura. A interlocução de pesquisa, online e presencial, incluiu 5 crianças, a saber: Caio, os irmãos João e Manuela e as irmãs Isadora e Isabela. Todas as crianças são de classe média e estudam em escolas particulares. Os primeiros com quem conversei foram João e Manuela que são meus primos. Nascidos na Espanha, moram em São Paulo há +/- 10 anos. As irmãs Isadora e Isabela são cariocas e atualmente moram em Garça, SP. Cheguei à elas através do filho de uma integrante do grupo, pois eles estudavam na mesma escola. Caio nasceu e mora no Rio de Janeiro. Meu primeiro contato com ele foi como sua professora particular quando ele cursava a alfabetização. A metodologia de pesquisa utilizada contou com 4 conversas presenciais e algumas online, além da observação dos softwares sociais e das interfaces utilizados pelas crianças. Para melhor visualização estrutural, separo as conversas por data: 2013 Conversa com João e Manu em 31/05/2013.

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Data do último acesso aos perfis das crianças: agosto de 2016. As imagens expostas nesta qualificação foram retiradas da internet e seu uso foi autorizado pelas crianças

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2014 Conversa presencial com as irmãs Isabela e Isadora em 12/03/2014; Conversa com Isadora via Skype em 02/08/2014 Conversa com os irmãos João e Manuela em 05/03/2014 Conversa com Caio e sua mãe Raquel em 09/05/2014

2016 Conversa com Manuela por Direct do Instagram em 25 e 26 de fevereiro de 2016. Conversa com Isadora por WhatsApp56 em 25 e 26 de fevereiro de 2016.

3.2.1 João

Em nossa primeira conversa, em maio de 2013, ele tinha 11 anos57. Já teve alguns blogs dos quais não lembra o nome. No dia 15/02/2012, criou um grupo fechado no site de Rede Social Facebook, chamado Dona Feijão, e acrescentou todos os contatos do seu perfil do Facebook. O grupo ficou com 91 membros no total. A última postagem no grupo não é dele, mas de outro integrante. João possui um canal no Youtube chamado Malditovsky Plays 58, onde postou 29 vídeos que gravava enquanto jogava Minecraft59. Sua última postagem é de 2 anos atrás. Possui um perfil no Instagram, onde postou um último vídeo em 23 de maio de 2015, que mostra seu pai (segundo João) fazendo camarão em uma frigideira. Nos perfis do Instagran (um de 2014 e outro de 2016), podemos perceber que ele fez alterações na descrição de seu perfil, modificando o texto que se encontra logo abaixo do seu nome. João também passou a seguir mais pessoas e a ter mais seguidores.

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Aplicativo para troca de mensagens via celular e web. https://www.whatsapp.com/?l=pt_br João nasceu em fevereiro de 2002 e em novembro de 2016 está com 14 anos. 58 https://www.youtube.com/channel/UC7CbTD4sKe7at80b1ip1ZuQ 59 https://minecraft.net/pt-br/ 57

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Imagem 9 - Página inicial perfil do João no Instagram em dezembro de 2014.

Imagem 10- Página inicial perfil do João no Instagram em agosto de 2016.

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Imagem 11 - perfil de João no Facebook. Não tem foto de capa. A foto do perfil é a mesma desde que ele criou o perfil.

3.2.2 Manuela

Em nossa primeira conversa, em maio de 2013, ela tinha 9 anos60 e seu blog tinha sido criado há alguns dias. Também nasceu na Espanha (Manuela e João são irmãos) e frequenta a mesma escola que João. Manuela tem um blog chamado M@nulândia61, um blog chamado Eco Looks 62 (criado em maio de 2014 e conta com 2 postagens) e outro chamado Troços da Manu63, sem nenhuma postagem. Ela também possui perfil no Instagram. Em 2013, conversamos sobre o seu perfil enquanto acessávamos seu blog. Manuela coloca uma foto, a informação se é menina ou menino e os nomes dos outros blogs que ela tem (provavelmente essa é uma atualização automática do blogger). Não há mais nenhuma informação sobre ela em seu perfil do blogger. Joana – Posso olhar o seu perfil? Clica lá para ver. Manu – Sim, mas não tem muita coisa. Só a minha foto e se eu sou menina ou menino. Joana – Você acha tranquilo botar foto? Eu quase nunca vejo colocar foto. Manu – Minha mãe deixou eu colocar foto. Joana – Sua mãe deixou, né? Tá. Aí tá botando que você é menina, né? Manu – Na verdade eu nem toquei aqui. Eu nunca toco aqui. Joana – Nunca pensou em escrever aí, né? 60

Manuela nasceu em 10 de setembro de 2004 e em novembro de 2016, está com 12 anos. http://manulandi.blogspot.com.br/ 62 http://ecolooksroupas.blogspot.com.br/ 63 http://pucataca.blogspot.com.br/ 61

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Manu – É. Joana – Ah, aqui tá que você está desde 2007. Manu – 2007? Joana – É por que você fez com o e-mail da sua mãe, né? Manu – É. Joana – Ah, então é por isso. Ah, 60 visualizações do perfil já. Manu – 60? Que bom. Queria que fosse 2007 visualizações do perfil já. Joana – Mas, tem que escrever mais coisas sobre você, não? Manu – Minha mãe disse que não é bom.

Imagem 12 - Perfil de Manuela no Blogger. Perfil que aparece quando clicamos em seu perfil no blog Manulandi.

Ela usa o Instagram de forma ativa e seu perfil está cheio de fotos dela e de suas amigas. Cabe destacar que Manuela utiliza o celular de sua mãe para acessar o Instagram, ou seja, sua mãe tem acesso às suas conversas e postagens nesse aplicativo. Ela fez modificações em seu perfil, trocando o nome de “Manumaluca” para “Manutfreire” e depois para “Manuh.freire”. No primeiro perfil, ela possuía 180 publicações e apagou muitas, ficando com 24 publicações e por fim 8 publicações no perfil mais recente (última visualização em setembro 2016). Entretanto, no novo perfil, Manu conta com mais seguidores e segue mais pessoas. Em fevereiro de 2016, nós conversamos, sobre essa mudança em seu perfil, pelo Messenger do Instagram que se chama Direct: Joana - Manu, deixa eu te perguntar: você fez um novo perfil do Instagram? 94

Manu - Kkkk não eu só fico mudando o meu nome que nem louca 😂mas se você ver um outro com a minha foto deve ser o meu insta de desenho Joana - Mas, quando muda o nome as fotos antigas somem? Qual é o seu insta de desenho? Quero seguir 😍 Manu - O insta eh @pequena_grande_artista. Elas n somem. Eu deletei algumas. Joana - Manu, como você decidiu qual foto iria deletar? Manu - ah e eu deletei assim: eu pensei q só ficaria com as fotos q eu tirei num momento especial, e as selfies sem sentido eu deletei, também uso o critério das curtidas, se uma foto ganha muitas curtidas eu n deleto.

Um pouco após essa minha conversa com Manuela, em que ela citou o perfil de desenhos, fui procura-lo para poder seguir e não achei. Por isso, tentei conversar com ela sobre isso em 30 de agosto de 2016: Joana – Deixa eu te perguntar uma coisa. Vc apagou o seu perfil de desenhos?

No dia 06 de setembro, ela ainda não havia me respondido. Tentei novamente: Joana – Não tô achando. Vc vai me ignorar? Magoei! Rsrs. Manu – É que eu vi a mensagem antes dela... eu tia Cris. Aí ela não deve ter visto. Sorry (quem respondeu foi a minha tia, mãe da Manu).

Então Manu “entra” na conversa: Manuela – agora sou eu. sim e nao, eu n apaguei, mas eu troquei o “objetivo”. Antes eu postava desenhos e agora se chama @dixxmanut, eh um insta modinha onde a gnt posta foto zoadas ou piadinhas. Joana – Obrigadaaaa! Eu vi q algumas de suas amigas tb tem esse outro perfil com dixx. Esse dixx significa algo? Foram vcs quem inventaram ou é uma moda mais geral? Manu – É uma moda mais geral então eu não sei o que o dixx significa (perdoa a minha falta de acentos, é um caso grave de preguiça)

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Imagem 13 - Perfil de Manuela no Instagram em dezembro de 2014

Imagem 14 - Perfil de Manuela no Instagram em janeiro de 2015.

Imagem 145 - Perfil de Manuela no Instagram em Imagem 136 - Perfil de Manuela no Instagram em 30 de agosto de 2016. 03 de agosto de 2016.

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Imagem 157 - Perfil Instagram dixxmanut

Os perfis de Manuela nos mostram uma mudança clara em suas postagens ao longo dos anos. Podemos começar observando a quantidade de postagens, seguidores e seguidos; depois podemos partir para o nome que ela dá ao seu perfil e o nome e a descrição que utiliza; e podemos terminar nas fotos. Acredito que olhando esses itens, podemos observar seu crescimento e desenvolvimento físico, mas, principalmente, a sua transição entre a infância e a pré-adolescência. Em nossa última conversa, por Direct do Instagram, abordei o assunto com ela: Joana - você começou a fazer seu blog ainda criança. Mas você foi crescendo. O que você acha que mudou? E o que vc acha de criança produzir coisas na internet? Manuela - Depende da idade,se fosse da idade q eu tinha, ela seria tão inocente que não aconteceria nada pq ela n falaria nada sobre ela, na minha idade a gnt já gosta de se exibir mais e eh difícil tomar cuidado para n se expor demais ou dar informações pessoais, eu acho perigoso, mas só para minha idade e adolescentes Joana - Entao, o q vc acha q mudou é q antes vc era mais inocente e hj vc se exibe mais? Manuela - Quando vc poe desse jeito até parece q eu sou uma ... brincadeira! Mas acho q sim. Só n tanto pq eu sei o q estou fazendo Joana - Explica melhor essa frase: "eu sei o q estou fazendo", por favor? 97

Manuela - Oi jo!! Voltei. O q quis dizer eh q eu tenho noção do perigo que eu corro até oq minha mae faz questão de me lembrar to da hora Joana - E vc acha q tem amigas q sao muito exibidas e nao tem nocao do q estao fazendo? Manuela - não. mas as meninas do nono ano são. Olha. (E me mostra duas fotos de duas meninas diferentes q postaram fotos sensuais - uma mostrando a barriga e outra o decote com os seios bem evidentes).

Na fala de Manu sobre a mudança dos perfis, cabe destacar sua explicação sobre como filtrou as fotos que ficariam e as que deletaria: as curtidas contam bastante na hora de escolher qual foto será mantida. Essa questão das curtidas será analisada no item denominado “Criação e comunicação: eu e o outro” a partir da página 119.

3.2.3 Isadora

Quando conversamos a primeira vez, ela tinha 10 anos64 e possuía um blog65, criado em 2012 quando tinha 8 anos, um canal no Youtube66 e muitos perfis: no Instagram67, no Facebook68, no Shopcliq69 (aparentemente, este site foi desativado), no Skoob70, no Twiter71, no Tumblr72, no Weheartit73 e no Pinterest74. Isadora começou criando o blog chamado “Gosto sem culpa” e, com a criação deste, automaticamente o Youtube criou o seu canal, em seguida ela criou a conta no Instagram, a página do blog no Facebook (segundo ela, para divulgação) e por último a conta no Twiter (também com a intenção de divulgar o blog). Isadora conta que as postagens do Instagram são redirecionadas para o Facebook e o Twiter também. Já foram feitas três entrevistas: uma no dia 12/04/2014 em sua antiga casa no Rio de Janeiro com a presença de sua irmã, 64

Isadora nasceu em 07 de novembro de 2003 e em novembro de 2016 Isadora está com 13 anos. http://www.gostosemculpa.blogspot.com.br/ 66 https://www.youtube.com/channel/UCQeGkSrVS1RhSgYiQ5cjjNw 67 http://instagram.com/isadorasantosg3223 68 https://www.facebook.com/GostoSemCulpaByIsadora 69 http://shopcliq.com.br/isadora.guimaraes.54 70 http://www.skoob.com.br/usuario/1520521 71 https://twitter.com/GscIsadora 72 http://isaguima.tumblr.com/ 73 http://weheartit.com/isadora_guimaraes_54 74 https://br.pinterest.com/isaguima/ 65

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Isabela, que também tem um blog; outra, somente com ela, no dia 02/08/2014, via Skype, pois Isadora se mudou para o interior de São Paulo; e em fevereiro de 2016, conversamos via Direct (caixa de mensagens do Instagram) e via WhatsApp Seu perfil no blog é bastante detalhado, conforme podemos observar a seguir: Joana – Ah, esqueci de perguntar pra você do seu perfil. Isadora – Que perfil? Joana – Do blog. Você bota foto...? Isadora – Foto, meu nome, idade, do que eu falo no blog. Aí tem uma abinha lá que é “Sobre mim”, aí eu escrevi um pouco mais e assim vai. Joana – E você acha que é importante ter isso? Isadora – É porque você faz um blog que não tem a sua foto, não tem o seu nome, não tem a sua idade, fica um blog estranho, né? Você não sabe qual é o nome da pessoa, qual é a idade da pessoa, você não sabe do que que ela fala. Tem que escrever... Joana – Tem que escrever no blog, né? E no Instagram, tem sua foto também? Isadora – Tem foto, aí eu escrevo lá que eu sou é, que eu tenho um blog, e aí, tem a minha idade e a minha foto.

Imagem 18 – “sobre mim” do blog de Isadora.

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Imagem 19 - Quem sou eu da página inicial do blog. Julho de 2014.

Imagem 20 - Perfil na página inicial do blog. Setembro de 2016.

Analisando esses três perfis coletados no blog de Isadora ao longo desses anos, podemos perceber algumas mudanças em seus interesses e até em sua escrita. Acho importante destacarmos o fato de ela apresentar seus outros perfis em outros softwares sociais e principalmente destacar a mudança no que ela apresenta como interesse: em

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seu perfil de 10 anos, aparecerem várias coisas como interesse e no de 12 anos, ela cita apenas a fotografia e o gostar de saber sobre as coisas. Isadora possui um perfil pessoal no Facebook e costuma responder os posts feitos por amigos e parentes, mas raramente posta alguma coisa. Ela utiliza o perfil do blog no Facebook sempre que coloca novos posts.

Imagem 21 - "Sobre" que aparece na página do blog no Facebook

Fez uma alteração recente (em 2016) no se perfil do Instagram. Em nossa conversa por WhatsApp perguntei porque ela havia feito essa modificação. Joana - Te perguntei se você trocou de Insta porque eu tinha um perfil seu (uma foto) que tinha muitas publicações Isadora - Ah, e é que eu apaguei elas Joana - E o seu nome era _doraisa. Perguntei pq minha prima fez isso tb. Mudou o nome Isadora - Sim Joana - Do perfil do Insta. E eu achei q as fotos sumissem depois de fazermos isso Isadora - Não, você tem a opção de apagar e de mudar o nome separados Joana - Ah, entendi. E posso perguntar por que você quis mudar o nome? Isadora - Então, eu enjoo muito fácil das coisas aí eu mudei porque também estava muito longo quando eu ainda era @isadorasantosg3223 Joana - E mais uma coisa que fiquei pensando: como você decidiu quais fotos apagar no Insta? Isadora - Selecionando as que eu mais gostava e que eu menos gostava

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Imagem 22 - Perfil Instagram Isadora julho de 2014. Acessado pelo computador e não pelo aplicativo do celular.

Imagem 23 - Perfil Isadora Instagram março de 2015

Imagem 24 - Perfil Isadora março de 2016.

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Imagem 25 - Perfil Instagram agosto de 2016.

Analisando as mudanças nos perfis de Isadora, além da mudança física visível pelas fotos, podemos perceber algumas mudanças de atitudes, como, por exemplo na forma como ela utiliza o espaço para a escrita do seu nome: o primeiro perfil do Instagram utiliza o nome quase que completo e com um número; no segundo perfil, utiliza o primeiro nome em letras minúsculas e com a imagem de um ursinho; o terceiro perfil apresenta seu primeiro nome em letras maiúsculas; e o último perfil apresenta seu nome e sobrenome (opta pelo Guimarães) e o símbolo de seu signo, o que já pode demarcar uma busca pelo autoconhecimento, em um movimento mais adolescente. O número de fotos diminuiu e o de seguidores e seguidos aumentou. Em nossa última conversa, por Whats App, eu perguntei sobre esse crescimento: Joana - vc começou a fazer seu blog ainda criança. Mas vc foi crescendo. O que você acha que mudou? E o que vc acha de criança produzir coisas na internet? Isadora Guimaraes - Eu acho que eu evolui, eu não sou mais aquela menina que ama moda, maquiagem, sapatos, roupas... Agora eu mudei em relação aos meus gostos, hobbies e interesses, agora eu gosto de livros, música, dança, arte, e outras coisas. E isso também tem muito a ver com a minha relação comigo mesma. Eu ainda gosto de maquiagem, mas não naquele nível. E eu usava muito, agora não, 103

só pra sair. E é isso. Joana - E o que vc acha de criança produzir coisas na internet? Isadora - Acho muito legal, tanto que eu comecei assim, mas, não pode interferir nos estudos. Mas eu acho demais!

Figura 2616 - Perfil no Youtube

Imagem 17- Perfil do Pinterest de Isadora. Setembro de 2016.

Imagem 28- Perfil no Facebook pessoal agosto 2016

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3.2.4 Isabela

Em nossa única conversa, em 12 de março de 2014, Isabela tinha 8 anos (faria 9 no mês seguinte)75. O primeiro blog de Isabela se chamava “E aí, tá na moda?”, mas ela o apagou no primeiro dia. Depois fez o blog “Pensando na Maquiagem” que tem a última postagem em julho de 2015, onde ela convida para visitarmos seu blog novo, mas não há nome nem link para o mesmo. Após essa nossa primeira conversa, tentei falar com Isabela via Messenger do Facebook, mas não obtive resposta. Continuei observando seus perfis e não senti necessidade de falar novamente com ela. Isabela criou uma página no Facebook (Pensando na Maquiagem by Isabela) com o intuito de divulgar o blog. E, ao apresentar-se nessa página, chama a atenção o fato de Isabela citar o blog da irmã, conforme vemos na imagem abaixo.

Imagem 29 – “Sobre” que aparece na página do blog no Facebook.

Sabendo que Isabela afirma só ter criado o blog porque estava com inveja da irmã, conforme vemos no diálogo a seguir, podemos concluir que quando Isabela traz o blog da irmã na descrição do perfil do Facebook criado para seu blog, é como se ela buscasse legitimidade para o mesmo, como se ter uma irmã que faz um blog a autorizasse a ter um também. Isabela possui perfil pessoal no Facebook, canal no Youtube, conta no Instagram e no Pinterest. De todos, o que ela mais utiliza é o Instagram. Abaixo, apresento as imagens de perfis disponíveis nas plataformas utilizadas por Isabela

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Isabela nasceu em 13 de abril de 2005e em novembro de 2016 Isabela está com 11 anos.

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Imagem 30 - Sobre do blog de Isabela.

Imagem31 - Perfil pessoal Facebook. Agosto de 2016.

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Imagem 32 - Perfil Instagram Isabela. Julho de 2014.

Imagem 33 - Perfil Isabela Instagram. Dezembro de 2014.

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Imagem 34 - Perfil de Isabela no Instagram. Março de 2015.

Imagem 35 - Perfil Isabela Instagram. Agosto de 2016

Analisando as mudanças no perfil do Instagram de Isabela, podemos perceber uma mudança física, que demonstra seu crescimento, E assim como Manu e Isadora, chama a atenção alguns detalhes: o texto de apresentação do Instagram que fica abaixo do nome, por exemplo, passa por transformações interessantes: no primeiro perfil, ela escreve um texto cheio de figuras fofinhas que a ajudam a se descrever. O segundo e o terceiro perfis, trazem dois textos e o quarto perfil traz apenas uma palavra: “Pessoa”. Também há um aumento significativo de publicações. Ao contrário de Manu e Isadora, Isabela manteve todas as suas fotos em seu perfil, mesmo tendo feito alterações nele.

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3.2.5 Caio

Quando conversamos sobre seu blog pela primeira vez, em maio de 2014, Caio tinha 12 anos76, tendo criado seu blog em maio de 2012, com 10 anos. Seu blog se chama “Animais Selvagens 77” e foi criado para que ele colocasse seus desenhos online. Fizemos apenas uma entrevista em que conversamos enquanto observávamos seu blog. Por conta das questões que envolvem a produção de Caio78, senti necessidade de conversar com sua mãe também, o que fiz nesse mesmo dia. Após essa nossa conversa de maio de 2014, fui observando o blog de Caio e nesse período, não senti necessidade de marcar uma nova conversa com ele. Caio não possui perfil no Facebook, nem em nenhuma outra rede social. Abaixo, apresento imagem do “sobre” de seu blog, onde vemos que há as informações básicas solicitadas pelo blogger no momento do cadastro e uma foto que, segundo Caio, foi escolhida por sua mãe. Joana – Vamos ver aqui, ó, o seu perfil? Vê o que que tem? Tem uma foto sua. Quem escolheu essa foto, foi você ou sua mãe? Caio – Foi minha mãe.

Imagem 36 – “Sobre” Caio em seu blog. 76

Caio nasceu em 22 de julho de 2002 e em novembro de 2016 está com 14 anos. http://caio-animaisselvagens.blogspot.com.br/ 78 Caio está atualmente no 5º ano do Ensino Fundamental78 e é considerado um aluno especial, mas sem um diagnóstico definido, sendo atendido por uma fonoaudióloga, uma psicóloga e frequentando um curso de desenho. É através dos desenhos que Caio se expressa melhor desde pequeno e, por isso, essa arte sempre foi incentivada pela família e escola. 77

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4 ENTÃO, O QUE PRODUZEM ESTAS CRIANÇAS?

Não há trabalho de campo que não vise ao encontro com o outro, que não busque um interlocutor. Marília Amorim

Uma tese deve contar com categorias que são muito importantes pois apresentam toda a relação que o pesquisador fez com o campo. São as categorias que mostram ao leitor o que foi feito com o trabalho de campo. Apesar de buscar entrelaçar o campo à teoria sempre que possível, são as categorias que possibilitam ao leitor aproximar-se do material encontrado pelo pesquisador. A partir do momento em que a transcrição termina, o pesquisador inicia um trabalho de filtragem e categorização. As categorias podem preexistir na cabeça do pesquisador, mas, normalmente, se modificam ao longo do trabalho, ganhando novos contornos. As categorias que fariam parte do trabalho, em seu início, normalmente, surgem da primeira aproximação do pesquisador com o tema, de suas hipóteses. Porém, as categorias são definidas apenas quando nos debruçamos, esmiuçamos o material colhido em campo. Esse trabalho de categorizar os achados de campo pode, além de ser bastante penoso e complexo, não dar conta do que foi vivido em campo: como categorizar uma pesquisa feita com dados encontrados na internet, ou seja, uma pesquisa que viveu a complexidade dos nós, do emaranhado? Como separar o que parece estar entranhado, unido, conectado? Como separar, de forma linear, as falas e situações observadas se cada uma parece se referir à outra? Com essas indagações em mente, e consciente de que a pesquisa que fiz está cheia de nós, de links e hipertextos, que imagens e falas se remetem umas às outras constantemente, por isso, estamos nomeando de itens os achados sobre os quais me debrucei mais atentamente. Buscando organizar um pouco esses achados, separei os seguintes temas para uma análise mais minuciosa: “As condições de produção/criação”; “Fluidez”; “Criação e comunicação: eu e o outro” e “Estratégias para ser visto”. Todos os itens foram elencados a partir da análise do material de campo, das conversas com as crianças e da observação de seus blogs etc.

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4.1 As condições de produção/criação

O que leva as crianças a produzirem blogs, a criarem perfis nas Redes Sociais, a publicarem vídeos? Nesse item pretendo, com a ajuda das crianças, entender o que as coloca nesse lugar de produção e de publicação de conteúdo online. Também busco entender o que as motiva ou desmotiva em suas publicações. Então podemos começar com a resposta de algumas crianças a uma pergunta que foi feita a todos eles: o que motivou cada um a produzir e publicar online? Isadora ao ser perguntada sobre por que criou o blog, respondeu: Isadora – Por que eu via vários na internet e eu ficava: ah, eu queria fazer isso, deve ser legal, ah, eu gostaria de fazer isso, ah eu queria fazer isso que pode mudar a minha vida. Aí eu fui e criei o blog. Joana – E porque você escolheu o tema da maquiagem? Isadora – Na verdade eu não falo só de maquiagem, eu falo de moda, beleza, de... Joana – E porque foram esses temas de beleza, moda, maquiagem? Isadora – É porque era o tema que eu mais gostava de ler. E aí eu também gosto de escrever e eu também gosto de pesquisar sobre eles. Daí eu escrevi um blog.

Já Manuela, respondeu à essa pergunta com a seguinte afirmação: Joana – Porque que você fez o blog? Manu – Ah, porque eu gosto de tipo, mostrar as coisas que eu gosto.

Uma das condições que apareceram em campo está relacionado ao tempo. De acordo com o que foi esquadrinhado, as postagens das crianças costumam estar condicionadas ao tempo que sobra após as obrigações escolares. Percebe-se que as crianças não têm tempo para fazer o que gostariam, sem o intuito de dizer se é bom ou ruim elas estarem na Internet, mas efetivamente, as crianças não podem fazer o que realmente gostariam por conta da escola, das tarefas educativas. Em posts de vários blogs, é possível encontrar essa explicação do porquê as crianças não estarem postando como gostariam, ou do porquê abandonarem seus blogs etc.

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Imagem 37 – Ausência de posts.

Tanto nas conversas que tive com as crianças quanto nas observações das postagens feitas nos blogs a escola frequentemente aparece como a “culpada” pela falta de tempo da criança. Um exemplo é a postagem do blog “My life, my place, my word”, em que a blogueira justifica a ausência de posts contando que estava de castigo e em época de provas e que se ficasse de recuperação, ficaria de castigo novamente (página 20). Ou seja, a escola que geralmente não permite o acesso livre à internet pelas crianças, é a mesma que, dentro de casa, ou nas horas livres, impossibilita a produção online das crianças pela demanda de tempo. Não queremos dizer, com isso, que a escola é necessariamente a vilã dessa relação, apenas queremos refletir sobre essa questão apontada pelas crianças. Outro exemplo interessante que aponta a escola como culpada pela dificuldade em publicar nos blogs, aparece na fala de Manuela quando perguntada sobre a quantidade de vezes em que faz postagens em seu blog. Ela afirma que não posta muito: Manu - Assim, como eu não tenho muito tempo, eu só posto quando eu tipo, eu não posto muito, em um dia eu encho, eu coloco um montão de coisas e daí eu fico sem postar porque já tá com um montão de coisas. Joana – Mas, porque que você acha que não tem tempo assim? Manu – Ah, porque eu sempre chego tarde da escola...

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Manuela lê um post em que ela relaciona as postagens com a falta de tempo. Ela acredita que seu blog não está legal por conta da sua falta de tempo e deixa isso claro para os seus leitores. Manu – Como vocês sabem meu blog tem várias postagens bobas isso acontece porque eu não tenho tempo para postagens. Assinado Manuela. Eu admito, meu blog está superchato. Isso porque eu não tenho tempo para postar coisas legais. E uma carinha triste.

Cabe destacar, que nesse post, Manu justifica a falta de posts mais elaborados relacionando à sua falta de tempo, afinal, posts mais elaborados exigem maior dedicação da blogueira. Já Isadora, ao ser perguntada sobre a proibição de usar o computador durante a semana, informação que já havia sido dada por ela em outro ponto da nossa conversa, traz a seguinte declaração:

Joana – A questão da postagem, só pode acontecer no final de semana por causa dos compromissos que vocês têm da escola etc.? Daí, você acha que isso atrapalha, assim, o seu blog? Isadora – Não. Porque aí no fim de semana eu faço um post ou sábado ou domingo. Sexta eu entro só de noite. Mas, não atrapalha nada, já tô acostumada também. Desde que eu entrei na escola minha mãe não deixa eu entrar no computador quando tava na escola. Então eu já tô acostumada. Joana – Você nem sente falta de não poder durante a semana? Isadora – E faz 7 anos que eu entrei em todas as minhas escolas, então faz tempo que eu estou nas escolas.

A escola impede mesmo a produção ou serve de desculpa para quando as crianças não querem mais fazer algo? Será que há falta de tempo ou de interesse? Acredito que há as duas coisas já que cada criança lida com suas produções de forma diferenciada. Caio e Isadora, esta já fez posts justificando a falta de posts por causa da escola, mantém seus blogs ativos. Talvez eles postem com menos frequência do que gostariam, mas a questão é que não os abandonaram como as outras crianças. Então, provavelmente, a escola atrapalhe a produção dos blogs, mas não impossibilita totalmente. 113

Imagem 38 – Post pedindo desculpas pelo sumiço.

A questão da falta de tempo para se dedicar às redes sociais, tema recorrente durante as conversas com os interlocutores já que muitas criam os blogs, fotologs, videologs e logo param de atualizar as postagens, e o consequente abandono das mesmas, pode ser debatida com Sibília quando a autora traz dados de 2003 que comprovam o grande abandono dos blogs, considerando como abandono a falta de atualização nos últimos dois meses. [...] pois na febril atualidade não há mais tempo para nada. Se não há tempo para ler, nem para escrever ou sequer para praticar a mais modesta introspecção, então por que haveria tempo disponível para manter um blog? Mesmo obedecendo a lógica da brevidade e do instante, essa atividade não deixa de exigir constância e perseverança para continuar a existir, com todas as demandas de uma, é tarefa a moda antiga. (SIBÍLIA, 2009, p.138)

Isadora, que utiliza o blog com maior dedicação, costuma elaborar e anotar suas ideias durante a semana em um caderninho. Esta foi a forma que ela encontrou de publicar novos posts. “A gente se organiza num caderninho que a gente escreve o que a gente quer fazer, o que a gente quer gravar e é bem mais simples. A gente mesmo que tem as ideias. Tipo ou às vezes a gente copia uma pessoa que fez um post e eu quero 114

fazer parecido e eu escrevo no caderninho”. Entretanto, de acordo com as postagens sobre escola e sobre a falta de tempo e de ideias para postar, podemos perceber que a maioria das crianças não têm tempo de ócio para colocar a imaginação criativa em funcionamento. A pressão da vida cotidiana, corrida e cheia de compromissos escolares e extracurriculares, as faz perder o fio da meada da imaginação criativa que é necessária para as formas de criação, seja em um blog ou em um canal no Youtube. Tanto que as crianças que fazem dos seus espaços um lugar quase que de trabalho, dedicando tempo para seus projetos, conseguem publicar mais. Caso, por exemplo, da Youtuber Mirim Julia Silva, que faz disso, além de passatempo, uma fonte de renda. A seguir, apresento um post de Manuela em que ela deixa claro a sua falta de ideias sobre o que postar.

Imagem 39 - Post de Manuela admitindo não ter ideias para postar.

Com esses achados podemos corroborar o grande interesse demonstrado pelas crianças pelo aplicativo Instagram: a partir de smartphones, a criança tira uma foto, escreve uma legenda e pode postar imediatamente. Entretanto, cabe destacar que a autora afirma que o número de novos blogs ainda é maior do que o de abandonos, creditando os novos à possibilidade existente em que se abandone uma tarefa que tenha se tornado cansativa demais, pois sempre há a possibilidade de criar um novo perfil, um novo blog, de reinventar-se. Assim, seguindo o prático esquema do faça você mesmo, é possível deletar com total rapidez e facilidade tudo aquilo - e todo aquele - que não mereça ficar no desvão da memória. Neste sentido, as ferramentas digitais prometem

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ser bem mais eficazes do que o antigo método analógico da "página virada" e da lenta ruminação intestinal. (SIBÍLIA, 2009, p.139)

Esse movimento, que estamos chamando de fluidez, mostrou-se importante e necessário aprofundar em uma categoria.

4.2 Fluidez

Ficamos pobres. Abandonamos, uma a uma, todas as peças do patrimônio humano, tivemos que empenhá-las muitas vezes a um centésimo do seu valor para recebermos em troca a moeda miúda do ‘atual’. Walter Benjamin.

As observações que demarcam a fluidez envolvem o abandono das produções, sejam blogs ou perfis em redes sociais, bem como a criação de novas produções que representem novos interesses. A substituição de softwares sociais ou interfaces por outros mais novos também chama a atenção. Fluidez, segundo o dicionário Michaelis Online, vem de fluência (qualidade ou natureza daquilo que flui) e em sua definição física é a propriedade que um líquido tem de escoar nas canalizações; inverso da viscosidade absoluta de um líquido; fluididade. Porém, a definição que melhor se encaixa no que pretendemos trazer nessa categoria vem da palavra fluir: perder a força, a intensidade; desfazer-se, diluir-se, enfraquecer-se. Essa mudança constante também é uma característica possibilitada pela própria tecnologia: a facilidade em trocar de interface de acordo com interesses ou em ingressar em uma nova rede social da internet é comum às crianças. Podemos afirmar que vivemos em um mundo onde tudo pode e deve ser trocado com maior facilidade e em um curto espaço de tempo. Um smartphone tem modificações em seu aparelho e sistema que nos faz desejar ter um aparelho mais “moderno”. Vivemos um tempo em que o que importa é a nova geração de aparelhos que ganham nomes com números para sabermos mais facilmente qual foi o último a ser fabricado. Os aplicativos são atualizados constantemente e se o aparelho não acompanhar as atualizações, não conseguimos fazer com que uma nova versão desse aplicativo funcione corretamente no aparelho. 116

Queremos ou somos impulsionados a consumir as novidades tecnológicas diariamente. Estar desatualizado do que está acontecendo de novo pode ser um problema social muito grande dependendo da nossa profissão ou, inclusive, da nossa faixa etária. Quase todos os interlocutores desta pesquisa fizeram essa multiplicação de perfis e acessos às redes sociais da internet. Do blog, para uma conta no Twiter, um perfil no Facebook, depois um no Instagram etc. e a cada novo perfil criado, segue-se o abandono do antigo, ou pelo menos, uma maior valorização do novo em detrimento do antigo. Apesar de já ter dito que não pretendo enquadrar as crianças dentro de um conceito, conforme já discutido no capítulo “Infância e Cibercultura” (página 22), não posso deixar de mencionar uma reportagem79 do Jornal O Globo de 2013, em que há uma classificação que nos ajuda a contemplar a categoria aqui chamada de Fluidez: a chamada geração F5. Essa geração inclui as crianças que nasceram entre 2001 e 2007 e que “acompanharam o estouro da banda larga e das redes sociais e o surgimento dos dispositivos móveis”.

Imagem 40 – Linha evolutiva das mudanças tecnológicas de 2001 a 2010.

De acordo com a linha evolutiva apresentada acima, podemos concluir que as crianças participantes da pesquisa desenvolvida nesta tese, nasceram e estão crescendo em rede, e ainda mais, vivenciam transformações tecnológicas de forma muito rápida. A novidade chega ao mercado cada vez mais rápido, a atualização é constante. Inclusive, o nome geração F5 vem da função desta tecla, já que é ela que atualiza o navegador da internet no computador. Ainda de acordo com a reportagem, a Geração F5 é caracterizada por 5 “Fs”: full time, estão sempre conectadas; feed, são estimuladas por diversas fontes de conteúdo; filtro, selecionam o que é relevante; foco, se aprofundam nos temas de interesse; e flexibilidade, capacidade de transitar com facilidade entre os assuntos”. Portanto, as crianças participantes desta pesquisa, tendo nascido entre 2002 e 2005, estariam, teoricamente, dentro do que podemos chamar de Geração F5. E, apesar 79

A tecla do momento: crianças da geração ‘F5’. Jornal o Globo (versão impressa), 2ª edição, 14 de julho de 2013, Caderno Economia, Digital & Mídia. 30.

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de não querer utilizar estas nomeações, acredito que essa característica de viver em atualização, caiba muito bem na discussão que estou nomeando de Fluidez, afinal, as crianças com as quais conversei, demonstraram estar sempre em busca de novidades, e mais ainda, buscando novos interesses quando o antigo já não satisfaz mais. São crianças que vivem em atualização constante, mas que ao mesmo tempo se dedicam full time ao que está no centro do interesse do momento. Então, uma criança pode decidir criar um blog para falar mais de um assunto sobre o qual ela se interessa (caso de Isadora) e também pode abandonar um grupo recém-criado, como, por exemplo, o grupo Dona Feijão, criado por João em 15 de fevereiro de 2012, que teve muitas postagens feitas por ele no primeiro mês e logo suas postagens foram diminuindo, sendo a última de 10/11/2012. Depois disso, outros usuários fizeram postagens esporádicas e a última foi em 08/05/2014. Perguntado sobre porque não postava mais nada no grupo e se tinha abandonado o mesmo, João respondeu: “É. É que ficou chato assim, ai, botando coisa, vendo o que as pessoas fizeram. Ficou chato”. Em relação ao seu canal do Youtube, o Malditoviskis Plays Plays Jogos, João explicou que foi criado automaticamente quando ele criou um e-mail do google e passou a ser usado em 2012, mas não há postagens de novos vídeos desde dezembro de 2013. João explica porque parou de postar: “Aí meu headset (fone com microfone) ficava quebrando, ele tá quebrado, aí eu parei de postar vídeos”. Sua página pessoal do Facebook e seu perfil do Instagram, também possuem pouquíssimas publicações. Em 5/11/2014, João compartilhou um link no Facebook, após isso, ele foi marcado em fotos e foi parabenizado por seu aniversário em fevereiro de 2015. Mas, não colocou mais nenhum post. Seu Instagram também tem um último vídeo postado em maio de 2015 e conta com um total de 18 publicações. Ou seja, João tem poucas publicações de um modo geral e a vista de qualquer empecilho ou desânimo, ele abandona seus perfis. Joana – Então você não entra mais no Facebook? João – Não. Joana – Porque? João – Por que eu enjoei Joana – Mas, e o grupo lá, aquele? João – Dona Feijão? Ficou. Joana – Deixou pra lá? Cansou dele?

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Joao – É. É que ficou chato assim, ai, botando coisa, vendo o que as pessoas fizeram. Ficou chato. Joana – E qual é o nome do seu canal no youtube que eu procurei e não consegui achar. João – Eu acho que eu vou deletar ele, mas é, é que eu tentei mudar o nome só que deu errado. É malditovisks plays play jogos. Joana – Mas, o grupo Dona Feijão tá abandonado, né? E o seu Facebook? João – É. Também, tentei desativar e não consegui. Eu tinha o meu Facebook pra jogar Red Crucible

Manuela, também já não posta há muito tempo em seus blogs. O Blog Manulandia conta com 17 postagens, sendo a mais recente de outubro de 2013. O Blog Ecolooks possui 2 postagens e no blog Troços da Manu não há nenhum post. Segundo Manuela explica, houve uma migração para o Instagram, tendo criado seu perfil no final de 2013, e um abandono dos blogs criados por ela. Ela afirma que “A gente fica mais no Instagram”. Mas, mesmo o Instagram, aplicativo ao qual as crianças têm sido mais fiéis, sofre com a fluidez que se caracteriza na já comentada mudança de perfil (ver página 88 onde apresento as crianças) e também na criação de novos perfis, como no caso de Manuela que criou um perfil para colocar seus desenhos (@pequena_grande_artista) e que depois o transformou em um perfil Dixx conforme descrito na página 93. A fluidez também é determinada pelo fluxo das crianças entre os aplicativos/plataformas. a necessidade de estar onde os amigos estão. Ou seja, as crianças vão seguindo o fluxo das outras crianças: a criação de um blog, faz com que outras crianças queiram criar um blog, a criação de um grupo, a ida para o Instagram, Snapchat etc. A cultura de pares deles se mostra nessas migrações, nessa fluidez. As crianças querem conhecer o que outras crianças estão usando, conforme podemos ver nas falas abaixo: Joana – Mas, e porque você fez esse grupo (refiro-me ao grupo do Facebook, Dona Feijão)? João – Porque eu fiz esse grupo... (silêncio). Eu tenho uma amiga que tava fazendo um monte de grupo. Aí eu achei legal fazer um grupo, aí eu fiz.

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Joana – E porque você quis fazer (um perfil no Instagram)? Manu – Porque eu tava muito por fora das novidades. Ficava todo mundo falando: ah, você viu aquele vídeo, ah, Manu, você viu aquele vídeo no Instagram? Daí eu, eu não tenho Instagram, eu não tenho Instagram. Daí eu fiquei com vontade de ter pra ver o que era de tão legal no Instagram e era bem legal. Joana – E você Isabela, porque você quis fazer o Instagram? Isabela – Porque todo mundo tinha e eu queria ter também. Joana – E o blog, você fez porquê? Isabela – Porque a Isadora tinha. Isadora – Todas as minhas amigas, quando eu criei, e a Isabela criou, todas, todas mesmo, todas, eu tenho várias amigas por causa da escola, várias na escola, todas criaram! Joana – E aquele negócio que eu nunca sei falar o nome Tumbrl? João – Ah, sei. Tumbrl. Não sei o que é nunca usei. Coisa de velho. Joana – Frequente agora é o Instagram? João – E Snapchat. Joana – Snapchat e Instagram estão bombando? João – E o Vine também.

Joana – Você quer ter Facebook? Manu – Pra mim é a mesma coisa que Instagram, mas sim, eu quero. Joana – Suas amigas têm Facebook? Manu – Não. Pra mim assim, Instagram é pros amigos e Facebook é até pra falar com a família mesmo. Porque ninguém da minha classe tem Face, né? Todo mundo tá no Instagram! Joana – Instagram é o que tá bombando? Manu – Nossa, o Instagram tá muito bombando! Joana – Suas amigas têm blog? Manu –Assim, quando eu fiz o blog todo mundo começou a me copiar. Joana –Você foi a primeira da sala a fazer? Manu –É, mas a aluna nova, uma menina que entrou, ela já tinha blog. E a minha amiga ela copiou totalmente o nome do meu blog. O meu é Manulandia e o dela é Sofiland.

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Esta afirmação de que o Instagram é o preferido pelas crianças, é correlata à informação que apresentamos na página 22, no gráfico que mostra o aumento de postagens em Redes Sociais e a diminuição do uso do blog. Joana – E porque você parou de fazer o seu blog mesmo. Manu – Porque quando o Instagram começou a tipo bombar, todo mundo ficou mais no Instagram. Ninguém queria blog, tipo, é que blog a gente faz tipo, ah, vem ver meu blog tem um monte de coisa legal blá, blá, blá, mas aí depois a gente fica tipo, ah, tenho que postar, ai que droga! Joana – Vira uma obrigação? Manu – É. No Instagram é mais legal, tipo, ah eu quero postar isso, ai que legal. Mas, às vezes você fica tipo, ai não se eu não postar alguma coisa eu vou perder meus seguidores! Joana – Eu acho que o Instagram é mais prático, né? Manu – É porque no Instagram não precisa postar tudo aquilo, né? Porque no Instagram, as pessoas te seguem não pelas suas fotos. Elas te seguem porque você é amigo delas. Tipo a minha melhor amiga, finge que ela não posta nada, finge que ela só posta foto do pé dela, eu vou seguir ela porque ela é minha amiga.

Questionada sobre o assunto de seu blog, Isabela explica que não fala mais apenas sobre maquiagem e moda: “Mas, quando eu criei o blog é, eu ainda tava com inveja da Isadora e aí eu queria com o mesmo tema do dela. Só que agora, é, eu posto sobre muita coisa, tipo decoração e tal”. Porém, cabe destacar que não podemos relacionar o “abandono” ou a escassez de postagens apenas com a falta de tempo e a fluidez já analisadas até agora: a falta de interação com o outro é também um fator que pode desmotivar a publicação das produções infantis e, portanto, também foi separada em uma categoria que tratamos a seguir.

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4.3 Criação e comunicação: eu e o outro

A palavra se dirige. Mikhail Bakhtin

No item anterior, “Fluidez”, já percebemos como o importante papel da amizade, de estar com outras crianças, participando da cultura de pares, faz com que as crianças estejam em determinadas Redes Sociais e/ou usem determinados aplicativos em detrimento de outros. Continuando essa linha de pensamento, onde o outro tem papel determinante, esta categoria apresenta a importância das relações que reverberam para o online. Partindo do pressuposto que é na relação com o outro que eu me reconheço, que é o olhar do outro que me dá contornos, acreditamos que as crianças buscam essa interação online, tanto quanto os adultos o fazem. E é a partir das Redes Sociais e dos blogs que as produções infantis online ganham visibilidade para o outro e que a interação é possível através de comentários, likes, curtidas, corações etc. Mas, qual é a real importância desse outro para as crianças? Até onde vai o desejo delas em serem vistas, comentadas, curtidas, lidas? Até que ponto o outro motiva ou desmotiva as produções infantis online? Para ampliar essas discussões, apresento conversas e publicações das crianças onde elas mostram o quão importante é a relação com o outro. Conforme podemos ver no comentário de Manuela a uma imagem que ela mesma publicou no Instagram:

Imagem 41 - Legenda de foto do Instagram de Manuela.

A imagem80 mostra Manuela com um bebê no colo e ela coloca a seguinte legenda “Poxa... ninguém vai comentar nada...”. Quando ela posta uma imagem, além dos corações que recebe, ela espera por comentários. Sobre a questão dos comentários, 80

Apesar de termos autorização para uso das imagens, pensamos que elas só devem ser usadas quando forem essencialmente importantes. Neste caso o foco está na legenda, portanto, a imagem foi suprimida para preservar as crianças envolvidas.

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reportagem do dia 04/12/2014, veiculada no portal de notícias G1, com o título “Em busca de popularidade, jovens 'negociam' elogios no Instagram”, confirma essa necessidade que parece estar posta na sociedade contemporânea: ser visto, curtido, comentado. De acordo com a reportagem, os jovens estão trocando “curtidas e comentários”: se um usuário curtir minha foto, eu curtirei a foto dele em troca. Conversando com Manuela, pergunto sobre o porquê ela faz postagens no Instagram ela menciona a questão dos seguidores, corroborando que tê-los em grande quantidade é muito importante.

Joana - É, sabe o que eu queria saber? Porque eu quero entender porque as crianças gostam de postar coisas, de criar coisas na internet, entendeu? Manu – É pra todo mundo... Você me deixa em cada fria! É pra, ah, tem gente que gosta de tipo mostrar como é, ah, o que eu gosto de fazer, gosto de jogar Minecraft, tem gente que gosta de fazer vídeo no Youtube por diversão, é por diversão assim. Joana – Você faz por que? Por diversão? Manu – Sim, eu faço por diversão. E pras pessoas me seguirem. Porque no Instagram tem uma certa competição pra ganhar seguidores. Joana – Ah, e como é que a gente ganha seguidores? Manu – Postando coisa legal? Joana – Então por isso que tem que pensar no que postar, né? Ver o que é que vai postar? Manu – É. Joana – Entendi. E todos os seus amigos te seguem da sala? Manu – Ah, deixa eu pensar. Todos que estão (no Instagram), sim.

A questão dos comentários, da necessidade de saber que alguém viu e comentou o que foi feito por ela é recorrente e surgiu também em conversas com outros interlocutores da pesquisa e pode ser compreendida com o auxílio de Sibília (2009, online81): Por isso, apesar da ênfase nas novas práticas presentes na Web 2.0, eu tendo a afirmar que se trata de um fenômeno bem mais amplo: usamos essas ferramentas para responder às demandas de um novo tipo de sociedade, um universo cada vez mais distante daquela cultura oitocentista que incitava a escrever diários verdadeiramente “íntimos”.

81

http://www.ihuonline.unisinos.br/index.php?option=com_content&view=article&id=2361&secao=283

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Uma das principais manifestações dessa virada é um crescente desejo de ser visto, uma vontade de se construir como um eu visível, como um personagem que os outros podem ver e, graças a esse olhar reconfortante, confirmam a existência de quem se exibe.

Outra criança que demonstra essa necessidade de interação com o outro de forma clara é Isadora. Em nossa primeira conversa ela conta que há visualizações de seu blog que veem do mundo todo: “Tem visualizações da Rússia. Tenho quase mil visualizações dos Estados Unidos”. Para destacar a importância que as visualizações têm para Isadora, destaco diálogo ocorrido em nossa segunda conversa, ocorrida via Skype. Finalizando a conversa com ela, falo: Joana - Então tá Isadora, eu acho que por enquanto é isso. Por que eu já tinha, eu achei que a gente fosse ver o blog juntas, mas como eu consegui ver isso ontem... Deixa eu dar uma entrada aqui pra ver se ainda tem alguma coisa e aí eu já te libero. Isadora – Já que você não lembrou mais alguma pergunta pra fazer, eu tenho uma pergunta que você possa fazer e eu responder. Posso dar uma ideia? Joana – Claro! Isadora – Sobre quantos seguidores e quantas visualizações seu tenho. Joana – Ah, me conta! Isadora – No youtube eu tenho, deixa eu ver, no youtube, um pouco menos de 3 mil visualizações ao todo. Joana – Nossa! Isadora – No blog, eu tenho um pouco mais de 10 mil visualizações. Joana – Um pouco mais de 10 mil visualizações? Isadora – É. E no Instagram eu tenho mais de 200 seguidores. Joana – Caramba, Isadora, tudo isso? Isadora – É eu acho que é muito... E no Facebook eu tenho, é o que eu tenho menos curtidas. Tenho quase 30 curtidas. Joana – Ah, mas é bom também, né? Eu acho que é bom sim, quer dizer, eu não entendo muito, mas o que importa é que o blog tem bastante visualização e o youtube também, né? E as pessoas assinam o seu canal do blog? Isadora – Sim, eu tenho alguns seguidores, acho que 14 seguidores no Google e no Instagram eu tenho quase 200 inscritos. No Youtube eu tenho quase 30 inscritos.

E, quando perguntada sobre os comentários, explica: “Eu tenho poucos comentários. Acho que eu tenho uns 10 comentários no blog todo. É porque eu acho 124

que meu blog está com problema nos comentários porque as pessoas só conseguem comentar se elas têm uma conta no Blogger”. Clicando em seus posts, achei 2 comentários de pessoas conhecidas de Isadora e que comentaram num post em que ela dava uma receita de um doce. Ela agradeceu os dois. Outra criança que destaca a importância de ser visto ou comentado é Caio. Na verdade, sua mãe relata que: Raquel – Quando alguém comenta ele fica, no início ele pedia toda hora pra eu olhar, todo dia se tinha algum comentário, né? Aí depois ele parou de pedir, mas quando alguém comenta ele fica deslumbrado.

Sobre a importância de falar com/para o outro Fernandes (2009) traz uma afirmação muito importante: Os significados que surgem na relação com o Outro são formações dinâmicas e evoluem ao longo da história dos povos e também ao longo do desenvolvimento da criança; o que mostra que as línguas e seus usos não são estáticos mas produções históricas. A fala não é uma produção do indivíduo mas um evento que é resultado de uma interação social. É esse caráter de interação que faz da fala lugar de produção de sentidos, veiculando significados socialmente instituídos ao longo da história, que permitem a emergência de múltiplos sentidos em função da realidade pessoal dos interlocutores e das condições concretas em que ocorre tal interlocução. Dessa maneira percebemos que, quando escolhem a escrita, esta faz mais sentido quando se vai “escrever com o outro” e “escrever para o outro” ( p. 98 – grifos da autora).

Ainda sobre essa relação com o outro, sobre a escrita para o outro, mais uma vez Fernandes (2009), aponta dois momentos de suas crianças: durante a escrita em sala de aula, as crianças não queriam nem pensar em colocar suas histórias na Internet (além da vergonha, alegavam medo de ter suas histórias copiadas por MSN, por exemplo). Quando a autora entrevista as crianças que participaram do bloguinho, a percepção foi outra: as crianças queriam ser vistas. Tendo percebido a mesma coisa, a vontade das crianças em serem vistas ou em terem seus blogs vistos, fico com a pergunta: por que a história produzida em sala de aula não pode ser partilhada pela internet, mas a narrativa que se direciona para isso sim? Quais são as diferenças entre produzir para a Internet e para a escola? A que tipo de julgamentos as crianças estão se expondo na escola e na internet? A autora também percebeu a importância que o outro assume para as crianças que escrevem um blog. As crianças demonstram ter entendido bem a lógica da escrita no blog em que escrevem para vários “outros”. As crianças autoras dos posts sabem que

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serão lidas por várias e diferentes pessoas, e que algumas dessas pessoas farão comentários a respeito de seu post. Escrever para muitos leitores pode também trazer essa dimensão diferencial da busca de assuntos que agradem a uma maioria, ou a compreensão do que buscam as pessoas que lêem um blog (FERNANDES, 2009, p. 203).

Mas, afinal, qual é a importância dos comentários? O que podemos pensar após comprovarmos essa necessidade que as crianças têm em ter comentários? O reconhecimento do que é uma criação se dá no social, na relação com o outro. A publicação existe para atingir o outro, para comunicar, sensibilizar e modificar o outro. Quando a criança faz uma publicação, ela quer afetar o outro e busca se ver nesse outro, se reconhecer e se transformar. Desta forma, nos chama a atenção posts como esse que foi retirado do blog da Isabela.

Imagem 42 - Post de Isabela sobre falta de ideias com resposta de uma leitora do blog

Em diálogo com Vygotsky, o autor debate sobre os suplícios da criação, destacando que criar é difícil e que nem sempre coincide com as possibilidades de criação. Eles sabem da necessidade de produzir para não ficar “out”, mas não sabem o que e nem como farão conforme ilustrado na imagem anterior. Mesmo sem ter ideias do

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que postar, é preciso postar, tornar público a sua produção ou a falta dela, pois o reconhecimento de que é uma criação se dará no social, no contato com o outro. Neste sentido, é preciso que o outro nos veja para que nós existamos e para o outro nos ver, precisamos nos mostrar. Sibília (2009) defende que os blogs e fotologs ajudam nessa formação da subjetividade alterdirigida, pois eles facilitam a escrita de si, o mostrar-se ao outro, proporcionam a opção de transformarmos a nossa própria vida em relato, facilitando a espetacularização da vida cotidiana. Como quer que seja, não há dúvidas de que esses reluzentes espaços da web 2.0 são interessantes, nem que seja porque se apresentam como cenários bem adequados para montar um espetáculo cada vez mais estridente: o show do eu. (SIBÍLIA, 2009, p. 27. Grifo da autora).

O que são os comentários para as crianças? Segundo Sibília, pensando em blogueiros adultos, os comentários significam o apoio do público para com "eles, os sujeitos criadores, e não suas obras entendidas como objetos criados". (p. 236). Pensando nas falas das crianças, também podemos perceber essa grande necessidade de ser querido, de ser curtido, de ser notado, de se fazer presente nessa grande rede, é o que vai ajudando a formar a subjetividade das crianças que utilizam as redes sociais: [...] Uma subjetividade que deseja ser amada e apreciada, que busca desesperadamente a aprovação alheia, e para tanto procura tecer contatos e relações intimas com os outros. [...] o que se é deve ser visto - e cada um é aquilo que mostra de si. (SIBÍLIA, 2009, p. 235 grifos da autora).

Este cenário, em que o que importa é a aprovação do outro, proporciona uma enxurrada de publicações parecidas, de blogs com o mesmo assunto, de canais do Youtube onde o que importa é contar sobre o personagem “eu”. Segundo a autora, esse show do mesmo, é proposital, [...] pois se trata de um tipo de eu que se constrói na visibilidade – tanto na exposição de sua vida supostamente privada como de sua personalidade – e que se propõe como um estilo bem cotado ou uma atitude a ser imitada, a fim de se aproximar do atraente campo magnético das celebridades. (SIBÍLIA, 2009, p. 249).

Esta afirmação de Sibília nos ajuda a compreender a existência de posts como o de Isadora em que cita 25 coisas sobre ela (conforme imagens das páginas 67 e 68). Há 127

alguns meses, surgiram muitos vídeos no Youtube com a seguinte proposta: o Youtuber deveria dizer 50 coisas sobre ele. Esses vídeos fizeram muito sucesso e viralizaram82 durante alguns meses, mais uma vez contribuindo para a compreensão da importância de haver essa exposição do personagem “eu”. Manuela, ao criar seu blog, nos mostra a participação e o envolvimento do outro desde a ideia de fazer um blog até a efetivação da parte prática que envolve a realização de um blog. Seu blog, M@nulândia, criado em outubro de 2012 foi feito com a ajuda do irmão, utilizando a conta de e-mail da mãe que tem acesso a seu blog. Conforme já foi dito na página 109, Manuela disse ter feito o blog para “mostrar as coisas que eu gosto”. Seu primeiro post foi:

Imagem 43 – Primeiro post Manuela.

Nesta publicação, Manuela escreve diretamente para o leitor do blog com dois pedidos: para ser compartilhada e para ser compreendida sobre sua falta de habilidade na tarefa de colocar um blog online, já que esse é seu primeiro blog. Desta forma, fica claro, mais uma vez, a importância do outro nessa relação das crianças com as produções online. Já Caio, ao ser questionado sobre quem comenta os desenhos de seu blog, não soube responder. Fomos ao blog para descobrir e, quem mais comentava era o pai dele. Joana – Seu papai sempre comenta, né? Caio – É. Joana – E seus amigos da escola, sabem que você tem um blog? 82

Viralizar, se tornar viral, significa, se espalhar de forma muito rápida, como um vírus, na internet.

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Caio – Acho que alguns sabem, mas eu acho que eles não comentam. Joana – Mas, você sabe se eles veem os desenhos que você coloca? Caio – Ah, eu acho que não. Joana – Você ía gostar se os seus amigos entrassem no seu blog? Caio – Ah, sim. Joana – E assim, vocês acham que tem alguma relação, que vocês conseguem estabelecer alguma relação com quem lê o blog, com quem curte a página no Facebook, com quem segue no Instagram. Como é que é, vocês conhecem as pessoas do lado de fora, da vida real também? Isadora – Às vezes a gente recebe visualizações de pessoas que são famosas, que são blogueiras e aí a gente, eu já recebi um comentário de uma menina que ela é blogueira, e elas escreveu lá que gosta muito dos meus vídeos e eu escrevi: “Ah, eu também gosto muito dos seus, beijos!” É uma relação mais longe, porque ela mora em São Paulo, mas posso dizer que a gente tem uma pequena relaçãozinha. Joana – E as suas amigas da escola? Elas interagem com o seu blog, como é que é? Isadora – Uma amiga minha a Gabriela, e uma outra que é a Elisa, elas fizeram vídeo comigo, aí é isso, elas já fizeram vídeo comigo e aí às vezes elas vem aqui em casa e a gente grava vídeo. Joana – Mas, elas comentam no seu blog, não? Isadora – Não... Ah, a Elisa comenta e eu não lembro se a Gabriela comenta ou não, mas a Elisa já comentou no meu blog.

4.4 Estratégias para ser visto

Este item pretende analisar como se dá o usa das técnicas oferecidas na internet pelas crianças e quais as formas de divulgação que elas utilizam para suas produções. Que tipo de postagens são feitas pelas crianças e que demonstram a forma de utilização dos recursos disponíveis para postagem por elas? Pretendemos apresentar as explicações, dúvidas e dificuldades das crianças para suas produções online, para lidar com as ferramentas disponíveis. Quais recursos disponíveis pelas plataformas são utilizados pelas crianças? Que postagens mostram o domínio da técnica? Quais

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postagens nos mostram o contrário? Quais crianças se destacam no uso dessas técnicas? Quais crianças não querem nem saber como utilizar as técnicas? Essas são as perguntas que ajudam a pensar nas formas de produção utilizadas pelas crianças. João, com seu grupo no Facebook, chamado Dona Feijão, realizou postagens entre fotos engraçadas, links para vídeos no Youtube e utilizou bastante um recurso disponibilizado por esta rede social, onde podemos fazer uma pergunta e colocar opções de respostas, conforme vemos abaixo:

Imagem 44 - Exemplo de postagem feita por João no grupo Dona Feijão.

Imagem 45 - Página inicial canal do Youtube João, que foi alterada por ele para destacar o assunto do canal.

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Manuela, com seu blog, costumava postar muitas coisas diferentes: vídeos, mensagens, piadas, imagens, músicas. Quando perguntei o que ela posta no blog, Manuela respondeu: Manu – Fotos, tipo, eu termino um jogo daí tem alguma foto, tem um jogo de beleza, é um exemplo, daí quando termina, aparece a pessoa como era antes, aparece a menininha como era antes e como ela ficou. Daí eu tiro uma foto disso e posto no meu blog. E eu também, tipo, faço umas dicas de como pentear o cabelo da boneca, posto uma piada, umas músicas.

Imagem 46 - Post Antes e depois

Joana – E você fez sozinha? Manu – Fiz, mas o meu irmão me ajudou a fazer. Joana – Aí seu irmão te ajudou a fazer as coisas que você não conseguia, é isso? Manu –É, tipo, colocar meu nome. Fazer a conta do blog. Joana – Fala, porque você não quer postar os vídeos? Isabela – Porque, deixa eu ver, ah, sei lá, no começo a Isadora pode até me ajudar, mas depois eu vou ter que aprender a editar, vou ter que aprender...

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É muito divulgada a facilidade e a desenvoltura das crianças ao lidarem com as tecnologias, mas Caio não demonstra interesse em aprender a lidar com as ferramentas que envolvem a publicação de um blog, conforme observamos no diálogo abaixo: Joana – E alguém te ajudou a fazer o blog? Caio – Ah, eu acho que foi minha mãe. Joana – E hoje para botar as coisas lá, alguém te ajuda ou é você que bota? Caio – É a minha mãe que bota. Joana – Ah, e como é que você coloca os desenhos aí? Que você faz no papel, que não é no computador? É sua mãe que coloca, né? Como é que ela coloca você sabe? Caio – É, ela coloca na impressora e aí depois vai no paint ou sei lá e aí ela coloca no blog. Joana –Ah, tá. E você não tem nem noção de como é que coloca aí no blog, né? Caio – Ah, eu sei que também tem que colocar o nome. Joana – Mas, você já tentou botar você? Caio – Eu? Não. Ou seja, no caso de Caio, ele é o autor dos desenhos, mas quem administra o seu blog é sua mãe. Segundo ela, Caio demonstra preguiça em conhecer e apropriar-se das ferramentas necessárias para a utilização do blog. Joana – Você escreve pra ele o nome (do desenho)? Raquel – Escrevo porque ele pede, mas é por preguiça. Mas, ele consegue usar o teclado, mas como ele usa devagar, ele pede pra eu escrever pra ele. Mas, assim, eu só escrevo o que ele pede. O texto, tudo o que ele pede pra eu escrever. Joana – E botar também lá, também é mais complicado, né? Raquel – É, porque eu tenho que escanear e fazer as coisas que ele ainda não domina. [...]

Isadora, com seu blog, tem um movimento de domínio total sobre a técnica: ela criou o blog sozinha, sem a ajuda de adultos, e ainda ajudou várias amigas a criarem blogs também. Todo o conteúdo é publicado por ela que demonstra entender 132

perfeitamente as ferramentas necessárias para o funcionamento ideal do blog: ela publica fotos, links, textos, grava, edita e publica vídeos. Uma das ferramentas disponíveis nas plataformas de publicação online, são as que envolvem o lucro. Isadora, consciente dessa possibilidade, utilizou o recurso de Afiliações e Parcerias em que ela colocava a propaganda de duas lojas que vendiam maquiagem e dependendo do número de acessos que fossem feitos através de seu blog, poderia vir a ganhar algum dinheiro ou produto.

Imagem 47 – Afiliações e parcerias blog Isadora

Isadora retirou o item Afiliações e Parcerias de seu blog por que, segundo ela, “não estavam dando certo, aí achei melhor tirar”. Ainda neste contexto de lucrar algo com o blog, Isadora nos conta sobre o Google adsense. Isadora - Por que existe um sistema no google que se chama Google Adsense 83 que você coloca o número da conta aí eles botam anúncios no seu site e você ganha um dinheiro com isso. Joana – Mmm. E botam que tipo de anúncio?

83

http://www.lucrei.com/o-que-e-o-google-adsense-aprenda-e-de-os-seus-primeiros-passos-tutorial/ https://support.google.com/adsense/answer/65065?hl=pt-BR

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Isadora – Tipo anúncio de loja, de geladeira, dessas coisas que tem em qualquer site. Joana – E é você que decide qual anúncio ou são eles? Isadora – Não, são eles. Mas, eu não tenho ainda. Joana – Não tem nenhum anúncio ainda? Isadora – É, quando eu for maior eu vou colocar. Joana – Como assim? Você vai colocar o que? Esse google Adsense? E porque você ainda não coloca? Isadora – Ah, por que, o meu pai ele fala que é perigoso colocar o número da conta, né? Joana – Ah, vai ter que ser uma conta corrente? Entendi. É verdade. Aí ninguém quer colocar ainda? Isadora – É, mais aí quando eu for maior eu vou colocar.

Uma matéria recente, de outubro de 2016, publicada no jornal online Público, intitulada “Google perdoa dívida de 100 mil euros a criança de 12 anos” 84, conta a história de um menino de 12 anos, que muito se aproxima dos meus interlocutores, e principalmente, de Isadora: sonhando tornar-se uma estrela do Youtube e enriquecer com os vídeos que postava em seu canal e a publicidade que associava aos mesmos, José Javier, contraiu uma dívida enorme com o Google, pois ao invés de anúncios pagos pelo Google, José contratou o Google para inserir anúncios em seus vídeos. O que mais nos aproxima desta reportagem é o seguinte parágrafo: “José Javier é um rapaz de 12 anos que, como muitos de sua idade, se maravilha com as notícias sobre seus ídolos youtubers: facturam milhares de euros diariamente, acumulam milhões de visualizações e seguidores, tornam-se estrelas da televisão e da música. Tudo com a maior das facilidades”. Ou seja, há esse pensamento de que ter um blog ajudará as crianças a terem sucesso, ganharem dinheiro e tudo de modo fácil, descomplicado e rápido. A propagada facilidade em colocar um blog ou canal do Youtube online e ganhar dinheiro com eles, pode esbarrar em dificuldades menos onerosas, mas que ainda assim, se mostram de difícil solução como vemos nos exemplos abordados a seguir: o blog e o canal de Youtube de Isabela. Ela conta que quem a ajudou a criar seu primeiro blog foi sua irmã, Isadora, e que a sua dificuldade em lidar com a técnica, a fez desistir do primeiro blog que ela criou: “É, mas, eu fiz, mas eu ficava chamando ela pra me 84

https://www.publico.pt/tecnologia/noticia/ele-so-queria-ser-uma-estrela-do-youtube-e-agora-deve-100mil-euros-a-google-1746150

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ajudar por que eu não tava sabendo muito. E aí, na verdade, eu fiz primeiro um blog que se chamava “E aí, tá na moda?”. E eu não postava nada nele, nada mesmo. E aí um dia, no mesmo dia que eu criei, eu quis apagar por que eu não sabia mexer a Isadora não queria me ajudar, tá. E aí eu fiz um blog e agora eu tô usando ele”. Ela não usa o canal do Youtube, pois nunca consegue escolher um vídeo para colocar. Segundo Isadora conta: “Mas, é, o canal no Youtube dela (Isabela), não tem nenhum vídeo por que a gente já gravou tipo um monte, só que eu falei Isabela, vou começar a editar o vídeo, qual vídeo que você quer? Ela: não quero que edite esse vídeo, não vou postar esse vídeo, não quero, não quero, não quero. Mas, Isabela você fala que vai postar o seu primeiro vídeo. Todo vídeo ela fala: então gente, esse é meu primeiro vídeo, e ela não posta!”. Segundo Isabela, ela não posta nenhum vídeo em seu canal por que não quer aprender a editar: “No começo a Isadora pode até me ajudar, mas depois eu vou ter que aprender a editar, vou ter que aprender...”. Ou seja, é necessário um investimento para o qual Isabela ainda não está preparada. Fernandes (2009), nos ajuda a expandir essa linha de raciocínio quando apresenta a dificuldade de seus interlocutores em lidar com a escrita, seja no caderno ou no computador, ressaltando que a dificuldade não depende do suporte “o investimento que a escrita demanda trazendo com cada suporte desafios específicos. Cada suporte ou tecnologia vem com o seu ‘calo’ junto, ou seja, as dificuldades próprias deste...” (p. 155 – grifo da autora). Joana – O layout, como é que é para fazer o layout, muito difícil? Isadora – O layout eu tentei fazer uma vez, mas é muito difícil porque você tem que usar aquele negócio que se chama HTML e eu não sei usar isso. Minha mãe, ela é designer gráfico, mas eu não sei se ela consegue, a gente tá tentando. Joana – Mas, tem layout no seu blog, né? Isadora – Tem. O layout do meu blog é o layout do google. O google sugere alguns de graça e você pode personalizar eles pela cor, pela letra do título. Joana – Ah, então aí fica fácil de fazer, né? Isadora – Sim.

Mas, e as formas de divulgação? O que queremos dizer com isso? Quais formas as crianças encontram para divulgar seus blogs ou outras produções que fazem na 135

internet? Quais as estratégias criadas pelas crianças para que seus blogs etc. ficassem mais conhecidos? Uma das estratégias interessantes utilizadas pelas crianças é a utilização de uma plataforma para divulgação de outra. Isabela e Isadora, por exemplo, criaram páginas no Facebook com os mesmos nomes de seus blogs como forma de divulgar os mesmos. Em suas páginas, elas apresentam o blog e trazem os links para as postagens. Sempre que postam novas coisas no blog, há um post no Facebook para avisar. Outras estratégias adotadas para a divulgação do blog foram a tentativa de fazer cartões de visita e a distribuição de papeizinhos com o endereço do blog dentro de sala de aula, conforme veremos nos exemplos abaixo. Joana – E como é que você faz para divulgar o blog? Isadora – Pelo Facebook, pelo Instagram, pelo Twiter. É, eu queria criar cartões de visita, minha mãe tava tentando fazer. Quase todo mundo que eu conheço conhece o meu blog, então todo mundo vai falando e vai conhecendo. Joana –E você também divulga na página do Facebook, no Instagram você também divulga igual sua irmã não? Isabela – Divulgo, só que eu só botei uma foto sobre ele, aí tem a parte que você escreve se você gosta ou, no seu perfil assim. Aí você, tipo, você pode escrever, ah, oi meu nome é sei lá quem e eu gosto muito de moda e de maquiagem e adoro ver decoração e lálala.

Joana - Você já está estudando aí, já tá na escola? Isadora – Já. Todo mundo já conhece o meu blog porque lá tem projetor de internet, de imagem, e aí a professora colocou o meu blog lá no primeiro dia de aula. Maior sorte! Joana – Que legal! Ela botou pra todo mundo ver, é, na sala? E você ficou com vergonha? Isadora – Mais ou menos... Ela colocou uns vídeos que eu não achei que tava legal e uma hora do vídeo eu virei a câmera de cabeça pra baixo sem querer, e aí eu fiquei assim. Joana – Risos. Ai que engraçado! E todo mundo gostou, vc acha? Isadora – Sim. Uma amiga que eu tenho já, ela falou que visitou meu blog inteiro! 136

Joana – Que legal, né, Isadora? Nossa, que gente receptiva, né? Que bom! Muito legal!

Manuela - Eu já distribui papelzinho com o nome do meu blog pra minha classe, mas... Joana –Ah, é? Você distribuiu papelzinho com o nome do seu blog? Manu –É mas, ninguém nunca entra mesmo. Joana –Porque você acha que ninguém entra? Manu –Ah, não sei porque nunca entram... Vai ver tem mais blogs mais legais ou o meu tá chato.

Joana –E twitter, você usa? João – Eu tinha criado um pro meu canal, mas nunca peguei eu só usava aquilo pra anunciar se eu postei um vídeo novo porque fazia isso automaticamente. Joana – E ter seguidor no Instagram é importante, né? Isadora – Eu coloco no meu Instagram embaixo ... Blogger, daí coloco embaixo www.gostosemculpa.blogspot.com.br e o pessoal entra bastante e eu acho que eu tenho quase 10 mil visualizações no blog. Isadora conta que já apareceu em dois jornais: “Eu já apareci no jornal Estadão85 e também no jornal de tablet de Belo Horizonte que se chama O tempo”. Em seu blog, Isadora fez um post com imagens das duas aparições.

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http://sao-paulo.estadao.com.br/noticias/geral,blogs-feitos-por-criancas-se-espalham-pela-web-imp,955395

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Imagem 48 – As aparições do blog Gosto sem Culpa em jornais.

Conforme relatado nas páginas 133 e 134, Isadora tem planos de ganhar dinheiro com seu blog, através das propagandas do Google. Porém, para isso, ela precisa ter muitas visualizações, sendo essa uma de suas preocupações. Em julho de 2015 a mãe de Isadora me mandou uma mensagem inbox pelo Facebook para contar que Isadora teria um post seu publicado em um livro didático de português com distribuição nacional. Segue a mensagem: Oi Joana, tudo bem? Quanto tempo! Como estão suas crianças? Quando nasce seu bebê? Passando para contar que Isadora foi convidada a ilustrar com um post do seu blog um livro didático de língua portuguesa de distribuição nacional. Ficou super feliz. Ainda mais que será sua primeira remuneração rs. Está radiante. Bjs

Procurei Isadora pelo Messenger do Instagram e perguntei para ela qual seria o post, mas ela disse que não sabia e que eu deveria perguntar a sua mãe, o que eu fiz e ela prontamente me mandou um arquivo em .pdf com a página do livro.

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Imagem 49 – Blog Gosto sem Culpa em livro didático.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Na introdução desta tese, mais especificamente na página 14, apresento uma pesquisa que fiz no Google, em 2012, utilizando as expressões “blog feito por crianças” e “blog de criança” refiz essa mesma pesquisa em novembro de 2016 e é bem interessante perceber o aumento no número de blogs categorizados como feitos por crianças. Não posso deixar de comentar a emoção que senti ao encontrar a matéria do Estadão86 em que Isadora e seu blog aparecem. Por mais que eu já soubesse dessa reportagem, ela foi citada na página 138, a sensação que tive ao me deparar com ela nessa busca foi de ter, com a minha pesquisa, participado de uma mudança muito grande em relação à participação das crianças na internet, houve uma mudança na forma como a sociedade lida com essa produção infantil. Essa comparação nos resultados deixa claro que se passou a ter a percepção da internet como lugar de autoria infantil. Sendo assim, pude testemunhar, com minhas pesquisas de mestrado e de doutorado, o surgimento e o crescimento de uma nova experiência das crianças com a internet e o quanto a quantidade de reportagens e textos acadêmicos que atualmente abordam o assunto, mostra que esta relação das crianças com a Web 2.0 está consolidada. Precisamos compreender que as crianças sabem/querem/podem se relacionar com a internet de forma produtiva/autoral/criativa; precisamos lembrar que as crianças não são tão ingênuas quanto pensamos como nos ajuda a perceber Macedo (2014). Não são apenas os riscos que envolvem essa relação, que é muito maior, não é única, em linha reta, em via única, ela forma um emaranhado, uma teia. As facilidades proporcionadas pela Web 2.0 permitem que as crianças ocupem esse lugar de forma horizontal em relação aos adultos, como produtoras de conteúdo para a internet, ou seja, conforme discutido na página 62, podemos perceber que a web 2.0 possibilita o exercício da horizontalidade na relação entre adultos e crianças. Entretanto, não podemos esquecer que as crianças, mesmo tendo essa possibilidade permitida pela internet, continuam tuteladas. Essa tutela, que muitas vezes é necessária, aparece bastante nas perguntas selecionadas por pesquisas estatísticas e no discurso de proteção, atenção e cuidado destinado às relações das crianças com a internet. Essa tutela também

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http://sao-paulo.estadao.com.br/noticias/geral,blogs-feitos-por-criancas-se-espalham-pela-web-imp,955395

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fica clara ao percebermos que muitos resultados que aparecem no Google envolvendo as palavras crianças e internet, estão relacionados às formas de proteção e educação. Entretanto, sempre é bom lembrar que nem tudo o que é produzido pelas crianças na internet pode entrar no âmbito da autoria, pois temos que ponderar se um vídeo tutorial, de maquiagem ou de um jogo, entra no quesito autoria, já que, aquele vídeo feito por aquela criança pode ser único, mas a ideia, o tipo de roteiro, o tema, tudo o que envolve o vídeo, pode ser feito a partir da inspiração de outros tutoriais que existem no Youtube. Conforme já discutido no capítulo 2, item 2.3, a questão da criação e da reprodução, nesta tese, é pensada em diáologo com Vygotsky. Desta forma, podemos afirmar que o vídeo tutorial, ou qualquer outro tipo de publicação que se torna viral, como por exemplo, o post “25 coisas sobre mim” ou o vídeo “50 coisas sobre mim”, entram no que Vygotsky chama de criação reprodutiva, ou seja, ela é uma criação que surge de coisas que já vimos. Portanto, acredito que a autoria existe, mas na forma de unicidade pela criança que postou o tutorial e não no ineditismo da postagem. Ou seja, aquela criança fazendo aquele vídeo específico, confere uma criação única, mas o tipo de vídeo está no âmbito da reprodução. Mas, de qualquer forma, fica a questão: até onde vai a autoria na internet? Qual o limiar entre autoria e reprodução? São questões que perpassam esse trabalho para as quais ainda não encontramos repostas. E quais foram as mudanças entre as crianças que participaram da minha pesquisa? Afinal, a pesquisa realizada no doutorado, mostrou-se longitudinal, ou seja, acompanhou o desenvolvimento das criançass. Que diferenças podemos perceber entre os primeiros posts, de 2013 de quando estavam começando a postar e os últimos posts analisados? Para além das diferenças percebidas nos perfis (conforme descrito a partir da página 91), há algumas postagens bastante simbólicas. Um bom exemplo é a fala de Isadora sobre o porquê da escolha do nome de seu blog “Gosto sem culpa”: Joana – Por que você escolheu esse nome para o blog? Isadora – Ah, por que eu pensava assim que criança gostar de maquiagem, seria uma coisa... tipo alguém podia falar tipo assim: ah, não ela gosta de maquiagem, ela não tem idade pra fazer isso. Aí eu pensei assim: gosto sem culpa por que não é minha culpa que eu tenho esse gosto por maquiagem.

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Revisitando seus primeiros posts, de 2012, destacando que seu primeiro post é com dicas de livros, temos “dicas de roupas para o verão 1 e 2”, “Look do dia”, o anúncio de parceria com uma loja de venda online (o link da loja não está mais ativo) e um post que promete virar uma série de dicas de Youtubers legais. Em 2013, Isadora posta várias vezes sobre culinária, maquiagem, decoração e faz algumas resenhas de produtos e publica vídeos. Em 2014, Isadora segue postando sobre tendências da moda, fazendo análise de produtos, postando vídeos no seu canal e dando sua opinião sobre vários assuntos ligados à moda, livros, etc. Entretanto, seu último post de 2014, chama muito a atenção, pois nele Isadora apresenta uma música que fala sobre a beleza sem maquiagem, (conforme podemos ver a seguir) onde defende que beleza não é tudo, que cada um é belo do jeito que é. Após esse post, que é muito forte e reflexivo, Isadora ficou sete meses sem postar. Este post chama a atenção, pois em um blog que se propõe a falar de maquiagem e que, em sua origem, era bastante voltado para isso, a autora coloca um post em que afirma que a maquiagem não é tão importante assim. Podemos compreender, ao ler este post, que Isadora teve uma mudança de interesse ou uma mudança de compreensão do mundo. Quando perguntei sobre o post, por que ela quis colocar esse assunto no blog, obtive a seguinte resposta: “Porque hoje em dia as pessoas se importam muito com o que está fora da gente, e queria abrir a mente das pessoas sobre esse assunto”. Percebi nesse post um divisor de águas: a sensação que temos ao observar seu blog após esta postagem é a de que Isadora mudou. Em primeiro lugar ela ficou de setembro de 2014 até maio de 2015 sem postar nada. Depois fez um post pedindo desculpas (09 de maio de 2015), um com imagens retiradas do Pinterest sobre comidas fofas (29 de maio de 2015), um em que ela fala sobre sua paixão por Harry Potter (em 5 de julho de 2015) e por último, em 19 de outubro de 2015, o post, já citado aqui na página 70, “25 coisas sobre mim”. Sem pretender psicologizar a análise de suas postagens, podemos perceber que ao reconhecer a beleza para além da maquiagem, Isadora parece ter perdido o encanto sobre o mundo da maquiagem, tanto que na sua lista de 25 coisas sobre ela, em nenhum momento aparece o gosto por maquiagem.

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Imagem 50 - Post Isadora sobre beleza

Outra criança que demonstra uma mudança bastante visível é Manuela, que ao ser perguntada sobre o que postava no Instagram, respondeu:

Manu - O que eu posto no Instagram, são, por exemplo, piadas que eu tiro da internet, sabe aquelas piadas com memes? Então. Eu posto fotos de mim, tipo quando eu tô com tédio eu tiro uma foto de mim com olho fechado deitada na cama e posto tédio, tédio, tédio. Eu posto foto de desenhos meus. Eu posto fotos de quando eu mando cartões pras minhas amigas. 143

Podemos verificar algumas mudanças apenas analisando seu perfil e as alterações que Manu fez no mesmo. Entretanto, quero destacar aqui, três postagens que evidenciam as mudanças de Manuela e seus reflexos nas redes sociais.

Imagem 51 – Post com brincadeira. Dezembro de 2014.

Imagem 52 - Manuela ensinando a fazer penteado: "É só vc colocar uma tiara enquanto seu cabelo tá molhado que ele fica assim." Imagem de 2015.

Imagem 53 - Manuela em passeio com as amigas. Agosto de 2016.

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A partir de 2016, a maioria das postagens de Manuela em seu Instagram gira em torno dos amigos: fotos em momentos com eles ou como forma de dar os parabéns a algum deles. Esse tipo de postagem é bastante comum entre Manuela e seus amigos: Manu publica uma foto com o amigo aniversariante e escreve um texto que descreve o amigo e as experiências singulares que caracterizam a história da amizade entre eles. Sabemos que a entrada na adolescência faz com que as crianças comecem a curtir muito mais a companhia dos amigos, a andar em grupos, portanto, analisando as fotos postadas por Manuela em seu Instagram, essa mudança é bem visível. Enquanto escrevia essa conclusão, perguntei à Manuela e à Isadora 87 quais eram as interfaces e softwares sociais que elas estavam usando com mais frequência, neste momento, novembro de 2016. Isadora, em conversa por WhatsApp, me disse que está usando as seguintes interfaces e softwares sociais: WhatsApp, Facebook, Tumblr, Skoob e Pinterest. Interessante perceber que Isadora não destacou nenhum site diferente dos que ela já acessava. Manuela, em conversa por Direct do Instagram, me disse que utiliza o Instagram, o Musical.ly88, o Snapchat89, o Instasize 90 e o Afterlight91. Ou seja, Manuela cita novidades como o Musical.ly, que é um aplicativo em que podemos “dublar” uma música; o Instasize (que é um aplicativo para o Instagram) e o Afterlight que são aplicativos para o tratamento de fotos. Mas nenhuma das duas cita uma nova rede social. Também podemos perceber, nas falas das duas, as diferenças de cada uma ao utilizar os softwares e interfaces disponíveis: enquanto Manuela tende a um uso mais voltado para a publicação de fotos, Isadora demonstra gostar mais de instefarce que disponibilizem conteúdos. A que se deve essa diferença entre as duas? Teria Isadora uma relação mais amadurecida com a internet em razão de seu blog, de seus anseios para o futuro como escritora famosa? Caio, que tem o blog onde publica seus desenhos também passou por uma transformação ao longo desses quase quatro anos em que acompanho suas publicações. Desde o seu primeiro post, publicado em maio de 2012, feito em grafite, passando por uma história criada e desenhada por ele em programa específico de computador até o

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João e Isabela não me responderam. A mãe de Caio disse que ele mantém o blog e o canal do Youtube e tem jogado com amigos que fez online e que isso o fez até ler um livro sobre Minecraft. 88 http://musical.ly/ Exemplos de vídeos feitos com o aplicativo: https://www.youtube.com/watch?v=q3UmiR2Bg4Q 89 https://www.snapchat.com/l/pt-br/ 90 http://instasize.br.uptodown.com/android 91 http://www.techtudo.com.br/tudo-sobre/afterlight.html

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lançamento de um canal no youtube, Zilla Craft, em que ele cria animações em Stopmotion com bonecos do jogo Minecraft.

Imagem 54 – Primeiro post Caio.

Imagem 55 – Canal do Youtube Caio.

Cabe destacar que das crianças participantes da pesquisa Caio e Isadora são os únicos que ainda mantém seus blogs. O que os diferencia em suas relações com seus blogs? Isadora é uma criança que sempre afirma que quer ganhar dinheiro com seu blog ou que quer ser uma escritora famosa e começar com um blog seria uma estratégia para alcançar esse sucesso. Caio utiliza seus desenhos como forma de expressão de seus 146

sentimentos, ele se relaciona com o mundo através deles. Acredito que para os dois, o blog seja algo mais profundo e por isso tenha ido para além da curiosidade inicial e ultrapassado a barreira do cansaço que pode envolver a produção e manutenção de um blog. Pereira, em artigo chamado “O menino, os barcos e o mundo” (2010), defende que as crianças lidam com a técnica de forma lúdica, na forma de jogo. “Para as crianças, os aparatos técnicos são brinquedos e a relação que estabelecem com eles é de jogo.” (PEREIRA, 2010, p.7). Em minha pesquisa de mestrado, percebi que as crianças tendem a desistir de um jogo que esteja muito difícil. Seguindo essa linha de racícionio, podemos concluir que algumas crianças da pesquisa de doutorado desistem de seus blogs por não darem conta de lidar com a tecnologia, ou seja, quando o “jogo” fica difícil, eles desistem, como podemos perceber na fala de Isabela em que ela conta que desistiu do primeiro blog que criou por não saber mexer (p. 133 e 134). Percebi que nem sempre as crianças estão disponíveis para aprender a utilizar um recurso e que às vezes a vontade de ter um blog ou de publicar um vídeo no Youtube pode esbarrar na dificuldade em lidar com a técnica. Por isso, alguns aplicativos que tem o seu uso mais facilitado, como o Instagram, podem fazer mais sucesso entre essas crianças. Isadora demonstra lidar de forma diferenciada com a tecnologia: a relação dela com o blog se assemelha a uma relação de trabalho. Aparentemente, Isadora chegou à técnica de forma lúdica, mas percebeu o potencial e investiu nele. A importância que Isadora dá ao manejo correto da técnica pode ser percebida no diálogo que apresento na página 135, onde ela conta que a professora da escola nova divulgou seu blog, mas que colocou um vídeo em que ela aparecia de cabeça para baixo o que a deixou com vergonha pelo fato de o vídeo não estar perfeito. Compreender que as publicações das crianças estão diretamente ligadas aos seus interesses é uma das primeiras coisas que se destaca em minha tese. É preciso gostar, ter interesse por um assunto para querer se aprofundar nele e isso, para algumas crianças, pode ser traduzido na publicação de um blog ou de imagens sobre esse intresse. Cabe destacar que os temas de interesse mudam ao longo do desenvolvimento de uma criança e isso também se reflete nas suas publicações online. Seguindo esse raciocínio da horizontalidade, cabe destacar que a participação das crianças de forma autoral fortalece e coloca em evidência a importância que a cultura de pares assume para as crianças: estar onde outras crianças estão, compartilhar com, ser visto e comentado por outras crianças é muito significativo para elas. 147

Para finalizar essas conclusões destaco dois assuntos que costumam apareceer quando pensamos em crianças e tecnologias: a escola e o abandono de outras formas de leitura/escrita. Sobre a escola, apesar de as crianças colocarem nas tarefas escolares a culpa pelo sumiço dos posts em seus blogs, convém destacar a fala de Isadora em que ela explica como faz para continuar pensando no que irá postar mesmo durante a semana quando não pode acessar a internet (esta fala está na página 115); também é bom destacar que das crianças que continuam com seus blogs, mesmo que as postagens diminuam ou até parem totalmente em aguns períodos, normalmente, há postagens anuais, ou seja, a criança acaba dedicando algum tempo ao blog. Portanto, percebi, conforme já foi dito, que a falta de interesse ou o surgimento de um novo interesse é o que mais pode causar o abandono de um software social. E sobre o uso das tecnologias digitais em detrimento de outras formas de tecnologia e de interação com a cultura (ler livros, escrever em papel, escutar música, assistir televisão, brincar), existem vários exemplos que mostram que essas formas todas podem continuar existindo, interagindo e se complementando. Alguns exemplos são: Manuela e sua forma de divulgar o blog através da distribuição de papeis com o nome do blog em sua sala de aula (página 138); Isadora em seus vários posts com dicas de leitura; alguns canais do youtube em que as crianças filmam as brincadeiras com as bonecas; os aplicativos em que é possível fazer um vídeoclipe de sua música preferida; e por fim, Isadora com seu caderno onde anota as ideias que tem para o blog ao longo da semana. Por último, mas não menos importante, gostaria de dizer que muito me surpreendeu constatar que as crianças têm a possibildade de autoria na internet e acredito que cabe a nós, adultos, educadores, pais, percebermos a potência que as crianças possuem em sua relação com a internet, encontrando um discurso que vá para além da segurança no que se refere à essa relação, porém, compreendendo que reconhecermos essa potência da autoria na internet não desvaloriza as outras formas autorais e de expressão cultural que acontecem quando a criança utiliza outros recursos que não digitais. Afinal, a potência autoral da criança existe na vida: desde os pequenos tesouros encontrados pela rua até a criação de um canal do youtube, em tudo a criança pode ver possibilidades de criação autoral.

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